Fonte: Obras Completas do Pe. Leonel
Franca S.J
O Método Pedagógico dos Jesuítas – O
“Ratio Studiorum” Introdução e Tradução. Rio de Janeiro: Livraria AGIR Editora,
1952
HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas
"História, Sociedade e Educação no Brasil"
* permitido o uso e reprodução para fins
educacionais
Digitação elaborada por Luciana
Aparecida da Silva
O MÉTODO PEDAGÓGICO DOS JESUÍTAS
O “Ratio Studiorum”
INTRODUÇÃO
Padre Leonel Franca S.J.
No desenvolvimento da educação moderna o Ratio Studiorum ou Plano de Estudos da Companhia de Jesus
desempenha um papel cuja importância não é permitida desconhecer ou
menosprezar.
Historicamente, foi por esse Código de ensino que se pautaram a
organização e a atividade dos numerosos colégios que a Companhia de Jesus
fundou e dirigiu durante cerca de dois séculos, em toda a terra. Ordem
consagrada ao ensino pela Constituição escrita por seu próprio fundador, a
Companhia, onde quer que entrasse a exercer os seus ministérios, instituía logo
e multiplicava rapidamente os seus estabelecimentos de ensino. Em 1750, poucos
anos antes de sua supressão (1773) por Clemente XIV, a Ordem de Inácio dirigia
578 colégios e 150 seminários, ao todo, 728 casas de ensino[1].
Esta imensa atividade pedagógica, com a sua incoercível influência e espontânea
irradiação sobre outros colégios e outros sistemas educativos que se iam
formando e desenvolvendo ao seu lado, não pode deixar de oferecer ao
historiador da educação ocidental um interesse de primeira importância.
Pedagogicamente, a aplicação do Ratio foi coroada em toda
parte, de um êxito incontestável. Confessam-no todos os escritores
desapaixonados, ainda os menos simpáticos aos jesuítas. E se a árvore se
conhece pelos frutos, aí estão eles numerosos e sazonados, a atestar-lhe a boa
seiva e fecundidade. Não só a obra educativa dos colégios da Companhia foi um
dos fatores mais eficientes da contra-reforma católica, senão também ela se
acha ligada grande parte da aristocracia intelectual dos últimos séculos. Na
França. S. Francisco de Sales, Corneille, Moliere, Fontenelle, Descartes,
Bossuet, Monstesquieu, Malesherbes, Rousseau, La Condamine, Diderot, Buffon,
Langrage, Richelieu, Conde, Cauchy, Flechier, Fleury, Lamartine, Foch; na
Espanha, S. João da Cruz, Cervantes, Calderón, Lope de Veja, José Zorrila,
Rubem Dario, Ramon Jimenes; na Itália, Tasso, Alfiere, Vico, Goldoni, Segneri,
Bartoli, Prospero Lambertini (Bento XIV); na Bélgica, Justo Lipsio; na Irlanda,
O´Connel; em Portugal e na América Latina, Antonio Vieira, João de Lucena,
Baltazar Teles, Zorrilla de S. Martin, para não lembrar senão estrelas de
primeira grandeza, saíram dos Colégios da Companhia. Estudar, portanto, um
sistema pedagógico eu tem em seu abandono a prova decisiva de uma experiência
multissecular não é porventura empreender um trabalho com a segurança dos
resultados mais positivos, com a certeza de deparar muitos destes elementos da
pedagogia perene que mergulha as suas raízes nas profundezas da própria
natureza humana? Quantos problemas agitados pelos educadores modernos
encontrariam, talvez, num principio ou numa sugestão do Ratio, a
inspiração bem-vinda de uma solução feliz? A Historia e a Ciência da educação
tem, portanto, no Plano de Estudos da Companhia de Jesus, um instrumento de
trabalho de primeira necessidade e de incontestáveis vantagens.
As grandes línguas modernas já possuem
traduções acessíveis do original latino[2].
Esforçamo-nos por agora, para ministrar aos estudiosos de língua portuguesa uma
versão vernácula do importante documento, em que a exatidão fiel e a
simplicidade fluente fizessem boa aliança.
Para melhor inteligência do texto, julgamos oportuno, em breve introdução,
indicar a origem, as fontes e as grandes linhas características do Ratio.
ORIGENS
A instituição de colégios para estudantes não pertencentes à Ordem não
entrava no plano primitivo de Inácio, mas bem depressa se lhe impôs como uma
necessidade quase indeclinável e um instrumento eficaz de renovação cristã
muito em harmonia com as suas altas finalidades e com a inclinação espontânea
de Inácio. A fundação em Goa por S. Francisco Xavier do primeiro colégio para
externos em 1543 e a doação em 1544 de 5. Francisco de Borja, então duque de
Gandia, para a abertura nesta cidade de um colégio, transformado, em 1547, em
Universidade ou Studium generale, enveredaram a nova Ordem pelo caminho
de sua missão educativa.
Colégio de Messina. - Mas foi em Agosto de 1548, que, a pedido do
Vice-Rei e da cidade de Messina, S. Inácio aceitou e abriu nesta cidade o
primeiro Colégio clássico da Companhia plenamente organizado (em Gandia só
havia estudantes de filosofia em 1546; em 1548, acresceram duas aulas de
gramática, fechadas pouco depois e reabertas mais tarde).
Para a nascente instituição enviou o Fundador um manípulo de padres de rara
valia, Jerônimo Nadal, Reitor e professor de hebreu, Pedro Canísio, de
retórica, André Frusius (des Freux) [3]
de grego, Isidoro Bellini, de lógica, João Batista Passeriní, Anibal Du Coudret
e Benedito Palmio, respectivamente da 3o., 2o. e 1o.
classe de gramática . O corpo docente apresentava um caráter acentuadamente
cosmopolita: italianos, espanhóis, franceses e alemães nele se achavam
representados. A todos, porém, unia,
além dos vínculos de fraternidade religiosa, um traço comum de afinidade
cultural. Com exceção de Canísio, que estudara na Universidade de Colônia, os
demais se formaram em Paris.
E Paris foi o modelo escolhido pelos Padres na organização do seu primeiro
grande colégio. Em matéria de repetições, disputas, composições, interrogações
e declamações, o método adotado e seguido foi deliberadamente o de Paris, o modus
parisiensis, que aparece constante
e freqüente na correspondência destes
tempos primitivos. Numa proclamação
lançada em Messina no ano de 1584, por um cidadão de nome Pedro Spira, lê-se na
parte relativa aos estudos, provavelmente elaborada por Nadal e seus
companheiros, a palavra de ordem: “Seguitando il modo et ordine Che s´usa in
Priggi, essendo il meglio Che tenere si possa per facilmente et perfectamente
diventare dotto nella língua latina”.
O êxito obtido, nesta primeira experiência, a julgar pelos documentos
contemporâneos, foi consolador. Em Dezembro de 1548 Nadal escrevia a Inácio que
se tornara necessário abrir mais uma aula de gramática porque os alunos
passavam de 180[4]. No ano
seguinte, já eram 214, sem contar os dos cursos superiores de nível
universitário[5]. Num
relatório enviado a Roma, forçando-se talvez o otimismo, dizia-se haver os pais
averiguado que os seus filhos, em poucos meses de novo colégio, tinham
aprendido mais que antes, em vários anos[6].
Destas primeiras experiências, Nadal ia arquivando os resultados preciosos.
Em 1551 já encontramos redigido um primeiro plano de estudos que será lodo
enviado a Roma e de Roma, com o tempo, a outros colégios que se irão fundando.
Pouco depois, muito provavelmente no ano seguinte, terminou ele o seu tratado
intitulado De Studio Societatis Jesu, onde já se encara a organização
completa dos estudos, desde as classes de gramática até as faculdades
superiores de caráter universitário[7].
Colégio de Palermo. – O exemplo de
Messina foi contagioso. Em 1549, a cidade de Palermo dirigia um apelo a Inácio,
solicitando a instituição de um Colégio, irmão do de Messina. O fundador
atendeu o pedido e em Novembro já se abria, as aulas de gramática freqüentadas
por 160 alunos. Com pequenas modificações sugeridas pela prática, o método
adotado foi o de Messina.
Colégio Romano. - À vista do rápido
incremento da obra educativa da Ordem recém-fundada, concebeu Inácio o projeto
de abrir em Roma um grande colégio que viesse, com os anos, a servir de centro
de modelo das instituições congêneres disseminadas pelo mundo. Nenhum lugar
mais indicado para a realização deste desígnio que a Cidade Eterna, centro da
cristandade, residência das autoridades supremas da Ordem, ponto de afluência
de bispos e príncipes, de homens de autoridade e homens de doutrina do mundo
cívi1izado. A nova instituição prestaria, outrossim, às fundações seguintes o
grande benefício de uma como Escola Normal Superior, prepararia, entre os
estudantes da Ordem, os futuros professores, adestrando-os nos melhores
métodos e pondo-os em contato imediato com os educadores maia abalizados.
Em princípios de 1551, graças a uma doação de Francisco de Borja, então
Duque de Gandia, o projeto de Inácio já era realidade. Numa casa alugada em Via
del Campidoglio lia-se, numa tabuleta, a seguinte inscrição: Scuola di
grammatica, d’humanita e di dottrina crístiana, grátis. Estava fundado o
Colégio Romano. À frente de 14 jesuítas lá se achava o primeiro Reitor P.
Pelletier, pouco depois transferido para Ferrara e substituído pelo P. Bernardo
Olivier.
Não obstante oposições bairristas, os progressos da nova fundação foram
rápidos e substanciais. Antes do encerramento do primeiro ano os alunos já
passavam de 300 e o colégio devia transferir-se para local mais amplo. Em 1553,
aos cursos de humanidades e retórica acrescentavam-se às faculdades de
filosofia e teologia. Oito anos mais tarde, em 1561, o número crescente de
estudantes impunha nova mudança de casa. Neste ano matricularam-se 750 alunos;
368 nas aulas de gramática; 130 em humanidades e retórica, os demais em
filosofia e teologia. Em 1561 subiam a mil e em 1587 a dois mil. Ao lado dos
estudantes externos avultavam-se também os candidatos da Companhia que afluíam
de quase todas as províncias da Ordem, Itália, Espanha, Portugal, Bélgica e
Germânia. O número de jesuítas que regiam as aulas de humanidades, filosofia e
teologia de 43 em 1553 elevava-se dez anos mais tarde a 218.
O corpo docente, para preencher as finalidades que Inácio tinha em vista,
era muito escolhido e, sem exclusivismos de nacionalidades, recrutado nas
diferentes nações com critério único de competência e eficiência. Logo nos
primeiros anos, encontramos entre os seus professores, nomes de primeiro valor,
como Ledesma, Emanuel Sá, Perpiniani, Gagliardi, Frusius, Ribadeneira, Cardulo,
Olave Costa, Baltasar de Torres e outros. Mais tarde, ainda, porém, no primeiro
meio século de sua existência que precedeu a elaboração definitiva do Ratio ilustraram
as suas cátedras os mestres insignes de reputação universal, que se chamaram
Belarmino e De Lugo, Suarez e Vasquez, Toledo e Clavio, Cornelio a Lapide e
Mariana.
Quanto ao plano de estudos e programa de ensino, adotou-se inicialmente no
Colégio Romano, o que já havia provado em Messina, o modus parisiensis, manifestamente
preferido por Inácio ao modus italicus apesar da oposição de algumas
autoridades romanas. A pedido do fundador, P. Nadal, por meio do P. Coudret,
enviou em julho de 1551 uma descrição completa do currículo e dos métodos
seguidos no Colégio siciliano. Este primeiro Ratio Studiorum, mais tarde
enviado de Roma para os estabelecimentos que iam fundando nos diferentes paises
da Europa, é freqüentemente citado como mos et ratio Colegii Romani. É um dos primeiros esboços do futuro Ratio,
a contribuição de Nadal para a organização dos estudos em Roma devia ainda
ser mais preciosa e mais pessoal. De 1552 a 1557 ele percorreu quase toda a
Europa como delegado do Inácio para explicar e promulgar as Constituições da
Ordem, ultimadas em 1552. Nestas longas excursões teve o ensejo de observar e o
encargo de uniformizar a organização e funcionamento dos colégios então já
existentes em Portugal, Espanha e Germânia. De volta dessas viagens, foi
nomeado Prefeito dos Estudos no Colégio Romano, cargo que desempenhou de 1557 a
1559; mais tarde, de 1564 a 1566, governou como Reitor o mesmo Colégio. Foi
provavelmente nesta época que, enriquecido da mais larga experiência, reviu o
plano do seu De Studiis Societatis, escrito em Messina, e elaborou a
nova Ordo Studiorum, posto em execução durante o seu reitorado[8].
O trabalho iniciado por Nadal, homem de raras qualidades de organizador,
devia ser continuado por Ledesma, o prefeito de estudos ideal. Formado nas
universidades de Alcalá, Paris e Lovaina, talento de rara maleabilidade que
discutia e elaborava com igual competência a estrutura de uma faculdade de
teologia e a sistematização de um curso de humanidades. Ledesma entrou em 1557
para o corpo docente do Colégio Romano e nele, com breves interrupções,
permaneceu como professor ou como diretor de estudos, ata a morte em 1575. Sua
missão foi rever e ampliar o programa de estudos em vigor no Colégio Romano
desde a sua fundação. Ledesma pôs a serviço desta importante tarefa o seu raro
talento, a sua ampla experiência e colaboração amiga de seus colegas de
magistério[9].
Dos 132 documentos publicados no volume do Monumenta Paedagogica, 59
foram por ele atentamente transcritos ou anotados e corrigidos. Deste imenso
trabalho fecundado por uma larga experiência[10]
saiu o seu De ratione et ordine Studiorum Collegii Romani, que, na sua
intenção, devia servir de norma a todos os Colégios da Companhia. Concebida num
plano grandioso e compreensivo, a obra não pôde infelizmente ser levada a termo
por seu autor, colhido pela morte em 1575. Ainda assim, representa a maior
contribuição individual na elaboração do Ratio definitivo de 1599[11].
Enquanto em Roma se consolidava e desenvolvia a casa central de estudos da
Ordem, nos outros teatros de sua atividade se iam multiplicando, com ritmo
acelerado, os colégios. Já em 1553, S. Inácio chamava a atenção sobre a
necessidade de não aceitar precipitadamente novas fundações. A mesma
advertência foi repetida em 1558 pela Primeira Congregação Geral no seu Decreto
73 e em 1565 pela Segunda Congregação Geral no Decreto 8. Mas as necessidades
prementes da Igreja, na época agitada da contra-reforma, as solicitações
instantes de autoridade eclesiásticas e civis, os êxitos incontestavelmente
obtidos e o entusiasmo de uma expansão juvenil passaram, não raro, por cima das
restrições ditadas pela prudência dos Superiores. Quando faleceu S. Inácio já a
Companhia contava colégios na Itália, na Espanha, na Áustria, na Boêmia, na
França e em Portugal, ao todo 33 colégios em atividade e 6 outros já por ele
formalmente aceitos[12].
Na aurora do século XVI, pouco depois de promulgado o seu Código de ensino, já
eram 293 os colégios dirigidos pelos jesuítas, deles, 37 no ultramar; e em
1615, ao falecer Aquaviva, o grande promotor e promulgador do Ratio, o
seu número ascendia 373. E, no entanto o próprio Aquaviva, numa carta aos
delegados da província siciliana, declara que só nos quatro primeiros anos do
seu governo (1581-84), recusara mais de 60 pedidos de Colégios na Europa.
Os colégios multiplicavam-se em número e avultavam em importância. Muitos
dentre eles, no curto prazo de poucos anos, tornavam-se os centros de cultura
humanista mais reputados da cidade ou da região. Algumas cifras, apenas, para
demonstrá-lo. O primeiro colégio da Companhia, na França, foi aberto em
Billom, em 1556, com 500 alunos, três anos depois já contava 800 e quatro anos
mais tarde, em 1563, 1600. O célebre Colégio de Clermont, em Paris,
matriculara, em 1581, 1200 alunos, e após cinco anos, 1500. Na Germania, mesma
expansão. Em 1581, Mogúncia contava 700 alunos, Treviri 1.000 e em Colônia as
matrículas passavam de 560 em 1558 a 1.000 em 1581. Portugal não se
deixou vencer pelas nações maiores. Em Lisboa os alunos passavam de 1.300 em
1575 a quase 2.000 em 1588; em Évora de 1.000 em 1575 cresciam a l.600 em
1592; e em Coimbra os estudantes que freqüentavam o Colégio das Artes regulavam
por 1.000 em 1558 e em 1594 por 2.000!
A impressão que se desprende da visão panorâmica dos fatos é a nova Ordem,
em pouco tempo, pelo número e pela valia de seus colégios, se afirmou, no campo
pedagógico, como uma instituição plenamente vitoriosa. Os testemunhos antigos
mais autorizados e menos suspeitos corroboram esta convicção. É conhecida a
frase incisiva de Bacon: “No que concerne a Pedagogia basta uma palavra:
consulta a escolas dos jesuítas; não encontrarás melhor” [13].
O célebre humanista Aldo Manucio, dedicando ao Colégio Romano a sua edição de
Salústio, confessa que, de tudo quanto vira em Roma, nada o havia impressionado
tanto quanto a dignidade acadêmica e a ordem do Colégio Romano [14].
Na sua Histoíre de Sainte-Barbe, Quicherat confessa que,
em Paris e em toda a França, os jesuítas, no terreno educativo, conquistaram o
primado com tal facilidade e rapidez que se lhes podia aplicar a palavra
célebre: vim, vi e venci [15].
Esta expansão célebre e dilatada criava,
porém, numerosos problemas de organização e governo que deviam ser encarados
com firmeza e resolvidos com energia. Em geral, o plano de estudos, elaborado
em Messina e desenvolvido ia Colégio Romano, construíra uma primeira norma
orientadora das novas fundações. A diversidade dos costumes regionais e a
variedade dos homens não tardaram em introduzir-lhes alterações mais ou menos
profundas. Para estabilizar o governo dos colégios adotou-se, durante algum
tempo, o alvitre das visitas de Comissários Gerais, diríamos hoje, os
inspetores de ensino, incumbidos de manter, quanto possível, a uniformidade de
estrutura e desenvolver a eficiência da obra educativa da Ordem. Durante 15
anos desincumbiu-se desta tarefa o infatigável P. Nadal. Encarregado em 1552 de
promulgar e interpretar as Constituições, ele percorreu quase toda a Europa,
levando ao mesmo tempo a missão de inspecionar e organizar os estudos. Espanha
e Portugal, Itália e França, Áustria e Boêmia, Bélgica e Alemanha foram por ele
percorridas co alguns intervalos nos três lustros que vão de 1553 a 1568.
Outros visitadores continuaram esta missão
delicada. Gonzales Davila e João de Montoia, Everardo Mercuriano e Polanco,
Maldonado e Olivério Manareu foram dos mais notáveis e ainda possuímos
numerosas instruções pedagógicas por eles deixadas aos colégios visitados [16].
O regime das inspeções periódicas não podia,
porém, constituir a solução definitiva e normal do problema. A multiplicidade
dos visitadores e o intervalo das visitas deixavam largo campo à ação dispersiva
das forças centrífugas do sistema. Acentuava-se, de dia para dia, imperiosa e
inadiável, a necessidade de um código de ensino que se impusesse com a
autoridade de uma lei e assegurasse a semelhança e a unidade de orientação da
crescente atividade educativa da Ordem.
Constituições. – Existia, é certo, a IV parte das Constituições
em vigor desde 1552. Nela traçara o fundador as linhas mestras da organização
didática e, sobretudo, sublinhara o espírito que deveria animar toda a
atividade pedagógica da Ordem. É fácil prever a influencia decisiva de um
documento desta natureza, saído da pena do próprio S. Inácio, exercerá em todo
o desenvolvimento futuro do ensino jesuíta. Como bem observa Fouqueray, a IV
parte das Constituições é “un abrégé de la doctrine pédagogique de la
Compagnie” [17].
Mas pela sua
própria natureza e pela vontade expressa de Inácio as diretivas traçadas nas
Constituições não eram, nem deviam substituir, um plano pormenorizado de
estudos e um código prático de leis que facilitasse e uniformizasse a
organização viva. É o próprio Inácio nas próprias Constituições que
determina se elabore um Estatuto em que se trace, por miúdo, quanto se refere à
ordem e ao método dos estudos nos colégios e faculdades. Um Ratio Studiorum,
na intenção do Fundador, deverá ser o complemento natural e indispensável
das Constituições [18].
Só uma codificação de leis e processos educativos poderia evitar o grave
inconveniente das mudanças freqüentes que a grande variedade de opiniões e
preferências individuais acarretaria, com a sucessão de professores e prefeitos
de estudos. Só um texto autorizado e imperativo, elaborado por uma experiência
amadurecida, cortaria pelas tentativas infrutíferas dos que ensaiavam as
primeiras armas nas lides do magistério.
Por um plano de estudos assim, particularizado e distinto, fixo e imposto
pela autoridade competente, já clamava Ledesma, numa memória apresentada ao R.
P. Geral [19].
Para que se leve adiante e se ultime o trabalho iniciado, insistirão mais
tarde, num parecer coletivo, os padres da província renana. Um plano de estudos
e de ensino, uniforme e sistemático, diziam eles, traria imenso beneficio à
Igreja e à Companhia [20].
O Ratio de 1586. - Os primeiros
ensaios de sistematização geral dos materiais pedagógicos acumulados remontam
a um período anterior a 1586. A segunda e a terceira Congregação Geral,
reunidas em 1565 e 1573, já nos falam de um corpo de regras gerais conhecidas
com o nome tirado das palavras iniciais de Summa Sapientía. Tratava-se
de uma coletânea de diretivas e ordenações, fruto da experiência e dos
trabalhos de Ledesma, Nadal, e dos professores do Colégio Romano [21].
Everardo Mercoriano, quarto Geral, deu um passo adiante. A quanto nos
informa Sacchini, um dos mais autorizados historiadores da Ordem, esboçou ele
em 1577 uma legislação geral e uniforme para toda a Companhia codificando as
regras de vários ofícios administrativos dos Colégios. Dois anos depois
encontramos, com efeito, as regras de Mercoriano, utilizadas por Maldonado
como base de seu memorial deixado após a sua visita de Inspeção ao Colégio de
Clermont, em Paris. Eram passos importantes no caminho do desenvolvimento
orgânico da 4o. parte das Constituições e na sistematização de um
código geral no ensino.
