Fonte: Obras Completas do Pe. Leonel Franca S.J

O Método Pedagógico dos Jesuítas – O “Ratio Studiorum” Introdução e Tradução. Rio de Janeiro: Livraria AGIR Editora, 1952

 

HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil"

 

* permitido o uso e reprodução para fins educacionais

 

Digitação elaborada por Luciana Aparecida da Silva

 

O MÉTODO PEDAGÓGICO DOS JESUÍTAS

O “Ratio Studiorum”

 

INTRODUÇÃO

Padre Leonel Franca S.J.

 

No desenvolvimento da educação moderna o Ratio Studiorum  ou Plano de Estudos da Companhia de Jesus desempenha um papel cuja importância não é permitida desconhecer ou menosprezar.

Historicamente, foi por esse Código de ensino que se pautaram a organização e a atividade dos numerosos colégios que a Companhia de Jesus fundou e dirigiu durante cerca de dois séculos, em toda a terra. Ordem consagrada ao ensino pela Constituição escrita por seu próprio fundador, a Companhia, onde quer que entrasse a exercer os seus ministérios, instituía logo e multiplicava rapidamente os seus estabelecimentos de ensino. Em 1750, poucos anos antes de sua supressão (1773) por Clemente XIV, a Ordem de Inácio dirigia 578 colégios e 150 seminários, ao todo, 728 casas de ensino[1]. Esta imensa atividade pedagógica, com a sua incoercível influência e espontânea irradiação sobre outros colégios e outros sistemas educativos que se iam formando e desenvolvendo ao seu lado, não pode deixar de oferecer ao historiador da educação ocidental um interesse de primeira importância.

Pedagogicamente, a aplicação do Ratio foi coroada em toda parte, de um êxito incontestável. Confessam-no todos os escritores desapaixonados, ainda os menos simpáticos aos jesuítas. E se a árvore se conhece pelos frutos, aí estão eles numerosos e sazonados, a atestar-lhe a boa seiva e fecundidade. Não só a obra educativa dos colégios da Companhia foi um dos fatores mais eficientes da contra-reforma católica, senão também ela se acha ligada grande parte da aristocracia intelectual dos últimos séculos. Na França. S. Francisco de Sales, Corneille, Moliere, Fontenelle, Descartes, Bossuet, Monstesquieu, Malesherbes, Rousseau, La Condamine, Diderot, Buffon, Langrage, Richelieu, Conde, Cauchy, Flechier, Fleury, Lamartine, Foch; na Espanha, S. João da Cruz, Cervantes, Calderón, Lope de Veja, José Zorrila, Rubem Dario, Ramon Jimenes; na Itália, Tasso, Alfiere, Vico, Goldoni, Segneri, Bartoli, Prospero Lambertini (Bento XIV); na Bélgica, Justo Lipsio; na Irlanda, O´Connel; em Portugal e na América Latina, Antonio Vieira, João de Lucena, Baltazar Teles, Zorrilla de S. Martin, para não lembrar senão estrelas de primeira grandeza, saíram dos Colégios da Companhia. Estudar, portanto, um sistema pedagógico eu tem em seu abandono a prova decisiva de uma experiência multissecular não é porventura empreender um trabalho com a segurança dos resultados mais positivos, com a certeza de deparar muitos destes elementos da pedagogia perene que mergulha as suas raízes nas profundezas da própria natureza humana? Quantos problemas agitados pelos educadores modernos encontrariam, talvez, num principio ou numa sugestão do Ratio, a inspiração bem-vinda de uma solução feliz? A Historia e a Ciência da educação tem, portanto, no Plano de Estudos da Companhia de Jesus, um instrumento de trabalho de primeira necessidade e de incontestáveis vantagens. 

As grandes línguas modernas já possuem traduções acessíveis do original latino[2]. Esforçamo-nos por agora, para ministrar aos estudiosos de língua portuguesa uma versão vernácula do importante documento, em que a exatidão fiel e a simplicidade fluente fizessem boa aliança.

Para melhor inteligência do texto, julgamos oportuno, em breve introdução, indicar a origem, as fontes e as grandes linhas características do Ratio.

 

 

ORIGENS

 

A instituição de colégios para estudantes não pertencentes à Ordem não entrava no plano primitivo de Inácio, mas bem depressa se lhe impôs como uma necessidade quase indeclinável e um instrumento eficaz de renovação cristã muito em harmonia com as suas altas finalidades e com a inclinação espontânea de Inácio. A fundação em Goa por S. Francisco Xavier do primeiro colégio para externos em 1543 e a doação em 1544 de 5. Francisco de Borja, então duque de Gandia, para a abertura nesta cidade de um colé­gio, transformado, em 1547, em Universidade ou Studium generale, enveredaram a nova Ordem pelo caminho de sua missão educativa.

Colégio de Messina. - Mas foi em Agosto de 1548, que, a pedido do Vice-Rei e da cidade de Messina, S. Inácio aceitou e abriu nesta cidade o primeiro Colégio clássico da Companhia­ plenamente organizado (em Gandia só havia estudantes de filosofia em 1546; em 1548, acresceram duas aulas de gramática, fechadas pouco depois e reabertas mais tarde).

Para a nascente instituição enviou o Fundador um manípulo de padres de rara valia, Jerônimo Nadal, Reitor e professor de hebreu, Pedro Canísio, de retórica, André Frusius (des Freux) [3] de grego, Isidoro Bellini, de lógica, João Batista Passeriní, Anibal Du Coudret e Benedito Palmio, respectivamente da 3o., 2o. e 1o. classe de gramática . O corpo docente apresentava um caráter acentuadamente cosmopolita: italianos, espanhóis, franceses e alemães nele se achavam representados.  A todos, porém, unia, além dos vínculos de fraternidade religiosa, um traço comum de afinidade cultural. Com exceção de Canísio, que estudara na Universidade de Colônia, os demais se formaram em Paris.

E Paris foi o modelo escolhido pelos Padres na organização do seu primeiro grande colégio. Em matéria de repetições, disputas, composições, interrogações e declamações, o método adotado e seguido foi deliberadamente o de Paris, o modus parisiensis,  que aparece constante e freqüente na correspondência  destes tempos  primitivos. Numa proclamação lançada em Messina no ano de 1584, por um cidadão de nome Pedro Spira, lê-se na parte relativa aos estudos, provavelmente elaborada por Nadal e seus companheiros, a palavra de ordem: “Seguitando il modo et ordine Che s´usa in Priggi, essendo il meglio Che tenere si possa per facilmente et perfectamente diventare dotto nella língua latina”.

O êxito obtido, nesta primeira experiência, a julgar pelos documentos contemporâneos, foi consolador. Em Dezembro de 1548 Nadal escrevia a Inácio que se tornara necessário abrir mais uma aula de gramática porque os alunos passavam de 180[4]. No ano seguinte, já eram 214, sem contar os dos cursos superiores de nível universitário[5]. Num relatório enviado a Roma, forçando-se talvez o otimismo, dizia-se haver os pais averiguado que os seus filhos, em poucos meses de novo colégio, tinham aprendido mais que antes, em vários anos[6].

Destas primeiras experiências, Nadal ia arquivando os resultados preciosos. Em 1551 já encontramos redigido um primeiro plano de estudos que será lodo enviado a Roma e de Roma, com o tempo, a outros colégios que se irão fundando. Pouco depois, muito provavelmente no ano seguinte, terminou ele o seu tratado intitulado De Studio Societatis Jesu, onde já se encara a organização completa dos estudos, desde as classes de gramática até as faculdades superiores de caráter universitário[7].

Colégio de Palermo. – O exemplo de Messina foi contagioso. Em 1549, a cidade de Palermo dirigia um apelo a Inácio, solicitando a instituição de um Colégio, irmão do de Messina. O fundador atendeu o pedido e em Novembro já se abria, as aulas de gramática freqüentadas por 160 alunos. Com pequenas modificações sugeridas pela prática, o método adotado foi o de Messina.

Colégio Romano. - À vista do rápido incremento da obra educativa da Ordem recém-fundada, concebeu Inácio o projeto de abrir em Roma um grande colégio que viesse, com os anos, a servir de centro de modelo das instituições congêneres disseminadas pelo mundo. Nenhum lugar mais indicado para a realização deste desígnio que a Cidade Eterna, centro da cristandade, residência das autoridades supremas da Ordem, ponto de afluência de bispos e príncipes, de homens de autoridade e homens de doutrina do mundo cívi1izado. A nova instituição prestaria, outrossim, às fundações seguintes o grande benefício de uma como Escola Normal Superior, prepararia, entre os estudantes da Ordem, os fu­turos professores, adestrando-os nos melhores métodos e pondo-os em contato imediato com os educadores maia aba­lizados.

Em princípios de 1551, graças a uma doação de Francisco de Borja, então Duque de Gandia, o projeto de Inácio já era realidade. Numa casa alugada em Via del Campidoglio lia-se, numa tabuleta, a seguinte inscrição: Scuola di grammatica, d’humanita e di dottrina crístiana, grátis. Estava fundado o Colégio Romano. À frente de 14 jesuítas lá se achava o primeiro Reitor P. Pelletier, pouco depois transferido para Ferrara e substituído pelo P. Bernardo Olivier.

Não obstante oposições bairristas, os progressos da nova fundação foram rápidos e substanciais. Antes do encerramento do primeiro ano os alunos já passavam de 300 e o colégio devia transferir-se para local mais amplo. Em 1553, aos cursos de humanidades e retórica acrescentavam-se às faculdades de filosofia e teologia. Oito anos mais tarde, em 1561, o número crescente de estudantes impunha nova mudança de casa. Neste ano matricularam-se 750 alunos; 368 nas aulas de gramática; 130 em humanidades e retórica, os demais em filosofia e teologia. Em 1561 subiam a mil e em 1587 a dois mil. Ao lado dos estudantes externos avultavam-se também os candidatos da Companhia que afluíam de quase todas as províncias da Ordem, Itália, Espanha, Portugal, Bélgica e Germânia. O número de jesuítas que regiam as aulas de humanidades, filosofia e teologia de 43 em 1553 elevava-se dez anos mais tarde a 218.

O corpo docente, para preencher as finalidades que Inácio tinha em vista, era muito escolhido e, sem exclusivismos de nacionalidades, recrutado nas diferentes nações com critério único de competência e eficiência. Logo nos primeiros anos, encontramos entre os seus professores, nomes de primeiro valor, como Ledesma, Emanuel Sá, Perpiniani, Gagliardi, Frusius, Ribadeneira, Cardulo, Olave Costa, Baltasar de Torres e outros. Mais tarde, ainda, porém, no primeiro meio século de sua existência que precedeu a elaboração definitiva do Ratio ilustraram as suas cátedras os mestres insignes de reputação universal, que se chamaram Belarmino e De Lugo, Suarez e Vasquez, Toledo e Clavio, Cornelio a Lapide e Mariana.

Quanto ao plano de estudos e programa de ensino, adotou-se inicialmente no Colégio Romano, o que já havia provado em Messina, o modus parisiensis, manifestamente preferido por Inácio ao modus italicus apesar da oposição de algumas autoridades romanas. A pedido do fundador, P. Nadal, por meio do P. Coudret, enviou em julho de 1551 uma descrição completa do currículo e dos métodos seguidos no Colégio siciliano. Este primeiro Ratio Studiorum, mais tarde enviado de Roma para os estabelecimentos que iam fundando nos diferentes paises da Europa, é freqüentemente citado como mos et ratio Colegii Romani.  É um dos primeiros esboços do futuro Ratio, a contribuição de Nadal para a organização dos estudos em Roma devia ainda ser mais preciosa e mais pessoal. De 1552 a 1557 ele percorreu quase toda a Europa como delegado do Inácio para explicar e promulgar as Constituições da Ordem, ultimadas em 1552. Nestas longas excursões teve o ensejo de observar e o encargo de uniformizar a organização e funcionamento dos colégios então já existentes em Portugal, Espanha e Germânia. De volta dessas viagens, foi nomeado Prefeito dos Estudos no Colégio Romano, cargo que desempenhou de 1557 a 1559; mais tarde, de 1564 a 1566, governou como Reitor o mesmo Colégio. Foi provavelmente nesta época que, enriquecido da mais larga experiência, reviu o plano do seu De Studiis Societatis, escrito em Messina, e elaborou a nova Ordo Studiorum, posto em execução durante o seu reitorado[8].

O trabalho iniciado por Nadal, homem de raras qualidades de organizador, devia ser continuado por Ledesma, o prefeito de estudos ideal. Formado nas universidades de Alcalá, Paris e Lovaina, talento de rara maleabilidade que discutia e elaborava com igual competência a estrutura de uma faculdade de teologia e a sistematização de um curso de humanidades. Ledesma entrou em 1557 para o corpo docente do Colégio Romano e nele, com breves interrupções, permaneceu como professor ou como diretor de estudos, ata a morte em 1575. Sua missão foi rever e ampliar o programa de estudos em vigor no Colégio Romano desde a sua fundação. Ledesma pôs a serviço desta importante tarefa o seu raro talento, a sua ampla experiência e colaboração amiga de seus colegas de magistério[9]. Dos 132 documentos publicados no volume do Monumenta Paedagogica, 59 foram por ele atentamente transcritos ou anotados e corrigidos. Deste imenso trabalho fecundado por uma larga experiência[10] saiu o seu De ratione et ordine Studiorum Collegii Romani, que, na sua intenção, devia servir de norma a todos os Colégios da Companhia. Concebida num plano grandioso e compreensivo, a obra não pôde infelizmente ser levada a termo por seu autor, colhido pela morte em 1575. Ainda assim, representa a maior contribuição individual na elaboração do Ratio definitivo de 1599[11].