Estavam, porém, reservado ao P. Cláudio Aquaviva, homem de ação enérgica e
decidida, a glória de levar a termo a delicada e árdua tarefa. Eleito Geral da
Ordem, em 1581, nomeou, durante a própria Congregação Geral que o acabava de
eleger, uma comissão de doze membros para elaborar uma fórmula dos estudos, ad
confecíendam formulam studiorum [22].Os
membros escolhidos, pertencentes a seis nacionalidades, eram os seguintes:
Maldonado, Acosta, Ribera, Deza e Egidio Gonzalez, espanhóis; Gagliardi e
Adorno, italianos; Pedro da Fonseca e Sebastião de Morais, portugueses; Le
Clerc, belga; Coster, alemão; Sardi, napolitano. Esta comissão, porém, apesar
de primeiro valor, como Maldonado, Gagliardi, Pedro da Fonseca, não chegou, ao
que sabemos, a começar os seus trabalhos. Talvez o número excessivo de vogais
lhe dificultasse a reunião. O fato é que em 1584, Aquaviva nomeava outra
comissão, esta composta de seis membros das principais nações da Europa e das
mais importantes províncias da Ordem. Eram eles: João Azor, da Espanha; Gaspar
Gonzales, de Portugal; Jacques Tirie, da França; Pedro Busen (Buys), da
Áustria; Antônio Ghuse (Gusano), da Germânia; Estevam Tucci, de Roma. Os novos
delegados meteram ombros à empresa com decisão e vigor. Três horas no dia
consagravam a consultas e discussões; o resto do tempo à leitura e ao estudo
do acervo vultoso de documentos que lhes havia sido submetido à apreciação:
estatutos e regulamentos de universidades e colégios, ordenações, usos e
relatórios das diferentes províncias; costumes locais; princípios
disciplinares, numa palavra, todo o imenso material pedagógico que se acumulara
em mais de 40 anos de experiência e que agora entrava na fase, da codificação
definitiva.
Iniciados em 8 de Dezembro de 1584 os trabalhos estavam concluídos nove
meses depois, em Agosto de 1585. O P. Geral leu-o com os seus assistentes,
deu-o a examinar a uma comissão de professores do Colégio Romano e, não
satisfeito ainda, resolveu submetê-lo a um estudo critico de toda a Companhia.
Impresso para uso interno, foi o Ratio enviado em 1586 a todos os
Provinciais, acompanhado de uma circular de Aquaviva. Nela se recomendava que
em cada Província se nomeassem pelo menos 5 padres abalizados no saber e na
prudência para que, desembaraçados, estudassem a nova fórmula dos Estudos,
primeiro em particular, depois em consultas e, por fim, redigissem livremente o
seu parecer, a ser remetido para Roma dentro de cinco ou seis meses[23].
Como se vê pela circular de Aquaviva, esta primeira edição do Ratio
não tinha caráter definitivo, nem força obrigatória. Não devia ser posta em
execução, mas unicamente examinada e criticada pelas autoridades mais
competentes nas diferentes regiões da Europa onde a Companhia tinha os seus
melhores colégios. A sua forma geral era mais discursiva que imperativa.
Encerrava discussões e dissertações pedagógicas às quais faltava por vezes o
vigor e concisão da lei ou do regulamento.
As diferentes províncias levaram muito a sério as recomendações do Geral.
Em toda a parte, escolheram-se para o exame do projeto homens notáveis pela
doutrina e encanecidos na prática do magistério. Na comissão romana,
encontramos os nomes de Francisco Suárez e de S. Roberto Belarmino, hoje Doutor
da Igreja. Gagliardi aparece na Província de Milão, Pontanus, o célebre humanista,
na da Germânia Superior, Cipriano Soarez, autor de uma célebre retórica, na de
Toledo; na de Lião; João Hay e Richeome, um grande teólogo, outro, literato
encantador; na de França, o velho Coudret, um dos veteranos de Messina.
No cabo de alguns meses, lá pelo fim de 1586, começaram a afluir a Roma os
relatórios desses trabalhos críticos: Judicia e observationes.
Vinham das principais províncias da Ordem: de Roma, de Nápoles, Milão, Veneza,
Aquitania, Lião, França, Germânia Superior, Reno, Áustria, Portugal, Polônia,
Aragão e Andaluzia.
Além dos pormenores isolados, os críticos convergiam quase unanimemente
sobre dois pontos importantes: a imprecisão e prolixidade da fórmula examinada.
As questões pedagógicas eram, por vezes, longamente debatidas e alegados os
argumentos pró e contra. Sucediam-se por vezes longos tratados sobre os deveres
dos professores jesuítas, sobre a conveniência de iniciar o grego com os
primeiros elementos do latim, etc, etc. Para um código cuja razão de ser era
orientar, de modo uniforme, a organização dos colégios, constituíam estes,
defeitos graves.
Edição de 1591 – Aquaviva deixava em
Roma três dos compiladores do anteprojeto, Tucci, Azor e Gonzalez, para receber
os relatórios examina-los e preparar uma nova edição do Ratio. Afim de
que melhor se desempenhassem desta incumbência, associou-lhes uma comissão de
professores do Colégio Romano, entre os quais figuravam Belarmino, Suarez,
Sardi, Giustiniano, Parra, Pereira, Benci, Torsellini, isto é, teólogos,
filósofos e humanistas do mais distintos[24].
A tarefa da revisão, que apresentava seus espinhos, iniciou-se e continuou
sob o impulso vigoroso de Aquaviva que, em 1592, mandava ainda mais uma vez a
toda a Companhia uma nova edição do Plano de Estudos sob o título de Ratio
atque Institutio Studiorum, Romae, un Collegio Soc. Jesu, anno Dni, 1591. A
estrutura do trabalho sofrera mudanças radicais. Eliminaram-se as discussões e
dissertações pedagógicas que justificavam os preceitos práticos. Codificou-se
todo o sistema de estudos numa série de regras relativas aos administradores,
professores e estudantes. Caráter em
que se remetia o Ratio também não era o mesmo. Já não se tratava de um
anteprojeto a ser estudado por censores qualificados, mas de um código de leis
a ser trazido imediatamente em prática, ainda que não de modo definitivo. Aos
provinciais recomendava o Geral que, removidos todos os obstáculos, pusessem em
execução o novo sistema de estudos, durante três anos, no fim dos quais
remetessem a Roma os resultados desta experiência decisiva para a sua
promulgação final.
O “Ratio” de 1599. – A prova de fogo da
experiência foi feita. Em 1594 já chegavam a Roma as primeiras observações da
Germânia, em 1596 as de Castela, em 1598 outras mais da Germânia e assim de
outras províncias. A prolixidade ainda era o ponto mais criticado. As regras
eram muito numerosas e, sobretudo repetidas nos vários ofícios semelhantes:
professores de humanidades, de gramática superior, de gramática média, de
gramática inferior. Um esforço para maior concisão parecia ainda possível. A brevitas
imperatoria foi sempre uma das qualidades do estilo de comando e uma das
garantias de sua eficiência. O esforço foi feito. Cortaram-se pelas repetições
agrupando as regras comuns a vários professores. Às outras se deu uma redação
mais concisa. Reduziu-se assim de metade o volume do Ratio; enquanto a
segunda edição contava 400 páginas, a ultima não ia além de 208; o número total
de regras descera de 837 a 467.
Com mais esta satisfação dada às críticas recebidas, julgou Aquaviva
chegado enfim o momento de dar por definitivamente concluída a momentosa tarefa
a que metera os ombros no princípio do seu governo, o mais longo e um dos mais
brilhantes e também dos mais tumultuosos na história da Companhia de Jesus. Em
Janeiro de 1599 uma circular comunicava a todas as províncias a edição
definitiva do Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Jesu[25].
Já não era a comunicação de um projeto de estudos, mas a promulgação de uma
lei.
Cinqüenta anos haviam decorrido desde que se abrira em Messina (1548) o
primeiro grande colégio da Companhia, quinze desde que se iniciaram de modo
sistemático (1548) os trabalhos de codificação do plano de estudos. Os passos
principais por que passara a sua construção são agora nitidamente visíveis: o
plano de Messina inspirado por Nadal em 1551, a IV parte das Constituições
escritas por S. Inácio, o plano de Nadal, conhecido sob o título Ordo
Studiorum, o De Ratione et Ordine Studiorum, que em 1575 Ledesma deixara
incompleto.
O código de leis que passava assim a orientar a atividade pedagógica da
Companhia, representava os resultados de uma experiência de meio século.
Experiência rica, ampla, variada, que talvez constitua um caso único na
história da pedagogia. Nela estão representadas todas as raças e nações do
Velho Continente; para ela contribuíram centenas de estabelecimentos de
educação dos mais freqüentados e afamados do seu tempo; enriqueceram-na duas ou
três gerações de educadores, insignes pela inteligência, pela cultura, pela
dedicação espontânea e total à nobre causa da educação da juventude. Raro
exemplo de uma ampla sistematização pedagógica em que a mais estrita unidade
resultou harmoniosamente da mais variada colaboração.
Revisão de 1832. – O código de
estudos promulgado por Aquaviva permaneceu, como lei oficial da Companhia,
durante quase dois séculos, até a supressão da Ordem em 1773.
Daí, porém, não se infira que os colégios dos jesuítas permaneceram
petrificados na imobilidade durante este largo período sem se adaptar às novas
exigências de tempos que mudavam. O próprio Ratio, na sua prudência,
previa esta flexibilidade de adaptação e abria-lhe a porta legal. A regra 39 do
Provincial dizia textualmente: “Como, porém, na variedade de lugares, tempos e
pessoas, pode ser necessária alguma diversidade na ordem e no tempo consagrado
aos estudos, nas repetições, disputas e outros exercícios e ainda nas ferias,
(o Provincial), se julgar conveniente na sua Província alguma modificação para
maior progresso das letras, informe o Geral para que se tomem as determinações
acomodadas a todas as necessidades, de modo, porém, que se aproximem o mais
possível da organização geral dos nossos estudos”.
À sombra desta sábia disposição os colégios dos jesuítas foram se adaptando
na prática às novas condições dos tempos. Ao idioma vernáculo e às ciências
experimentais que se iam organizando e desenvolvendo abriu-se maior margem na
organização dos currículos. Esta flexibilidade de adaptação de programas,
aliada à fidelidade dos ideais e métodos pedagógicos permitiu aos
estabelecimentos de ensino da ordem não só conservarem na vanguarda da
instrução da juventude senão ainda crescerem, em ritmo ininterrupto, até a
supressão da Companhia de Jesus [26]. Eram 245 os colégios por ela mantidos em
1599, quando foi definitivamente promulgado o Ratio; em 1626 já haviam
subido a 444, em 1710 a 610, em 1749 a 669 além de 176 seminários. Em 1773,
quando extinta, a Ordem mantinha na Europa 546 colégios e seminários e, fora da
Europa, nas províncias missionárias, 123 colégios e 48 seminários, ao todo 865
estabelecimentos de ensino. Os da Europa distribuíam-se do seguinte modo: 145
na Itália, 124 na França, 117 na Espanha e pouco mais de 300 na Europa Central
(Germânia, Áustria, Bélgica, Boêmia, Polônia e Lituânia). É fácil imaginar o
imenso golpe que na educação cristã da juventude representou a supressão da
Companhia de Jesus na segunda metade do infeliz século XVIII.
Passaram-se os anos e as tempestades. Em 1814 Pio VII restaurava em toda a
Igreja a Ordem suprimida pela pressão das cortes dos Bourbons. Chamá-la de novo
à vida era confiar-lhe ainda uma vez a sua missão educadora. Em 1824, Leão X,
no Breve que restituía aos filhos de S. Inácio o Colégio Romano, declarava que
“a causa principal do seu restabelecimento era a formação intelectual e moral
da juventude, ex illa potissimum causa ut juventutem et litteris et moribus
instituendam susciperet” [27].
Com a reabertura dos colégios, em um ambiente profundamente transformado,
punha-se urgente o problema da revisão do Ratio. As Províncias o reclamaram; a
20a. Congregação, primeira reunida depois da restauração, ocupou-se
logo do assunto. Mais energicamente voltou sobre a urgência de uma ação
imediata a Congregação Geral de 1829. O novo P. Geral, João Roothaan, nela
eleito, pôs logo ombros à tarefa que se lhe havia confiado. Numa lista de nomes
propostos pelas províncias nomeou ele uma comissão de 7 membros representantes
da Itália, Sicília, França, Inglaterra, Alemanha, Galícia austríaca e Espanha.
A incumbência que se lhe cometia não era a elaboração de um novo Ratio
mas a adaptação do que já havia recebido de uma experiência de quase dois
séculos a mais sólida das confirmações.
Em Outubro de 1830 encetavam-se em Roma os trabalhos; e em Julho de 1832,
já o Geral podia enviar a toda a Ordem o Ratio revisto.
Modificações de menos alcance introduziram-se em bom número; as de certa
importância, porém, foram relativamente poucas e reduzem-se às seguintes:
No curso de teologia acrescentaram-se dois anos de história eclesiástica e
direito canônico.
No de filosofia, três anos de matemática – um obrigatório, dois
facultativos para os bem dotados – e também um curso de física experimental.
Aristóteles foi apeado de uma hegemonia excessiva.
No de humanidades alterações mais importantes. O idioma vernáculo foi
elevado a categoria de disciplina maior no currículo ao lado do latim e do
grego. Como disciplinas secundárias, mas autônomas, foram introduzidas à
história, a geografia e as matemáticas elementares, ficando ao critério do
Prefeito de estudos dosar-lhes os números de aulas de acordo com as exigências
locais. No estudo do latim, Cícero perde a sua posição dominante.
Como se vê, com pequenas exceções, as mudanças introduzidas interessam
sobretudo a organização do currículo. A orientação administrativa, metodológica
e disciplinar permaneceu fundamentalmente inalterada.
O Ratio de 1832, que foi enviado às Províncias para ser submetido à
prova da experiência antes de receber uma redação definitiva não chegou a ser
aprovado por nenhuma Congregação Geral. Não possui, portanto, autoridade de
lei, mas apenas a de norma diretiva.
Em 1941, após vários anos de preparação foi enviado a toda a Companhia de
Jesus um novo Ratio Studiorum Superiorum Societatis Jesu. Como o indica
o título, este plano de estudos refere-se apenas aos estudos superiores. As
modificações introduzidas são muito importantes e adaptam os estudos da Ordem
às exigências legítimas e às inovações sadias das modernas universidades. Como
em casos precedentes, este Ratio foi enviado ad experimentum até
a próxima Congregação Geral.
As imensas e quase insuperáveis dificuldades resultantes da variedade de
currículos secundários a que, nos diferentes paises, se devem amoldar os
colégios da Companhia, não permitiram que até hoje se levasse a termo para os
nossos tempos um Plano universal de estudos semelhantes ao Ratio de
1599.
Atualmente os Colégios da Companhia de Jesus conservam-se fiéis aos
princípios gerais e às orientações pedagógicas do Ratio, mas adaptam-se,
no mais, às exigências dos regimes escolares de cada país.
FONTES DO “RATIO”
O rápido escorço, que acabamos de esboçar, da história do Ratio,
permite-nos agora entrar com mais segurança no estudo, complexo e interessante,
das suas fontes. É, em outras palavras, a questão de sua originalidade. Questão
debatida, nem sempre desapaixonadamente e talvez ainda não resolvida de modo
definitivo e satisfatório.
De um lado, falamos freqüentemente na “pedagogia dos jesuítas”. E esta não
é uma expressão vazia, sem conteúdo real. Desde os seus primórdios, os colégios
da Companhia de Jesus apresentam certos traços comuns que lhes davam uma
fisionomia de linhagem facilmente reconhecível e os distinguiam de outros
estabelecimentos de ensino, coexistentes nas mesmas unidades de espaço e de
tempo.
Por outro, a um historiador de pedagogia não seria difícil isolar os
métodos e processos educativos preconizados pelo Ratio e apontar-lhes a
existência em outros sistemas coetâneos do seu aparecimento. Uma genealogia bem
organizada faria entroncar mais longe a sua paternidade.
Assim, num primeiro momento, apresenta-se o nosso estudo com uma tensão de
paradoxo. Cumpre resolve-lo à luz dos documentos e de sua leal interpretação.
Os primeiros jesuítas não desceram a campo, em matéria de educação, como
revolucionários ou como inovadores. Não pretenderam romper com as tradições
escolares vigentes nem mesmo trazer-lhes contribuições inéditas. Ajustaram-se
às exigências mais sadias de sua época e procuraram satisfazer-lhes com a
perfeição que lhes foi possível.
Ao espírito de uma época, ao Zeitgeist dos alemães, não se furta
nenhum sistema pedagógico, nem mesmo quando conscientemente se organiza para
combate-lo. O código de ensino dos jesuítas não pôde se subtrair a esta
necessidade e traz, indelével, o cunho do século XVI. Uma crítica interna
esclarecida poderia, pelo simples exame dos seus elementos, descobrir-lhe com
segurança a data de formação.
Entre as diferentes correntes pedagógicas, do tempo, porém, a história
permite determinar quais as deliberadamente afastadas pelos jesuítas, quais as
escolhidas e assimiladas pelo seu sistema de educação.
UNIVERSIDADE DE PARIS.
Os primeiros companheiros de Inácio são homens de universidade. Não
saíram de seminários ou de outras instituições religiosas; quase todos de
diplomaram nas melhores universidades da Europa.
Entre estas, a importância de influência, leva a palma incontestável à de
Paris. Lá estudou e se graduou mestre Inácio. Lá estudaram e se graduaram todos
os seus primeiros companheiros que, em 1534, lançaram na colina de Montmartre
os fundamentos da futura Companhia de Jesus. Como à “mãe dos nossos primeiros
Padres”, referiu-se com razão e mais de uma vez o santo fundador à Alma Mater
parisiense. Nadal e Ledesma que, em Messina e Roma, exerceram uma influencia
tão decisiva na orientação pedagógica da primeira geração de educadores da nova
Ordem vieram também de Paris.
E precisamente nessa época a grande Universidade, que era o centro mais
brilhante de cultura na Europa, entrava por assim dizer, na grande corrente
humanista do Renascimento. Lá por volta de 1517 o movimento firmou pé em alguns
colégios da Universidade, primeiro no de Montaigu, depois e mais solidamente em
Sainte-Barbe, onde entre 1525 e 1530 acaba de atingir o seu objetivo: o
predomínio absoluto do ensino clássico [28].
Nesta época precisamente estudava em Paris o nobre Peregrino Espanhol, que
em Outubro de 1529 passava de Montaigu para Sainte-Barbe e aí permanecia por
mais três anos e meio. O futuro fundador da Companhia presenciava assim com os
próprios olhos a transição da antiga para a nova orientação dos estudos.
Não é, pois, de maravilhar que a organização pedagógica da universidade
parisiense influísse profundamente na orientação dos novos educadores que,
estudantes, haviam respirado a sua atmosfera.
Esta influência, porém, não foi uma simples conseqüência de fatos
históricos que a tornaram possível e espontânea; resultou de uma escolha firme
e deliberada dos primeiros jesuítas. Inácio freqüentou também as universidades
espanholas de Alcalá e Salamanca; mais tarde, na sua longa estadia em Roma,
teve oportunidade de conhecer a estrutura e o funcionamento das universidades
italianas. Entre todas optou, decididamente, pela de Paris e manteve com
energia e constância a sua preferência contra resistências, por vezes, tenazes
e profundas.
Já vimos como, na sua formação do Colégio de Messina, se assentou
explicitamente o predomínio de Paris “conformando il tutto al modo parisiense” [29].
Em Viena e em Pádua, S. Inácio intervem diretamente em favor do modus
parisiensis contra o modus italicus [30].
Esta preferência era baseada na convicção enraizada da superioridade dos
métodos parisienses sobre os demais. A seu ver, não havia outro mais eficiente
para levar ao conhecimento rápido e perfeito da língua latina. É o que se
afirma no ato de fundação do Colégio de Messina [31].
É o que o santo expressa numa carta ao sobrinho Beltran de Loiola: “Acabo de
saber que teu irmão Emiliano é dotado de bons talentos e cheio de ardor pelo
estudo. Muito desejo que tenhas cuidado destas boas disposições e se queres
ouvir a minha opinião, não o mandes a outro lugar que não seja Paris. Nesta
universidade poderá ele aprender em poucos anos, o que em qualquer outra não
conseguiria senão depois de longo tempo. Além disto, entre os estudantes desta
cidade mais do que em outras há em geral maior honestidade e religião [32].
Resume-se, portanto, com fidelidade a situação neste comentário de Nadal,
às Constituições, a propósito de uma inovação inspirada nos usos da Itália: o
método de Paris foi o escolhido para os nossos colégios; importa conserva-lo em
vigor [33].
A imitação de Paris nada teve de servil; foi a transplantação de um germe
vivo que continuou, em outro clima, a sua evolução orgânica. Mais tarde, os
homens de Sorbona hostilizarão os jesuítas que, no Colégio de Clermont, lhes
pareciam concorrentes perigosos e triunfantes. Na luta, nem sempre leal, a
velha Universidade, para combater com armas iguais, mais de uma vez reformou os
seus currículos e processos pedagógicos, à imitação do que a experiência dos
jesuítas havia consagrado no Ratio [34].
INFLUÊNCIA DOS ANTIGOS.
A Renascença caracteriza-se essencialmente pela volta tumultuosa e
entusiasta à antiguidade clássica. Grécia e Roma – depois do parêntese
“bárbaro” da idade do meio – surgiram como fontes de beleza humana imortal. E
não foi só na literatura que os seus escritores se impuseram como modelos
insuperáveis do bem dizer. A pedagogia dos seus mais celebres educadores
“renasceu”, também dela, aureolada com o respeito e veneração das cousas
antigas. Os escritores do século XVI julgavam-se no dever indeclinável de
corroborar os preceitos mais comezinhos com o peso de uma autoridade clássica.
Respeita os velhos, assim o ensina Cícero. Sê forte na adversidade, é o exemplo
que te deixou Alcibíades. Usa das riquezas com moderação, Ovídio e Plauto o
aconselham.
Para ver quão extensa e profunda foi esta influencia dos antigos
basta percorrer os mais conhecidos pedagogos do Renascimento, qualquer que seja
a escola ou nação a que pertençam: Erasmo ou Vives, Mureto ou Melanchton,
Manucio ou Murmelius. As citações dos grandes clássicos fervilham. Ao lado da
Retórica de Aristóteles, o De Oratore de Cícero. Plutarco e Sêneca figuram
como preconizadores de um ideal humano a que pouco falta para ser cristão. A
todos, porém, sobreleva Quintiliano.
Quintiliano encarna no século XVI a pedagogia Romana. Com a sua
moderação e bom senso, com a longa experiência de 20 anos de magistério, com o
seu conhecimento psicológico da criança e da arte de educa-la, exerceu sobre a
posteridade uma verdadeira fascinação. As suas Instituições oratórias
são uma fonte inesgotável de inspiração e de imitação dos mestres mais graduados. No seu De tradendis
disciplinis Vives de si confessa que “se alguém atentar bem verificará que
o meu método de ensino coincide com o de Quintiliano” [35].
E, de modo geral, falando de toda a escola humanista, afirma W. H. Woodward:
“Todos os educadores do Renascimento, homens de teoria ou homens de prática,
nascidos em solo italiano ou germânico, Enéas Sylvius ou Patrizi. Agrícola,
Erasmo, Melanchton ou Elyot, abeberam-se no texto e no espírito desse tratado (Institutio
Oratoria)” [36].
A esse entusiasmo não se furtaram, nem se podiam furtar, sem deixar
de seu tempo, os jesuítas. Na elaboração prolongada e na redação definitiva do
seu plano de estudos é visível a influência clássica, filtrada através dos
autores contemporâneos, haurida diretamene nos mananciais antigos.
Entre eles, a Quintiliano pertence o primado da influência.
Negronius, nas suas Orationes, cita-o mais de duzentas vezes.