Enquanto em Roma se consolidava e desenvolvia a casa central de estudos da Ordem, nos outros teatros de sua atividade se iam multiplicando, com ritmo acelerado, os colégios. Já em 1553, S. Inácio chamava a atenção sobre a necessidade de não aceitar precipitadamente novas fundações. A mesma advertência foi repetida em 1558 pela Primeira Congregação Geral no seu Decreto 73 e em 1565 pela Segunda Congregação Geral no Decreto 8. Mas as necessidades prementes da Igreja, na época agitada da contra-reforma, as solicitações instantes de autoridade eclesiásticas e civis, os êxitos incontestavelmente obtidos e o entusiasmo de uma expansão juvenil passaram, não raro, por cima das restrições ditadas pela prudência dos Superiores. Quando faleceu S. Inácio já a Companhia contava colégios na Itália, na Espanha, na Áustria, na Boêmia, na França e em Portugal, ao todo 33 colégios em atividade e 6 outros já por ele formalmente aceitos[12]. Na aurora do século XVI, pouco depois de promulgado o seu Código de ensino, já eram 293 os colégios dirigidos pelos jesuítas, deles, 37 no ultramar; e em 1615, ao falecer Aquaviva, o grande promotor e promulgador do Ratio, o seu número ascendia 373. E, no entanto o próprio Aqua­viva, numa carta aos delegados da província siciliana, declara que só nos quatro primeiros anos do seu governo (1581-84), recusara mais de 60 pedidos de Colégios na Europa.

Os colégios multiplicavam-se em número e avultavam em importância. Muitos dentre eles, no curto prazo de poucos anos, tornavam-se os centros de cultura humanista mais reputados da cidade ou da região. Algumas cifras, apenas, para demonstrá-lo. O primeiro colégio da Companhia, na França, foi aberto em Billom, em 1556, com 500 alunos, três anos depois já contava 800 e quatro anos mais tarde, em 1563, 1600. O célebre Colégio de Clermont, em Paris, matriculara, em 1581, 1200 alunos, e após cinco anos, 1500. Na Germania, mesma expansão. Em 1581, Mogúncia contava 700 alunos, Treviri 1.000 e em Colônia as matrículas passavam de 560 em 1558 a 1.000 em 1581. Portugal não se deixou vencer pelas nações maiores. Em Lisboa os alunos passavam de 1.300 em 1575 a quase 2.000 em 1588; em Évora de 1.000 em 1575 cres­ciam a l.600 em 1592; e em Coimbra os estudantes que freqüentavam o Colégio das Artes regulavam por 1.000 em 1558 e em 1594 por 2.000!

A impressão que se desprende da visão panorâmica dos fatos é a nova Ordem, em pouco tempo, pelo número e pela valia de seus colégios, se afirmou, no campo pedagógico, como uma instituição plenamente vitoriosa. Os testemunhos antigos mais autorizados e menos suspeitos corroboram esta convicção. É conhecida a frase incisiva de Bacon: “No que concerne a Pedagogia basta uma palavra: consulta a escolas dos jesuítas; não encontrarás melhor” [13]. O célebre humanista Aldo Manucio, dedicando ao Colégio Romano a sua edição de Salústio, confessa que, de tudo quanto vira em Roma, nada o havia impressionado tanto quanto a dignidade acadêmica e a ordem do Colégio Romano [14]. Na sua Histoíre de Sainte-Barbe, Quicherat confessa que, em Paris e em toda a França, os jesuítas, no terreno educativo, conquistaram o primado com tal facilidade e rapidez que se lhes podia aplicar a palavra célebre: vim, vi e venci [15].

Esta expansão célebre e dilatada criava, porém, numerosos problemas de organização e governo que deviam ser encarados com firmeza e resolvidos com energia. Em geral, o plano de estudos, elaborado em Messina e desenvolvido ia Colégio Romano, construíra uma primeira norma orientadora das novas fundações. A diversidade dos costumes regionais e a variedade dos homens não tardaram em introduzir-lhes alterações mais ou menos profundas. Para estabilizar o governo dos colégios adotou-se, durante algum tempo, o alvitre das visitas de Comissários Gerais, diríamos hoje, os inspetores de ensino, incumbidos de manter, quanto possível, a uniformidade de estrutura e desenvolver a efi­ciência da obra educativa da Ordem. Durante 15 anos desincumbiu-se desta tarefa o infatigável P. Nadal. Encarregado em 1552 de promulgar e interpretar as Constituições, ele per­correu quase toda a Europa, levando ao mesmo tempo a missão de inspecionar e organizar os estudos. Espanha e Portugal, Itália e França, Áustria e Boêmia, Bélgica e Alemanha foram por ele percorridas co alguns intervalos nos três lustros que vão de 1553 a 1568.

Outros visitadores continuaram esta missão delicada. Gonzales Davila e João de Montoia, Everardo Mercuriano e Polanco, Maldonado e Olivério Manareu foram dos mais notáveis e ainda possuímos numerosas instruções pedagógicas por eles deixadas aos colégios visitados [16].

O regime das inspeções periódicas não podia, porém, constituir a solução definitiva e normal do problema. A multiplicidade dos visitadores e o intervalo das visitas deixavam largo campo à ação dispersiva das forças centrífugas do sistema. Acentuava-se, de dia para dia, imperiosa e inadiável, a necessidade de um código de ensino que se impusesse com a autoridade de uma lei e assegurasse a semelhança e a unidade de orientação da crescente atividade educativa da Ordem.

Constituições. – Existia, é certo, a IV parte das Constituições em vigor desde 1552. Nela traçara o fundador as linhas mestras da organização didática e, sobretudo, sublinhara o espírito que deveria animar toda a atividade pedagógica da Ordem. É fácil prever a influencia decisiva de um documento desta natureza, saído da pena do próprio S. Inácio, exercerá em todo o desenvolvimento futuro do ensino jesuíta. Como bem observa Fouqueray, a IV parte das Constituições é “un abrégé de la doctrine pédagogique de la Compagnie” [17].

Mas pela sua própria natureza e pela vontade expressa de Inácio as diretivas traçadas nas Constituições não eram, nem deviam substituir, um plano pormenorizado de estudos e um código prático de leis que facilitasse e uniformizasse a organização viva. É o próprio Inácio nas próprias Constituições que determina se elabore um Estatuto em que se trace, por miúdo, quanto se refere à ordem e ao método dos estudos nos colégios e faculdades. Um Ratio Studiorum, na intenção do Fundador, deverá ser o complemento natural e indispensável das Constituições [18]. Só uma codificação de leis e processos educativos poderia evitar o grave inconveniente das mudanças freqüentes que a grande variedade de opiniões e preferências individuais acarretaria, com a sucessão de professores e prefeitos de estudos. Só um texto autorizado e imperativo, elaborado por uma experiência amadurecida, cortaria pelas tentativas infrutíferas dos que ensaiavam as primeiras armas nas lides do magistério.

Por um plano de estudos assim, particularizado e distin­to, fixo e imposto pela autoridade competente, já clamava Ledesma, numa memória apresentada ao R. P. Geral [19].

Para que se leve adiante e se ultime o trabalho iniciado, insistirão mais tarde, num parecer coletivo, os padres da província renana. Um plano de estudos e de ensino, uniforme e sistemático, diziam eles, traria imenso beneficio à Igreja e à Companhia [20].

O Ratio de 1586. - Os primeiros ensaios de sistemati­zação geral dos materiais pedagógicos acumulados remontam a um período anterior a 1586. A segunda e a terceira Congregação Geral, reunidas em 1565 e 1573, já nos falam de um corpo de regras gerais conhecidas com o nome tirado das palavras iniciais de Summa Sapientía. Tratava-se de uma coletânea de diretivas e ordenações, fruto da ex­periência e dos trabalhos de Ledesma, Nadal, e dos professores do Colégio Romano [21].

Everardo Mercoriano, quarto Geral, deu um passo adian­te. A quanto nos informa Sacchini, um dos mais autorizados historiadores da Ordem, esboçou ele em 1577 uma legislação geral e uniforme para toda a Companhia codificando as regras de vários ofícios administrativos dos Colégios. Dois anos depois encontramos, com efeito, as regras de Merco­riano, utilizadas por Maldonado como base de seu memorial deixado após a sua visita de Inspeção ao Colégio de Clermont, em Paris. Eram passos importantes no caminho do desenvolvimento orgânico da 4o. parte das Constituições e na siste­matização de um código geral no ensino.

Estavam, porém, reservado ao P. Cláudio Aquaviva, homem de ação enérgica e decidida, a glória de levar a termo a delicada e árdua tarefa. Eleito Geral da Ordem, em 1581, nomeou, durante a própria Congregação Geral que o aca­bava de eleger, uma comissão de doze membros para ela­borar uma fórmula dos estudos, ad confecíendam formulam studiorum [22].Os membros escolhidos, pertencentes a seis nacionalidades, eram os seguintes: Maldonado, Acosta, Ribera, Deza e Egidio Gonzalez, espanhóis; Gagliardi e Adorno, italianos; Pedro da Fonseca e Sebastião de Morais, portugueses; Le Clerc, belga; Coster, alemão; Sardi, napolitano. Esta comissão, porém, apesar de primeiro valor, como Maldonado, Gagliardi, Pedro da Fonseca, não chegou, ao que sabemos, a começar os seus trabalhos. Talvez o número excessivo de vogais lhe dificultasse a reunião. O fato é que em 1584, Aquaviva nomeava outra comissão, esta composta de seis membros das principais nações da Europa e das mais importantes províncias da Ordem. Eram eles: João Azor, da Espanha; Gaspar Gonzales, de Portugal; Jacques Tirie, da França; Pedro Busen (Buys), da Áustria; Antônio Ghuse (Gusano), da Germânia; Estevam Tucci, de Roma. Os novos delegados meteram ombros à empresa com decisão e vigor. Três horas no dia consagra­vam a consultas e discussões; o resto do tempo à leitura e ao estudo do acervo vultoso de documentos que lhes havia sido submetido à apreciação: estatutos e regulamentos de universidades e colégios, ordenações, usos e relatórios das diferentes províncias; costumes locais; princípios disciplinares, numa palavra, todo o imenso material pedagógico que se acumulara em mais de 40 anos de experiência e que agora entrava na fase, da codificação definitiva.

Iniciados em 8 de Dezembro de 1584 os trabalhos es­tavam concluídos nove meses depois, em Agosto de 1585. O P. Geral leu-o com os seus assistentes, deu-o a examinar a uma comissão de professores do Colégio Romano e, não satisfeito ainda, resolveu submetê-lo a um estudo critico de toda a Companhia. Impresso para uso interno, foi o Ratio enviado em 1586 a todos os Provinciais, acompanhado de uma circular de Aquaviva. Nela se recomendava que em cada Província se nomeassem pelo menos 5 padres abalizados no saber e na prudência para que, desembaraçados, estudassem a nova fórmula dos Estudos, primeiro em particular, depois em consultas e, por fim, redigissem livremente o seu parecer, a ser remetido para Roma dentro de cinco ou seis meses[23].

Como se vê pela circular de Aquaviva, esta primeira edição do Ratio não tinha caráter definitivo, nem força obrigatória. Não devia ser posta em execução, mas unicamente examinada e criticada pelas autoridades mais competentes nas diferentes regiões da Europa onde a Companhia tinha os seus melhores colégios. A sua forma geral era mais discursiva que imperativa. Encerrava discussões e dissertações pedagógicas às quais faltava por vezes o vigor e concisão da lei ou do regulamento.

As diferentes províncias levaram muito a sério as recomendações do Geral. Em toda a parte, escolheram-se para o exame do projeto homens notáveis pela doutrina e encanecidos na prática do magistério. Na comissão romana, encontramos os nomes de Francisco Suárez e de S. Roberto Belarmino, hoje Doutor da Igreja. Gagliardi aparece na Província de Milão, Pontanus, o célebre humanista, na da Germânia Superior, Cipriano Soarez, autor de uma célebre retórica, na de Toledo; na de Lião; João Hay e Richeome, um grande teólogo, outro, literato encantador; na de França, o velho Coudret, um dos veteranos de Messina.

No cabo de alguns meses, lá pelo fim de 1586, começaram a afluir a Roma os relatórios desses trabalhos críticos: Judicia e observationes. Vinham das principais províncias da Ordem: de Roma, de Nápoles, Milão, Veneza, Aquitania, Lião, França, Germânia Superior, Reno, Áustria, Portugal, Polônia, Aragão e Andaluzia.

Além dos pormenores isolados, os críticos convergiam quase unanimemente sobre dois pontos importantes: a imprecisão e prolixidade da fórmula examinada. As questões pedagógicas eram, por vezes, longamente debatidas e alegados os argumentos pró e contra. Sucediam-se por vezes longos tratados sobre os deveres dos professores jesuítas, sobre a conveniência de iniciar o grego com os primeiros elementos do latim, etc, etc. Para um código cuja razão de ser era orientar, de modo uniforme, a organização dos colégios, constituíam estes, defeitos graves.

Edição de 1591 – Aquaviva deixava em Roma três dos compiladores do anteprojeto, Tucci, Azor e Gonzalez, para receber os relatórios examina-los e preparar uma nova edição do Ratio. Afim de que melhor se desempenhassem desta incumbência, associou-lhes uma comissão de professores do Colégio Romano, entre os quais figuravam Belarmino, Suarez, Sardi, Giustiniano, Parra, Pereira, Benci, Torsellini, isto é, teólogos, filósofos e humanistas do mais distintos[24].

A tarefa da revisão, que apresentava seus espinhos, iniciou-se e continuou sob o impulso vigoroso de Aquaviva que, em 1592, mandava ainda mais uma vez a toda a Companhia uma nova edição do Plano de Estudos sob o título de Ratio atque Institutio Studiorum, Romae, un Collegio Soc. Jesu, anno Dni, 1591. A estrutura do trabalho sofrera mudanças radicais. Eliminaram-se as discussões e dissertações pedagógicas que justificavam os preceitos práticos. Codificou-se todo o sistema de estudos numa série de regras relativas aos administradores, professores e estudantes.  Caráter em que se remetia o Ratio também não era o mesmo. Já não se tratava de um anteprojeto a ser estudado por censores qualificados, mas de um código de leis a ser trazido imediatamente em prática, ainda que não de modo definitivo. Aos provinciais recomendava o Geral que, removidos todos os obstáculos, pusessem em execução o novo sistema de estudos, durante três anos, no fim dos quais remetessem a Roma os resultados desta experiência decisiva para a sua promulgação final.