Ribadeneira, um representante típico dos jesuítas da primeira geração, saúda no
pedagogo romano, no nosso Quintiliano, “um mestre de grande experiência
e prática na área de educação” [37].
Ledesma preza-o altamente. Manuel Alvarez, autor da célebre De Institutione
Grammatica, e Cipriano de Soares, autor De Arte Rethorica,
inculcadas como livros de texto no Ratio, confessam abertamente os seus
numerosos empréstimos ao mestre comum. Sobre grande parte dos exercícios
escolares – lições de cor, correção de deveres, declamação, explicação de
autores – o código de ensino de jesuítas inspirou-se mais de uma vez nas suas
teorias e nos seus conselhos.
IDADE MÉDIA.
Se no ensino das humanidades a yoga da antiguidade clássica
suplantou a tradição escolar da Idade Média, no da filosofia e teologia esta
conservou a primazia. Os séculos XIV e XV assinalam uma decadência visível da
escolástica que no século XIII havia atingido o apogeu da sua florescência. O
abuso da dialética e das sutilezas estéreis, a vitória do nominalismo em vários
centros de ensino superior, a falta de talentos de maior envergadura, a
multiplicação das universidades em condições menos favoráveis à elevação do
nível cientifico, são os principais responsáveis por este desprestigio em que o
renascimento encontrou a herança filosófica da escola.
Os primeiros anos do século XVI assistem, porém, um esforço vigoroso
de restauração da síntese clássica do pensamento medieval.
E é precisamente na Universidade de Paris que se delineia um
movimento vigoroso de restauração tomista. Pedro Crockaert, flamengo, que viera
ainda jovem, para a capital francesa e aí entrara na Ordem dominicana, em 1503,
com 35 ou 40 anos de idade, é o seu centro. Fr. Pedro de Bruxelas, como o
chamam os documentos contemporâneos, tinha uma vocação dos grandes professores;
formou escola. A um grupo de discípulos escolhidos conseguiu transmitir o entusiasmo
por S. Tomás. E o histórico convento dominicano, de Santiago, que tinha
abrigado nos seus muros vetustos a S. Alberto Magno, S. Tomás de Aquino, Herveu
de Nedellec, Durando de Saint-Pourçain, Pedro de la Palu, Torquemada, e
Capreolo, viu florescer uma nova geração de teólogos que iriam marcar época na
historia do tomismo. Entre os alunos prediletos de Crockaert achava-se, então,
em Paris o jovem espanhol Francisco de Vitória, O.P., que mais tarde
sobrelevaria o mestre em doutrina e fama. De volta a sua pátria, Vitória
recebeu em Salamanca um movimento restaurador dos estudos, primeira origem da
escola salmantina, formadora de alguns dos melhores teólogos que figuraram no
Concílio de Trento [38].
Dentre os discípulos parisienses de Crockaert saíram os mestres de
teologia de Inácio de Loiola e dos seus primeiros companheiros Lainez,
Salmeron, Bobadilla, etc. Como na atmosfera de Salamanca respiraram Toledo e
Maldonado, dois dos mais notáveis professores jesuítas dos primeiros tempos.
Orientou-se assim uma nova Ordem, desde o seu nascer para a mais
sólida e profunda sistematização escolástica da filosofia. A Companhia de Jesus
foi, depois da ordem dominicana, a primeira família religiosa que escolheu a S.
Tomás para seu Doutor próprio [39].
Esta opção influi também decididamente na orientação pedagógica dos
estudos superiores da Ordem. Aos seus professores proíbe o Ratio que se
emaranhem em questiúnculas inúteis, e obsoletas, ou que se firmem em argumentos
de autoridade com detrimento das razões internas. Aos seus escolásticos
recomenda que desenvolvam o senso crítico, formulando contra as doutrinas
ensinadas as objeções que ocorrerem e não descansando antes de as resolverem
cabalmente[40].
Com a sua decisiva intervenção contribuíram, outrossim, os jesuítas
para a introdução definitiva da Summa theologica como livro de texto em
substituição ao velho Pedro Lombardo, cujo Livro das Sentenças se
comentou durante três séculos nas aulas de teologia [41].
Destarte, a ordenação geral dos estudos da Companhia, elaborada na
segunda metade do século XIV, fundiu em síntese harmoniosa o que de melhor nos
havia legado o esforço intelectual da Idade Média com as conquistas mais sadias
e duradouras do humanismo cristão da Renascença.
STURM E VIVES.
Além das fontes indicadas acima quiseram alguns historiadores de
pedagogia ver em Vives e principalmente em Sturm dois modelos copiados sem
originalidade pelos jesuítas. Sturm era calvinista e apontar num protestante o
protótipo de colégio dos filhos de S. Inácio tinha um sainete picante de
paradoxo, tentador para autores protestantes ou menos afeiçoados aos jesuítas.
Von Raumer, hitoriador antiquado da pedagogia e antijesuíta azedo, inquina o Ratio
de plágio imoral de Sturm. Teófilo Braga insinua com mais artifício a mesma
acusação [42].
A afirmação não é baseada em nenhum documento histórico. Tornou-a
verossímil certa afinidade nos programas, horários e métodos de ensino.
Semelhança incontestável que o próprio Sturm sublinhou numa de suas cartas,
insinuando a aparência de algum empréstimo. “Vi os autores que os jesuítas
explicam, os exercícios que praticam, os processos que empregam. Assemelham-se
tanto aos nossos que se diriam derivados de nossa fonte” [43].
A arte de parentesco existe, mas não se explica por genealogia
direta. Já, a priori, não seria muito verossímil que os primeiro
jesuítas fossem copiar a organização de um colégio calvinista. Como finalmente
observa Farrel: “o espírito vincadamente protestante de Sturm torna provável
que Inácio e seus discípulos tenham tomado pouco de suas idéias e nada de seus
ideais” [44].
A explicação das semelhanças inegáveis encontra-se na derivação das
fontes comuns. Parecem-se no que se parecem, como dois irmãos, que reproduzem
os traços comuns dos pais. A crítica moderna reconhece hoje unanimemente que Sturm
não é um pedagogo de primeira mão.
Antes de fazer-se protestante e organizar o colégio de Estrasburgo
que mais tarde cresceu a Universidade e lhe granjeou grande fama, Sturm foi
discípulo dos Irmãos da vida comum em Liège (1521-1524). Estava então no seu
zênite a célebre escola dos discípulos de Gerardo e Groote que, durante os dois
séculos precedentes, haviam semeado de magníficas instituições de ensino a
Europa Setentrional. A sua estrutura modelar gravou-se, indelevelmente, no
ânimo do jovem Sturm e para ele naturalmente se voltou quando foi chamado para
dirigir o Ginásio de Estrasburgo. Notam-se expressamente os seus biógrafos: “
Toda essa organização do Colégio de Liège causou no jovem Sturm uma impressão
profunda; adotou-a ele até em algumas das suas menores particularidades, como
modelo da organização que deu mais tarde ao Ginásio de Estrasburgo” [45].
Mais recentemente Woodward: A ordem escolar de Liège “reproduz sem nenhuma
dúvida a de Deventer no que ela tem de melhor e foi certamente a base da proposta
por Sturm para a reorganização da escola de Estrasburgo em 1583” [46].
A dependência direta dos jesuítas em relação aos Irmãos da vida
comum, se não se apresenta com tanta evidencia, tem muitos visos de
probabilidade. Em Paris, nos primeiros tempos de sua estadia, Inácio viveu no
Colégio de Montaigu, outrora pertencente aos Irmãos e onde deviam ainda sobreviver as suas tradições. Mais e melhor. A
célebre escola de Liège, onde estudara Sturm, passou em 1580 para os jesuítas.
Nada mais provável do que haverem eles conservado os bons métodos e usos de
seus predecessores. Por aí, exerceram muito provavelmente os Irmãos uma
influência nos jesuítas holandeses, e, por meio deles, na elaboração do Ratio
Studiorum para toda a Ordem. Olivério Manareu, que visitou entre 1581 e
1583 os colégios da Germânia e neles deixou várias instruções e memoriais
posteriormente utilizados para a redação do Ratio, era um velho
discípulo das escolas holandesas dos Irmãos [47].
Outra fonte, e esta certamente comum, foi a Universidade de Paris.
Quanto o tomarem por modelo os jesuítas já o deixamos indicado acima. A sua
influência sobre Sturm não é tão pouco duvidosa. Imediatamente antes de ser
convidado pelos seus correligionários para reforma do Ginásio de Estrasburgo,
em 1538, passou ele 8 anos a estudar e ensinar em Paris. (1529-1537).
À vista dos documentos e da sua crítica imparcial, contestam hoje
os historiadores mais abalizados, mesmo entre os protestantes, os empréstimos
imaginados por Von Raumer.
Com sua cinhecida autoridade Paulsen: “Sturm afirmou uma vez que os
jesuítas podiam ter bebido nas suas fontes. É difícil pensa-lo: as coincidências resultam essencialmente da
semelhança dês exigências da época... Sturm e Inácio estudaram ambos em
Paris... o fundador da Companhia conservou da Universidade as mais gratas
recordações; ao seu lado, Lovaina, onde estudou também Sturm, gozava de grande
estima. Não he dúvida de que toda a estrutura externa dos Colégios da Ordem foi
plasmada por estes moldes” [48].
No mesmo sentido, Meyer: “Razões históricas e internas mostram-na (a tese da
dependência) insustentável” [49].
Menos ainda para sustentada é a dependência de Vives. Como fato
histórico, devidamente averiguado a seu favor, cita-se apenas um encontro em
Bugres do célebre pedagogo espanhol com Inácio, que, estudante em Paris, lá foi
à busca de recursos para continuar seus estudos. É muito pouco. Os pontos de
contato dos dois sistemas pedagógicos – predomínio do latim, exercício da
memória, educação física por meio dos jogos, diminuição dos castigos corporais
em beneficio dos motivos de honra e dignidade – menos particularizados ainda do
que no caso de Sturm, explicam-se pela atmosfera do Renascimento e pelo jogo
natural das influências comuns.
EXPERIÊNCIA.
A análise, sempre indispensável para o conhecimento exato, pode
falsear muitas vezes a visão compreensiva da realidade orgânica e complexa. É
como o bisturi do anatomista; disseca os órgãos e tecidos, separa-lhes as
fibras mais delicadas, mas à custa da vida que se foi e só explica a atividade
e harmonia do organismo.
Não basta o confronto de métodos nem a aproximação de textos para
dar explicação cabal de uma pedagogia viva. Depois do exame minucioso dos
documentos e da discriminação conscienciosa de influências, cumpre recolocar
tudo na vida da historia para compreender, em seu justo valor, com as relações
das causas e efeitos, a evolução orgânica que levou ao resultado final.
Foi com efeito na experiência palpitante dos Colégios da Companhia
que se foi estruturando seu plano definitivo de estudos. Paris e Lovaina, Sturm
ou Vives não influíram, no que influíram, senão através dessa assimilação vital
que se processa na atividade fecunda de cada dia nos grandes centros de
educação.
Como todo homem ativo e organizador, Inácio observava e arquivava
cuidadosamente as lições dos fatos. A oração, a razão e a experiência, diz
Polanco, eram as três fontes principais em que se inspiravam as suas decisões [50].
Um fato, apenas, entre muitos outros que revelam o critério do prudente santo.
Tratava-se da fundação de um colégio em Ingolstadt. Inácio envia as instruções
relativas a aulas, professores, relações com a cidade, etc., mas logo
acrescenta: “Achando-se me Canísio, pela sua experiência e oficio procedam na
organização das aulas como ele julgas conveniente. Autorizado nesta
pressuposição, das instruções que seguem se poderá omitir ou mudar o que lhe
parecer” [51].
Neste espírito formaram-se seus companheiros. Já vimos o papel
importante que na orientação pedagógica dos primeiros tempos desempenhou o P.
Ledesma, a princípio em Messina, logo depois em Roma e outras cidades. Ao
iniciar o seu Ordo Studiorum, um dos esboços do futuro Ratio,
enumera ele os motivos que o levaram a lançar por escrito as suas instruções
práticas e concretas. As três primeiras são: “1. A experiência que tive por
três anos neste colégio (Romano) quando prefeito de estudos... e em outros
colégios da Companhia que visitei... 2. A reflexão profunda sobre estes
assuntos, prolongada por vários anos. 3. O conselho freqüente dos melhores
professores que conheci neste colégio, como Perpignani e outros cuja opinião
pedi, muitas vezes, até por escrito” [52]
.
Experiência pessoal, ampla e prolongada, enriquecida ainda pela
experiência de outros professores, eis a principal fonte de inspiração de
Ledesma.
Nada, porém, põe em tanto relevo a influência absolutamente
preponderante vinda desta pedagogia vivida na pedagogia codificada quanto a
própria história do Ratio que,
em largos traços, acima resumimos. O plano de estudos da Ordem só foi
promulgado apos mais de meio século de experiência (1584-1599) em dezenas e
centenas de colégios disseminados por toda Europa. O trabalho de sua relação
prolongou-se por obra de 15 anos (1584 – 99) e obedeceu ao critério com que se preparam
os currículos modernos mais bem elaborados.
Primeira redação aproveitando um imenso material pedagógico acumulado em
dezenas de anos; críticas dos melhores pedagogos de todas as províncias
européias da Ordem; segunda redação; nova remessa às províncias para que a
submetessem por um triênio à prova da vida real dos colégios; aproveitamento
das últimas sugestões, sugeridas à luz dos tatos; promulgação definitiva [53].
O Ratio, portanto, é filho da experiência, não da
experiência de um homem ou de um grupo fechado, mas de uma experiência comum,
ampla de tal amplitude, no tempo e no espaço, que lhe assegura uma grandeza
majestosa, talvez singular na história da pedagogia.
A esta formação viva e orgânica deve ele sua unidade, harmonia e
equilíbrio perfeito. Deve-lhe ainda e, sobretudo, o espírito que o informa e
lhe caracteriza a originalidade da fisionomia. Já o observou G. Muller: para a
organização e aperfeiçoamento da pedagogia da Ordem mais importante foi a
prática viva do que a utilização dos pedagogos teóricos” [54].
Nesta prática viva formou-se pouco a pouco uma tradição pedagógica
em que os processos didáticos, assimilados
com sábio discernimento entre os mais acreditados do tempo, passaram a
ser aviventados por um espírito novo, próprio da nascente instituição. A
expressão de Farrell, um dos mais abalizados conhecedores contemporâneos da
pedagogia dos jesuítas, resume-lhe com vigor e felicidade as características
dominantes: “o currículo, humanista; o método e ordem, principalmente
parisienses; o espírito, inaciano” [55].
O novo sopro que os discípulos de Inácio insuflaram na estrutura
exterior do ensino, comum a outras escolas do Renascimento, deu-lhe outra vida,
imprimiu aos seus colégios uma orientação vincadamente original e
assegurou-lhes um êxito que os historiadores menos simpáticos à Companhia de
Jesus são unânimes em confessar.
Como causas dessa superioridade poderá apontar-se “uma organização
melhor, uma visão superior mais esclarecida, professores mais aptos,
planificação mais cuidadosa dos pormenores, continuidade mais seguida do corpo
docente”. A todos esses fatores, porém, importa acrescentar: “a disciplina e
formação de homens para os quais podia fazer apelo um ideal de sacrifício, de
fraternidade humana e de amor à Deus.
Só assim se poderá compreender com facilidade porque o sistema dos
jesuítas fez dos jesuítas os mestres-escolas da Europa durante mais de um
século e meio” [56].
SINOPSE DO “RATIO”
Para quem, pela primeira vez, se põe em rápido contato com o Ratio,
a impressão espontânea é quase a de uma decepção. Em vez de um tratado bem
sistematizado de pedagogia, que talvez esperava, depara com uma coleção de
regras positivas e uma série de prescrições práticas e minuciosas.
De fato, o Ratio não é um tratado de pedagogia, não expõe
sistemas nem discute princípios. A edição de 1586 enveredara por este rumo; foi
criticada e substituída pela de 1599. Ao tratado sucedeu o programa. Já vimos
as razões de ordem prática que ditaram essa mudança de orientação. Outras há,
de caráter histórico, que não devem ser esquecidas. Sobre os fins e ideais
educativos discutia-se menos no século XVI do que no século XX. A unanimidade
era então quase perfeita. Os nacionalismos ainda não se haviam ouriçado uns
contra os outros nem os estados se esforçavam por converter a educação das
massas em instrumento político. O alvo então visado era universal, a formação
do homem perfeito, do bom cristão. Não se mirava, com a ação das escolas, dar a
consciência de cidadão de tal ou tal império ou de representante desta ou daquela
raça predestinadas. Os professores do Renascimento percorriam a Europa sem se
sentir estrangeiro em nenhuma parte. Suaréz ensinou em Coimbra, Salamanca e
Roma. Vives, espanhol, acha-se bem em Bruges e em Lovaina. Canísio, holandês,
passava do Colégio de Messina à Universidade de Ingolstadt.
Convém, portanto, a quem inicia o estudo do Ratio não
esquecer a sua finalidade eminentemente prática nem a moldura histórica que lhe
enquadra as origens. Os princípios pedagógicos que o animam são mais supostos
do que enunciados. Deste manual prático que preconiza métodos de ensino e
orienta o professor na organização de sua aula, convém, por inferência,
reconstruir linhas mestras de uma pedagogia, que, além do Ratio, tem
outrossim – convém lembra-lo – a sua expressão em outros documentos.
Procuraremos, em breve resumo, indicar as direções a seguir nesse
estudo, agrupando sobre os títulos: administração, currículo e metodologia, os
elementos mais importantes do seu conteúdo.
Para este fim, convém ter diante dos olhos um índice do Ratio, com
um sistema de siglas que permitam, breves e fáceis, as referências posteriores.
Com ligeiras modificações, seguiremos, por mais cômodo, o proposto de Farrell.
|A.
Regras do Provincial (1-40)
I |B.
Regras do Reitor (1-24)
|C. Regras
do Prefeito de Estudos Superiores (1-30)
|D. Regras
comuns a todos os professores das Faculdades Superiores (1-20)
|E. Regras
particulares dos professores das Faculdades Superiores. | Ea. Professor de
Escritura (1-20)
| | Eb. Professor de Hebreu (1-5)
| | Ec. Professor de Teologia (1-14)
| | Ed.
Prof. de Teologia Moral (1-10)
II |F.
Regras dos Professores de Filosofia. |Fa.
Professor de Filosofia
| |Fb. Professor de
Filosofia Moral (1-4)
| |Fc. Professor de
Matemática (1-3)
|G. Regras
do Prefeito de Estudos Inferiores (1-50)
|H. Regras dos
exames escritos (1-10)
|I. Normas para a distribuição de prêmios
(1-13)
III |J. Regras comuns
aos professores das classes inferiores (1-30)
|L. Regras
particulares dos professores das classes inferiores |La. Retórica (1-20)
| |Lb.
Humanidades (1-10)
| |Lc.
Gramática Superior (1-10)
| |Ld.
Gramática Média (1-10)
| |Le. Gramática Inferior (1-9)
|M. Regras dos estudantes da Companhia (1-11)
|N. Regras dos que repetem a Teologia (1-14)
|O. Regras do Bedel (1-7)
|P. Regras dos estudantes externos (1-15)
IV |Q. Regras das Academias |Qa.
Regras gerais (1-12)
| |Qb. Regras do Prefeito
(1-15)
| |Qc. Academia de Teologia e Filosofia (1-11)
| |Qd. Regras do Prefeito
desta Academia (1-4)
| |Qe. Academia de Retórica e
Humanidades (1-7)
| |Qf. Academia de Gramáticos
(1-8)
ADMINISTRAÇÃO.
A Companhia de Jesus é, administrativamente, dividida em Províncias
e Circunscrições territoriais, que compreendem várias cassa e colégios da Ordem
e coincidem com o território de uma nação ou parte dele. À frente de cada
Província acha-se um Provincial. Suas funções, no que se refere aos
estudos, resumem-se em nomear o Prefeito e Estudos e de disciplina, em zelar
pela formação de bons professores, em promover os estudos na sua Província,
exercer uma alta vigilância sobre a observância exata das normas traçadas pelo Ratio
e propor ao Geral as modificações sugeridas pelas circunstâncias de tempo e
lugar, peculiares à Província. A 1-40.
O Reitor é a figura central do Colégio. Distribui os ofícios
convoca e dirige as reuniões dos professores, preside às grandes solenidades escolares. Exerce, em seu
colégio, a autoridade mais alta, subordinada, porém, na Província, à do
Provincial e, fora dela, à do Geral, por quem é nomeado. B 1-24.
Braço direito do Reitor na orientação pedagógica, é o Prefeito
de Estudos. Homem de doutrina e de larga experiência de ensino, acompanha
de perto toda a vida escolar, visita periodicamente as aulas, urge a execução dos programas e dos regulamentos,
forma e aconselha os novos professores, articula a atividade de todos. Guarde
fiel das tradições, assegura, com a unidade atual da obra pedagógica, a sua
continuidade no tempo.
Nos grandes estabelecimentos, em que se reuniam Faculdades
Superiores e cursos de humanidades, ao Prefeito principal, encarregado dos
estudos nas Faculdades, se subordinava, com auxiliar, outro chamado Prefeito
dos Estudos Inferiores. C.1-30; G. 1-50.
Se o numero de alunos o exigia, nomeava-se ainda um prefeito de
disciplina, incumbido de auxiliar o prefeito de estudos, principalmente na
manutenção geral da ordem e do bom comportamento. B. 22; G. 37-50, 9-13.
Para os cursos superiores e secundários, o Ratio organizou
currículos muito precisos e pormenorizados.
I – Currículo Teológico. 4 anos.
Teologia escolástica. 4 anos; dois
professores, cada qual com 4 horas por semana. A.9.
Teologia moral. 2 anos. Dois
professores com aulas diárias ou um professor com duas horas por dia. A.12.
Sagrada Escritura.
2 anos com aulas diárias. A. 6.
Hebreu. 1 ano, com duas horas por semana. A.
7-8; Eb. 3.
A revisão de 1832 ao currículo teológico acrescentou, com
disciplinas autônomas, o Direito Canônico e a História Eclesiástica, estudada
no século XVI, só ocasionalmente.
II – Currículo filosófico.
1o. Ano – Lógica e introdução às ciências; um professor;
2 horas por dia. Fa- 7; 9.
2o. Ano – Cosmologia, Psicologia, Física – 2 horas por
dia. Fa.-7-10. Matemática – 1 hora por dia. A-20.
3o. Ano – psicologia, Metafísica, Filosofia Moral – dois
professores. Duas horas por dia. Fa-7-11; Fb-2.
III – Currículo Humanista.
O currículo humanista, corresponde ao moderno curso secundário,
abrange no Ratio 5 classes:
1 – Retórica.
2 – Humanidades.
3 – Gramática Superior.
4 – Gramática Média.
5 – Gramática Inferior.
Estas classes são caracterizadas por graus, ou estágios de
progresso. Representam menos uma unidade de tempo (1 ano) do que uma
determinada soma de conhecimentos adquiridos. Só podia ser promovido à classe
superior, o aluno que os houvesse assimilado integralmente. Por isso, na
prática, o currículo dilatava-se muitas vezes por 6 e 7 anos; a ultima classe
de gramática e às vezes a penúltima desdobravam-se em duas outras, A e B, ou
ínfima gramática primi ordinis e ínfima gramática secundi ordinis.