O “Ratio” de 1599. – A prova de fogo da experiência foi feita. Em 1594 já chegavam a Roma as primeiras observações da Germânia, em 1596 as de Castela, em 1598 outras mais da Germânia e assim de outras províncias. A prolixidade ainda era o ponto mais criticado. As regras eram muito numerosas e, sobretudo repetidas nos vários ofícios semelhantes: professores de humanidades, de gramática superior, de gramática média, de gramática inferior. Um esforço para maior concisão parecia ainda possível. A brevitas imperatoria foi sempre uma das qualidades do estilo de comando e uma das garantias de sua eficiência. O esforço foi feito. Cortaram-se pelas repetições agrupando as regras comuns a vários professores. Às outras se deu uma redação mais concisa. Reduziu-se assim de metade o volume do Ratio; enquanto a segunda edição contava 400 páginas, a ultima não ia além de 208; o número total de regras descera de 837 a 467.

Com mais esta satisfação dada às críticas recebidas, julgou Aquaviva chegado enfim o momento de dar por definitivamente concluída a momentosa tarefa a que metera os ombros no princípio do seu governo, o mais longo e um dos mais brilhantes e também dos mais tumultuosos na história da Companhia de Jesus. Em Janeiro de 1599 uma circular comunicava a todas as províncias a edição definitiva do Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Jesu[25]. Já não era a comunicação de um projeto de estudos, mas a promulgação de uma lei.

Cinqüenta anos haviam decorrido desde que se abrira em Messina (1548) o primeiro grande colégio da Companhia, quinze desde que se iniciaram de modo sistemático (1548) os trabalhos de codificação do plano de estudos. Os passos principais por que passara a sua construção são agora nitidamente visíveis: o plano de Messina inspirado por Nadal em 1551, a IV parte das Constituições escritas por S. Inácio, o plano de Nadal, conhecido sob o título Ordo Studiorum, o De Ratione et Ordine Studiorum, que em 1575 Ledesma deixara incompleto.

O código de leis que passava assim a orientar a atividade pedagógica da Companhia, representava os resultados de uma experiência de meio século. Experiência rica, ampla, variada, que talvez constitua um caso único na história da pedagogia. Nela estão representadas todas as raças e nações do Velho Continente; para ela contribuíram centenas de estabelecimentos de educação dos mais freqüentados e afamados do seu tempo; enriqueceram-na duas ou três gerações de educadores, insignes pela inteligência, pela cultura, pela dedicação espontânea e total à nobre causa da educação da juventude. Raro exemplo de uma ampla sistematização pedagógica em que a mais estrita unidade resultou harmoniosamente da mais variada colaboração.

Revisão de 1832. – O código de estudos promulgado por Aquaviva permaneceu, como lei oficial da Companhia, durante quase dois séculos, até a supressão da Ordem em 1773.

Daí, porém, não se infira que os colégios dos jesuítas permaneceram petrificados na imobilidade durante este largo período sem se adaptar às novas exigências de tempos que mudavam. O próprio Ratio, na sua prudência, previa esta flexibilidade de adaptação e abria-lhe a porta legal. A regra 39 do Provincial dizia textualmente: “Como, porém, na variedade de lugares, tempos e pessoas, pode ser necessária alguma diversidade na ordem e no tempo consagrado aos estudos, nas repetições, disputas e outros exercícios e ainda nas ferias, (o Provincial), se julgar conveniente na sua Província alguma modificação para maior progresso das letras, informe o Geral para que se tomem as determinações acomodadas a todas as necessidades, de modo, porém, que se aproximem o mais possível da organização geral dos nossos estudos”.

À sombra desta sábia disposição os colégios dos jesuítas foram se adaptando na prática às novas condições dos tempos. Ao idioma vernáculo e às ciências experimentais que se iam organizando e desenvolvendo abriu-se maior margem na organização dos currículos. Esta flexibilidade de adaptação de programas, aliada à fidelidade dos ideais e métodos pedagógicos permitiu aos estabelecimentos de ensino da ordem não só conservarem na vanguarda da instrução da juventude senão ainda crescerem, em ritmo ininterrupto, até a supressão da Companhia de Jesus [26].  Eram 245 os colégios por ela mantidos em 1599, quando foi definitivamente promulgado o Ratio; em 1626 já haviam subido a 444, em 1710 a 610, em 1749 a 669 além de 176 seminários. Em 1773, quando extinta, a Ordem mantinha na Europa 546 colégios e seminários e, fora da Europa, nas províncias missionárias, 123 colégios e 48 seminários, ao todo 865 estabelecimentos de ensino. Os da Europa distribuíam-se do seguinte modo: 145 na Itália, 124 na França, 117 na Espanha e pouco mais de 300 na Europa Central (Germânia, Áustria, Bélgica, Boêmia, Polônia e Lituânia). É fácil imaginar o imenso golpe que na educação cristã da juventude representou a supressão da Companhia de Jesus na segunda metade do infeliz século XVIII.

Passaram-se os anos e as tempestades. Em 1814 Pio VII restaurava em toda a Igreja a Ordem suprimida pela pressão das cortes dos Bourbons. Chamá-la de novo à vida era confiar-lhe ainda uma vez a sua missão educadora. Em 1824, Leão X, no Breve que restituía aos filhos de S. Inácio o Colégio Romano, declarava que “a causa principal do seu restabelecimento era a formação intelectual e moral da juventude, ex illa potissimum causa ut juventutem et litteris et moribus instituendam susciperet” [27].

Com a reabertura dos colégios, em um ambiente profundamente transformado, punha-se urgente o problema da revisão do Ratio. As Províncias o reclamaram; a 20a. Congregação, primeira reunida depois da restauração, ocupou-se logo do assunto. Mais energicamente voltou sobre a urgência de uma ação imediata a Congregação Geral de 1829. O novo P. Geral, João Roothaan, nela eleito, pôs logo ombros à tarefa que se lhe havia confiado. Numa lista de nomes propostos pelas províncias nomeou ele uma comissão de 7 membros representantes da Itália, Sicília, França, Inglaterra, Alemanha, Galícia austríaca e Espanha. A incumbência que se lhe cometia não era a elaboração de um novo Ratio mas a adaptação do que já havia recebido de uma experiência de quase dois séculos a mais sólida das confirmações.

Em Outubro de 1830 encetavam-se em Roma os trabalhos; e em Julho de 1832, já o Geral podia enviar a toda a Ordem o Ratio revisto.

Modificações de menos alcance introduziram-se em bom número; as de certa importância, porém, foram relativamente poucas e reduzem-se às seguintes:

No curso de teologia acrescentaram-se dois anos de história eclesiástica e direito canônico.

No de filosofia, três anos de matemática – um obrigatório, dois facultativos para os bem dotados – e também um curso de física experimental. Aristóteles foi apeado de uma hegemonia excessiva.

No de humanidades alterações mais importantes. O idioma vernáculo foi elevado a categoria de disciplina maior no currículo ao lado do latim e do grego. Como disciplinas secundárias, mas autônomas, foram introduzidas à história, a geografia e as matemáticas elementares, ficando ao critério do Prefeito de estudos dosar-lhes os números de aulas de acordo com as exigências locais. No estudo do latim, Cícero perde a sua posição dominante.

Como se vê, com pequenas exceções, as mudanças introduzidas interessam sobretudo a organização do currículo. A orientação administrativa, metodológica e disciplinar permaneceu fundamentalmente inalterada.

O Ratio de 1832, que foi enviado às Províncias para ser submetido à prova da experiência antes de receber uma redação definitiva não chegou a ser aprovado por nenhuma Congregação Geral. Não possui, portanto, autoridade de lei, mas apenas a de norma diretiva.

Em 1941, após vários anos de preparação foi enviado a toda a Companhia de Jesus um novo Ratio Studiorum Superiorum Societatis Jesu. Como o indica o título, este plano de estudos refere-se apenas aos estudos superiores. As modificações introduzidas são muito importantes e adaptam os estudos da Ordem às exigências legítimas e às inovações sadias das modernas universidades. Como em casos precedentes, este Ratio foi enviado ad experimentum até a próxima Congregação Geral.

As imensas e quase insuperáveis dificuldades resultantes da variedade de currículos secundários a que, nos diferentes paises, se devem amoldar os colégios da Companhia, não permitiram que até hoje se levasse a termo para os nossos tempos um Plano universal de estudos semelhantes ao Ratio de 1599.

Atualmente os Colégios da Companhia de Jesus conservam-se fiéis aos princípios gerais e às orientações pedagógicas do Ratio, mas adaptam-se, no mais, às exigências dos regimes escolares de cada país.

 

FONTES DO “RATIO”

 

O rápido escorço, que acabamos de esboçar, da história do Ratio, permite-nos agora entrar com mais segurança no estudo, complexo e interessante, das suas fontes. É, em outras palavras, a questão de sua originalidade. Questão debatida, nem sempre desapaixonadamente e talvez ainda não resolvida de modo definitivo e satisfatório.

De um lado, falamos freqüentemente na “pedagogia dos jesuítas”. E esta não é uma expressão vazia, sem conteúdo real. Desde os seus primórdios, os colégios da Companhia de Jesus apresentam certos traços comuns que lhes davam uma fisionomia de linhagem facilmente reconhecível e os distinguiam de outros estabelecimentos de ensino, coexistentes nas mesmas unidades de espaço e de tempo.

Por outro, a um historiador de pedagogia não seria difícil isolar os métodos e processos educativos preconizados pelo Ratio e apontar-lhes a existência em outros sistemas coetâneos do seu aparecimento. Uma genealogia bem organizada faria entroncar mais longe a sua paternidade.

Assim, num primeiro momento, apresenta-se o nosso estudo com uma tensão de paradoxo. Cumpre resolve-lo à luz dos documentos e de sua leal interpretação.

Os primeiros jesuítas não desceram a campo, em matéria de educação, como revolucionários ou como inovadores. Não pretenderam romper com as tradições escolares vigentes nem mesmo trazer-lhes contribuições inéditas. Ajustaram-se às exigências mais sadias de sua época e procuraram satisfazer-lhes com a perfeição que lhes foi possível.

Ao espírito de uma época, ao Zeitgeist dos alemães, não se furta nenhum sistema pedagógico, nem mesmo quando conscientemente se organiza para combate-lo. O código de ensino dos jesuítas não pôde se subtrair a esta necessidade e traz, indelével, o cunho do século XVI. Uma crítica interna esclarecida poderia, pelo simples exame dos seus elementos, descobrir-lhe com segurança a data de formação.

Entre as diferentes correntes pedagógicas, do tempo, porém, a história permite determinar quais as deliberadamente afastadas pelos jesuítas, quais as escolhidas e assimiladas pelo seu sistema de educação.

 

UNIVERSIDADE DE PARIS.

 

Os primeiros companheiros de Inácio são homens de universidade. Não saíram de seminários ou de outras instituições religiosas; quase todos de diplomaram nas melhores universidades da Europa.

Entre estas, a importância de influência, leva a palma incontestável à de Paris. Lá estudou e se graduou mestre Inácio. Lá estudaram e se graduaram todos os seus primeiros companheiros que, em 1534, lançaram na colina de Montmartre os fundamentos da futura Companhia de Jesus. Como à “mãe dos nossos primeiros Padres”, referiu-se com razão e mais de uma vez o santo fundador à Alma Mater parisiense. Nadal e Ledesma que, em Messina e Roma, exerceram uma influencia tão decisiva na orientação pedagógica da primeira geração de educadores da nova Ordem vieram também de Paris.

E precisamente nessa época a grande Universidade, que era o centro mais brilhante de cultura na Europa, entrava por assim dizer, na grande corrente humanista do Renascimento. Lá por volta de 1517 o movimento firmou pé em alguns colégios da Universidade, primeiro no de Montaigu, depois e mais solidamente em Sainte-Barbe, onde entre 1525 e 1530 acaba de atingir o seu objetivo: o predomínio absoluto do ensino clássico [28].

Nesta época precisamente estudava em Paris o nobre Peregrino Espanhol, que em Outubro de 1529 passava de Montaigu para Sainte-Barbe e aí permanecia por mais três anos e meio. O futuro fundador da Companhia presenciava assim com os próprios olhos a transição da antiga para a nova orientação dos estudos.

Não é, pois, de maravilhar que a organização pedagógica da universidade parisiense influísse profundamente na orientação dos novos educadores que, estudantes, haviam respirado a sua atmosfera.

Esta influência, porém, não foi uma simples conseqüência de fatos históricos que a tornaram possível e espontânea; resultou de uma escolha firme e deliberada dos primeiros jesuítas. Inácio freqüentou também as universidades espanholas de Alcalá e Salamanca; mais tarde, na sua longa estadia em Roma, teve oportunidade de conhecer a estrutura e o funcionamento das universidades italianas. Entre todas optou, decididamente, pela de Paris e manteve com energia e constância a sua preferência contra resistências, por vezes, tenazes e profundas.

Já vimos como, na sua formação do Colégio de Messina, se assentou explicitamente o predomínio de Paris “conformando il tutto al modo parisiense” [29]. Em Viena e em Pádua, S. Inácio intervem diretamente em favor do modus parisiensis contra o modus italicus [30].

Esta preferência era baseada na convicção enraizada da superioridade dos métodos parisienses sobre os demais. A seu ver, não havia outro mais eficiente para levar ao conhecimento rápido e perfeito da língua latina. É o que se afirma no ato de fundação do Colégio de Messina [31]. É o que o santo expressa numa carta ao sobrinho Beltran de Loiola: “Acabo de saber que teu irmão Emiliano é dotado de bons talentos e cheio de ardor pelo estudo. Muito desejo que tenhas cuidado destas boas disposições e se queres ouvir a minha opinião, não o mandes a outro lugar que não seja Paris. Nesta universidade poderá ele aprender em poucos anos, o que em qualquer outra não conseguiria senão depois de longo tempo. Além disto, entre os estudantes desta cidade mais do que em outras há em geral maior honestidade e religião [32].