A-21;G-8.
Na sua maior extensão o currículo era assim representado [57]:
Grau |
Classe |
Ano |
1 |
Retórica |
7 |
2 |
Humanidades |
6 |
3 |
Gramática Superior |
5 |
4 |
Gramática Média A |
4 |
4 |
Gramática Média B |
3 |
5 |
Gramática Inferior A |
2 |
5 |
Gramática Inferior B |
1 |
O “grau” da gramática ínfima é conhecimento perfeito dos
rudimentos da gramática e das primeiras noções de sintaxe. Lc-1. O grau da gramática
superior é o conhecimento perfeito da gramática. Lc. 1.
O grau da classe de humanidades que prepara imediatemente à
retórica é o conhecimento da linguagem, alguma erudição e primeiras noções dos
preceitos da retórica. Lb-1.
O grau da retórica é a expressão perfeita, em prosa e verso,
e abrange os conhecimentos teórico e prático dos preceitos da arte de bem dizer
e uma erudição mais rica de história, arqueologia, etc. La-1.
Como se vê, o objetivo do curso
humanista é a arte acabada da composição, oral e escrita. O aluno deve
desenvolver todas as suas faculdades, postas em exercício pelo homem que se
exprime e adquirir a arte de vazar esta manifestação de si mesmo nos moldes de
uma expressão perfeita. As classes de gramática asseguram-lhe uma expressão
clara e exata, a de humanidades, uma expressão rica e elegante, a de retórica
mestria perfeitamente na expressão poderosa e convincente ad perfectam
eloquentiam informat.
O latim e o grego são as disciplinas dominantes. As outras, o
vernáculo, a história, a geografia, as realia, não têm um estatuto
autônomo, são ensinadas concomitantemente na leitura, versão e comentários de
autores clássicos.
A seleção e graduação dos autores obedece ao programa seguinte.
Na gramática inferior, Cartas mais fáceis de Cícero;
primeiras noções de grego. Lê-1.
Na gramática média, Cartas de Cícero ad familiares,
poesias mais fáceis de Ovídio; catecismo grego, Tabula de Cebes. Ld-1.
Na gramática superior,
prosa no 1o. Semestre, As Cartas mais importantes de Cícero ad
familiares, ad Atticum, ad Quintum fratrem; no 2o. Semestre,
Cícero, De Senectute, De Amicitia, Paradoxa ou outros livros
semelhantes. Poesia: no primeiro semestre, trechos seletos de Catulo, Tibulo, e
Propércio, Éclogas de Virgilio, ou ainda os livros mais fáceis do mesmo
autor como o 4o. das Geórgicas, ou o 6o. e 7o.
da Eneida. Em grego, S. Crisóstomo, Esopo, Agapito e outros análogos. Nas três
classes de gramática, como texto, adote-se a gramática, como texto, adote-se a
gramática do P. Álvares. Lc-1.
Em humanidades: Latim – Cícero, obras de filosofia
moral, no 1o. semestre; no 2o. algumas orações como Prolege
Manilia. , pro Archia, pro Marcello ou outras pronunciadas diante de
César; dos historiadores César, Salústio, Tito, Lívio, Curcio e outros
semelhantes; dos poetas, principalmente Virgilio, com exceção do 4o.
livro da Eneida, odes seletas de Horácio, elegias epigramáticas e outras
composições de poetas clássicos. Grego: no 1o. semestre,
Orações de Isócrates, S. Crisóstomo, S. Basílio, epistolas de Platão, Sinésio,
trechos seletos de Plutarco; no 2o. semestre, poesias de Focílides,
Teognides, S. Gregório Nazianzeno, Sinésio e outros semelhantes. Para os
preceitos de retórica, o tratado do P. Cipriano Soares. Lb-1o. Em retórica,
os preceitos devem ser explicados pelos livros de Cícero e de Aristóteles
(Retórica e Poética), o estilo deve ser formado principalmente em Cícero, ainda
que se devam conhecer também os melhores historiadores e poetas. Para o grego
só se utilizem autores antigos e clássicos. Demóstenes, Platão, Tucídides,
Homero, Hesíodo, Píndaro, e outros
assim, entre os quais se deve incluir com razão os Santos Gregório Nazianzeno,
Basílio e Crisóstomo. La – 1, 13.
Quanto ao horário, o Ratio supõe 5 horas de aulas por dia, duas
horas e meia pela manhã e outras tantas pela tarde. O tempo é minuciosamente
distribuído entre o grego e o latim, a prosa e a poesia, e os diversos
exercícios escolares, preleção, lição de cor, composição, desafio, etc.,
visando-se em tudo, com o melhor aproveitamento da aula, a maior variedade nas
ocupações do aluno. A ordem estabelecida, porem, alterada de acordo com os
costumes locais. J-15.
Para julgar com acerto este currículo e a ausência de disciplinas
que hoje nos parecem indispensáveis num curso secundário, convém lembrar a
situação cultural do século XVI. Nem as ciências experimentais haviam tomado o
desenvolvimento que hoje conhecemos nem as línguas modernas a importância que
lhe deu posteriormente o surto progressivo das nacionalidades e o
enriquecimentos das respectivas literaturas. Quando os jesuítas entraram em
Portugal, Camões ainda não havia escrito Os Lusíadas. Se os jesuítas, no seu
plano de estudos, como disciplina autônoma, não incluíram a língua vernácula,
também não incluíram a Universidade de Paris, e as escolas protestantes e Sturm
e Trotzendof e Melanchton com suas mediadas draconianas contra o alemão, o
grego e o hebreu. É uma atitude tomada por todo o século XVI. Quanto às
ciências então acessíveis – matemáticas, astronomia e físicas – eram incluídas
no currículo filosófico.
Uma leitura apressada do Ratio e um conhecimento lacunoso
das suas aplicações históricas levaram, por isso, alguns autores a acusar os
jesuítas de negligenciarem o cultivo do idioma pátrio. Nada menos justificado.
Para os jesuítas, o conhecimento do vernáculo é uma prescrição,
mais de uma vez repetida, do seu Instituto. As Constituições lembraram-lhes
que, para pregar com fruto, importa bem aprender a língua falada pelo povo [58].
As regras comuns lembram a todos o dever de estudar a língua do país em que
trabalham [59]. Com este espírito
prescrevia Nadal na sua visita aos colégios da Colônia (1566) e de Mogúncia
(1567), que estudassem com afinco o alemão 60.
O Ratio recomenda mais de uma vez a diligencia no uso da
língua materna. Traduções, versões,
ditados, exposições do argumento obrigam a um estudo ocasional, mas nem
por isso menos eficiente do vernáculo. Ao professor de humanidades em
particular lembra que poderá, não só usar a língua nacional, quando nisto
houver vantagens, senão que também poderá no fim da explicação do autor dar do
trecho estudado uma tradução, feita com todo o primor. Omnia patrio sermone
sed quam elegantissime vertere. Lb-5, 6. var ainda Lc-4, 5, 6, 10; Ld-4, 6,
7, 10; Le-4, 6, 7, 9.
O trabalho em aula é completado com exercícios suplementares,
leituras de bons autores, discursos, academias, teatro, pregações no
refeitório, etc.
Do estudo da gramática, do comentário dos autores clássicos e da
composição literária – preceitos e prática, - ainda que feitos em Latim,
beneficiava também a formação do jovem no manejo da língua pátria.
Com o desenvolvimento progressivo das leituras modernas, o Ratio
foi, na prática, abrindo um espaço cada vez maior ao estudo direto das línguas
vivas.
Já por volta do ano de 1600, sabemos que os jesuítas da Boêmia
pediam e obtinham licença de instituir uma academia particular para o estudo da
língua tcheca 61. Em 1625 Sacchini
insistia, numa exortação aos professores, para que os alunos aprendessem
igualmente as duas línguas 62.
Jouvancy, um dos maiores pedagogos da Ordem, no seu livro De ratione
discendi et docendi (1705) escreve um capítulo inteiro ao De studio
linguae vernaculae. O P. Hermann,
Provincial da Germânia Superior, num memorial deixado em 1766 sobre a
organização dos estudos humanistas, lembra as freqüentes instruções anteriores
relativas ao mesmo assunto e, ainda uma vez, inculca o grande cuidado que deve
merecer o estudo do alemão 63. Nos
ginásios austríacos já em 1755 nos informa Wagner que os exercícios da Academia
se realizavam quase todos em vulgar 64.
Este espírito levou ainda os filhos de S. Inácio, nos paises de
missões, a dedicar-se com rara perseverança e notáveis resultados aos estudos
das línguas indígenas. No México, no Peru e na Colômbia bem cedo
fundaram-se cursos das línguas nativas dos índios. No Brasil, Anchieta,
primeiro, Figueira, mais tarde, reduziram a Arte aa língua tupi-guarani,
que já era ensinada no Colégio da Baía, em 1556 e em Pernambuco em 1587 65.
Este movimento ascensional em favor das línguas vivas culminou em
1832, quando foi revisto o Ratio, na autonomia do seu ensino elevado a
disciplina maior. A nova redação recomenda, entre outros pontos, que os alunos
tenham na língua pátria “uma formação sólida” e o estilo se aprimore “na escola
dos melhores autores” 66.
A prova mais eloqüente do que, neste ponto, conseguiram os métodos
dos jesuítas é o veridictum da experiência. Das suas escolas saiu, de fato,
grande número dos melhores escritores das literaturas modernas. Nos colégios da
Companhia receberam a sua primeira formação literária: na Itália, Tasso,
Alfieri, Vico, Muratori, Goldini, Segneri, Bártoli; na Espanha,
Cervantes, Lope de Vega, Calderon, em Portugal, Viera, Bernardes,
Francisco Manuel de Melo, Jacinto Freire de Andrade, Correia Garção; no Brasil,
Gregório de Matos, Rocha Pita, Cláudio Manuel da Costa, Alvarenga Peixoto,
Caldas Barbosa, Basílio da Gama; na França, Corneille, Molière, Bossuet,
Montesquieu, Fontenelle, Malesherbes, e o próprio Voltaire. O P. Porée,
professor de retórica, durante longos anos, no Colégio Louis-le-Grande, de
Paris, chegou a ver 19 de seus discípulos na Academia Francesa.
Quanto às ciências, o Ratio preferiu remeter-lhes ao
estudo para o currículo de Filosofia ou para o Colégio das Artes, como o
chamavam os nossos maiores. Terminada a formação literária do curso humanista,
passava o jovem a estudar as ciências então já constituídas: a matemática, a
astronomia e a física.
Com o correr dos anos e o desenvolvimento dos conhecimentos
científicos, introduziram-se outras disciplinas e alargaram-se os respectivos programas.
Os colégios da Companhia acompanharam constantemente o ritmo progressivo das
ciências modernas e muitas vezes contribuíram para acelera-lo. Compayré, um dos
críticos mais apaixonadamente severos da pedagogia dos jesuítas, confessa que
“eles seguiram o movimento geral que alargou tão prodigiosamente os
quadros do ensino cientifico” 67.
Já em 1623 os jesuítas apresentavam, para o Colégio de Madrid, um
programa de um Studium Generale, com 23 cátedras, entre as quais
encontramos as consagradas ao hebreu, ao sírio, ao caldeu, à cronologia
histórica, à física, à matemática (1a. cadeira com estudosde Astronomia, Perspectiva, Climatologia; 2a.
cadeira de Geometria, Hidrografia, Geografia, teoria dos relógios), à Economia
Política, à História Natural, (Geologia, Mineralogia) etc. 68.
Também aqui o melhor índice da eficiência do ensino são os
resultados obtidos. Não só entre os membros da Ordem contam-se numerosos
cultores exímios dos mais variados ramos da ciência 69, mas ainda das suas escolas saíram
alguns dos seus mais notáveis pioneiros, lembremos aqui apenas os nomes de
Descartes, Galileu, Buffon, Réaumur, La Condamine, Lalande, Renaudot,
Berthollet, Bossuet, etc. etc.
Podemos concluir que, no seu currículo, o Ratio conseguiu organizar
e sistematizar o que de melhor havia no tempo.
Diga-o Paulsen, autor protestante moderno, de reconhecida
autoridade: “Que o Ratio Studiorum tenha sido elaborado com grande
sabedoria e diligencia invulgar é o que se não pode por em dúvida. Nem tão
pouco é possível contestar que, no seu conjunto, o seu plano de estudos se
adapta bem às exigências do tempo; tudo o que tinha um valor no mundo
cientifico do século XVI foi nele levado
em consideração. Não duvido tão pouco que, pela sua organização escolar,
a Ordem tenha promovido eficazmente a difusão da cultura intelectual e, em
particular, o conhecimento das línguas clássicas nos paises católicos, onde os
jesuítas eram os mestres mais instruídos e zelosos”. 70
À sua própria organização deu ainda o Ratio plasticidade
indispensável a todas as adaptações exigidas pelo movimento progressivo da
cultura. O princípio de uma política educacional progressiva reconhece-o a
regra 39 do Provincial: “Como, porém, na
variedade de lugares tempos e pessoas pode ser necessária alguma diversidade na
ordem e no tempo consagrado aos estudos, nas repetições, disputas e outros
exercícios e ainda nas férias, se julgar conveniente na sua Província, alguma
modificação para maior progresso das letras, informe o Geral para que se tomem
as determinações acomodadas a todas as necessidades, de modo, porém, que se
aproximem o mais possível da organização geral dos nossos estudos”. Na prática,
os colégios dos jesuítas não se imobilizaram numa rigidez sem vida, mas com
espírito sabiamente conservador e prudentemente progressista souberam sempre
acompanhar o passo de uma cultura que marcha.
METODOLOGIA.
É a parte mais interessante e mais desenvolvida do Ratio. Sob o nome
de metodologia compreendemos aqui tanto os processos didáticos adotados para a
transmissão de conhecimentos, quanto aos estímulos pedagógicos postos em ação
para assegurar o êxito do esforço educativo. A intenção que nos ditou foi não
só de orientar os professores novos como de unificar o sistema de ensino e a
tradição pedagógica da Ordem. Nem por isso houve uma padronização rígida que
tolhesse a espontaneidade indispensável ao trabalho dedicado de formação das
almas. A própria multiplicidade de métodos propostos já deixa uma ampla
liberdade de opção adaptada à diversidade dos dons e à variedade das
circunstâncias. Ao mestre, além disto, se conferem largos poderes de
iniciativa, não só o emprego dos métodos indicados, senão também na invenção de
outros. Norma e liberdade, tradição e progresso balançam-se em justo
equilíbrio.
Preleção. A preleção, prelectio,
é centro de gravidade do sistema didático do Ratio. Como o nome o está
indicando, é uma lição antecipada, uma explicação do que o aluno deverá
estudar. Seus métodos e aplicações variam com o nível intelectual dos
estudantes.
Nas classes elementares de gramática, após a leitura e o resumo do texto, o
professor explica, resolve as dificuldades relativas ao vocabulário, à
propriedade dos termos, ao sentido das metáforas, à gramática, à ordem, e
conexão das palavras.
Mais tarde, à medida que as classes se aproximam da retórica, às questões
de gramática elementar, sucedem as relativas à sintaxe, ao estilo, à arte de
composição. Mais do que com as palavras, ocupa-se o mestre com as idéias e sua
expressão. O texto estudado em confronto com textos análogos do mesmo ou de
outro autor. Para sua melhor compreensão subministram-se os conhecimentos das realia
indispensáveis. É o que o Ratio chama erudito (conhecimentos positivos).
Sob este nome compreende-se as noções de historia, geografia, mitologia,
etnologia, arqueologia, e instituições da antiguidade greco-romana que podem
elucidar o sentido do trecho analisado.
A
razão de ser, porém, da eruditio não é tanto aumentar a soma de
conhecimentos quanto introduzir o aluno numa compreensão perfeita do autor. A
preleção, na sua finalidade, é menos informativa do que formativa; não visa
comunicar fatos, mas desenvolver e ativar o espírito. Com uma compreensão viva,
o aluno vai exercitando, não tanto a memória, mas também e principalmente a
imaginação, o juízo e a razão. Observa, analisa palavras, períodos, parágrafos;
resume passagens; compara; critica; adquire hábitos de estudo; desenvolve o
desejo de ulteriores investigações para formação do critério de uma apreciação
pessoal. O alcance deste objetivo exige do professor uma preparação cuidadosa;
“não fale sem ordem nem preparação, mas exponha o que escreveu refletidamente
em casa e leia antes todo o livro ou discurso que em entre mãos”. J-27.
Ao
trabalho do professor, segue-se o do aluno. O método é essencialmente ativo.
Não só durante a exposição do mestre os estudantes são freqüentemente
interrogados e solicitados a uma colaboração continua, mas terminada a tarefa
da explicação, começa e da composição. O fim da preleção não pe teórico, mas artístico; mira
desenvolver arte da expressão. Imitatio
est anima prelectiones 71.
Estuda-se uma carta, uma descrição, um discurso para compor uma carta, uma
descrição, um discurso. A preleção não se confunde com uma tradução, ou uma
leitura, visa diretamente o estudo, a análise viva de um modelo. Depois de o
haver contemplado e admirado, o aluno esforça-se por assimila-lo e
reproduzi-lo. No silêncio de sua banca de estudos repetirá depois os processos
vitais percorridos pelo autor e analisados na preleção. Focaliza e ordena
idéias; escolhe e articula palavras, frases, períodos; dispõe os argumentos,
numa tentativa fecunda de rivalizar com o modelo entrevisto. Imitação um tanto
servil nos primeiros tempos, a composição ganhará em originalidade e cunho
pessoal à medida que o aluno for enriquecendo o seu patrimônio de idéias e os
seus recursos de expressão. Insistindo na importância deste fim prático, o Ratio
oferece-lhe continuamente a oportunidade de assimilar melhor e realizar a
síntese viva de tudo o que aprende: regras de gramática, normas de estilística,
conhecimentos positivos. A lição de preceitos (a praecepta), a leitura do
autor, a eruditio, convergem no trabalho pessoal da composição. Para o
estudo da preleção e seu método nas diferentes classes, J-27-29;
La-6,7,8,13,14,15; Lb-5,9; Lc-5,9: Ld-6,8,9; Le-6,8.
Antes da preleção quase sempre recitava-se de cor um trecho latino
em prosa ou verso. O Ratio preconiza o exercício quotidiano da memória,
sem, porém, incorrer no defeito da memorização. Memoriza viciosamente quem
substitui a memória à atividade da inteligência e da razão; quem decora a
descrição de um aparelho em lugar de observa-lo e referir o que observou; quem
recita um teorema de geometria em vez de expor-lhe a demonstração racional
assimilada. Visavam os educadores do Ratio, antes de tudo, o exercício
de uma faculdade, custos et thesaurus scientiarum 72, que a todo trabalhador
intelectual presta serviços inestimáveis e, além disto, miravam ainda o
enriquecimento do vocabulário e a formação estética do ouvido literário, que
assim se habituava à harmonia dos períodos bem torneados. A recitação de cor
dos grandes clássicos servia admiravelmente a este duplo objetivo.
Ao lado da lição de cor, ao lado da preleção no seu duplo aspecto
de explicação dos “preceitos” de gramática e retórica de comentário dos
autores, indicam-se ainda para o tempo da aula outros exercícios escolares;
colheitas de frases dos bons autores, versão e retroversão, ditado do tema da
composição, redação de inscrições, epigramas, epitáfios, etc, correção de
trabalhos, declamação de desafio. A variedade das ocupações suavizava o esforço
e mantinha a atenção sempre alerta.
No seu trabalho, o professor é eficientemente ajudado pelos alunos.
A aula não se apresenta como uma multidão inorgânica de unidades desarticuladas
a ouvir passivamente o mestre que discorria do alto da sua cátedra. Há em
primeiro lugar os decuriões e censores. Estes auxiliam na
conservação da ordem e da disciplina, aqueles corrigem os deveres e tomam as
lições. Acima de uns e de outros, toda uma magistratura bem hierarquizada:
senadores, tribunos, cônsules, imperator. Toda a aula divide-se em dois
campos com as suas organizações político-militares paralelas. No preenchimento
destes cargos, nenhuma proteção ou intriga. Só o mérito apurado em trabalhos
escolares rigorosamente examinados, compositiones pro imperio, decide,
cada mês ou cada dois meses, da nova promulgação de postos. Dentro de cada
campo, os desafios freqüentes permitem a promulgação gradual dos mais valentes.
Desenvolvia-se assim nesta magistratura juvenil o senso da responsabilidade, a
solidariedade de corpo, a consciência da autoridade e a disciplina da
obediência, o respeito da legalidade e ao mesmo tempo plasma-se a aula nos
moldes de um organismo social bem estruturado. É fácil avaliar o ardor e o
entusiasmo para o estudo que despertavam, sobretudo nas classes inferiores,
estes torneios escolares e as distinções públicas que lhes consagravam os
triunfos.
Passamos assim insensivelmente dos processos didáticos aos
estímulos pedagógicos empregados para incentivar a atividade do aluno.
Os jesuítas não eram amigos dos castigos corporais. Não os
suprimiram de todo, mas alistaram-se decididamente entre os que mais
contribuíram para suavizar a disciplina. É mister ter presentes os rigores
antigos para avaliar o progresso realizado. Letra com sangue entra, puseram
em anexim os nossos bons antigos. No dia solene da investidura, como símbolo de
sua missão disciplinadora, recebia oficialmente o professor um chicote 73 e não o recebia em vão. Pierre
Tempête, Principal do Colégio de Montaigu, mereceu a triste alcunha de Grand
fouetteur dês enfants. Em 1520, a um amigo que o consultava a respeito da educação
dos meninos aconselhava o Reitor da Universidade de Paris, Texier de Ravisi:
“Quando caírem em falta, ou forem colhidos em mentira, quando tentarem sacudir
o jugo, murmurarem ou formularem a mínima queixa, bater de rijo e não
deixar de bater nem abrandar a correção até quebrar-lhes a arrogância e
torna-los mais calmos que o azeite e menos resistentes que a polpa de melão” 74. Os excessos da pedagogia calvinista
raiam pela crueza mais desumana. Por haver insultado a mãe, uma criança é
condenada em 1563 a três dias de prisão, e a jejum a pão e água. Por haver
batido nos pais, quatro anos depois da morte do reformador de Genebra, um
menino foi decapitado. Em 1583 o regulamento de Neowhauser julga ainda
necessário lembrar que: “o professor deve bater imediatamente no aluno que não
sabe a lição... mas não se deve proceder como tirano, fustigar os meninos até o
sangue, calca-los os pés, levanta-los pelas orelhas, bater-lhes no rosto com a
mão ou o livro, mas puni-los com moderação e não ceder à paixões pessoais75”.
A reação começou no século XVI. Erasmo, Montaigne, Rabelais
aceraram os seus epigramas contra este regime de galé. Os jesuítas fizeram
mais; acabaram com o orbilianismo organizando os seus colégios com uma
disciplina forte a um tempo, e paterna.
As Constituições já haviam enunciado o princípio: “na medida do
possível a todos se trate com o espírito de brandura, de paz e da caridade” 76. O Ratio Studiorum conservou-se
fiel e o aplicou com inteligência.
A regra 40 do Professor das escolas inferiores prescreve-lhe que
não seja precipitado no castigar, nem demasiado no inquirir, que não se
abstenha de qualquer palavra ou ação injuriosa para o castigo, e a ninguém
chame senão pelo nome ou cognome. J-40.
Os castigos físicos só eram aplicados em
casos mais graves quando não bastavam os meios suasórios. Ubi verba valente
ibi verbera non dare. O trocadilho exprimia a norma e a pratica dos
colégios da Companhia. Só se deveria recorrer à palmatória, dizia a regra do
Prefeito de estudos, quando “não bastassem as boas palavras e exortações”.
G-40.
Ainda nestes casos mais raros o Ratio
rodeava a aplicação do castigo de tais circunstâncias que lhe restringiam as
possibilidades de abuso e conservavam a eficácia disciplinadora. Antes de tudo,
o professor da Companhia nunca devia, com suas próprias mãos, tocar o aluno, nunquam
ipse plectat. L-10. Era uma tradição que remontava e S. Inácio. Em 1552
escrevia o Santo Everardo Mercuriano: “não convém que os professores da
Companhia castiguem senão com palavras” 77.
Para o integrato mister cumpria tomar um oficial de fora, o Corretor, homem
sério e moderado, que administraria a punição de acordo com as instruções
recebidas do Prefeito de Estudos 78.
Os golpes não deviam normalmente passar
de seis; nunca no rosto ou na cabeça. Tampouco se devia aplicar o castigo em
lugar solitário, mas sempre na presença de, pelo menos, duas testemunhas. Era
este o “gravissimum liberalis disciplinae supplicium”. Não se visava nem
ferir nem humilhar o aluno (na sociedade do século XVI a férula não era nenhuma
desonra” mas apenas causar-lhe uma pequena dor física, que, na primeira idade,
é, para certos temperamentos, um meio disciplinar de eficácia incontestável, ut
correctio pungat, non laceret vel nimium affligat 79.
Os castigos físicos, porém, ficaram
sempre em último recurso; a regra era apelar para os sentimentos mais nobres da
honra e da dignidade; quod spe honoris as praemii metuque dedecoris magis
quam verberibus consequetur. J-39.
Resumem bem a atitude disciplinar dos
jesuítas estas palavras de Schimberg: “Os Padres substituem os processos
morais, racionais e científicos aos métodos de correção física, empregados
pelos seus predecessores e formam a transição entre o começo do século XVI
ainda bárbaro e o fim do século XVIII excessivo na sensibilidade” 80.
Se, de fato, os métodos punitivos não
eram tidos em grande estima, é porque os jesuítas acordavam da honra dos jovens
alunos. A emulação constitui no seu sistema uma das forças psicológicas
mais ativas e eficientes. Os meninos experimentavam-lhe a cada passo os
estímulos poderosos.
A aula era dividia em dois campos,
romanos e cartaginenses, cada qual com o seu estandarte; em cada campo
dispunham-se por ordem de merecimento os diferentes graus da hierarquia militar;
todo aluno tinha no campo adverso um êmulo, rival ou oponente sempre pronto a
advertir-lhe os erros e contar, corrigindo-os, uma vitória para sua bandeira.
Emulação entre os dois partidos; emulação dentro de cada partido onde os postos
de honra e de comando só eram conquistados e mantidos à custa de provas e
merecimentos escolares. Não raro ainda emulação e luta mais solene entre uma
aula toda e imediatamente superior. O desafio concertatio freqüente
mantinha assim oficiais e soldados num estado de alerta permanente. As regras
do Ratio recomendavam-no em todas as escolas inferiores, ut honesta
aemulatio, quae magnum ad studia incitamentum est, foveatur. J-31 : era uma
adaptação feliz da disputatio tão freqüentes nos grandes torneios
filosóficos e teológicos da Idade Média. J-31, 34; La-12; Lb-7; Lc-10; Le-9.
Os prêmios
eram outro incentivo poderoso à emulação fecunda. Não os inventaram os
jesuítas; mas à sua distribuição deram tal realce e esplendor que a elevaram à
altura de um dos atos mais importantes e ansiosamente desejados da vida
escolar. Sob a presidência de altas autoridades eclesiásticas e civis, na
presença das famílias, galardoavam-se, em solenidades de raro brilho, os
resultados finais dos esforços do ano. O Ratio traça normas minuciosas relativas aos prêmios, ao seu número, à
realização e julgamento dos concursos para apurar os merecimentos, à sua
distribuição solene. B-14; G-35; I-1-13.
Aviventadas ainda pela mais nobre
emulação, floresciam nos colégios as Academias. Nelas reunia-se o escol
dos estudantes, os que por talento, aplicação e piedade podiam servir a todos
de espelho e colher destes trabalhos voluntários os frutos mais copiosos. Sob a
orientação de um Padre, nomeado pelo Reitor, organizavam-se democraticamente.
Presidente, conselheiros, secretário eram eleitos pelos próprios membros da
Academia, ao menos duas vezes por ano, em escrutínio secreto. As Academias
incentivavam a atividade espontânea dos alunos, despertavam o gosto da
investigação científica e abriam um campo de largos horizontes abertos aos
entusiasmos generosos que se não contestavam com as obrigações ordinárias das
aulas. Nestes grêmios literários e científicos podemos saudar com razão os
precursores dos seminários de história e filologia das universidades modernas.
As suas reuniões eram freqüentes, mas nas grandes festividades do ano, as
sessões revestiam-se de maior aparato: afluíam convidados de fora e as
disputas, declamações e discursos desenrolavam-se num ambiente que coroava
esforços e estimulava brios. Qa-1-12; QB-1-15; Oc-1-11; Od-1-4; Qc-1-7; Qf-1-8.
Os resultados obtidos com este poderoso
estímulo da honra foram mais remuneradores. Sabem todos os psicólogos e
pedagogos quanto atuam mais eficazmente no ânimo dos jovens as dignidades e
distinções escolares, presentes, do que as utilidades futuras dos conhecimentos
adquiridos. Apelando para a tendência natural à excelência e à glória, o
professor lança mão de "um motivo mais nobre do que o medo ao castigo,
capaz, quando muito, de sacudir a preguiça, não, porém, de acender o
entusiasmo." 81. Neste
estímulo via Locke “o grande segredo da educação” e Lessing “o motivo que leva
a alma humana a esforçar-se continuamente para chegar, com o trabalho da
reflexão pessoal, à verdade” 82. A ação
estimulante deste sentimento humano não se limita à primeira idade. As vitórias
de Alexandre acendiam os brios de
César. Racine aperfeiçoava o seu gênio ombreando com o grande Corneille.
Victor Hugo, jovem, escrevia à margem de seus cadernos: quero ser um
Chateaubriand. Os próprios santos nele encontravam acicates que os aguilhoavam
à maior generosidade no serviço de Deus. Cur non poteris quod isti et istae,
dizia a si mesmo Agostinho para arrancar à conta de hesitante o sim decisivo da
conversão total. A leitura da Vida dos Santos acorda em Inácio de Loiola as
resoluções magnânimas que o levaram aos cimos do heroísmo. A S. Teresa, se
afigurava que “morreria de ciúme se soubesse que alguém, mais do que ela,
pudesse amar a Deus”.
Schimberg aponta ainda nos processos
empregados pelos Padres “conseqüências de um alcance social considerável”. Na
nobreza, que antes só se preocupava com os prazeres da guerra e do amor,
conseguiram despertar o fervor e o entusiasmo pela cultura intelectual e pela
glória das letras. Os homens da espada pleitearam na Academia Francesa, fundada
pouco depois, a honra de se sentar ao lado dos homens da pena.
Na burguesia inculcou a consciência da própria força e revelou o segredo da
vitória. Às distinções sociais baseadas unicamente em privilégios do
nascimento, a classificação do colégio substituía uma nova hierarquia, filha do
merecimento, do trabalho e do valor pessoal. Aos filhos de algo para sacudir a
indolência apontavam-se como modelos jovens de berço obscuro, mas amigos do trabalho
e do estudo. O duque de Bourbon, neto do grande Conde, sentia-se aguilhoado ao
cumprimento dos seus deveres de estudante com o exemplo dum filho de hoteleiro.
Descartes, aluno do colégio de la Flèche, prestará mais tarde homenagem a esta
“invention extrêmement bonne”, a esta “égalité que lês jesuites mattent entre
eux”, isto é, entre os jovens que todos os cantos da França afluíam aos seus
colégios 83. Naturalmente, o
emprego da emulação foi severamente censurado do jesuítas. Consideraram-no os
jansenistas com sua visão pessimista da natureza humana essencialmente
corrompida. Tudo o que pudesse afirma-la ou desenvolve-la deveria ser
reprimido. Mas Port-Royal não tinha razão. O próprio Pascal confessava que nos
colégios que não lançavam mão desse estímulo, esmoreciam os estudos, e
Campayré, que o cita, ao menos uma vez, e ainda a contragosto, dá razão aos
antipatizados jesuítas: “neste ponto, mas só nesse, lhes foram inferiores os
jansenistas” 84. Condenaram-no ainda
alguns filósofos de sobrecenho franzido que, navegando na esteira de Kant com o
seu absolutismo moral, julgavam que o desejo do prêmio desvirtuava o ato bom.
Exagero puritano. A glória é um bem; desprende-se naturalmente da virtude como
o perfume da flor. Querer ordenadamente a gloria é querer o bem que a
condiciona. Que outros ainda reconheçam, aprovem e louvem o bem feito, porque
não o podemos desejar se para isso há um motivo razoável? Se neste louvor Deus
pode ser glorificado pelos homens 85,
se os nossos irmãos podem ser incitados à pratica
da virtude, se quem pratica o bem, pelos outros reconhecido aplaudido, encontra nesse testemunho alheio
uma força para preservar e progredir? A glória e o prêmio são uma sanção social
do bem praticado, uma ressonância exterior da voz íntima da consciência que
aprova, conforta e consola. Na justa emulação, a boa moral recomenda que não se
queira sobrepujar, no rival, o homem, mas o bem por ele praticado e assim se
realiza um bem maior. Imoral fora aspirar à gloria como fim supremo, deseja-la
sem a merecer; procura-la por meios condenáveis ou com paixão imoderada. Não
sendo em si um bem absoluto necessário a perfeição do homem, pode, porém ser
apetecida, ordenadamente, como meio de conseguir grandes bens. Assim, o
equilibrado S. Tomás já havia resolvido com acerto e bom senso o problema em
que se emaranhou o complicado Kant 86.
Sublinharam ainda
alguns pedagogos, sobretudo da escola de Herbart, os inconvenientes a que pode
dar origem uma emulação mal dirigida. Insistir só na concorrência, observam
eles, é substituir uma razão extrínseca de aplicação a uma motivação interior
tirada da própria natureza e do próprio interesse da matéria estudada, é abrir
margem ao desenvolvimento de paixões mesquinhas, vaidade, vingança, ambição
imoderada, inveja e satisfação desregrada de humilhar um adversário. Não nos
conservam as crônicas da Universidade de Paris a memória pouco edificante de
torneios literários que acabaram em cenas de pugilato? 87
Assim é ou assim pode
ser. Prova de eu de tudo ainda dos mais nobres sentimentos se pode abusar.
Prova ainda de que a emulação não deve ser empregada indiscriminadamente, sem
os contrapesos de uma sólida formação moral. Bem os sabiam os jesuítas,
conhecedores do coração humano, e ao estimular os brios dos alunos sublinhavam a
importância de conte-los nos limites da mais exigente moralidade. Nas Constituições
fala-nos Inácio da “emulação santa” 88.
Numa das mais antigas normas escolares do ano de 1560, adverte-se o dever de
extirpar decididamente a filáucia e a vanglória 89.
Em fim no Ratio definitivo, a regra 31 do professor de ginásio
recomenda-lhe que acorde nos seus alunos a “emulação nobre”, honesta
aemulatio foveatur.
E que isto seja
possível demonstra-nos as lições decisivas da experiência. Porque a vida é uma
concorrência contínua. Desde os prêmios científicos a louros literários
até as taças de campeonatos
desportivos, desde as condecorações militares até as medalhas das exposições
industriais ou agrícolas, todas as atividades do homem que vive em sociedade
sentem-lhe o aguilhão poderoso, impulsionador das iniciativas fecundas e de
invenções benfazejas. Marmontel deixou-nos nas suas Memórias este
retrato de um dos seus êmulos: “jovem raro no qual todas as qualidades de
inteligência e de alma conspiravam para torna-lo perfeito”.E em seguida
confessa de si: “Analisando quanto me é possível o que se passava no meu
espírito posso afirmar com verdade que neste sentimento de emulação nunca se
infiltrou a malignidade da inveja. Não me afligia que no mundo existisse um
Amalvy; pedia a Deus que houvesse dois e eu fosse o segundo” 90. Dupanloup, um dos grandes educadores
do século XIX, deixou-nos nesta página o resumo de uma longa experiência de
magistério: “No Seminário Menor de Paris vi o condiscípulo e a emulação
prepararem naquela juventude numerosa todos os ramos dos estudos mais fortes e
das virtudes mais sólidas e amáveis. Vi meninos cujos nomes e cuja lembrança me
serão sempre caros ao coração, vi-os exclamarem: não tenho inimigos, tenho
rivais eu amo!
Era esta a divisa dos
seus combates de emulação. Vi êmulos que eram amigos delicados, que se
combatiam, venciam e felicitavam por turno. Com prazer se admiravam, queriam,
louvavam e aplaudiam mutuamente. Uns não podiam viver sem outros. Nesta
juventude havia emulação nobre e pura, não inveja baixa e odienta”91.
As porfias escolares
transformaram-se, em mãos de educadores hábeis, na melhor palestra, no melhor
tirocínio das nobres qualidades do caráter que amanhã se empenhará no fundo nas
duras concorrências da vida.
Não obstante, o
sobrecenho de certos filósofos, que não se reconciliam com a realidade, a emulação foi, é e será
sempre um dos estímulos mais ativos ao
aperfeiçoamento e progresso do homem. Os jesuítas o compreenderam e, com rara
felicidade, o aplicaram à educação da juventude.
Teatro. A
educação dos jesuítas era integral. Ao lado da instrução que desenvolvia e
opulentava a inteligência, a formação das outras aptidões e faculdades que
aparelhavam o homem para a vida. O trabalho das aulas completavam-se
naturalmente com outras atividades que hoje denominaríamos periescolares. Entre
estas o teatro ocupava um lugar de relevo. Todos sabem que papel importante
desempenhavam na Renascença as representações escolares. Os alunos não tardaram
a infiltrar-se. As liberdades das cenas, tímidas a princípio, evolveram
rapidamente até a licenciosidade mais escandalosa. “Nestes dias de dissipação,
escreve Crévier, historiador da Universidade de Paris, os colégios e as
pedagogias transformavam-se em lugares tumultos, de violência e desordem” 91a. Dorpius, em 1508, confiava a alunos
de humanidades de Lovaina a representação de Aululário de Plauto. Plauto
e Terêncio eram ainda os autores escolhidos por Sturm. Em 1462 e em 1488, a
Faculdade das Artes de Paris tomava medidas enérgicas contra os excessos das
cenas. Mas, ao que parece, debalde. O mal se agravou a ponto de provocar, em
1516, um ato do parlamento proibindo nos colégios as representações
licenciosas.
Os abusos correntes não levaram, porém, os jesuítas a abrir mão de
um instrumento educativo de primeiro valor. O teatro escolar foi regulamentado
severamente, mas introduzido no Ratio. B-13.
As suas vantagens formativas já as enumerou Bacon, num trecho em
que, precisamente, se refere, com encômios, à pedagogia dos jesuítas. As declamações
teatrais, diz o autor do Novum Organon, “fortalecem a memória, educam a voz,
apuram a dicção, aprimoram os gestos e as atitudes, inspiram a confiança e o
domínio de si, habituam os jovens a enfrentar o olhar das assembléias”. 92
Ao lados destas incontestáveis vantagens, a além da própria
finalidade recreativa inerente ao teatro, visavam também os padres a formação
cívica, moral e religiosa da juventude. O assunto era muitas vezes tirado da
Escritura 93. A história
eclesiástica e a hagiografia oferecem novas fontes de inspiração 94.
Por último, os fatos da antiguidade clássica e os anais da vida nacional
contribuíram também com os seus rasgos de heroísmo 95 . No século XVI, as composições
representadas eram todas em latim, pouco a pouco, as línguas vivas entraram a
substitui-lo até suplanta-lo de todo 96.
O teatro escolar revestia as formas mais variadas, desde os simples diálogos,
até as tragédias de grande estilo, passando pela comédia e entremezes, pelo
drama litúrgico, pelos autos e representações de mistérios 97. Em tidas elas inculcava-se a virtude
e enalteciam-se as ações nobres e viris em prol das grandes causas.
Realizavam-se estas representações, não raro com pompa vistosa e magnificência
de indumentária, colgaduras, adornos e aparato cênico nas principais festas
escolares, nas suas visitas de personagens ilustres, eclesiásticas ou civis, e
na comemoração dos grandes acontecimentos da vida nacional.
“Os jesuítas, diz Schimberg, são os primeiros a dar ao seu teatro
uma grande importância pedagógica. Não cuidemos que as representações teatrais
eram para eles , um divertimento, uma distração, um passatempo intelectual. De
modo nenhum; os esforços que nelas se dependiam não estariam em proporção com
um fim tão pouco elevado. Do teatro fizeram os Padres uma verdadeira
instituição; a cena continua a aula e a capela... o verdadeiro, o belo e o bem
era o que eles propunham fazer amar, misturando, já se vê, o útil com o
agradável. Mas, o ultimo fito deles deve ser sempre a formação do coração e da
vontade 98.
Religião. A alma, porém, de
toda a educação nos colégios da Companhia era a formação religiosa. O homem não
é só um animal cujo organismo se deve desenvolver sadiamente, nem ainda só uma
inteligência quer importa mobiliar de conhecimentos úteis, é antes de tudo e
essencialmente uma pessoa, com os seus destinos religiosos, naturais e
sobrenaturais, em cuja realização plena se resume a sua suprema razão de ser.
Uma educação que descurasse esse aspecto fundamental não seria uma educação
humana.
A formação religiosa, quer o Ratio seja ministrada como
conhecimento que se transmite e mais como vida que se vive. A concentração
didática, como regra geral, cifra-se no ensino da doutrina crista, uma vez por
semana e numa exortação moral, também semanalmente às sextas ou aos sábados. J-4; 5; Lb-2; Lc-2; Ld-2; Le-2.
A atmosfera, porém, que respiram os alunos, impregna-se toda de uma
vida religiosa sincera e profunda. A missa, a prática dos sacramentos, a oração
quotidiana integram espontaneamente as atividades colegiais. Nos colóquios
particulares, na explicação dos autores, na escolha das leituras, os mestres
não devem perder o ensejo de inculcar o amor da virtude e orientar as almas
para Deus. As congregações marianas, reunindo em seu grêmio o escol dos alunos aplicados
e piedosos, atuam como um fermento de preservação moral e um estímulo à pureza
dos costumes e ao fortalecimento do caráter cristão. J-5–10.
Destarte, o Ratio Studiorum, num plano bem estruturado e
harmonioso, faz convergir toda a vida escolar do colégio – administração,
currículo, metodologia, distrações – para um fim único: a educação integral do
aluno.
VALOR PERMANENTE DO “RATIO”.
Todo código de educação espelha necessariamente a fisionomia em que
nasceu. Educar não é formar um homem abstrato intemporal, é preparar o homem
concreto para viver no cenário deste mundo. As mudanças profundas neste
cenário, acentuando novas exigências e focalizando novos ideais, refletem-se
nos métodos e nos programas destinados a preparar as gerações que sobem para as
necessidades imperiosas da vida. Formulado na segunda metade do século XVI, o Ratio
Studiorum traz indelével o cunho do Renascimento. Deixava-se certamente
empolgar por um entusiasmo excessivo o nosso historiador Sacchini, quando via,
no plano de estudos que a Companhia de Jesus estava elaborando, uma obra
destinada a desafiar os séculos, in omnem parabatur aeternitatem 99.
Ao lado, porém, de uma parte inevitavelmente caduca, um bom sistema
educativo encerra, outrossim, elementos duradouros e definitivos. Convém não
romper o equilíbrio entre o mudável e o permanente. A natureza humana, na sua
estrutura e nas suas faculdades, como nas suas finalidades essenciais,
permanece a mesma através dos tempos. A preocupação exagerada de ajustar os
processos educativos aos acontecimentos contemporâneos sob o pretexto de melhor
preparar os estudantes a resolver os problemas sociais do dia pode até ser
contraproducente e descolar do essencial para o acessório o centro de gravidade
do esforço educativo. Amanhã, talvez já não serão do dia os problemas com que
se deverão defrontar quando houverem completado a sua educação. O presente para
o qual se preparam quando jovens será um passado irrevogável quando houverem de
agir como homens. Só o desenvolvimento harmoniosamente humano das qualidades de
espírito e de caráter lhes dará uma preparação sólida para as responsabilidades
da vida. Não batemos fé que as gerações educadas hoje nas escolas alemãs do
nazismo ou nas russas terão que resolver dentro de vinte anos os problemas do
nazismo ou do comunismo; mas temos certeza que dentro de vinte anos uma
inteligência bem equilibrada, um senso critico apurado, a faculdade de
raciocinar com acerto e exprimir com clareza as próprias idéias lhes será de
inapreciáveis vantagens no desempenho de sua missão humana ante as exigências
do futuro.
Mais por ventura do que por qualquer outro código de ensino,
oferece-nos o Ratio a probabilidade
de encerrar, numerosos e bem formulados, estes princípios fundamentais
de uma educação verdadeiramente humana. Para a sua elaboração contribuiu a
sabedoria antiga, nas suas melhores e
mais bem provadas aquisições, o cristianismo com o tesouro de suas verdades
profundamente iluminadoras da nossa natureza, a Idade Média com a riqueza de
suas experiências filosóficas, o Renascimentos com todas as suas preocupações
de elegância e arte. Neste sentido, a lei orgânica dos estudos da Companhia
prende-se a uma tradição amplamente humana. Os seus elementos, porém,
acumulados pelo trabalho dos séculos, não se justapõem como peças heterogêneas
de origens diversas, mas fundem-se na harmonia orgânica de uma nova síntese
vital. O Ratio não saiu do esforço compilador de uma comissão de
eruditos congregados no silencio de uma
biblioteca; caldeou-se na fragua viva da experiência de meio século de
centenas de colégios disseminados por toda a Europa. Dificilmente se encontrará
na história de uma sistematização geral
do ensino que repouse, no espaço e no tempo, sobre a base de uma experiência
tão largamente humana. O êxito desta primeira prova continuado ainda, sem
interrupção, por quase dois séculos de aplicação sincera dos mesmos princípios,
é-nos ainda penhor de que realmente nos achamos em face de um sistema de educação
que soube enfeixar, nas suas grandes linhas, os elementos essenciais de
formação do homem.