Resume-se, portanto, com fidelidade a situação neste comentário de Nadal, às Constituições, a propósito de uma inovação inspirada nos usos da Itália: o método de Paris foi o escolhido para os nossos colégios; importa conserva-lo em vigor [33].

A imitação de Paris nada teve de servil; foi a transplantação de um germe vivo que continuou, em outro clima, a sua evolução orgânica. Mais tarde, os homens de Sorbona hostilizarão os jesuítas que, no Colégio de Clermont, lhes pareciam concorrentes perigosos e triunfantes. Na luta, nem sempre leal, a velha Universidade, para combater com armas iguais, mais de uma vez reformou os seus currículos e processos pedagógicos, à imitação do que a experiência dos jesuítas havia consagrado no Ratio [34].

 

INFLUÊNCIA DOS ANTIGOS.

 

A Renascença caracteriza-se essencialmente pela volta tumultuosa e entusiasta à antiguidade clássica. Grécia e Roma – depois do parêntese “bárbaro” da idade do meio – surgiram como fontes de beleza humana imortal. E não foi só na literatura que os seus escritores se impuseram como modelos insuperáveis do bem dizer. A pedagogia dos seus mais celebres educadores “renasceu”, também dela, aureolada com o respeito e veneração das cousas antigas. Os escritores do século XVI julgavam-se no dever indeclinável de corroborar os preceitos mais comezinhos com o peso de uma autoridade clássica. Respeita os velhos, assim o ensina Cícero. Sê forte na adversidade, é o exemplo que te deixou Alcibíades. Usa das riquezas com moderação, Ovídio e Plauto o aconselham.

Para ver quão extensa e profunda foi esta influencia dos antigos basta percorrer os mais conhecidos pedagogos do Renascimento, qualquer que seja a escola ou nação a que pertençam: Erasmo ou Vives, Mureto ou Melanchton, Manucio ou Murmelius. As citações dos grandes clássicos fervilham. Ao lado da Retórica de Aristóteles, o De Oratore de Cícero. Plutarco e Sêneca figuram como preconizadores de um ideal humano a que pouco falta para ser cristão. A todos, porém, sobreleva Quintiliano.

Quintiliano encarna no século XVI a pedagogia Romana. Com a sua moderação e bom senso, com a longa experiência de 20 anos de magistério, com o seu conhecimento psicológico da criança e da arte de educa-la, exerceu sobre a posteridade uma verdadeira fascinação. As suas Instituições oratórias são uma fonte inesgotável de inspiração e de imitação dos mestres  mais graduados. No seu De tradendis disciplinis Vives de si confessa que “se alguém atentar bem verificará que o meu método de ensino coincide com o de Quintiliano” [35]. E, de modo geral, falando de toda a escola humanista, afirma W. H. Woodward: “Todos os educadores do Renascimento, homens de teoria ou homens de prática, nascidos em solo italiano ou germânico, Enéas Sylvius ou Patrizi. Agrícola, Erasmo, Melanchton ou Elyot, abeberam-se no texto e no espírito desse tratado (Institutio Oratoria)” [36].

A esse entusiasmo não se furtaram, nem se podiam furtar, sem deixar de seu tempo, os jesuítas. Na elaboração prolongada e na redação definitiva do seu plano de estudos é visível a influência clássica, filtrada através dos autores contemporâneos, haurida diretamene nos mananciais antigos.

Entre eles, a Quintiliano pertence o primado da influência. Negronius, nas suas Orationes, cita-o mais de duzentas vezes. Ribadeneira, um representante típico dos jesuítas da primeira geração, saúda no pedagogo romano, no nosso Quintiliano, “um mestre de grande experiência e prática na área de educação” [37]. Ledesma preza-o altamente. Manuel Alvarez, autor da célebre De Institutione Grammatica, e Cipriano de Soares, autor De Arte Rethorica, inculcadas como livros de texto no Ratio, confessam abertamente os seus numerosos empréstimos ao mestre comum. Sobre grande parte dos exercícios escolares – lições de cor, correção de deveres, declamação, explicação de autores – o código de ensino de jesuítas inspirou-se mais de uma vez nas suas teorias e nos seus conselhos.

 

IDADE MÉDIA.

 

Se no ensino das humanidades a yoga da antiguidade clássica suplantou a tradição escolar da Idade Média, no da filosofia e teologia esta conservou a primazia. Os séculos XIV e XV assinalam uma decadência visível da escolástica que no século XIII havia atingido o apogeu da sua florescência. O abuso da dialética e das sutilezas estéreis, a vitória do nominalismo em vários centros de ensino superior, a falta de talentos de maior envergadura, a multiplicação das universidades em condições menos favoráveis à elevação do nível cientifico, são os principais responsáveis por este desprestigio em que o renascimento encontrou a herança filosófica da escola.

Os primeiros anos do século XVI assistem, porém, um esforço vigoroso de restauração da síntese clássica do pensamento medieval.

E é precisamente na Universidade de Paris que se delineia um movimento vigoroso de restauração tomista. Pedro Crockaert, flamengo, que viera ainda jovem, para a capital francesa e aí entrara na Ordem dominicana, em 1503, com 35 ou 40 anos de idade, é o seu centro. Fr. Pedro de Bruxelas, como o chamam os documentos contemporâneos, tinha uma vocação dos grandes professores; formou escola. A um grupo de discípulos escolhidos conseguiu transmitir o entusiasmo por S. Tomás. E o histórico convento dominicano, de Santiago, que tinha abrigado nos seus muros vetustos a S. Alberto Magno, S. Tomás de Aquino, Herveu de Nedellec, Durando de Saint-Pourçain, Pedro de la Palu, Torquemada, e Capreolo, viu florescer uma nova geração de teólogos que iriam marcar época na historia do tomismo. Entre os alunos prediletos de Crockaert achava-se, então, em Paris o jovem espanhol Francisco de Vitória, O.P., que mais tarde sobrelevaria o mestre em doutrina e fama. De volta a sua pátria, Vitória recebeu em Salamanca um movimento restaurador dos estudos, primeira origem da escola salmantina, formadora de alguns dos melhores teólogos que figuraram no Concílio de Trento [38].

Dentre os discípulos parisienses de Crockaert saíram os mestres de teologia de Inácio de Loiola e dos seus primeiros companheiros Lainez, Salmeron, Bobadilla, etc. Como na atmosfera de Salamanca respiraram Toledo e Maldonado, dois dos mais notáveis professores jesuítas dos primeiros tempos.

Orientou-se assim uma nova Ordem, desde o seu nascer para a mais sólida e profunda sistematização escolástica da filosofia. A Companhia de Jesus foi, depois da ordem dominicana, a primeira família religiosa que escolheu a S. Tomás para seu Doutor próprio [39].

Esta opção influi também decididamente na orientação pedagógica dos estudos superiores da Ordem. Aos seus professores proíbe o Ratio que se emaranhem em questiúnculas inúteis, e obsoletas, ou que se firmem em argumentos de autoridade com detrimento das razões internas. Aos seus escolásticos recomenda que desenvolvam o senso crítico, formulando contra as doutrinas ensinadas as objeções que ocorrerem e não descansando antes de as resolverem cabalmente[40].

Com a sua decisiva intervenção contribuíram, outrossim, os jesuítas para a introdução definitiva da Summa theologica como livro de texto em substituição ao velho Pedro Lombardo, cujo Livro das Sentenças se comentou durante três séculos nas aulas de teologia [41].

Destarte, a ordenação geral dos estudos da Companhia, elaborada na segunda metade do século XIV, fundiu em síntese harmoniosa o que de melhor nos havia legado o esforço intelectual da Idade Média com as conquistas mais sadias e duradouras do humanismo cristão da Renascença.

 

STURM E VIVES.

 

Além das fontes indicadas acima quiseram alguns historiadores de pedagogia ver em Vives e principalmente em Sturm dois modelos copiados sem originalidade pelos jesuítas. Sturm era calvinista e apontar num protestante o protótipo de colégio dos filhos de S. Inácio tinha um sainete picante de paradoxo, tentador para autores protestantes ou menos afeiçoados aos jesuítas. Von Raumer, hitoriador antiquado da pedagogia e antijesuíta azedo, inquina o Ratio de plágio imoral de Sturm. Teófilo Braga insinua com mais artifício a mesma acusação [42].

A afirmação não é baseada em nenhum documento histórico. Tornou-a verossímil certa afinidade nos programas, horários e métodos de ensino. Semelhança incontestável que o próprio Sturm sublinhou numa de suas cartas, insinuando a aparência de algum empréstimo. “Vi os autores que os jesuítas explicam, os exercícios que praticam, os processos que empregam. Assemelham-se tanto aos nossos que se diriam derivados de nossa fonte” [43].

A arte de parentesco existe, mas não se explica por genealogia direta. Já, a priori, não seria muito verossímil que os primeiro jesuítas fossem copiar a organização de um colégio calvinista. Como finalmente observa Farrel: “o espírito vincadamente protestante de Sturm torna provável que Inácio e seus discípulos tenham tomado pouco de suas idéias e nada de seus ideais” [44].

A explicação das semelhanças inegáveis encontra-se na derivação das fontes comuns. Parecem-se no que se parecem, como dois irmãos, que reproduzem os traços comuns dos pais. A crítica moderna reconhece hoje unanimemente que Sturm não é um pedagogo de primeira mão.

Antes de fazer-se protestante e organizar o colégio de Estrasburgo que mais tarde cresceu a Universidade e lhe granjeou grande fama, Sturm foi discípulo dos Irmãos da vida comum em Liège (1521-1524). Estava então no seu zênite a célebre escola dos discípulos de Gerardo e Groote que, durante os dois séculos precedentes, haviam semeado de magníficas instituições de ensino a Europa Setentrional. A sua estrutura modelar gravou-se, indelevelmente, no ânimo do jovem Sturm e para ele naturalmente se voltou quando foi chamado para dirigir o Ginásio de Estrasburgo. Notam-se expressamente os seus biógrafos: “ Toda essa organização do Colégio de Liège causou no jovem Sturm uma impressão profunda; adotou-a ele até em algumas das suas menores particularidades, como modelo da organização que deu mais tarde ao Ginásio de Estrasburgo” [45]. Mais recentemente Woodward: A ordem escolar de Liège “reproduz sem nenhuma dúvida a de Deventer no que ela tem de melhor e foi certamente a base da proposta por Sturm para a reorganização da escola de Estrasburgo em 1583” [46].

A dependência direta dos jesuítas em relação aos Irmãos da vida comum, se não se apresenta com tanta evidencia, tem muitos visos de probabilidade. Em Paris, nos primeiros tempos de sua estadia, Inácio viveu no Colégio de Montaigu, outrora pertencente aos Irmãos e  onde deviam ainda sobreviver as suas tradições. Mais e melhor. A célebre escola de Liège, onde estudara Sturm, passou em 1580 para os jesuítas. Nada mais provável do que haverem eles conservado os bons métodos e usos de seus predecessores. Por aí, exerceram muito provavelmente os Irmãos uma influência nos jesuítas holandeses, e, por meio deles, na elaboração do Ratio Studiorum para toda a Ordem. Olivério Manareu, que visitou entre 1581 e 1583 os colégios da Germânia e neles deixou várias instruções e memoriais posteriormente utilizados para a redação do Ratio, era um velho discípulo das escolas holandesas dos Irmãos [47].

Outra fonte, e esta certamente comum, foi a Universidade de Paris. Quanto o tomarem por modelo os jesuítas já o deixamos indicado acima. A sua influência sobre Sturm não é tão pouco duvidosa. Imediatamente antes de ser convidado pelos seus correligionários para reforma do Ginásio de Estrasburgo, em 1538, passou ele 8 anos a estudar e ensinar em Paris. (1529-1537).

À vista dos documentos e da sua crítica imparcial, contestam hoje os historiadores mais abalizados, mesmo entre os protestantes, os empréstimos imaginados por Von Raumer.

Com sua cinhecida autoridade Paulsen: “Sturm afirmou uma vez que os jesuítas podiam ter bebido nas suas fontes. É difícil pensa-lo:  as coincidências resultam essencialmente da semelhança dês exigências da época... Sturm e Inácio estudaram ambos em Paris... o fundador da Companhia conservou da Universidade as mais gratas recordações; ao seu lado, Lovaina, onde estudou também Sturm, gozava de grande estima. Não he dúvida de que toda a estrutura externa dos Colégios da Ordem foi plasmada por estes moldes” [48]. No mesmo sentido, Meyer: “Razões históricas e internas mostram-na (a tese da dependência) insustentável” [49].

Menos ainda para sustentada é a dependência de Vives. Como fato histórico, devidamente averiguado a seu favor, cita-se apenas um encontro em Bugres do célebre pedagogo espanhol com Inácio, que, estudante em Paris, lá foi à busca de recursos para continuar seus estudos. É muito pouco. Os pontos de contato dos dois sistemas pedagógicos – predomínio do latim, exercício da memória, educação física por meio dos jogos, diminuição dos castigos corporais em beneficio dos motivos de honra e dignidade – menos particularizados ainda do que no caso de Sturm, explicam-se pela atmosfera do Renascimento e pelo jogo natural das influências comuns.

 

EXPERIÊNCIA.

 

A análise, sempre indispensável para o conhecimento exato, pode falsear muitas vezes a visão compreensiva da realidade orgânica e complexa. É como o bisturi do anatomista; disseca os órgãos e tecidos, separa-lhes as fibras mais delicadas, mas à custa da vida que se foi e só explica a atividade e harmonia do organismo.

Não basta o confronto de métodos nem a aproximação de textos para dar explicação cabal de uma pedagogia viva. Depois do exame minucioso dos documentos e da discriminação conscienciosa de influências, cumpre recolocar tudo na vida da historia para compreender, em seu justo valor, com as relações das causas e efeitos, a evolução orgânica que levou ao resultado final.

Foi com efeito na experiência palpitante dos Colégios da Companhia que se foi estruturando seu plano definitivo de estudos. Paris e Lovaina, Sturm ou Vives não influíram, no que influíram, senão através dessa assimilação vital que se processa na atividade fecunda de cada dia nos grandes centros de educação.

Como todo homem ativo e organizador, Inácio observava e arquivava cuidadosamente as lições dos fatos. A oração, a razão e a experiência, diz Polanco, eram as três fontes principais em que se inspiravam as suas decisões [50]. Um fato, apenas, entre muitos outros que revelam o critério do prudente santo. Tratava-se da fundação de um colégio em Ingolstadt. Inácio envia as instruções relativas a aulas, professores, relações com a cidade, etc., mas logo acrescenta: “Achando-se me Canísio, pela sua experiência e oficio procedam na organização das aulas como ele julgas conveniente. Autorizado nesta pressuposição, das instruções que seguem se poderá omitir ou mudar o que lhe parecer” [51].

Neste espírito formaram-se seus companheiros. Já vimos o papel importante que na orientação pedagógica dos primeiros tempos desempenhou o P. Ledesma, a princípio em Messina, logo depois em Roma e outras cidades. Ao iniciar o seu Ordo Studiorum, um dos esboços do futuro Ratio, enumera ele os motivos que o levaram a lançar por escrito as suas instruções práticas e concretas. As três primeiras são: “1. A experiência que tive por três anos neste colégio (Romano) quando prefeito de estudos... e em outros colégios da Companhia que visitei... 2. A reflexão profunda sobre estes assuntos, prolongada por vários anos. 3. O conselho freqüente dos melhores professores que conheci neste colégio, como Perpignani e outros cuja opinião pedi, muitas vezes, até por escrito” [52] .

Experiência pessoal, ampla e prolongada, enriquecida ainda pela experiência de outros professores, eis a principal fonte de inspiração de Ledesma.

Nada, porém, põe em tanto relevo a influência absolutamente preponderante vinda desta pedagogia vivida na pedagogia codificada quanto a própria história do Ratio  que, em largos traços, acima resumimos. O plano de estudos da Ordem só foi promulgado apos mais de meio século de experiência (1584-1599) em dezenas e centenas de colégios disseminados por toda Europa. O trabalho de sua relação prolongou-se por obra de 15 anos (1584 – 99) e obedeceu ao critério com que se preparam os currículos modernos mais bem elaborados.  Primeira redação aproveitando um imenso material pedagógico acumulado em dezenas de anos; críticas dos melhores pedagogos de todas as províncias européias da Ordem; segunda redação; nova remessa às províncias para que a submetessem por um triênio à prova da vida real dos colégios; aproveitamento das últimas sugestões, sugeridas à luz dos tatos; promulgação definitiva [53].

O Ratio, portanto, é filho da experiência, não da experiência de um homem ou de um grupo fechado, mas de uma experiência comum, ampla de tal amplitude, no tempo e no espaço, que lhe assegura uma grandeza majestosa, talvez singular na história da pedagogia.

A esta formação viva e orgânica deve ele sua unidade, harmonia e equilíbrio perfeito. Deve-lhe ainda e, sobretudo, o espírito que o informa e lhe caracteriza a originalidade da fisionomia. Já o observou G. Muller: para a organização e aperfeiçoamento da pedagogia da Ordem mais importante foi a prática viva do que a utilização dos pedagogos teóricos” [54].

Nesta prática viva formou-se pouco a pouco uma tradição pedagógica em que os processos didáticos, assimilados  com sábio discernimento entre os mais acreditados do tempo, passaram a ser aviventados por um espírito novo, próprio da nascente instituição. A expressão de Farrell, um dos mais abalizados conhecedores contemporâneos da pedagogia dos jesuítas, resume-lhe com vigor e felicidade as características dominantes: “o currículo, humanista; o método e ordem, principalmente parisienses; o espírito, inaciano” [55].

O novo sopro que os discípulos de Inácio insuflaram na estrutura exterior do ensino, comum a outras escolas do Renascimento, deu-lhe outra vida, imprimiu aos seus colégios uma orientação vincadamente original e assegurou-lhes um êxito que os historiadores menos simpáticos à Companhia de Jesus são unânimes em confessar.

Como causas dessa superioridade poderá apontar-se “uma organização melhor, uma visão superior mais esclarecida, professores mais aptos, planificação mais cuidadosa dos pormenores, continuidade mais seguida do corpo docente”. A todos esses fatores, porém, importa acrescentar: “a disciplina e formação de homens para os quais podia fazer apelo um ideal de sacrifício, de fraternidade humana e de amor à Deus.

Só assim se poderá compreender com facilidade porque o sistema dos jesuítas fez dos jesuítas os mestres-escolas da Europa durante mais de um século e meio” [56].

 

SINOPSE DO “RATIO”

 

Para quem, pela primeira vez, se põe em rápido contato com o Ratio, a impressão espontânea é quase a de uma decepção. Em vez de um tratado bem sistematizado de pedagogia, que talvez esperava, depara com uma coleção de regras positivas e uma série de prescrições práticas e minuciosas.

De fato, o Ratio não é um tratado de pedagogia, não expõe sistemas nem discute princípios. A edição de 1586 enveredara por este rumo; foi criticada e substituída pela de 1599. Ao tratado sucedeu o programa. Já vimos as razões de ordem prática que ditaram essa mudança de orientação. Outras há, de caráter histórico, que não devem ser esquecidas. Sobre os fins e ideais educativos discutia-se menos no século XVI do que no século XX. A unanimidade era então quase perfeita. Os nacionalismos ainda não se haviam ouriçado uns contra os outros nem os estados se esforçavam por converter a educação das massas em instrumento político. O alvo então visado era universal, a formação do homem perfeito, do bom cristão. Não se mirava, com a ação das escolas, dar a consciência de cidadão de tal ou tal império ou de representante desta ou daquela raça predestinadas. Os professores do Renascimento percorriam a Europa sem se sentir estrangeiro em nenhuma parte. Suaréz ensinou em Coimbra, Salamanca e Roma. Vives, espanhol, acha-se bem em Bruges e em Lovaina. Canísio, holandês, passava do Colégio de Messina à Universidade de Ingolstadt.

Convém, portanto, a quem inicia o estudo do Ratio não esquecer a sua finalidade eminentemente prática nem a moldura histórica que lhe enquadra as origens. Os princípios pedagógicos que o animam são mais supostos do que enunciados. Deste manual prático que preconiza métodos de ensino e orienta o professor na organização de sua aula, convém, por inferência, reconstruir linhas mestras de uma pedagogia, que, além do Ratio, tem outrossim – convém lembra-lo – a sua expressão em outros documentos.

Procuraremos, em breve resumo, indicar as direções a seguir nesse estudo, agrupando sobre os títulos: administração, currículo e metodologia, os elementos mais importantes do seu conteúdo.

Para este fim, convém ter diante dos olhos um índice do Ratio, com um sistema de siglas que permitam, breves e fáceis, as referências posteriores. Com ligeiras modificações, seguiremos, por mais cômodo, o proposto de Farrell.

 

        |A. Regras do Provincial (1-40)

I       |B. Regras do Reitor (1-24)

        |C. Regras do Prefeito de Estudos Superiores (1-30) 

                                                                           

 

        |D. Regras comuns a todos os professores das Faculdades Superiores (1-20)

        |E. Regras particulares dos professores das Faculdades Superiores. | Ea. Professor de Escritura (1-20)

        |                                                        | Eb. Professor de Hebreu (1-5)

             |                                                                      | Ec. Professor de Teologia (1-14)

        |                                                                           | Ed. Prof. de Teologia Moral (1-10)

II     |F. Regras dos Professores de Filosofia.        |Fa. Professor de Filosofia

        |                               |Fb. Professor de Filosofia Moral (1-4)

        |                               |Fc. Professor de Matemática (1-3)

 

 

        |G. Regras do Prefeito de Estudos Inferiores (1-50)

        |H. Regras dos exames escritos (1-10)

        |I.   Normas para a distribuição de prêmios (1-13)

III     |J.  Regras comuns aos professores das classes inferiores (1-30)

        |L. Regras particulares dos professores das classes inferiores       |La. Retórica (1-20)

        |                                                 |Lb. Humanidades (1-10)

        |                                                 |Lc. Gramática Superior (1-10)

        |                                                 |Ld. Gramática Média (1-10)

        |                                                 |Le.  Gramática Inferior (1-9)

 

 

 

          |M. Regras dos estudantes da Companhia (1-11)

        |N.  Regras dos que repetem a Teologia (1-14)

        |O.  Regras do Bedel (1-7)

        |P.  Regras dos estudantes externos (1-15)

IV      |Q. Regras das Academias      |Qa. Regras gerais (1-12)

        |                     |Qb. Regras do Prefeito (1-15)

        |                     |Qc.  Academia de Teologia e Filosofia (1-11)

        |                     |Qd. Regras do Prefeito desta Academia (1-4)

        |                     |Qe. Academia de Retórica e Humanidades (1-7)

        |                     |Qf. Academia de Gramáticos (1-8)

 

 

ADMINISTRAÇÃO.

 

A Companhia de Jesus é, administrativamente, dividida em Províncias e Circunscrições territoriais, que compreendem várias cassa e colégios da Ordem e coincidem com o território de uma nação ou parte dele. À frente de cada Província acha-se um Provincial. Suas funções, no que se refere aos estudos, resumem-se em nomear o Prefeito e Estudos e de disciplina, em zelar pela formação de bons professores, em promover os estudos na sua Província, exercer uma alta vigilância sobre a observância exata das normas traçadas pelo Ratio e propor ao Geral as modificações sugeridas pelas circunstâncias de tempo e lugar, peculiares à Província. A 1-40.

O Reitor é a figura central do Colégio. Distribui os ofícios convoca e dirige as reuniões dos professores, preside às grandes  solenidades escolares. Exerce, em seu colégio, a autoridade mais alta, subordinada, porém, na Província, à do Provincial e, fora dela, à do Geral, por quem é nomeado. B 1-24.

Braço direito do Reitor na orientação pedagógica, é o Prefeito de Estudos. Homem de doutrina e de larga experiência de ensino, acompanha de perto toda a vida escolar, visita periodicamente as aulas, urge  a execução dos programas e dos regulamentos, forma e aconselha os novos professores, articula a atividade de todos. Guarde fiel das tradições, assegura, com a unidade atual da obra pedagógica, a sua continuidade no tempo.

Nos grandes estabelecimentos, em que se reuniam Faculdades Superiores e cursos de humanidades, ao Prefeito principal, encarregado dos estudos nas Faculdades, se subordinava, com auxiliar, outro chamado Prefeito dos Estudos Inferiores. C.1-30; G. 1-50.

Se o numero de alunos o exigia, nomeava-se ainda um prefeito de disciplina, incumbido de auxiliar o prefeito de estudos, principalmente na manutenção geral da ordem e do bom comportamento. B. 22; G. 37-50, 9-13.

Para os cursos superiores e secundários, o Ratio organizou currículos muito precisos e pormenorizados.

 

I – Currículo Teológico. 4 anos.

Teologia escolástica. 4 anos; dois professores, cada qual com 4 horas por semana. A.9.

Teologia moral. 2 anos. Dois professores com aulas diárias ou um professor com duas horas por dia. A.12.

Sagrada  Escritura. 2 anos com aulas diárias. A. 6.

Hebreu. 1 ano, com duas horas por semana. A. 7-8; Eb. 3.

A revisão de 1832 ao currículo teológico acrescentou, com disciplinas autônomas, o Direito Canônico e a História Eclesiástica, estudada no século  XVI, só ocasionalmente.

 

II – Currículo filosófico.

1o. Ano – Lógica e introdução às ciências; um professor; 2 horas por dia. Fa- 7; 9.

2o. Ano – Cosmologia, Psicologia, Física – 2 horas por dia. Fa.-7-10. Matemática – 1 hora por dia. A-20.

3o. Ano – psicologia, Metafísica, Filosofia Moral – dois professores. Duas horas por dia. Fa-7-11; Fb-2.

 

III – Currículo Humanista.

O currículo humanista, corresponde ao moderno curso secundário, abrange no Ratio 5 classes:

1 – Retórica.

2 – Humanidades.

3 – Gramática Superior.

4 – Gramática Média.

5 – Gramática Inferior.

 

Estas classes são caracterizadas por graus, ou estágios de progresso. Representam menos uma unidade de tempo (1 ano) do que uma determinada soma de conhecimentos adquiridos. Só podia ser promovido à classe superior, o aluno que os houvesse assimilado integralmente. Por isso, na prática, o currículo dilatava-se muitas vezes por 6 e 7 anos; a ultima classe de gramática e às vezes a penúltima desdobravam-se em duas outras, A e B, ou ínfima gramática primi ordinis e ínfima gramática secundi ordinis. A-21;G-8.

Na sua maior extensão o currículo era assim representado [57]:

 

Grau

Classe

Ano

1

Retórica

7

2

Humanidades

6

3

Gramática Superior

5

4

Gramática  Média A

4

4

Gramática Média B

3

5

Gramática Inferior A

2

5

Gramática Inferior B

1

 

O “grau” da gramática ínfima é conhecimento perfeito dos rudimentos da gramática e das primeiras noções de sintaxe. Lc-1. O grau da gramática superior é o conhecimento perfeito da gramática. Lc. 1.

O grau da classe de humanidades que prepara imediatemente à retórica é o conhecimento da linguagem, alguma erudição e primeiras noções dos preceitos da retórica. Lb-1.

O grau da retórica é a expressão perfeita, em prosa e verso, e abrange os conhecimentos teórico e prático dos preceitos da arte de bem dizer e uma erudição mais rica de história, arqueologia, etc. La-1.

Como se vê, o objetivo do curso  humanista é a arte acabada da composição, oral e escrita. O aluno deve desenvolver todas as suas faculdades, postas em exercício pelo homem que se exprime e adquirir a arte de vazar esta manifestação de si mesmo nos moldes de uma expressão perfeita. As classes de gramática asseguram-lhe uma expressão clara e exata, a de humanidades, uma expressão rica e elegante, a de retórica mestria perfeitamente na expressão poderosa e convincente ad perfectam eloquentiam informat.