Fora interessante e delicado empreender esse trabalho de joeira, e,
deixando passar o caduco, recolher o que conserva um valor de vitalidade
perene. Não nos abalançaremos, porém, a semelhante empresa em toda a sua
amplitude. Quem se decidiria a percorrer um por um os diferentes processos
didáticos indicados no Ratio, e apor-lhes no título o timbre de viável
ou inviável em nossos dias? O que, porém, com esta preocupação do ultimo
pormenor, fora temerário, passa a ser possível e instrutivo, se limitando aos
grandes princípios que, expressos ou implícitos, informam como alma, toda
arquitetura do sistema educativo.
Tentemos desprender e colocar em mais viva luz algumas destas
verdades fundamentais de uma pedagogia que não morre.
IDEAL.
A pedagogia da Companhia de Jesus é,
antes de tudo, iluminada por um grande ideal. S. Inácio era o homem da glória
de Deus. Esta expressão, que lhe volta inúmeras vezes à pena, constituía para o
seu espírito não uma sonoridade vaziam, mas a mais rica das realidades vivas.
Glória de Deus é a manifestação das perfeições e excelências
divinas na realização perfeita dos planos da obra criadora e redentora. Levar o
homem ao conhecimento e à consecução deste magnífico destino é, a um tempo,
salvar o homem e glorificar a Deus. A grandeza e a universalidade deste fim
supremo dominará e orientará necessariamente, do alto, toda e qualquer
atividade educativa digna do homem. No preâmbulo da 4a.parte de Constituições,
consagrada aos colégios, lembra-o ainda o fundador. “Como o fim da Companhia é
levar as almas ao fim para o qual foram criadas; e como para atingi-lo, além do
exemplo da vida, é necessária a doutrina e o modo de propô-la; uma vez que os
candidatos houvessem lançado os fundamentos da abnegação de si mesmos e do
progresso nas virtudes, deverá construir-se o edifício das letras e o modo de
servir-se delas para melhor conhecer e servir a Deus criador e Senhor nosso. Para este fim, funda a Companhia
colégios e também, às vezes, Universidades” 100.
E este princípio volta com a freqüência de um leit-motiv na primeira das regras do Provincial, do
Reitor e dos Professores.
A realização plena da natureza humana elevada à ordem sobrenatural
de acordo com os desígnios divinos – eis em toda a sua amplitude o ideal
educativo eu norteia as atividades pedagógicas da Companhia. Pormenorizando e
concretizando-lhe a riqueza do conteúdo, Ledesma vê na existência das escolas o
meio necessário: a) de subministrar ao homem a abundância de recursos para as
exigências da vida; b) de contribuir para a sábia elaboração das leis da boa
administração da cousa pública; c) de dar à própria natureza racional do homem
todo o seu esplendor e perfeição; d) de assegurar melhor a defesa, o ensino e a
difusão da religião; e) e assim, com maior facilidade e segurança, encaminhar
os homens ao seu último destino 101.
Como se vê, a finalidade da educação é encarada, com largueza de
vistas, em todos os seus aspectos, individuais e sociais, intelectuais e
religiosos. Nos nossos dias, nesta síntese admirável da filosofia católica da
educação que é Enclítica Divini illius Magistri, dirá Pio XI: “a
educação cristã compreende todo o âmbito da vida humana, sensível, espiritual,
intelectual e moral, individual, domestica e social... para elevar, regular e
aperfeiçoar segundo os exemplos e a doutrina de Cristo. Pelo que o verdadeiro
cristão, fruto da educação cristã, é o homem sobrenatural que pensa, julga e
opera constante e coerentemente, segundo a reta razão iluminada pela luz
sobrenatural dos exemplos e da doutrina de Cristo; ou, por outras palavras, é o
verdadeiro e o perfeito homem de caráter” 102.
Um ideal que se identifica com a própria finalidade suprema do
homem confere a um sistema educativo não só a solidez da verdade, mas a um
princípio unificador, uma hierarquia de valores, uma convergência de esforços,
uma riqueza de estímulos, uma eficiência de ação sobre as profundezas da
consciência, que, indispensáveis e insubstituíveis, lhe asseguram um resultado
definitivo.
Na prática, porém, da vida escolar, este objetivo geral deve
concretizar-se em finalidades específicas que irão orientar, nas suas
diferentes fases, o desenvolvimento humano. Assim, no plano do Ratio,
enquanto os cursos universitários visam mais diferentemente a formação
profissional, o secundário tem uma finalidade acentuadamente humanista.
FORMAÇÃO HUMANISTA.
Detenhamo-nos alguns instantes sobre
este ponto que é importante e característico, e, examinado às pressas, pode
prestar-se a interpretações menos justas. Quantas vezes não se ouve de críticos
apressados: a educação da Renascença foi brilhante mais superficial; visava
mais o esplendor da forma que a cultura da inteligência!
O alvo a que mira a formação do Ratio
– nisto em concordância incontestada com o ideal do século XVI – é a eloqüência
latina: ad perfectam informat eloquentiam. Levar o aluno a exprimir-se
de maneira irrepreensível na linguagem de Cícero é o termo a que se subordinam
todas as séries sabiamente graduadas do currículo. A gramática visa a expressão
clara e correta; as humanidades, a expressão bela e elegante, a retórica, a
expressão enérgica e convincente.
Esta finalidade imediata do curso
secundário impunha-se como uma exigência histórica e como uma utilidade que não
se discutia. Estudar o latim do século XVI era um corolário inevitável de toda
e evolução da história dos séculos precedentes. Mas era também de vantagens
tantas e tão manifestas que orçavam quase por uma necessidade imperiosa. O latim constituía o vínculo de unidade da
civilização européia e também vínculo de transmissão de toda a cultura superior
103. Sentiam-no os contemporâneos e o
exprimiam como uma verdade consciente.
Mas não era só nem principalmente este
caráter utilitário que assegurava ao latim a sua posição dominante nos
programas. No estudo das línguas clássicas viam os educadores do século XVI uma
cultura. O conhecimento profundo dos gênios antigos oferecia-lhes a
oportunidade de formar o homem, de transmitir um ideal de humanismo. Quam
non sit homo qui literarum expers est! Exclamava Erasmo 104.Ouvimos há pouco um dos primeiros
educadores jesuítas e que mais contribuíram para a elaboração do Ratio, saudar,
no conhecimento das boas letras, “o esplendor, o ornamento, e a perfeição da
natureza racional”. Outro contemporâneo de Ledesma, o grande humanista
Perpiniani, via na razão e na palavra, intérprete da razão, as notas
distintivas do homem: haec duo sunt quae nos homines reddunt” 105. No próprio vocábulo humanistas,
humanidades, com que se denominava o curso secundário, buscava-se uma
confirmação etimológica da convicção comum. O nome de humanidades, dizia
Pontanus, foi dado a estes estudos porque transformam os que a eles se dedicam
em “homens educados, afáveis, lhanos, acessíveis e tratáveis” 106. “Chamam-se humanidades estes
estudos, escrevia por seu turno Possevino, que nos tornem, pois, mais homens” 107.
Tornar mais homem: eis o alvo em que
mirava todo o trabalho educativo. A utilidade instrumental do latim era um subproduto
do currículo; a formação do homem pelo desenvolvimento harmonioso de suas
faculdades, o seu objetivo primordial. Para atingi-lo, a linguagem constitui o
instrumento mais adequado e eficiente. Só pela palavra pode o autor atingir o
espírito do aluno; só pela palavra pode o educador manifestar o próprio
espírito. Uma faculdade revela-se na ação, que lhe é própria e que, por isso,
se pode chamar a sua expressão. A linguagem é a expressão do espírito, e,
portanto, com a prova de sua existência, a medida do seu desenvolvimento. Mais.
Quem se exprime, exercita a sua atividade mental, imagina, pensa, julga,
raciocina, concatena idéias. Através da expressão pode, portanto, o professor,
exercitar a atividade interior do estudante e medir-lhe e orientar-lhe o progresso.
A linguagem é, pois, o instrumento natural da formação humana.
Os grandes clássicos de Roma e Grécia
são, por unânime consenso, os maiores artistas da palavra. Por estes jovens em
contato com as suas obras-primas, proporcionou-lhes, além de inúmeras outras
vantagens, a influência educativa dos mestres mais autorizados.
Não basta ensinar os clássicos para dar
uma formação humanista. Não é a presença do latim, quinhoado num currículo com maior
ou menor número de aulas, que lhe dá jus a essa denominação. Há modo e modo de
ensinar uma língua clássica. Poderíamos descrimina-los chamando-os de modo
científico e de modo artístico.
O primeiro predomina no ensino
universitário, o segundo deve caracterizar o curso humanista de formação
secundária. A ciência é analítica; examina um texto, disseca-lhe as palavras,
investiga-lhes a etimologia. A arte é sintética, orgânica e vital; na presença
de uma obra prima de expressão não começa por estende-la numa mesa anatômica
para esquadrinhar-lhe as entranhas, cadaverizando-a; mas extasia-se na sua
presença, admira-a, contempla-a como um todo, recebe, intacta e formativa,
toada a irradiação de sua harmonia.
A ciência é impessoal; interessam-lhe as
coisas e os fatos na abstração fria e geral de sua objetividade. Ante uma
pagina celebre da antiguidade, o cientista põe-se a colecionar formas
gramaticais raras e interessantes, a esmirar-lhe informações históricas e
geográficas, mitológicas e heráldicas, e, organizada a sua colheita de
verbetes, leva-os, satisfeito, como outros tantos fósseis, para o seu museu de
antiguidades. A arte é pessoal; através da obra, o artista põe-se em contato
com o seu autor, com o ideal que lhe fulgiu no espírito criador de beleza. A Ilíada
e a Eneida, aos seus olhos, não são apenas, nem principalmente, um pretexto
para escavações arqueológicas ou excursões de filologia comparada, são, antes
de tudo, a expressão de uma alma humana, a realização de uma inspiração genial,
a projeção movimentada através dum espírito privilegiado, de uma humanidade com
todas as suas idéias e paixões, as suas grandezas e misérias. O homem de
ciências estuda os autores para melhor conhecer a antiguidade; o homem de arte
estuda a antiguidade para melhor interpretar e conhecer os autores.
A ciência é, por natureza, teórica; a
arte, essencialmente prática; uma visa conhecer, arquivar fatos, inferir leis.
Outra aspira a realizar, produzir, criar beleza. O ensino de finalidade
cientifica, na sua fase inicial de transmissão, apela muito para a memória; na
sua fase superior de investigação e pesquisa, aguça as faculdades de analise e
raciocínio. O ensino com objetivo artístico interessa ao homem todo e
mobiliza-lhe todas as virtualidades criadoras.
Na concepção do Ratio, o curso
secundário deve ser essencialmente humanista, pendente mais para a arte do que
para a ciência. Sua finalidade não é transformar os adolescentes em pequeninas
enciclopédias que depois de alguns anos já precisam ser reeditadas. Todo o
esforço do educador deve concentrar-se, nesta fase da vida, em desenvolver as
capacidades naturais do jovem, em ensinar-lhe a servir-se da imaginação, da
inteligência e da razão para todos os misteres da vida. Os conhecimentos
positivos de geografia ou de física poderão estar antiquados no cabo de poucos
lustros; o raciocínio seguro, o critério na apreciação dos homens, a capacidade
de expressão exata, bela e enérgica de uma alma harmoniosamente desenvolvida
representam aquisições humanas de valor perene.
PEDAGOGIA ATIVA.
Das ultimas observações acima, se
depreende outra característica fundamental da pedagogia inaciana: é uma pedagogia
essencialmente ativa. Tudo no seu código de ensino concorre para por em
relevo esta feição muito sua. A simples organização da aula já é significativa.
Nada que se pareça a uma multidão atômica e amorfa de alunos em face de um
livro morto ou de uma conferencia ouvida passivamente. A aula organiza-se como
uma pequena sociedade, onde cada estudante tem sua função a desempenhar. Todo o
grupo está dividido em dois campos; de um e de outro lado, uma hierarquia viva,
bem constituída, sujeita e contínuas modificações impostas pelo merecimento
pessoal. Como bem observa um pedagogo contemporâneo, bom conhecedor do Ratio,
a aula é “antes de tudo uma sala de exercícios” 108.
E os exercícios, de fato, sucedem-se múltiplos, variados, interessantes, a
enquadrar e dar vida à lição 109. uma
das grandes preocupações do professor
deve ser a variedade que mantém a atenção sempre alerta e renova continuamente
o interesse. Nada, adverte uma de suas regras, nada entorpece tanto a atividade
e entusiasmo dos jovens como o fastio 110.
Nesta aula, assim transformada em
ambiente organizado, vivo e agradável, o mestre tem como missão, que lhe é
muito particularmente recomendada, o apelar sempre para a atividade do jovem. “Ut
excitetur do ingenium” é uma forma
que ocorre varias vezes no Ratio. Aqui, adverte-se que nas sessões
solenes, os discursos, poesias, etc. poderão ser retocados pelos professores,
mas deverão ser compostos pelo aluno, que, neles, terão, assim, não só um
trabalho da memória, senão também um exercício da inteligência ut ingenium
excolatur. J-32. Mais adiante nas regras dos professores de humanidades
lembra-se que, no segundo semestre, já melhor formados, os alunos se
desembaracem de uma imitação servil do autor para se entregarem nos exercícios
literários a uma composição mais livre e pessoal, excitetur ingenium –
Lb-6. Outras vezes, inculca-se ao professor a eruditio, isto é, a
transmissão de conhecimentos eruditos interessantes para recrear os ânimos mas
também para estimular a atividade intelectual: erucitio modice usurpetur, ut
ingenium excitet interdum ac recreet. Lb-1 111.
Mais, porém, do que da organização cheia
de vida da aula, mais do que a solicitude do professor de exercitar
continuamente o aluno ao exercício de seus recursos, a atividade resulta, na
pedagogia do Ratio, da própria natureza do ensino ministrado. Na
formação de caráter humanista, já o vimos, sobre o aspecto cientifico predomina
o artístico. Ora, a arte é um hábito, e, como todo hábito, adquire-se pela
repetição dos atos. Para chegar à arte perfeita da expressão, o aluno deve
estar em contínua atividade exprimir-se de viva voz ou por escrito. Não lhe é
suficiente atender, entender e memorizar. O que bastaria talvez para assimilar
uma soma de conhecimentos científicos não lhe asseguraria, de certo, o domínio
da expressão literária. Por isso, o Ratio põe logo o aluno em contato
com os modelos do bem dizer. Nada de sentenças artificiais, de frases feitas
para elucidar preceitos gramaticais. Desde os primeiros dias, ele se encontra
em face de uma literatura, viva e real. E a preleção, que constitui a espinha
dorsal do sistema, é toda orientada para a prática. O estudo comentado de uma
carta, ou de uma descrição, de um drama ou de um discurso é seguido, por parte
do aluno, da composição de uma carta ou de uma descrição, de um drama ou de um
discurso. Imitatio est anima pralectionis. A criação pessoal é o
princípio que anima a preleção. Imitar não é copiar servilmente a outrem.
Imitar é exprimir as próprias idéias e as próprias experiências rivalizando na
arte da expressão com a obra prima do modelo. Depois de a contemplar sob a
direção do mestre, analisando-lhe as minúcias e admirando-lhe as belezas, o
aluno estimulado como que se dispõe a ombrear e medir-se com o mestre. E como a
criação literária interessa o homem todo, - imaginação, inteligência, razão,
sentimento, - tudo nele entra em exercício harmonioso e fecundo. “A atividade
funcional domina toda a classe e todos os momentos da classe. A aula planejada
pelo Ratio é uma aula de arte para a educação secundaria como uma aula
de musica ou de dança em nossos dias” 112.
Os dois princípios - educação humanista,
educação ativa – até certo ponto solidários, constituem inegavelmente dois
valores perenes da pedagogia inaciana. Frisou-o com felicidade, um dos últimos
Gerais da Companhia de Jesus, o P. Martin, numa alocução dirigida em 1893 aos
estudantes jesuítas em Exaaten, Holanda. Dela transcrevemos o trecho seguinte:
“Julgam alguns que, outrora o seu valor, hoje já o não conserva. Julgar assim,
denota, a meu ver, uma falta de compreensão do Ratio, que só leva em
conta as disposições do seu currículo e não o seu espírito. É exato que hoje já
não somos livres no que respeita aos cursos; o seu conteúdo é-nos prescrito.
Somos, porém, ainda livres no que concerne ao espírito e ao método de nosso
ensino. E isto, mais do que o currículo, caracteriza o Ratio. Em que
consiste este caráter distintivo? Em alguns elementos próprios, dos quais
apenas dois quero aqui lembrar: primeiro, que do estudante se deve exigir
atividade; segundo, mais do que em aprender e armazenar fatos, se deve insistir
na formação genuína das faculdades humanas. Não basta a simples aquisição de
conhecimentos; nossa principal obrigação é desenvolver os talentos naturais.
Ainda que o conhecimento seja em si proveitoso, a mais alta perfeição da tarefa
educativa cifra-se em moldar e desenvolver o espírito. O valor integral, o
fruto e o objeto dos estudos consistem em cultivar todas as faculdades que
assim se formam para todas as fases da atividade e da vida” 113.
O PROFESSOR.
Outro fator de vital influência na
Pedagogia do Ratio e essencial à eficiência de qualquer sistema
educativo, é a importância decisiva por ele atribuída ao mestre. “Tudo depende
do professor”, dizia o P. João Bonifácio, um dos grandes pedagogos jesuítas dos
primeiros tempos e a sua frase resume o pensamento animador da lei orgânica do ensino
dos jesuítas. Em nossos dias repetirá co acerto outro professor eminente da
Companhia de Jesus: “Não esqueçamos, como muitas vezes se esquece, que nas
tentativas intermináveis de reformas
pedagógicas que, há trinta anos, sacodem o nosso ensino secundário, o
principal, quando se trata de livros, de programas e de métodos, é ter bons
professores” 114.
A situação do mestre-escola no século XVI não era muito risonha.
Por motivos econômicos ou por motivos morais, caíra em grande desprestígio. Sem
chegar às caricaturas mordazes de Mantaigne ou de Rabelais, de Petrarca ou de
Justo Lipsio, impossível não reconhecer que o professor estava muito abaixo da
sua alta e nobre missão.
A Companhia de Jesus, para reagir nobre
e energicamente contra a ação deprimente do meio, consagrou à formação
reabilitadora do mestre o melhor dos seus esforços. “Sob este respeito, escreve
Schimberg, fez ela enorme progresso na educação e adiantou-se ao seu século” 115.
Num conceito justo e integral da missão
educadora, a formação do mestre deve ser também interia e completa, abraçando
todos os aspectos da perfeição humana. Não é só pela sua inteligência culta e
ilustrada, é pela sua personalidade toda que o educador modela no educando o
homem perfeito de amanhã.
A formação moral é a primeira
preocupação da Companhia de Jesus. Ao entrar nas suas fileiras, o futuro
formador das almas começa por dedicar dois anos inteiros exclusivamente à
formação da alma própria. São anos benditos e fecundos em quer se adquire o
conhecimento próprio, o governo das paixões, o domínio sobre as tendências
impulsivas. A razão sobrepõe-se aos poucos à volubilidade dos caprichos. As
virtudes cristas da caridade, da paciência, da renúncia de si mesmo, da piedade
sólida, transformam-se aos poucos em hábitos vivos, que pautam as ações dos
futuros educadores. Além desta têmpera do caráter, a vida interior aguça a
visão psicológica. Mais do que em qualquer tratado inanimado da psicologia, é
no recolhimento habitual, na observação introspectiva dos próprios movimentos
d´alma, na luta sincera, empenhada a fundo contra as paixões e a sua estratégia
ardilosa, que se aprende a conhecer o homem, o seu coração, os meios de o
dirigir e elevar para os nobres ideais. Ainda que muito pertinente é a
observação de Schimberg: “A prática da vida interior contribui para dar aos que
dela se alimenta, com o hábito do recolhimento e do senhorio de si mesmo, um
conhecimento profundo do coração humano... um educador é necessariamente um
psicólogo. Como trabalhar na alma da criança, se não lhe se conhecem as
energias, os defeitos e os recursos maravilhosos? Sob este respeito é a vida
religiosa uma escola de primeira ordem, e S. Inácio, esforçando-se por
reconduzi-la à pureza primitiva, prestou serviço à causa da educação” 116.
Terminado o biênio unicamente consagrado
ao aperfeiçoamento moral que continuará como tarefa indeclinável de toda a sua
vida, o jovem jesuíta inicia a sua formação intelectual. Dois outros
anos são ainda consagrados ao estudo mais profundo das letras clássicas, latim,
grego, hebreu. No esboço do Ratio de 1586 aventou-se a idéia de
encaminha-los então imediatamente ao magistério. Foram quase unânimes as reclamações das províncias contra esta
medida. Uma sólida formação filosófica de, pelo menos, três anos, pareceu-lhes
preparação indispensável ao exercício fecundo do ensino. A filosofia dava aos
futuros mestres uma visão orgânica da vida, amadurecia-lhes o espírito, e, com
mais três anos de estudo, também a experiência da vida. Foi o alvitre que
prevaleceu na redação definitiva. A regra 28 do Provincial prescreve que, em
princípio, os jovens religiosos não se aplicarão ao magistério senão terminado
o curso de filosofia.
Para o ensino superior, a preparação á
ainda mais longa. Concluído o seu ,magistério, o jovem mestre volta aos bancos
do discípulo; por quatro anos consagra-se todo ao estudo da teologia, e, a
seguir, durante um biênio, especializa-se na disciplina que constituirá o
objeto do seu ensino universitário. Destarte, só depois dos trinta anos, por
via de regra, termina o professor jesuíta a sua formação intelectual.
Não está ainda contente o Ratio.
À cultura da inteligência julga indispensável acrescentar-se uma iniciação profissional
ao estudo das disciplinas do currículo, uma formação pedagógica. A Regra 9 do
Reitor prescreve que, no fim dos estudos de filosofia, antes de partirem para
os colégios, os futuros mestres sejam confiados a um homem profundamente
versado na experiência do ensino, docendi peritissimum, que os inicie na
pratica viva do magistério, submetendo-os a exercícios de preleção, ditado,
correção de trabalhos escolares e outros ofícios do bom professor. A Regra 30
do Provincial impõe-lhe particular diligencia e solicitude no cumprimento fiel
dessa disposição. B-9; A-30.
Neste ponto de iniciação profissional as
exigências vão ainda mais longe. Já em 1563 a 2a. Congregação Geral,
no seu Decreto 9 formulava o princípio de que em cada Província na medida do
possível deveria se instituir ou fundar uma Academia ou Seminário pedagógico
destinado à formação de bons professores 117.
O Ratio de 1599 lembra oportunamente ao Provincial, na sua regra 22, que
se esforce por ter sempre na sua Província, pelo menos, dois ou três homens
insignes nas boas letras “ad magistrorum seminarium fovendum”;
unicamente dedicados a este mister poderão conservar “a raça dos nos
professores”, “quorum opera ac sedulitate bonorum professorum genus quoddam
ac tanquam seges ali ac propagari possit”. A-22 118.