O latim e o grego são as disciplinas dominantes. As outras, o vernáculo, a história, a geografia, as realia, não têm um estatuto autônomo, são ensinadas concomitantemente na leitura, versão e comentários de autores clássicos.

A seleção e graduação dos autores obedece ao programa seguinte.

Na gramática inferior, Cartas mais fáceis de Cícero; primeiras noções de grego. Lê-1.

Na gramática média, Cartas de Cícero ad familiares, poesias mais fáceis de Ovídio; catecismo grego, Tabula de Cebes. Ld-1.

 Na gramática superior, prosa no 1o. Semestre, As Cartas mais importantes de Cícero ad familiares, ad Atticum, ad Quintum fratrem; no 2o. Semestre, Cícero, De Senectute, De Amicitia, Paradoxa ou outros livros semelhantes. Poesia: no primeiro semestre, trechos seletos de Catulo, Tibulo, e Propércio, Éclogas de Virgilio, ou ainda os livros mais fáceis do mesmo autor como o 4o. das Geórgicas, ou o 6o. e 7o. da Eneida. Em grego, S. Crisóstomo, Esopo, Agapito e outros análogos. Nas três classes de gramática, como texto, adote-se a gramática, como texto, adote-se a gramática do P. Álvares. Lc-1.

Em humanidades: Latim – Cícero, obras de filosofia moral, no 1o. semestre; no 2o. algumas orações como Prolege Manilia. , pro Archia, pro Marcello ou outras pronunciadas diante de César; dos historiadores César, Salústio, Tito, Lívio, Curcio e outros semelhantes; dos poetas, principalmente Virgilio, com exceção do 4o. livro da Eneida, odes seletas de Horácio, elegias epigramáticas e outras composições de poetas clássicos. Grego: no 1o. semestre, Orações de Isócrates, S. Crisóstomo, S. Basílio, epistolas de Platão, Sinésio, trechos seletos de Plutarco; no 2o. semestre, poesias de Focílides, Teognides, S. Gregório Nazianzeno, Sinésio e outros semelhantes. Para os preceitos de retórica, o tratado do P. Cipriano Soares. Lb-1o. Em retórica, os preceitos devem ser explicados pelos livros de Cícero e de Aristóteles (Retórica e Poética), o estilo deve ser formado principalmente em Cícero, ainda que se devam conhecer também os melhores historiadores e poetas. Para o grego só se utilizem autores antigos e clássicos. Demóstenes, Platão, Tucídides, Homero,  Hesíodo, Píndaro, e outros assim, entre os quais se deve incluir com razão os Santos Gregório Nazianzeno, Basílio e Crisóstomo. La – 1, 13.

Quanto ao horário, o Ratio supõe 5 horas de aulas por dia, duas horas e meia pela manhã e outras tantas pela tarde. O tempo é minuciosamente distribuído entre o grego e o latim, a prosa e a poesia, e os diversos exercícios escolares, preleção, lição de cor, composição, desafio, etc., visando-se em tudo, com o melhor aproveitamento da aula, a maior variedade nas ocupações do aluno. A ordem estabelecida, porem, alterada de acordo com os costumes locais. J-15.

Para julgar com acerto este currículo e a ausência de disciplinas que hoje nos parecem indispensáveis num curso secundário, convém lembrar a situação cultural do século XVI. Nem as ciências experimentais haviam tomado o desenvolvimento que hoje conhecemos nem as línguas modernas a importância que lhe deu posteriormente o surto progressivo das nacionalidades e o enriquecimentos das respectivas literaturas. Quando os jesuítas entraram em Portugal, Camões ainda não havia escrito Os Lusíadas. Se os jesuítas, no seu plano de estudos, como disciplina autônoma, não incluíram a língua vernácula, também não incluíram a Universidade de Paris, e as escolas protestantes e Sturm e Trotzendof e Melanchton com suas mediadas draconianas contra o alemão, o grego e o hebreu. É uma atitude tomada por todo o século XVI. Quanto às ciências então acessíveis – matemáticas, astronomia e físicas – eram incluídas no currículo filosófico.

Uma leitura apressada do Ratio e um conhecimento lacunoso das suas aplicações históricas levaram, por isso, alguns autores a acusar os jesuítas de negligenciarem o cultivo do idioma pátrio. Nada menos justificado.

Para os jesuítas, o conhecimento do vernáculo é uma prescrição, mais de uma vez repetida, do seu Instituto. As Constituições lembraram-lhes que, para pregar com fruto, importa bem aprender a língua falada pelo povo [58]. As regras comuns lembram a todos o dever de estudar a língua do país em que trabalham [59]. Com este espírito prescrevia Nadal na sua visita aos colégios da Colônia (1566) e de Mogúncia (1567), que estudassem com afinco o alemão 60.

O Ratio recomenda mais de uma vez a diligencia no uso da língua materna. Traduções, versões,  ditados, exposições do argumento obrigam a um estudo ocasional, mas nem por isso menos eficiente do vernáculo. Ao professor de humanidades em particular lembra que poderá, não só usar a língua nacional, quando nisto houver vantagens, senão que também poderá no fim da explicação do autor dar do trecho estudado uma tradução, feita com todo o primor. Omnia patrio sermone sed quam elegantissime vertere. Lb-5, 6. var ainda Lc-4, 5, 6, 10; Ld-4, 6, 7, 10; Le-4, 6, 7, 9.

O trabalho em aula é completado com exercícios suplementares, leituras de bons autores, discursos, academias, teatro, pregações no refeitório, etc.

Do estudo da gramática, do comentário dos autores clássicos e da composição literária – preceitos e prática, - ainda que feitos em Latim, beneficiava também a formação do jovem no manejo da língua pátria.

Com o desenvolvimento progressivo das leituras modernas, o Ratio foi, na prática, abrindo um espaço cada vez maior ao estudo direto das línguas vivas.

Já por volta do ano de 1600, sabemos que os jesuítas da Boêmia pediam e obtinham licença de instituir uma academia particular para o estudo da língua tcheca 61. Em 1625 Sacchini insistia, numa exortação aos professores, para que os alunos aprendessem igualmente as duas línguas 62. Jouvancy, um dos maiores pedagogos da Ordem, no seu livro De ratione discendi et docendi (1705) escreve um capítulo inteiro ao De studio linguae vernaculae.  O P. Hermann, Provincial da Germânia Superior, num memorial deixado em 1766 sobre a organização dos estudos humanistas, lembra as freqüentes instruções anteriores relativas ao mesmo assunto e, ainda uma vez, inculca o grande cuidado que deve merecer o estudo do alemão 63. Nos ginásios austríacos já em 1755 nos informa Wagner que os exercícios da Academia se realizavam quase todos em vulgar 64.

Este espírito levou ainda os filhos de S. Inácio, nos paises de missões, a dedicar-se com rara perseverança e notáveis resultados aos estudos das línguas indígenas. No México, no Peru e na Colômbia bem cedo fundaram-se cursos das línguas nativas dos índios. No Brasil, Anchieta, primeiro, Figueira, mais tarde, reduziram a Arte aa língua tupi-guarani, que já era ensinada no Colégio da Baía, em 1556 e em Pernambuco em 1587 65.

Este movimento ascensional em favor das línguas vivas culminou em 1832, quando foi revisto o Ratio, na autonomia do seu ensino elevado a disciplina maior. A nova redação recomenda, entre outros pontos, que os alunos tenham na língua pátria “uma formação sólida” e o estilo se aprimore “na escola dos melhores autores” 66.

A prova mais eloqüente do que, neste ponto, conseguiram os métodos dos jesuítas é o veridictum da experiência. Das suas escolas saiu, de fato, grande número dos melhores escritores das literaturas modernas. Nos colégios da Companhia receberam a sua primeira formação literária: na Itália, Tasso, Alfieri, Vico, Muratori, Goldini, Segneri, Bártoli; na Espanha, Cervantes, Lope de Vega, Calderon, em Portugal, Viera, Bernardes, Francisco Manuel de Melo, Jacinto Freire de Andrade, Correia Garção; no Brasil, Gregório de Matos, Rocha Pita, Cláudio Manuel da Costa, Alvarenga Peixoto, Caldas Barbosa, Basílio da Gama; na França, Corneille, Molière, Bossuet, Montesquieu, Fontenelle, Malesherbes, e o próprio Voltaire. O P. Porée, professor de retórica, durante longos anos, no Colégio Louis-le-Grande, de Paris, chegou a ver 19 de seus discípulos na Academia Francesa.

Quanto às ciências, o Ratio preferiu remeter-lhes ao estudo para o currículo de Filosofia ou para o Colégio das Artes, como o chamavam os nossos maiores. Terminada a formação literária do curso humanista, passava o jovem a estudar as ciências então já constituídas: a matemática, a astronomia e a física.

Com o correr dos anos e o desenvolvimento dos conhecimentos científicos, introduziram-se outras disciplinas e alargaram-se os respectivos programas. Os colégios da Companhia acompanharam constantemente o ritmo progressivo das ciências modernas e muitas vezes contribuíram para acelera-lo. Compayré, um dos críticos mais apaixonadamente severos da pedagogia dos jesuítas, confessa que “eles seguiram o movimento geral que alargou tão prodigiosamente os quadros do ensino cientifico” 67.

Já em 1623 os jesuítas apresentavam, para o Colégio de Madrid, um programa de um Studium Generale, com 23 cátedras, entre as quais encontramos as consagradas ao hebreu, ao sírio, ao caldeu, à cronologia histórica, à física, à matemática (1a. cadeira com estudosde  Astronomia, Perspectiva, Climatologia; 2a. cadeira de Geometria, Hidrografia, Geografia, teoria dos relógios), à Economia Política, à História Natural, (Geologia, Mineralogia) etc. 68.

Também aqui o melhor índice da eficiência do ensino são os resultados obtidos. Não só entre os membros da Ordem contam-se numerosos cultores exímios dos mais variados ramos da ciência 69, mas ainda das suas escolas saíram alguns dos seus mais notáveis pioneiros, lembremos aqui apenas os nomes de Descartes, Galileu, Buffon, Réaumur, La Condamine, Lalande, Renaudot, Berthollet, Bossuet, etc. etc.

Podemos concluir que, no seu currículo, o Ratio conseguiu organizar e sistematizar o que de melhor havia no tempo.

Diga-o Paulsen, autor protestante moderno, de reconhecida autoridade: “Que o Ratio Studiorum tenha sido elaborado com grande sabedoria e diligencia invulgar é o que se não pode por em dúvida. Nem tão pouco é possível contestar que, no seu conjunto, o seu plano de estudos se adapta bem às exigências do tempo; tudo o que tinha um valor no mundo cientifico do século XVI foi nele levado  em consideração. Não duvido tão pouco que, pela sua organização escolar, a Ordem tenha promovido eficazmente a difusão da cultura intelectual e, em particular, o conhecimento das línguas clássicas nos paises católicos, onde os jesuítas eram os mestres mais instruídos e zelosos”. 70

À sua própria organização deu ainda o Ratio plasticidade indispensável a todas as adaptações exigidas pelo movimento progressivo da cultura. O princípio de uma política educacional progressiva reconhece-o a regra 39 do Provincial: “Como, porém, na variedade de lugares tempos e pessoas pode ser necessária alguma diversidade na ordem e no tempo consagrado aos estudos, nas repetições, disputas e outros exercícios e ainda nas férias, se julgar conveniente na sua Província, alguma modificação para maior progresso das letras, informe o Geral para que se tomem as determinações acomodadas a todas as necessidades, de modo, porém, que se aproximem o mais possível da organização geral dos nossos estudos”. Na prática, os colégios dos jesuítas não se imobilizaram numa rigidez sem vida, mas com espírito sabiamente conservador e prudentemente progressista souberam sempre acompanhar o passo de uma cultura que marcha.

                                 METODOLOGIA.

 

É a parte mais interessante e mais desenvolvida do Ratio. Sob o nome de metodologia compreendemos aqui tanto os processos didáticos adotados para a transmissão de conhecimentos, quanto aos estímulos pedagógicos postos em ação para assegurar o êxito do esforço educativo. A intenção que nos ditou foi não só de orientar os professores novos como de unificar o sistema de ensino e a tradição pedagógica da Ordem. Nem por isso houve uma padronização rígida que tolhesse a espontaneidade indispensável ao trabalho dedicado de formação das almas. A própria multiplicidade de métodos propostos já deixa uma ampla liberdade de opção adaptada à diversidade dos dons e à variedade das circunstâncias. Ao mestre, além disto, se conferem largos poderes de iniciativa, não só o emprego dos métodos indicados, senão também na invenção de outros. Norma e liberdade, tradição e progresso balançam-se em justo equilíbrio.

 

Preleção. A preleção, prelectio, é centro de gravidade do sistema didático do Ratio. Como o nome o está indicando, é uma lição antecipada, uma explicação do que o aluno deverá estudar. Seus métodos e aplicações variam com o nível intelectual dos estudantes.

Nas classes elementares de gramática, após a leitura e o resumo do texto, o professor explica, resolve as dificuldades relativas ao vocabulário, à propriedade dos termos, ao sentido das metáforas, à gramática, à ordem, e conexão das palavras.

Mais tarde, à medida que as classes se aproximam da retórica, às questões de gramática elementar, sucedem as relativas à sintaxe, ao estilo, à arte de composição. Mais do que com as palavras, ocupa-se o mestre com as idéias e sua expressão. O texto estudado em confronto com textos análogos do mesmo ou de outro autor. Para sua melhor compreensão subministram-se os conhecimentos das realia indispensáveis. É o que o Ratio chama erudito (conhecimentos positivos). Sob este nome compreende-se as noções de historia, geografia, mitologia, etnologia, arqueologia, e instituições da antiguidade greco-romana que podem elucidar o sentido do trecho analisado.

A razão de ser, porém, da eruditio não é tanto aumentar a soma de conhecimentos quanto introduzir o aluno numa compreensão perfeita do autor. A preleção, na sua finalidade, é menos informativa do que formativa; não visa comunicar fatos, mas desenvolver e ativar o espírito. Com uma compreensão viva, o aluno vai exercitando, não tanto a memória, mas também e principalmente a imaginação, o juízo e a razão. Observa, analisa palavras, períodos, parágrafos; resume passagens; compara; critica; adquire hábitos de estudo; desenvolve o desejo de ulteriores investigações para formação do critério de uma apreciação pessoal. O alcance deste objetivo exige do professor uma preparação cuidadosa; “não fale sem ordem nem preparação, mas exponha o que escreveu refletidamente em casa e leia antes todo o livro ou discurso que em entre mãos”. J-27.

Ao trabalho do professor, segue-se o do aluno. O método é essencialmente ativo. Não só durante a exposição do mestre os estudantes são freqüentemente interrogados e solicitados a uma colaboração continua, mas terminada a tarefa da explicação, começa e da composição. O fim da preleção não pe teórico, mas artístico; mira desenvolver  arte da expressão. Imitatio est anima prelectiones 71. Estuda-se uma carta, uma descrição, um discurso para compor uma carta, uma descrição, um discurso. A preleção não se confunde com uma tradução, ou uma leitura, visa diretamente o estudo, a análise viva de um modelo. Depois de o haver contemplado e admirado, o aluno esforça-se por assimila-lo e reproduzi-lo. No silêncio de sua banca de estudos repetirá depois os processos vitais percorridos pelo autor e analisados na preleção. Focaliza e ordena idéias; escolhe e articula palavras, frases, períodos; dispõe os argumentos, numa tentativa fecunda de rivalizar com o modelo entrevisto. Imitação um tanto servil nos primeiros tempos, a composição ganhará em originalidade e cunho pessoal à medida que o aluno for enriquecendo o seu patrimônio de idéias e os seus recursos de expressão. Insistindo na importância deste fim prático, o Ratio oferece-lhe continuamente a oportunidade de assimilar melhor e realizar a síntese viva de tudo o que aprende: regras de gramática, normas de estilística, conhecimentos positivos. A lição de preceitos (a praecepta), a leitura do autor, a eruditio, convergem no trabalho pessoal da composição. Para o estudo da preleção e seu método nas diferentes classes, J-27-29; La-6,7,8,13,14,15; Lb-5,9; Lc-5,9: Ld-6,8,9; Le-6,8.

Antes da preleção quase sempre recitava-se de cor um trecho latino em prosa ou verso. O Ratio preconiza o exercício quotidiano da memória, sem, porém, incorrer no defeito da memorização. Memoriza viciosamente quem substitui a memória à atividade da inteligência e da razão; quem decora a descrição de um aparelho em lugar de observa-lo e referir o que observou; quem recita um teorema de geometria em vez de expor-lhe a demonstração racional assimilada. Visavam os educadores do Ratio, antes de tudo, o exercício de uma faculdade, custos et thesaurus scientiarum 72, que a todo trabalhador intelectual presta serviços inestimáveis e, além disto, miravam ainda o enriquecimento do vocabulário e a formação estética do ouvido literário, que assim se habituava à harmonia dos períodos bem torneados. A recitação de cor dos grandes clássicos servia admiravelmente a este duplo objetivo.

Ao lado da lição de cor, ao lado da preleção no seu duplo aspecto de explicação dos “preceitos” de gramática e retórica de comentário dos autores, indicam-se ainda para o tempo da aula outros exercícios escolares; colheitas de frases dos bons autores, versão e retroversão, ditado do tema da composição, redação de inscrições, epigramas, epitáfios, etc, correção de trabalhos, declamação de desafio. A variedade das ocupações suavizava o esforço e mantinha a atenção sempre alerta.

No seu trabalho, o professor é eficientemente ajudado pelos alunos. A aula não se apresenta como uma multidão inorgânica de unidades desarticuladas a ouvir passivamente o mestre que discorria do alto da sua cátedra. Há em primeiro lugar os decuriões e censores. Estes auxiliam na conservação da ordem e da disciplina, aqueles corrigem os deveres e tomam as lições. Acima de uns e de outros, toda uma magistratura bem hierarquizada: senadores, tribunos, cônsules, imperator. Toda a aula divide-se em dois campos com as suas organizações político-militares paralelas. No preenchimento destes cargos, nenhuma proteção ou intriga. Só o mérito apurado em trabalhos escolares rigorosamente examinados, compositiones pro imperio, decide, cada mês ou cada dois meses, da nova promulgação de postos. Dentro de cada campo, os desafios freqüentes permitem a promulgação gradual dos mais valentes. Desenvolvia-se assim nesta magistratura juvenil o senso da responsabilidade, a solidariedade de corpo, a consciência da autoridade e a disciplina da obediência, o respeito da legalidade e ao mesmo tempo plasma-se a aula nos moldes de um organismo social bem estruturado. É fácil avaliar o ardor e o entusiasmo para o estudo que despertavam, sobretudo nas classes inferiores, estes torneios escolares e as distinções públicas que lhes consagravam os triunfos.

Passamos assim insensivelmente dos processos didáticos aos estímulos pedagógicos empregados para incentivar a atividade do aluno.

Os jesuítas não eram amigos dos castigos corporais. Não os suprimiram de todo, mas alistaram-se decididamente entre os que mais contribuíram para suavizar a disciplina. É mister ter presentes os rigores antigos para avaliar o progresso realizado. Letra com sangue entra, puseram em anexim os nossos bons antigos. No dia solene da investidura, como símbolo de sua missão disciplinadora, recebia oficialmente o professor um chicote 73 e não o recebia em vão. Pierre Tempête, Principal do Colégio de Montaigu, mereceu a triste alcunha de Grand fouetteur dês enfants. Em 1520, a um amigo que o consultava a respeito da educação dos meninos aconselhava o Reitor da Universidade de Paris, Texier de Ravisi: “Quando caírem em falta, ou forem colhidos em mentira, quando tentarem sacudir o jugo, murmurarem ou formularem a mínima queixa, bater de rijo e não deixar de bater nem abrandar a correção até quebrar-lhes a arrogância e torna-los mais calmos que o azeite e menos resistentes que a polpa de melão” 74. Os excessos da pedagogia calvinista raiam pela crueza mais desumana. Por haver insultado a mãe, uma criança é condenada em 1563 a três dias de prisão, e a jejum a pão e água. Por haver batido nos pais, quatro anos depois da morte do reformador de Genebra, um menino foi decapitado. Em 1583 o regulamento de Neowhauser julga ainda necessário lembrar que: “o professor deve bater imediatamente no aluno que não sabe a lição... mas não se deve proceder como tirano, fustigar os meninos até o sangue, calca-los os pés, levanta-los pelas orelhas, bater-lhes no rosto com a mão ou o livro, mas puni-los com moderação e não ceder à paixões pessoais75”.

A reação começou no século XVI. Erasmo, Montaigne, Rabelais aceraram os seus epigramas contra este regime de galé. Os jesuítas fizeram mais; acabaram com o orbilianismo organizando os seus colégios com uma disciplina forte a um tempo, e paterna.

As Constituições já haviam enunciado o princípio: “na medida do possível a todos se trate com o espírito de brandura, de paz e da caridade” 76. O Ratio Studiorum conservou-se fiel e o aplicou com inteligência.

A regra 40 do Professor das escolas inferiores prescreve-lhe que não seja precipitado no castigar, nem demasiado no inquirir, que não se abstenha de qualquer palavra ou ação injuriosa para o castigo, e a ninguém chame senão pelo nome ou cognome. J-40.

Os castigos físicos só eram aplicados em casos mais graves quando não bastavam os meios suasórios. Ubi verba valente ibi verbera non dare. O trocadilho exprimia a norma e a pratica dos colégios da Companhia. Só se deveria recorrer à palmatória, dizia a regra do Prefeito de estudos, quando “não bastassem as boas palavras e exortações”. G-40.

Ainda nestes casos mais raros o Ratio rodeava a aplicação do castigo de tais circunstâncias que lhe restringiam as possibilidades de abuso e conservavam a eficácia disciplinadora. Antes de tudo, o professor da Companhia nunca devia, com suas próprias mãos, tocar o aluno, nunquam ipse plectat. L-10. Era uma tradição que remontava e S. Inácio. Em 1552 escrevia o Santo Everardo Mercuriano: “não convém que os professores da Companhia castiguem senão com palavras” 77. Para o integrato mister cumpria tomar um oficial de fora, o Corretor, homem sério e moderado, que administraria a punição de acordo com as instruções recebidas do Prefeito de Estudos 78.

Os golpes não deviam normalmente passar de seis; nunca no rosto ou na cabeça. Tampouco se devia aplicar o castigo em lugar solitário, mas sempre na presença de, pelo menos, duas testemunhas. Era este o “gravissimum liberalis disciplinae supplicium”. Não se visava nem ferir nem humilhar o aluno (na sociedade do século XVI a férula não era nenhuma desonra” mas apenas causar-lhe uma pequena dor física, que, na primeira idade, é, para certos temperamentos, um meio disciplinar de eficácia incontestável, ut correctio pungat, non laceret vel nimium affligat 79.

Os castigos físicos, porém, ficaram sempre em último recurso; a regra era apelar para os sentimentos mais nobres da honra e da dignidade; quod spe honoris as praemii metuque dedecoris magis quam verberibus consequetur. J-39.

Resumem bem a atitude disciplinar dos jesuítas estas palavras de Schimberg: “Os Padres substituem os processos morais, racionais e científicos aos métodos de correção física, empregados pelos seus predecessores e formam a transição entre o começo do século XVI ainda bárbaro e o fim do século XVIII excessivo na sensibilidade” 80.

Se, de fato, os métodos punitivos não eram tidos em grande estima, é porque os jesuítas acordavam da honra dos jovens alunos. A emulação constitui no seu sistema uma das forças psicológicas mais ativas e eficientes. Os meninos experimentavam-lhe a cada passo os estímulos poderosos.

A aula era dividia em dois campos, romanos e cartaginenses, cada qual com o seu estandarte; em cada campo dispunham-se por ordem de merecimento os diferentes graus da hierarquia militar; todo aluno tinha no campo adverso um êmulo, rival ou oponente sempre pronto a advertir-lhe os erros e contar, corrigindo-os, uma vitória para sua bandeira. Emulação entre os dois partidos; emulação dentro de cada partido onde os postos de honra e de comando só eram conquistados e mantidos à custa de provas e merecimentos escolares. Não raro ainda emulação e luta mais solene entre uma aula toda e imediatamente superior. O desafio concertatio freqüente mantinha assim oficiais e soldados num estado de alerta permanente. As regras do Ratio recomendavam-no em todas as escolas inferiores, ut honesta aemulatio, quae magnum ad studia incitamentum est, foveatur. J-31 : era uma adaptação feliz da disputatio tão freqüentes nos grandes torneios filosóficos e teológicos da Idade Média. J-31, 34; La-12; Lb-7; Lc-10; Le-9.

Os prêmios eram outro incentivo poderoso à emulação fecunda. Não os inventaram os jesuítas; mas à sua distribuição deram tal realce e esplendor que a elevaram à altura de um dos atos mais importantes e ansiosamente desejados da vida escolar. Sob a presidência de altas autoridades eclesiásticas e civis, na presença das famílias, galardoavam-se, em solenidades de raro brilho, os resultados finais dos esforços do ano. O Ratio traça normas minuciosas relativas aos prêmios, ao seu número, à realização e julgamento dos concursos para apurar os merecimentos, à sua distribuição solene. B-14; G-35; I-1-13.

Aviventadas ainda pela mais nobre emulação, floresciam nos colégios as Academias. Nelas reunia-se o escol dos estudantes, os que por talento, aplicação e piedade podiam servir a todos de espelho e colher destes trabalhos voluntários os frutos mais copiosos. Sob a orientação de um Padre, nomeado pelo Reitor, organizavam-se democraticamente. Presidente, conselheiros, secretário eram eleitos pelos próprios membros da Academia, ao menos duas vezes por ano, em escrutínio secreto. As Academias incentivavam a atividade espontânea dos alunos, despertavam o gosto da investigação científica e abriam um campo de largos horizontes abertos aos entusiasmos generosos que se não contestavam com as obrigações ordinárias das aulas. Nestes grêmios literários e científicos podemos saudar com razão os precursores dos seminários de história e filologia das universidades modernas. As suas reuniões eram freqüentes, mas nas grandes festividades do ano, as sessões revestiam-se de maior aparato: afluíam convidados de fora e as disputas, declamações e discursos desenrolavam-se num ambiente que coroava esforços e estimulava brios. Qa-1-12; QB-1-15; Oc-1-11; Od-1-4; Qc-1-7; Qf-1-8.

Os resultados obtidos com este poderoso estímulo da honra foram mais remuneradores. Sabem todos os psicólogos e pedagogos quanto atuam mais eficazmente no ânimo dos jovens as dignidades e distinções escolares, presentes, do que as utilidades futuras dos conhecimentos adquiridos. Apelando para a tendência natural à excelência e à glória, o professor lança mão de "um motivo mais nobre do que o medo ao castigo, capaz, quando muito, de sacudir a preguiça, não, porém, de acender o entusiasmo." 81. Neste estímulo via Locke “o grande segredo da educação” e Lessing “o motivo que leva a alma humana a esforçar-se continuamente para chegar, com o trabalho da reflexão pessoal, à verdade” 82. A ação estimulante deste sentimento humano não se limita à primeira idade. As vitórias de Alexandre acendiam os brios de  César. Racine aperfeiçoava o seu gênio ombreando com o grande Corneille. Victor Hugo, jovem, escrevia à margem de seus cadernos: quero ser um Chateaubriand. Os próprios santos nele encontravam acicates que os aguilhoavam à maior generosidade no serviço de Deus. Cur non poteris quod isti et istae, dizia a si mesmo Agostinho para arrancar à conta de hesitante o sim decisivo da conversão total. A leitura da Vida dos Santos acorda em Inácio de Loiola as resoluções magnânimas que o levaram aos cimos do heroísmo. A S. Teresa, se afigurava que “morreria de ciúme se soubesse que alguém, mais do que ela, pudesse amar a Deus”.