Esta prescrição cristalizava na lei
escrita uma prática que vinha de longe e com os melhores resultads: As
Províncias do Reino inferior e superior já haviam estabelecido, desde 1581 e
1582, os seus seminários pedagógicos, respectivamente em Moltheim e Augsburgo 119. O P. Cipriano Soares organizou,
desde 1569, um destes seminários no Colégio de Coimbra 120. Não é, pois, sem razão que, na sua
História da Pedagogia, reconhece Ziegler aos jesuítas o merecimento de haverem
ocupado, por primeiros, da formação pedagógica dos professores, preludiando
assim o ano de exercícios práticos dos professores dos nossos dias 121.
A iniciação do professor assim começada
em institutos especiais continuava mais tarde com a leitura de obras
especialmente compostas para esse fim elos mais abalizados autores da Ordem. Em
1625 Francisco Sacchini, grande humanista e celebre historiador, compunha em
Roma o seu Protrepticon et Paraesiensis ad Magistros Scholorum Inferiorum.
Protrepticon: valor, dignidade e vantagens da educação e instrução; Paraesiensis:
deveres e meios de ação dos professores. Jouvency, outro historiógrafo de
renome, compôs em 1692 um tratado De ratione discendi et docendi, que a
14a. Congregação Geral mandou fosse adaptado pelo autor de modo que
as transformasse num como compendio oficial para todos os professores de letras
da Ordem. Em 1703 saiu a lume o novo trabalho
em Florença e com o título ampliado: Magistri Scholarum Inferiorum
S.J. de ratione discendi et docendi ex Decreto Congregationes Generalis XIV, Florentiae,
1703. O como aprender e como ensinar de Juvêncio pode considerar-se como
um dos comentários mais autorizados do Ratio. Para a Província da
Áustria, publiocu em 1735 o P. Francisco Wagner a sua Instructio privata seu
typus cursus annui pro sex humanioribus classibus in usum magistrorum S.J.
e, no seguinte, para a Província Germânica Superior, escrevia o P. Francisco
Kropf: Ratio et via recte atque ordine procedendi in litteris humanioribus
aetate tenerae tradendis, docentium et discentium commoditati atque utilitati
conscripta a Sacerdote quondam e Soc. Jesu, 1736.
Por aí se vê como a perfeita formação
pedagógica do professor era uma das preocupações fundamentais da Ordem.
Uma vez iniciado o magistério, o jovem
professor se beneficiava imediatamente de todas as vantagens da sólida
organização administrativa dos Colégios. O Reitor, o Prefeito de estudos, o
Prefeito de disciplina, a estrutura geral da vida escolar emolduravam-no para
logo um quadro de tradições pedagógicas bem definidas, que lhe transmitiam
sábias experiências acumuladas e lhe poupavam erros e desvios de principiante
abandonado à insegurança das próprias iniciativas.
O próprio Ratio multiplica-lhe as
advertências de uma psicologia fina, destinadas a assegurar-lhe o prestígio da
autoridade e a eficiência da ação educativa. O professor consagre aos alunos um
afeto paterno, mas sem familiaridades; trate a todos com bondade e justiça, não
despreza a ninguém, nem faça distinção entre rico e pobre; não seja precipitado
em castigar nem demasiado em inquirir; dissimule muitos defeitos, mas nem
sequer lhe dirija palavra injuriosa, ou o chame senão pelo nome ou cognome.
J-40, 47, 50. Onde for mister repreende-los, faça-o com moderação e de modo que
o repreendido se convença de que, não a paixão, mas a necessidade e o amor lhe
inspiram as palavras. Na furte o corpo a nenhum trabalho necessário ao
progresso do aluno, nem procure o proveito próprio, mas o dele. Não imponha a
sua autoridade exigindo uma obediência automática ao militar, mas que os alunos
lhe queiram bem, tenham confiança e manifestem espontaneamente as suas dificuldades
122. Uma virtude ou disposição d´alma lhe
é de modo muito particular inculcada: o bom humor e a jovialidade. Já no esboço
de 1586 se afirmava que, de ânimo azedo, os professores não se podiam
desempenhar as suas obrigações 123. E,
por isto, a edição definitiva do Ratio impôs ao Reitor, como uma das obrigações
do seu oficio, manter, entre os seus, o bom espírito, o entusiasmo, a
alacridade 124.
UM GRANDE IDEAL.
Formação literária, cultura filosófica,
iniciação pedagógica, nada descurou o Ratio para preparar professores à altura
de sua missão. Não era, porém, ainda suficiente. Acima e além desta, longo
tirocínio profissional cumpria infundir no professor a claridade e o calor de
um grande ideal para elevar-lhe o magistério à grandeza de uma vocação. Toda a
solicitude da Companhia de Jesus converge para este alvo. Aos olhos de seus
filhos, o ensino transfigura-se num apostolado. A visão crista da vida,
traduzida em luz e força por uma intensa vida interior, rasga-lhe aqui
perspectivas de beleza inefável. No aluno, o professor, o homem, criatura de
Deus, que lhe foi cometido, como um depósito sagrado, para guia-lo à perfeição
do seu destino. Para além dos seus progressos atuais, desdobra-se no futuro
todas as conseqüências sociais de uma boa educação: o bem da família, a
conservação do Estado, a própria salvação da humanidade 125. “A educação da puerícia é a
renovação do mundo”, escreveu um dos grandes pedagogos da Ordem, João
Bonifácio, puerilis institutio est
renovatio mundi. 126.
Raras vezes se acentuou tão gravemente a
responsabilidade do professor; raras vezes se lhe acendeu n´alma o fogo sagrado
da dedicação e do entusiasmo por um ideal mais nobre!
[1] G. M. Pachtler, Ratio Estudiorum et Institutiones Scholasticae
Societatis Jesu, Berlim, 1887, t. I, p. XX. Na Assistência alemã, na mesma data, os colégios assim se
distribuíam pelas diferentes províncias: Província alemã Superior, 27;
Província do Reno Superior, 16; Província do Reno Inferior, 17; Província da
Áustria, 31; Província da Boêmia, 26; Província de Flandres, 28; Província
Flandro-gálica, 18; Província da Polônia, 24; Província da Lituânia, 20;
Província inglesa, 10; Id., loc. cit. Ao todo, na Europa Central, 217
colégios.
[2]Em
alemão, há pelo menos 4 versões do Ratio. A primeira é a de Hayd, Der Societät Iesu Lehr und Erziehungs
Plan, 1835, t. II, 3-95, incompleta, e de acordo com a revisão de 1832; a
Segunda, mais completa, mas só do texto antigo de 1599, encontra-se em Bus, Die
Gesellschaft Jesu, ihr Zweck ihre Satzungen, Geschichte, Áuf gabe und Stellung
in der Gegenwart, 1853, t. 1, pp. 423-516. Pachtler publicou na
Coleçao Monumenta Germaniae Paedagogica, II, pp. 225-481, o texto
original do Ratio, nas duas redações de 1599 e 1832 e a respectiva
versão alemã. Mais tarde, B. Duhr deu-nos provavelmente a melhor
tradução alemã do Ratio, no seu Díe Studíenordnung der Gesellschaft
Iesu, Freiburg 1. Br. 1896, pp. 177-280. Recentemente apareceram nos
Estados Unidos duas versões inglesas do Ratio, a primeira de W. J. McGuken,
The Jesuits and education, New York, 1932, Apêndice, pp. 271-318,
abrange só as regras das escolas inferiores (=curso secundário), de acordo com
a revisão de 1832, a outra, completa, feita sobre o texto antigo de 1599, é de
A. R. Ball, e encontra-se na obra editada por E. A. Fitzpatrick , St.
Ignatius and the Ratio Studiorum, New York, 1933, pp. 119-254.
[3] Numa carta ao padre Francisco Palmio que pedia ao Santo a abertura
de um colégio em Bolonha, escreve Polanco: “Res Ignatio placuit, qui, ad juventutis
bene instituendae in spiritu et litteris ratione, semper fuit valde propensus”.
Chronicon
Societatis Jesu, II,
195. Ribadeneira, na vida de S. Inácio, enumera “las causas e motivos que tuvo
Nuestro Bienaventurado Padre para instituir estos colegios y escuelas, y
abrazar côn tanto cuidado una occupaccion que un cabo es muy trabajosa y
molesta”. Vida del B. P. Ignacio de Loyola, L. III, c. 24, p. 356.
[4] Litterae quadrimestres, I, 128.
[5] Chronicon, I, 371, 372.
[6] Chronicon Soc. II, 37.
[7] O Tratado encontra-se publicado no Monumenta Paedagogica Societatis Jesu, pp. 89-107.
[8] O Ordo Studiorum foi editado incompleto, por Pachtler, Ratio Studiorum, I, pp. 200-205, 249-263 e na sua integralidade, de acordo com o manuscrito de Nadal, no Monumenta paedagogica, pp. 107-140.
[9] Além da sua formação universitária ma Espanha, França e Bélgica, Ledesma, ao tomar parte na dieta de Augsburgo em 1566, teve oportunidade de visitar vários colégios da Itália e da Germânia em plena atividade.
[10] Ledesma sublinha a importância das lições da experiência própria e
dos seus colegas de magistério, na necessidade da elaboração do Ratio.
“Experientia quam habui per tres annos in hoc colégio... et in aliis collegiis
quae vidi Societatis. Consillia frequentia
eorum praeceptorum quos novi et quidem optmorum ut Perpigniani et
aliorum, in hoc collegio”. Mon. Paedagogica, p. 313.
[11] A obra incompleta de Ledesma foi publicada no Monumenta Paedagogica n. 31, pp. 338-451 – Do nº 14 a 22 se encontraram sete estudos do mesmo autor preliminares à grande síntese. Não tivemos aqui sequer de longe a intenção de resumir a História do Colégio Romano. Indicamos apenas alguns fatos importantes, indispensáveis à melhor inteligência da elaboração gradual do Ratio e o papel que nela desempenha o grande centro de estudos da Companhia de Jesus em Roma. O Colégio Romano, como é sabido, continuou através dos séculos suas história gloriosa. Hoje, sob o nome de Universidade Gregoriana, é o maior centro de estudos religiosos das Igreja. Conta 8 Faculdades, de Teologia, Filosofia, Direito Canônico, História Eclesiástica, Missiologia, Sagrada Escritura, Oriente Antigo, Oriente Moderno e um Instituto de Cultura Superior Religiosa para os Leigos. Na linha de suas tradições, o corpo docente – mais de 100 professores em 1938-9 – é recrutado entre mais de 20 nações e os seus alunos – 2367 no mesmo ano – pertencem a 50 nações e representam mais de 500 dioceses e 67 ordens e congregações religiosas. Dos seus bancos saíram 13 Papas e centenas e centenas de Cardeais, Bispos, Superiores de Ordens religiosas, etc.
[12]
Para a lista exata, reconstruida sobre as fontes, dos colégios abertos em
vida de S. Inácio, cfr. A. P. Farreli, The Jesuít Code of Liberal
Education, Milwaukee, 1938, pp. 431-435.
[13] Bacon, De dignítate et augmento scientiarum, L. III, e. 4.
[14] "Colegii
vestri dignitas et ordo”. Ver todo o trecho em E. Rinaldi, La Fondazíone
del Collegio Romano, Arezzo, 1914, p. 11.
[15] Quicherat,
Histoíre de Sainte-Barbe, II, c. IV, p. 52.
[16] Muitas já publicadas podem ver-se em Pachtler, Ratio Studiorum, I, e no Monumenta Paedagogica.
[17] Fouqueray, Histoíre de
la Compagnie de Jesus en France, t. II, p. 692.
[18] “De
statutis Lectionum horis, ordine ac methodo, et de exercitationibus tam compositionum
(quas a magistris emendari oportet), quam disputationum in omnibus
Facultatibus, et pronuntiandi publice orationes eI carmina, speciatim in quodam
Tractatu per Generalem Praepositum approbato, agetur seorsum, ad quem haec
Constitutio nos remittit”. Constitutiones 5. J. P. IV, e. XIII.
[19] “Scribatur
liber, in quo distincte el particulatim contineatur totus ordo studiorum, tum
hujus collegii, tum caeterorum...et adhibito judicio setentia superiorum, ille
statuatum servandus, immutandus omnino nisi de summo Patrum consilio”. Mon. Paedag., p. 143.
[20] “Magnopere laudandum
censuere admodum R. P. N. institutum de uniformi et conspirante tum docendi tum
discendi ratione instituenda, ideoque et ipsum etiam atque etiam rogatum
voluerunt, ut, quod ad summam Societatís utilitatem, Ecclesiaeque totius
commodum caepsset absolvere, absolutumque studiose conservare dignaretur”. MS.
Rhenarorum Patrum Indicium, folio 242. Citado por A. P. Farrell, Op. Cit., p.
259. Ver outras manifestações no
mesmo sentido, das províncias alemãs, em Pachtler, Ratio Studiorum, t.
II. p. 5-6.
[21] “Regulae generales quae incipiunt: Summa Sapientia integrae conserventur”. Decreto 57 da 2a. Congregação Geral. (Institutum Societatis Jesu, ed. Florentiae, II. 206). Da 3a. Congregação ver o Decreto 27, ibid. p. 225.
[22] “Anno 1577 intentus in unam totius Societatis administrationem perfectionemque Everardus Romae monita legesque peculiarum munerum cum assitentibus condit et perficit”. Sacchini, Historiae de Societatis Jesus, Pars IV, p. 136. O memorial de Maldonado em Mon. Paedag. Pp. 710-715.
[23] A circular de Aquaviva e o texto do Ratio de 1586 encontram-se em Pachtler, II, 9-217.
[24] Belarmino e Suarez figuram entre os maiores teólogos e filósofos da Companhia de Jesus; Belarmino foi canonizado e declarado Doutor da Igreja Universal; Benci foi discípulo de Marco Antonio Muretus e, no Colégio Romano, ouviu as lições de Perpeniani; Sarci tinha a experiência de Reitor do Colégio; Torsellini, poeta e orador, professor de boas letras durante 22 anos, revisor da Gramática de Álvares e autor de um estudo célebre sobre as partículas latinas, que teve mais de 50 edições. – Sobre a colaboração pessoal de Belarmino, interessante, sobretudo, no ponto de vista de orientação doutrinária, cfr.: J. Brodrick, S.J. The life and work of Cardinal Bellarmine, London, 1928, t. I. 378-384: Lê Bachelet, Belarmin avant son cardinalat; Paris, 1991, p. 500 e sgs.
[25] A edição princeps do Ratio saiu em Nápoles em 1599; outras se lhe seguiram a breve trecho: a de Mongúncia em 1600, de Nápoles e Torunon em 1603, de Roma em 1606 e em 1616. Nesta ultima foram ligeiramente retocadas as regras do Provincial relativas aos exames de filosofia e teologia.
[26] “It was a part of the Jesuit achievement
that, while persisting in its dominant aims and methods, it absorbed and made
its own the best education ideas of the seventeenth and eighteenth centuries”.
A. P. Farrell, Op. cit. p. 376.
[27] Institutum Soc. Jesu I. 145.
[28] “Entre 1525 et 1530, le but auquel on aspirait
depuis si longtemps fut atteint: le véritable enseignement classique prit
possession de toutes les chaires”. Quicherat, Histoire de
Sainte-Barbe, I, 152. Para o estudo mais desenvolvido desta fase da
história da Universidade de Paris cfr.: Denifle-Chatelain, Chartularium
Universitatis Parisiensis, 4 vols., 1883-1897; Du Bolay, Historia
Universitatis Parisiensis; J.
Pasquier, L´Université de Paris et l´Humanisme na debut du XVI siècle; Jérome
Aléandre, na Revue dês Questions historiques t. XX (1898) pp.
372-398; t. XXI (1899), 144-189; Renaudet, Préréforme et humanisme à Paris
au siècle; Ricardo Villoslada S.J., La Universidad de Paris durante los
estúdios de Francisco Vitória O.P. (1507-1522) Romae, 1938.
[29] “Cosi com l´aiuto divino si faranno tutte lê sopraditte lettioni et
essercitationi com ogni cura et dilligentia conformando il tutto al modo
Parisiense”. Mon. Paedag. 616.
[30] Sobre a
intervenção em Viena, ver Chronicon Societatis Jesu, II, 567-568; em
Pádua, Chron. Soc. Jesu, III, 242.
[31] “Al modo
Parisiense, il quale fra gli altri si reputa essere et exactissimo et
utilíssimo...Il modo et ordine che s´usa in Parigi, essendo il meglio che
tenere si possa per facilmente et perfectmanente diventare dotto nella língua
latina”. Mon. Paedag. 615-615.
[32] Espitola S. Ignatii, I., 148.
[33] “Esset quidem
haec praelectio publice utilis, sed animadvertendum est, et accurate quidem, ne
Ratio Studiorum Parisiensis quam nostris scholis fecimus familiarem
propterea remittatur, quae constanter est retinenda”. Scholia in Constitutiones, p. 350.
[34] L´Université commença à metre plus
de prestesse dans son enseignement, elle fit aller de pair le grec et le latin
(como no Ratio), elle fit mit lê comble à la gloire de l´ennemi (sic!)
en se rendant son imitatrice”. Quicherat, Op. cit. II, 59-60. A confissão é tanto mais interessante quanto menos
apologista dos jesuítas. E o seu autor, sobre a rivalidade entre Sorbona e a
nova Ordem, escrevia a Paris, a 26 de Agosto de 1571, um protestante: “Jesuitae
abscurant reliquorum professorum nomen et paulatim adducunt in contemptum
Sorbonistas”. Epist.
ad Camerarium fratrem, p. 177.
[35] “Si quis attentius inspiciat, similes prorsum comperiat esse meam et Quittiliani instituendi rationem”. Vives, De tradendis disciplinis, 1, III, c. I.
[36] W.H.
Woodward, Studies in Education during the Age of the Renaissance, 1400-1600,
Cambridge, 1924, p. 9.
[37] “Quintilianus noster exercitatissimus et peritissimus pueros erudiendi magister”. Acta Sanctorum, Julii t. VII, p. 732. Ribadeneira recebido e formado por S. Inácio viveu na Companhia até 1611. É o primeiro biógrafo do Santo Fundador. Deixou muitos escritos de grande valor para a História dos primeiros tempos da ordem na qual viveu mais de 70 anos!
[38] Sobre Francisco de Vitória e suas relações com a Universidade de Paris,
ver L.G.A. Getino, O.P., El Maestro Fray Francisco de Vitória. Su vida, su doctrina y influencia,
Madrid, 1930, e principalmente R.G. Villoslada, S.J., La Universidad de
Paris durante los estudios de Francisco de Vitoria, O.P. (1507-1522),
Romae, 1938.
[39] A primeira prescrição oficial da doutrina tomista para toda a Ordem encontra-se nas Constituições: “In theologia legetur vetus et novum Testamentum et doctrina scholastica divi Thomae”. P. IV. c. 14. O Ratio de 1599 confirma o dispositivo constitucional mais explicitamente na 2a. regra do professor de teologia: “Sequantur nostri omnino in scholastica teologia doctrinam S. Thomae eumque ut Doctorem proprium habeant”. É interessante ver a parte que teve Belarmino na redação destes artigos do Ratio: Le Bachelet, Bellarmin avant son Cardinalat, p. 516-517; Brodrick, The life and work of Cardinal Belarmie S.J., London, 1928, t. I, p. 374-38.
[40] Ver as regras 7 e 8 dos professores das Faculdades superiores e a regra 11 dos Escolásticos.
[41] Em 1546
fundou-se em Gandia a primeira Universidade da Companhia de Jesus. A 24 de
Abril do ano seguinte escrevia de lá a S. Inácio, o P. André de Orviedo: “Y asi
há empezado el P. Francisco Onfroy... a leer uma liccion de theologia a la
mañana de Santo Thomas, y a la tarde otra el P. Mtro. Vicente em otra matéria, em la tercera parte de Santo
Thomas” MI+SI. Epistolae mixtae, II. 364. Quando o jovem Belarmino começçou a ensinar em Lovaina, rejeitou
resolutamente o Mestre das Sentenças e escolheu S. Tomás. Brodrick, o.p. cit., p. 375. Lessius lhe seguirá o
exemplo. Em 1550 escrevia a Santo Inácio de Iugolstadt S. Pedro Canisio: “O
estudo da teologia decaiu muito na Universidade. Para reergue-lo deliberamos
instituir um novo curso que tenha por objetivo a Suma do Santo Tomás”. Canisio,
Epistolae, I, 336-366. Da Alemanha diz-nos Janssen, que “em Wurzburgo,
em Mongúncia e, antes do fim do século, em todas as Universidades da Alemanha
em que professavam os jesuítas, a teologia era ensinada segundo Santo Tomás”. Geschichte des deutsch Volkes, Freib. in B.
1924, t. VII, 572. E pouco antes: “A eles (jesuítas) cabe a honra de
haver, dos primeiros, logo depois do Concílio reconduzido à Suma a teologia da
Alemanha, religando-a assim às antigas tradições das grandes escolas da idade
média”.
[42] Von Raumer, Geschichte der Paedagogik vom wiederaufbluehem klassicher
Studien bis auf unsere Zeit, 4 vols. 1843-1854; Teófilo Braga, História da
Universidade de Coimbra, t.I.p. 279-280. Mesma aproximação em Sicard, Les études classiques avant la
revolution, p.12; Kaemmel, Geschichte des deutschen Schulwesens im Uebergange
vom Mittelalter zur Neuzert, Leipzig, 1882, p. 227; Schiller, Lehrbuch der Geschichte der Paedagogik , p. 124.
[43] "Vidi enim quos scriptores explicent et quas habeant exercitationes at quam rationem in docendo teneant, quae nostris praeceptis institutisque usque adeo proxime abest, ut a nostris ontibus derivata esse videatur". Sturm, Classicarum Epistolarum, t.III, Argentorati, 1565, f. A. VI.
[44] Farrel, The jesuit Code of
Liberal Education, p. 362
45 Schmidt, La vie et les oeuvres de Jean Sturm, Strasburg. 1855, p. 5. E
mais tarde, à p. 36: Sturm "tem diante dos olhos o plano de estudos de S.
Jerônimo em Liège e quer tomá-lo como fundamento da nova orientação de
Estrasburgo".
[46] Woodward,
Studies in education during the Age of the Renaissance, p. 86. E assim os demais autores que se ocuparam
mais de perto do assunto. Veil: "Não há
aliás dúvida alguma de Sturm não buscar os seus modelos em outra parte
senão na Holanda". Sturms Unterrichtsziele und Schuleinrichtungen mit
besondererBeruecksichtigung seiner Bezichungen zu dem niederlaendischen
Humanismus, Strassburg, 1888, p. 20. Engel: o plano de Sturm
"corresponde integralmente ao modelo das escolas holandesas". Das Schulwesen in
Strassburg vor der Gründung des protestantischen Gymnasiums, Strassburg, 1886, p. 116.
[47] As instruções e ordenação do P. Manareu, aprovadas posteriormente pelo Geral, podem ler-se em Pachtler, I, 263-284.
[48] F. Paulsen, Gechichte des
gelehrten Unterrichts, t. I, Leipzig, 1919, p. 422.
[49] F. Meyer, Der Ursprung des
jesuitischen Schulwesens Graefenhainichen, 1904, p.54.
[50] "Partim
oratione, partim rationis discursu, partim etiam experientia, ea quae ad
instituti nostri rationem postea promulgavit, paulatim concinhabat". Chronicon,
I, 268.
[51] Monumenta ignatiana, XI, 536.
[52] Monumenta
paedagogica, p. 313.
[53] Com a comclusão do
Ratio em 1599 não se encerrou o período de experiências úteis. Em 1608 Aquaviva
envia às Províncias uma instrução para promover os estudos filológicos. Depois
de recomendar que se ponha exatamente em execução o que já foi prescrito
acresecenta que se "algo ocorrer que possa facilitar o conseguimento da
meta almejada" "experimentem e lhe enviem os resultados "
"si quid amplius occurrerit, quod non parum profecturum sperent tum ad
styli comparationem, tum ad auctores exacte et cum fructu legendos, periculum
faciant ad nos mittant exemplum". Pachtler III, p. 11.
[54] "Ueberhaupt
duerft die erlebt Praxis fuer die Begruendung und Ausgestaltung der Paedagogik
des Ordens wichtiger gewesen sein. als die Benutzung der paedagogischen
Theoretiker". E Paulsen, a quem tomamos de empréstimo esta citação,
acrescenta: "E isto vale não só aqui; os escritores da história da
Pedagogia inclinam-se a sobrevalorizar a influência dos teóricos". Paulsen, Op. cit., 1a., p. 422.
[55] "The curriculum was humanistic, the method and order principally
Parisian, the spirit, Ignatian". Farrel, The Jesuit Code of Liberal
Education, p. 136-7.
[56] E.A. Fitzpatrick, St. Ignatius and the Ratio of Studiorum, New York and
London, 1933, pp. 15 e 24.
[57] No Colégio Romano
eram 7 classes: "In Collegio hoc nostro Romano septem sunt humanioribus classes seilicet quinaue grammatices,
una humanitatis, et altera rhetoricae". Monumenta paedagogica, p.
384. Rochemonteix dá uma lista de 10 colégios da Companhia na França cujo
currículo se estendia por 6 anos. Le Collège Henri IV de la
Flèche, Le Mans , 1889, t. III, p. 4-5.
60 Arch.
Prov. Germaniae S.J. XIII B. I., fol. 495, 506. Cit. por B. Duhr, Die
Studienordnung der Gesellschaft Jesu, Freib. in B. 1896, p. 109.
61
"Bohemicae linguae Academia (privata), cursu sit, magna necessitas et
penuria callentium illam, summopere placeret". Resp. ad. Prov. Austriae,
a. 1600.
62
"...deinde ut in vernacula etiam verba emendate apteque item
scripto convertat quo linguam pariter ultramque pueri
condiscant". Paraenesis ad
Magistros Schol. Inferior., c. 7, n. 6.
63 "Quanvis in Scholis nostris prima esse cura
debeat linguae latinae dotibus suis amnibus instructae, magnam tamen hoc
tempore lingua etiam requirit Germanica". Pachtler, IV. 55.
64 "... cum seu in historia seu in authore pleraque
pergantur in lingua vernacula". Wagner,
Instructio privata, p. 20 sgs.
65 Sobre a contribuição dos jesuitas para a
linguística americana cfr. Serafim Leite, S.J., História da Companhia de
Jesus no Brasil, t. II, 545-568; Astrain, Hist. de la Comp. de Jesus en
España, t. IV e V, passim.
66 Regra 23 do Provincial: "Illud etiam sibi
valde comendatum existimet ut in scholis discipuli in lingua vernacula solide
instituantur". Regra 1 do Prof. de Retórica: "Quoad linguam
vernaculam stylus ad normam optimorum auctorum efformetur". Pachtler, II,
258, 400.
67 "Les jésuites ont suivi le mouvement général
qui a si prodigieusement élargi les cadres de l´enseignement
scientifique". Compayré, Histoire
critique des Doctrines de l´Education en France, t. II, p. 199.
68 O plano de estudos pode ver-se na sua integridade
em Astrain, Historia de la Compañia de Jesus en la Asistencia de España, t.
V., 145-146.
69 "Somos forçados a partilhar da admiração
manifestada por esse autor [Chateaubriand] pelos muitíssimos serviços
destacados dos jesuítas no setor da astronomia, da física, da geografia,
etnografia e outras esferas científicas, como deveremos, além disso, reconhecer
que a Ordem conta em suas fileiras um número considerável de inventores
invulgarmente talentosos". R. Fülop Miller, Os jesuítas e o segredo do
seu poder, Tradução portuguesa, Porto Alegre, 1935, p. 530. E páginas
antes: "A Ordem dos jesuítas produziu um grande número de sábios
eminentes, os quais fizeram sua a tarefa de prosseguir até os seus cimos mais
elevados a pesquisa científica". p. 444.
70 F. Paulsen, Geschichte des gelehrten Unterrichts, Leipzig, 1919,
t. I, p. 433.
71 Numa instrução
de 1622 lêem-se estas palavras: "Animadvertendum est, praelectionem quemque
Ciceronis duabus debere constare partibus, interpretatione et observatione ad
imitandum instituta; quarum illa est ut corpus, haec ut anima
praelectionis". Pachtler, IV, 194. É o que já dissera Possevino:
"Curandum ut auditores probe intelligant et quid dicatur ab oratore et
quomodo dicatur, idque accomodate ad imitandum, qui Tullianae lectionis fructus
est maximus". Bibliotheca Selecta, II, 507.
72 A. Fichet., Arcana Studiorum, L. II, c.
XIII.
73 Schmidt, Geschchte
der Pädagogik, t. III, p. 147: O velho Marcial chamava a palmatória, o
estro do pedagogo, Ferulaeque tristes sceptra paedagogorum.
74 "S´ils
tombent dans quelque faute, s´ils sont convaincus de mensonge, s´ils tentent de
secouer le joug, s´ils murmurent ou se plaignent le moins du monde; frapper
très fort et ne cesser de frapper, et n´adoucissez pas la correction, que
leur arrogance ne soit amolie, qu´ils ne soient devenus plus calmes que l´huile
et moins résistants que la chair du melon". Epistolae
Joannis Ravisi Textoris, Rothomagi, 1597,
Epist. XXIII.
Sturm é mais moderado mas ainda assim pende para o rigor: quod severitate
corrigi potest, indulgentia non debet negligi. Fournier,
Les Status et Privilèges des Universités françaises, Paris, 1894, t. IV,
p. 25.
75 Schmidt, Geschchte der Paedagogik, III, p. 146.
76 Constitutiones, P. IV, c.
XVI, D.
77 "Perchè
li mastri di quella [Compagnia] non è decente che habbiano a castigare con
altro que le parole". Monumenta
Ignatiana, XII, 311.
"Si ben é necessario a loro [aos meninos] esse cosi correcti, non é
decenti a noi il castigarli con le mane proprie". Epist. Ignat. IV, 601. Outras
muitas citações no mesmo sentido ver J. M. Alcardo, Comentario a las
Constitutiones de la Compañia de Jesus, Madrid, 1922, III, 196-199.
Mais tarde os
Padres das Províncias alemãs pedem dispensa desta proibição. Os jovens alemães não gostam de ser punidos pelo
Corretor, mas pelos próprios professores da Companhia, aos quais, segundo o
costume, depois de receber o castigo, apertavam a mão num gesto cavalheiro de
agradecimento.
78 Nem sempre, como fora de esperar à primeira vista,
sobre o pouco simpático corretor se acumulavam os ressentimentos dos alunos. A
idade madura e a experiência da vida transformava às vezes em reconhecimento
sincero o que a princípio era apenas uma reação compreensível de irritação
infantil. Conta-nos o P. FRanco que um tal Sebastião Sequeira, corretor durante
40 anos, no Colégio de Bragança, que, no dia de seu falecimento, a 12 de Março
de 1694, quiseram os nobres da cidade levá-lo à sepultura sobre os próprios
ombros em testemunho de gratidão pelos castigos de outrora recebidos. Synopsis Annalium Societatis em
Lusitania, Augustae Vindelicorum 1726, p. anno 1694.
79 Pachtler, I, 160, 207, 279 - "Há
temperamentos, escrervia o P. Bonifácio, que só se deixam levar pela dor
corporal". E o Chronicon, apleando para uma experiência de vários
anos, escreve em 1556: "experinetia docebat, sine punitione non posse
illos in officio contineri nec in litteris et bonis moribus ut par est,
proficere". Cfr. Herman, La pédagogie des jesuites au
XVI siècle, p. 116.
80 A. Schimberg, L´éducation
morale dans les Collèges de la Compagnie de Jésus en France, Paris, 1913, p.
482.
81 O. Willmann, Didaktik als Bildungslehre, 58
Braunschweig, 1923, p. 309.
82 Locke, Some Thoughts on Education, § 56 e
sgs.; Lessing, Literaturbriefe, 11.
83 A. Schimberg, L´education morale, Paris,
1913, p. 339-341.
84 "Par là,
mais par là seulement, les jansénistes sont inférieurs aux jésuites". G.
Compayré, Histoire critique des doctrines de l´education, Paris, 1881,
t. I, p. 271. O texto de Pascal citado pouco antes é estes "Les
enfants de Port-Royal, auxquels on ne
donne point cet aiguillon d´envie et de gloire, tombent dans la
nonchlance". Pensées, edit. Havet, 1866, t. II, p. 164.
85 "Sic luceat
lux vestra coram hominibus ut videant opera vestra bona et glorificent Patrem
vestrum qui in coelis est" S. Mateus, V. 16. Cf.
S. Tomás, Summa Theologica, 22ae q. 132, a1. in corp. e ad 3.
86 São conhecidas as acrobacias do autor da Crítica da razão prática para conciliar as exigências da justiça e do bom senso com as conseqüências do seu sistema. De um lado a união definitiva entre a virtude e a felicidade parece impor-se ao espírito com tal evidência que nela se baseia para formular, como postulado da razão prática, a necessidade da existência de Deus. De outro, porém, a seu ver, o justo que pratica a justiça, olhos fitos nesta fidelidade, cessa ipso facto de ser justo!
87 Crévier, Histoire de l´Université de Paris depuis son origine jusqu´em l´année 1600, Paris, 1761, VI, 14.
88 “Para que mas se ayudem los
Studiantes, seria bien poner algunos iguales, que com santa emulacion se
inciten”, Constitutiones, Part. IV, c. VI, 13K.
89 “Unde philautiam et inanis
gloriae cupiditatem a se modis omnibus extirpare nitentur”. Pachtler, I, 169.
90 “Rare jeune homme, que toutes les qualités de
l´esprit et de l´âme semblaient s´être accordées pour rendre accompli... En
démelant autant qu´il m´est possible ce
qui se passait dans mon âme, je puis dire avec vérité que dans se sentiment
d´émumlation ne se glissa jamais le malin vouloir de l´envie. Je ne máffligeais
pas qu´il y eût au mando un Amalvy, mais j´aurais demandé au ciel qu´il y eût
deux et que je fusse le second". Marmontel, Mémoires, I, 21 e sgs.
91 "Au
Petit Séminaire de Paris, j´ai vu le condisciple et l´émulation préparer et
acomplir des miracles de zèle et de travail, et faire fleurir, parmi cette
nombreuse jeunesse, toutes les branches des plus fortes études, em même temps
que les plus solides et les plus aimables vertus. J´ai vu là des enfants, dont
les noms et le souvenir seront éternellement chers à mon coeur, je les ai vu
s´écrier:
Je n´ai point d´ennemis,
j´ai des rivaux que j´aime! C´était la devise de leurs combats d´émulation.
J´ai vu là des émules s´aimer tendrement, se combattre, se vaincre et se
féliciter tour à tour; je les ai vus s´admirer, se chérir, se louer,
s´applaudir mutuellement avec bonheur, ne pouvir se passer les uns des autres:
c´est qu´il y avait, chez cette généreuse jeunesse, la noble et pure émulation
du bien, non la basse et odieuse envie". Dupanloup, De l´education. Paris,
1861, t. II 1. V, c. 1, p. 559.
91a Ap. Schimberg, L´éducation morale, p. 369.
92 "Ejus rei ponemus exemplum memorabile; quod eo magis adducimus, quia
Jesuitae eandem disciplina non videntur aspernari, sanoo (ut nobis videtur)
judicio... Intelligimus autem actionem theatralem. Quippe quae memoriam
roborat; vocis et pronunciationis tonum atque efficaciam temperat; vultum et
gestum ad decorum compponit, fiduciam non parvam conciliat, denique oculis
hominum juvenes assuefacit". Bacon, De dignitate et augmentis
scientiarum, 1. VI, c. 4; Opera omnia, Londini, 1730, t. I, p. 193.
93 O primeiro drama que se representou em Portugal, em 1556, no Pátio do Colégio de S. Antão de Lisboa, inspirou-se no tema evangélico do Prófilo, ou, como era intitulado em grego, Aulastus. Agradou tanto que, escreve uma testemunha de vista, "pediam todos se repetissem com freqüência representações desse gênero, sobretudo os estudantes, que nessa espécie de entretenimentos se deleitavam sobremaneira e se entusiasmavam quanto se pode dizer". Carta do P. Francisco Varea. Mon. Hist. S.J. Litterae quadrimestrae, Iv, 456. Jônatas, David, Salomão, Absalão, Abimelech, José, Benjamim, Isaac, Eleazer, Faraó, Suzana, Moisés figuram entre os dramas sagrados inspirados na Bíblia e representados nos Colégios de França.
94 O martírio de
Santa Catarina, de S. Prócópio, de S. Agapito, de S. Andrônico, de S. Máximo,
entre os antigos mártires; entre os santos modernos, Joana D´arc, Tomás More,
João Fisher, Inácio de Loiola, Francisco Xavier, Luiz de Gonzaga, Estanislau
Kostka inspiraram o tema de muitas representações.
95 Entre os temas clássicos
são explorados Rômulo e Rêmulo, Régulo, Bruto, Anibal, Sesostris, a morte de
Sócrates, a morte de Cícero, Temístocles, Catilina, Astyanax, Alexandre Magno,
etc. etc. A história , moderna de cada nação é também utilizada com proveito
para a educação cívica dos jovens estudantes. Nos palcos franceses aparecem
Clovis, Carlos Magno, S. Luiz, Joana D´arc. Em Tournai, representava-se em 1600
"a antiga liberdade dos Belgas, restabelecida por Alberto e Isabel";
em Namur em 1642 "o Leão belga perseguido pelos seus inimigos e socorrido
pelas armas de... D. Francisco de Melo... governador dos Paises Baixos".
Sobre
o teatro dos jesuítas no Brasil, ver Serafim Leite, História da Companhia de
Jesus no Brasil, t. II, 599-613; t. IV, 291-301. Sobre a História do teatro
escolar nos colégios da Companhia, o seu valor artístico, a sua influência
literária etc., haveria muito que dizer, mas sairíamos assim, dos limites que
nos traçamos, restritos ao simples estudos do Ratio, na sua estrutura e no seu
valor pedagógico.
96 À Província de Polônia respondia o Geral em 1582: "De dialogis
etiam non repugnamus, quin exhibui possint lingua vernacula". À Província
de Áustria em 1588: "Concessit P. Generalis intermedia vulgari lingua, ita
tamem ut nullam habeant scurrilitatem aut levitatem indignam homine
religioso". Outros documentos relativos às Províncias alemãs apud Duhr, Die
Studienordnung, p. 137. Em 1600, a Província de Aquitânia é autorizada a
apresentar em francês "os prólogos, epílogos e resumos dos dramas".
E, 1585, Aquaviva concede ao Provincial do Brasil que os Diálogos se
representem em vernáculo, mas as Tragédias e Comédias como
"coisas mais escolásticas e graves" devem ser em Latim. Cfr. Serafim
Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, II, 601.
97 Sobre os mistérios e dramas litúrgicos nos colégios dos jesuítas, ver Duhr, Die Studienordnung, p. 138 e sgs.
98 Schimberg, De l´éducation morale etc., p. 369.
99 "Nam ut res
eran gravissima e in omnoem parabatur aeternitatem". Sacchini, Historia
Societatis Jesu, V. p. 278. Maiss realista e prudente já S. Inácio
advertira a conveniência da adaptá-lo à variedade de lugares, tempos e pessoas,
"id dum taxat monendo, illa locis temporibus et personis accomodari
oportere". Constitutiones, P. IV, c. XIII, 2A.
100 Constitutiones S.J. IV Pars,
Proemium.
101 "Scholae litterariae hominum generi, in republica vero christiana et Christi acclesia, maxime sunt necessariae, tum ad multas vitae hujus commoditates, tum ad rectam rerum publicarum gubernationem et leges, tum ad naturae ipsius rationalis ornatum ac splendorem et perfectionem, tum demum, quod maius est, ad Dei fidem et religionem docendam, defendendam et propagandam; et ut homines ad suum tandem finem ultimum commodius et facillius perducantur". Monumenta Paedagogica, p. 345.
102 Pio XI, na encíclica Divini illius magistri, in Acta Apostolicae Sedis, t. XXII (1930) p. 49 e seg.
103 A expressão é de Justo Lipsio: "Vinculum gentium in Europa et thesaurus ac conditorium scientiarum". Opera, II, p. 115 - M.A. Mureto insistia sobre a necessidade para a aquisição da cultura: Pricipio igitur positium sit graecae latinaeque linguae cognitionem isntrumentum asse ad parandam doctrinae copiam, hoc quidem temporem plane necessarium. Id qui negant, aut quid verum sit non vident, aut contendendi studio oppugnando eo quod verum est ostentare acumem ingenii volunt". Opera Omnia, Lugduni Batavorum, 1789, I, 336. Filosofia, história, astronomia, matemática, ciências naturais - tudo se escrevia e estudava em latim.
104 Erasmo, Opera, I, 489.
105 "Duo sunt
in nobis numera divina utilitate magna, nobilitate prima, ipso genere
praeclara, ratio et quasi nuntis quidam rationis et interpres, sermo. Haec duo,
sunt quae nos homines reddunt". Perpiniani, Opera, I, 76. A
perfeição da cultura, dirá outro humanista com um trocadilho interessante,
consiste no reto uso da razão e da palavra: ut more antiquorum ratione e
oratione probe utamur". Richer, Obstetrix animorum, fol. 99.
106 "Et
quoniam, qui istas de quibus sermo a nobis susceptus est, litteras studiose
colunt, comes, faciles, tractabiles, jucundi et suaves evadunt, propterea
ipsimet eruditiorii, ab effectu scilicet, hoc nomem impositum mihi
videtur". Pontanus, Pro gymnasmata latina, I, 320.
107 Possevinus, De cultura ingeniorum, c. 4.
108 Bainvel, Causeries pédagogiques, p. 42.
109 S. Inácio já
acentuava a importância destes exercícios mais úteis talvez do que as próprias
lições. "Ni solamente se leen las licciones, mas
hácese a todos ajercitarse en composiciones disputas, y conferir entre si de
varios modos; cosas que ayudam mas uizáa ue las lecciones". Cartas de S.
Ignacio, Madrid, 1875, p. 557, nota. - O Ratio de 1586 encarece
singularmente o valor formativo dos debates na formação filosófica e teológica.
Ver Pachtler, II, 103.
110 "Nulla re
magis adolescentium industri quam satietate languescit". Regra 24, das
comuns, aos professores das classes inferiores.
111 No entanto
Compayré escreve: "Dans le Ratio Studiorum nous n´avons pas trouvé un mot
qui annoçât le désir d´éveiller la réflexion personelle et d´accroître
l´intelligence". Histoire Critique des doctrines de l´education,
Paris 1881, t. I, p. 254. - Evidentemente, a leitura foi feita com óculos
esfumaçados por preconceitos antijesuíticos pouco conciliáveis com a isenção
superior do espírito científico. Todas as apreciações de Compayré -
infelizmente transcritas por numerosos autores pouco críticos e menos
familiarizados com as fontes - devem ser submetidas a uma revisão à luz dos
documentos originais e da sua interpretação histórica.
112 F.P. Donnely, S.J. Principles of Jesuit Education in Practice, New
York, P. J. Kennedy and Sons, 1934, p. 11-12.
113Em Woodstock Letters, t. XXII (1893), 105-107, cit. por A.P.
Farrel, The jesuit code of liberal Education, p. 402.
114 J. Bainvel, S.J. Comment enseigner la théologie dans les grands
séminaires, nos Études, t. CXVII (1908) p. 85.
115 Schimberg, L´education morale, p. 40. Já Ledesma exigia em quem ensina este cabedal de qualidades: "o
professor deve ser homem de ciência e de virtude, prestigiado pela autoridade,
pelo tino e pela experiência e de talento acima da mediania". Mon. paedag., 349.
116 Schimberg, Op. cit., p. 40-1.
117 Institutum Societatis Jesu, Congreg. II, Decreto 9.
118 Antes da promulgação do Ratio, nas regras dos ofpicios comuns composta em 1577, já se advertia ao Provincial na sua regra 50 que, "a fim de que não faltassem bons professores de humanidades instituisse e conservasse o respectivo seminário, et ne in his [humaniorum litterarum studiis] professores idonei desint illorum seminaria et instituet et conservabit". Institutum S.J., Romae 1870, t. II, p. 84.
119 Indicação de outros seminários análogos nas Províncias da Europa pode ver-se em Duhr, Die studienordnung der Gesellsehaft Jesu, Frei.. B. 1896 p. 42.
120 Ver Francisco Rodrigues, A formação intelectual do jesuita, Porto, 1917, p. 100.
121 "Den Jesuiten gebührt das Verdienst erstmals etwas für die
paedagogische Vorbildung künftiger Lehrer an höreren Schulen gethan, dem Probe = und Seminariahr unserer Tage
praeludiert zu haben". Ziegler, Geschichte der Pädagogik, p. 111. Cit. por Schimberg, Op.
cit., p. 40.
122 Pachtler, I, 159, 411-12.
123 "Bonam debemus juventutis institutionem, de qua tamen non optime merentur, et vix nostrae abligationi respondent Praeceptores, quamdiu amaro sunt animo". Pachtler, II, 145.
124 "Studeat etiam diligenter caritate religiosa magistrorum fovere alacritatem, curetque ne muneribus domesticis gravidus onerentur". B-20. O Ratio de 1586 batia ainda mais forte na mesma tecla: "Rectoribus nihil antiquius, nihil optabilius esse debere, quam, ut salva religiosae pietatis disciplina, Praeceptorum conservent hilaritatem, et in ea posita esse praesidia omnia scholarum bene gerendarum existiment". Pachtler, II, 146.
125 Comentando o Ratio, assim escrevia Jouvency: "O mestre cristão deve trazer muita vez à consideração a importância de seu cargo, as obrigações que lhe impõe o serviço de Deus, o cuidado dos alunos que lhe encomendaram, o bem do Estado e da cidade onde ensinam... Mestres, vós dais aos homens a cousa mais bela que lhes podeis dar, iluminais a inteligência e educais aos filhos de Deus. Homens, respeitai o homem e não desprezeis essa natureza que o Criador do mundo fez sua. Essas crianças têm dignidade de reis. Olhai nelas a Cristo que as resgatou pela Cruz". De ratione discendi et docendi, c. III, § III.
126 Uma regra mais antiga, anterior ao Ratio, prescrevia:
"Ogni maestro farà quel conto dell´offitio che gli è commesso che far si
deve di una cosa molto inportante et necessaria alla salute del mondo".
Mon, paed. S.J., p. 626.