Schimberg aponta ainda nos processos empregados pelos Padres “conseqüências de um alcance social considerável”. Na nobreza, que antes só se preocupava com os prazeres da guerra e do amor, conseguiram despertar o fervor e o entusiasmo pela cultura intelectual e pela glória das letras. Os homens da espada pleitearam na Academia Francesa, fundada pouco depois, a honra de se sentar ao lado dos homens da pena.

Na burguesia inculcou a consciência da própria força e revelou o segredo da vitória. Às distinções sociais baseadas unicamente em privilégios do nascimento, a classificação do colégio substituía uma nova hierarquia, filha do merecimento, do trabalho e do valor pessoal. Aos filhos de algo para sacudir a indolência apontavam-se como modelos jovens de berço obscuro, mas amigos do trabalho e do estudo. O duque de Bourbon, neto do grande Conde, sentia-se aguilhoado ao cumprimento dos seus deveres de estudante com o exemplo dum filho de hoteleiro. Descartes, aluno do colégio de la Flèche, prestará mais tarde homenagem a esta “invention extrêmement bonne”, a esta “égalité que lês jesuites mattent entre eux”, isto é, entre os jovens que todos os cantos da França afluíam aos seus colégios 83. Naturalmente, o emprego da emulação foi severamente censurado do jesuítas. Consideraram-no os jansenistas com sua visão pessimista da natureza humana essencialmente corrompida. Tudo o que pudesse afirma-la ou desenvolve-la deveria ser reprimido. Mas Port-Royal não tinha razão. O próprio Pascal confessava que nos colégios que não lançavam mão desse estímulo, esmoreciam os estudos, e Campayré, que o cita, ao menos uma vez, e ainda a contragosto, dá razão aos antipatizados jesuítas: “neste ponto, mas só nesse, lhes foram inferiores os jansenistas” 84. Condenaram-no ainda alguns filósofos de sobrecenho franzido que, navegando na esteira de Kant com o seu absolutismo moral, julgavam que o desejo do prêmio desvirtuava o ato bom. Exagero puritano. A glória é um bem; desprende-se naturalmente da virtude como o perfume da flor. Querer ordenadamente a gloria é querer o bem que a condiciona. Que outros ainda reconheçam, aprovem e louvem o bem feito, porque não o podemos desejar se para isso há um motivo razoável? Se neste louvor Deus pode ser glorificado pelos homens 85, se os nossos irmãos podem ser incitados à pratica da virtude, se quem pratica o bem, pelos outros reconhecido  aplaudido, encontra nesse testemunho alheio uma força para preservar e progredir? A glória e o prêmio são uma sanção social do bem praticado, uma ressonância exterior da voz íntima da consciência que aprova, conforta e consola. Na justa emulação, a boa moral recomenda que não se queira sobrepujar, no rival, o homem, mas o bem por ele praticado e assim se realiza um bem maior. Imoral fora aspirar à gloria como fim supremo, deseja-la sem a merecer; procura-la por meios condenáveis ou com paixão imoderada. Não sendo em si um bem absoluto necessário a perfeição do homem, pode, porém ser apetecida, ordenadamente, como meio de conseguir grandes bens. Assim, o equilibrado S. Tomás já havia resolvido com acerto e bom senso o problema em que se emaranhou o complicado Kant 86.

         Sublinharam ainda alguns pedagogos, sobretudo da escola de Herbart, os inconvenientes a que pode dar origem uma emulação mal dirigida. Insistir só na concorrência, observam eles, é substituir uma razão extrínseca de aplicação a uma motivação interior tirada da própria natureza e do próprio interesse da matéria estudada, é abrir margem ao desenvolvimento de paixões mesquinhas, vaidade, vingança, ambição imoderada, inveja e satisfação desregrada de humilhar um adversário. Não nos conservam as crônicas da Universidade de Paris a memória pouco edificante de torneios literários que acabaram em cenas de pugilato? 87

         Assim é ou assim pode ser. Prova de eu de tudo ainda dos mais nobres sentimentos se pode abusar. Prova ainda de que a emulação não deve ser empregada indiscriminadamente, sem os contrapesos de uma sólida formação moral. Bem os sabiam os jesuítas, conhecedores do coração humano, e ao estimular os brios dos alunos sublinhavam a importância de conte-los nos limites da mais exigente moralidade. Nas Constituições fala-nos Inácio da “emulação santa” 88. Numa das mais antigas normas escolares do ano de 1560, adverte-se o dever de extirpar decididamente a filáucia e a vanglória 89. Em fim no Ratio definitivo, a regra 31 do professor de ginásio recomenda-lhe que acorde nos seus alunos a “emulação nobre”, honesta aemulatio foveatur.

         E que isto seja possível demonstra-nos as lições decisivas da experiência. Porque a vida é uma concorrência contínua. Desde os prêmios científicos a louros literários até  as taças de campeonatos desportivos, desde as condecorações militares até as medalhas das exposições industriais ou agrícolas, todas as atividades do homem que vive em sociedade sentem-lhe o aguilhão poderoso, impulsionador das iniciativas fecundas e de invenções benfazejas. Marmontel deixou-nos nas suas Memórias este retrato de um dos seus êmulos: “jovem raro no qual todas as qualidades de inteligência e de alma conspiravam para torna-lo perfeito”.E em seguida confessa de si: “Analisando quanto me é possível o que se passava no meu espírito posso afirmar com verdade que neste sentimento de emulação nunca se infiltrou a malignidade da inveja. Não me afligia que no mundo existisse um Amalvy; pedia a Deus que houvesse dois e eu fosse o segundo” 90. Dupanloup, um dos grandes educadores do século XIX, deixou-nos nesta página o resumo de uma longa experiência de magistério: “No Seminário Menor de Paris vi o condiscípulo e a emulação prepararem naquela juventude numerosa todos os ramos dos estudos mais fortes e das virtudes mais sólidas e amáveis. Vi meninos cujos nomes e cuja lembrança me serão sempre caros ao coração, vi-os exclamarem: não tenho inimigos, tenho rivais eu amo!

         Era esta a divisa dos seus combates de emulação. Vi êmulos que eram amigos delicados, que se combatiam, venciam e felicitavam por turno. Com prazer se admiravam, queriam, louvavam e aplaudiam mutuamente. Uns não podiam viver sem outros. Nesta juventude havia emulação nobre e pura, não inveja baixa e odienta”91.

         As porfias escolares transformaram-se, em mãos de educadores hábeis, na melhor palestra, no melhor tirocínio das nobres qualidades do caráter que amanhã se empenhará no fundo nas duras concorrências da vida.

         Não obstante, o sobrecenho de certos filósofos, que não se reconciliam  com a realidade, a emulação foi, é e será sempre um dos estímulos  mais ativos ao aperfeiçoamento e progresso do homem. Os jesuítas o compreenderam e, com rara felicidade, o aplicaram à educação da juventude.

         Teatro. A educação dos jesuítas era integral. Ao lado da instrução que desenvolvia e opulentava a inteligência, a formação das outras aptidões e faculdades que aparelhavam o homem para a vida. O trabalho das aulas completavam-se naturalmente com outras atividades que hoje denominaríamos periescolares. Entre estas o teatro ocupava um lugar de relevo. Todos sabem que papel importante desempenhavam na Renascença as representações escolares. Os alunos não tardaram a infiltrar-se. As liberdades das cenas, tímidas a princípio, evolveram rapidamente até a licenciosidade mais escandalosa. “Nestes dias de dissipação, escreve Crévier, historiador da Universidade de Paris, os colégios e as pedagogias transformavam-se em lugares tumultos, de violência e desordem” 91a. Dorpius, em 1508, confiava a alunos de humanidades de Lovaina a representação de Aululário de Plauto. Plauto e Terêncio eram ainda os autores escolhidos por Sturm. Em 1462 e em 1488, a Faculdade das Artes de Paris tomava medidas enérgicas contra os excessos das cenas. Mas, ao que parece, debalde. O mal se agravou a ponto de provocar, em 1516, um ato do parlamento proibindo nos colégios as representações licenciosas.

Os abusos correntes não levaram, porém, os jesuítas a abrir mão de um instrumento educativo de primeiro valor. O teatro escolar foi regulamentado severamente, mas introduzido no Ratio. B-13.

As suas vantagens formativas já as enumerou Bacon, num trecho em que, precisamente, se refere, com encômios, à pedagogia dos jesuítas. As declamações teatrais, diz o autor do Novum Organon, “fortalecem a memória, educam a voz, apuram a dicção, aprimoram os gestos e as atitudes, inspiram a confiança e o domínio de si, habituam os jovens a enfrentar o olhar das assembléias”. 92

Ao lados destas incontestáveis vantagens, a além da própria finalidade recreativa inerente ao teatro, visavam também os padres a formação cívica, moral e religiosa da juventude. O assunto era muitas vezes tirado da Escritura 93. A história eclesiástica e a hagiografia oferecem novas fontes de inspiração 94.  Por último, os fatos da antiguidade clássica e os anais da vida nacional contribuíram também com os seus rasgos de heroísmo 95 . No século XVI, as composições representadas eram todas em latim, pouco a pouco, as línguas vivas entraram a substitui-lo até suplanta-lo de todo 96. O teatro escolar revestia as formas mais variadas, desde os simples diálogos, até as tragédias de grande estilo, passando pela comédia e entremezes, pelo drama litúrgico, pelos autos e representações de mistérios 97. Em tidas elas inculcava-se a virtude e enalteciam-se as ações nobres e viris em prol das grandes causas. Realizavam-se estas representações, não raro com pompa vistosa e magnificência de indumentária, colgaduras, adornos e aparato cênico nas principais festas escolares, nas suas visitas de personagens ilustres, eclesiásticas ou civis, e na comemoração dos grandes acontecimentos da vida nacional.

“Os jesuítas, diz Schimberg, são os primeiros a dar ao seu teatro uma grande importância pedagógica. Não cuidemos que as representações teatrais eram para eles , um divertimento, uma distração, um passatempo intelectual. De modo nenhum; os esforços que nelas se dependiam não estariam em proporção com um fim tão pouco elevado. Do teatro fizeram os Padres uma verdadeira instituição; a cena continua a aula e a capela... o verdadeiro, o belo e o bem era o que eles propunham fazer amar, misturando, já se vê, o útil com o agradável. Mas, o ultimo fito deles deve ser sempre a formação do coração e da vontade 98.

Religião. A alma, porém, de toda a educação nos colégios da Companhia era a formação religiosa. O homem não é só um animal cujo organismo se deve desenvolver sadiamente, nem ainda só uma inteligência quer importa mobiliar de conhecimentos úteis, é antes de tudo e essencialmente uma pessoa, com os seus destinos religiosos, naturais e sobrenaturais, em cuja realização plena se resume a sua suprema razão de ser. Uma educação que descurasse esse aspecto fundamental não seria uma educação humana.

A formação religiosa, quer o Ratio seja ministrada como conhecimento que se transmite e mais como vida que se vive. A concentração didática, como regra geral, cifra-se no ensino da doutrina crista, uma vez por semana e numa exortação moral, também semanalmente às sextas ou aos sábados. J-4; 5; Lb-2; Lc-2; Ld-2; Le-2.

A atmosfera, porém, que respiram os alunos, impregna-se toda de uma vida religiosa sincera e profunda. A missa, a prática dos sacramentos, a oração quotidiana integram espontaneamente as atividades colegiais. Nos colóquios particulares, na explicação dos autores, na escolha das leituras, os mestres não devem perder o ensejo de inculcar o amor da virtude e orientar as almas para Deus. As congregações marianas, reunindo em seu grêmio o escol dos alunos aplicados e piedosos, atuam como um fermento de preservação moral e um estímulo à pureza dos costumes e ao fortalecimento do caráter cristão. J-5–10.

Destarte, o Ratio Studiorum, num plano bem estruturado e harmonioso, faz convergir toda a vida escolar do colégio – administração, currículo, metodologia, distrações – para um fim único: a educação integral do aluno.

 

VALOR PERMANENTE DO “RATIO”.

 

Todo código de educação espelha necessariamente a fisionomia em que nasceu. Educar não é formar um homem abstrato intemporal, é preparar o homem concreto para viver no cenário deste mundo. As mudanças profundas neste cenário, acentuando novas exigências e focalizando novos ideais, refletem-se nos métodos e nos programas destinados a preparar as gerações que sobem para as necessidades imperiosas da vida. Formulado na segunda metade do século XVI, o Ratio Studiorum traz indelével o cunho do Renascimento. Deixava-se certamente empolgar por um entusiasmo excessivo o nosso historiador Sacchini, quando via, no plano de estudos que a Companhia de Jesus estava elaborando, uma obra destinada a desafiar os séculos, in omnem parabatur aeternitatem 99.

Ao lado, porém, de uma parte inevitavelmente caduca, um bom sistema educativo encerra, outrossim, elementos duradouros e definitivos. Convém não romper o equilíbrio entre o mudável e o permanente. A natureza humana, na sua estrutura e nas suas faculdades, como nas suas finalidades essenciais, permanece a mesma através dos tempos. A preocupação exagerada de ajustar os processos educativos aos acontecimentos contemporâneos sob o pretexto de melhor preparar os estudantes a resolver os problemas sociais do dia pode até ser contraproducente e descolar do essencial para o acessório o centro de gravidade do esforço educativo. Amanhã, talvez já não serão do dia os problemas com que se deverão defrontar quando houverem completado a sua educação. O presente para o qual se preparam quando jovens será um passado irrevogável quando houverem de agir como homens. Só o desenvolvimento harmoniosamente humano das qualidades de espírito e de caráter lhes dará uma preparação sólida para as responsabilidades da vida. Não batemos fé que as gerações educadas hoje nas escolas alemãs do nazismo ou nas russas terão que resolver dentro de vinte anos os problemas do nazismo ou do comunismo; mas temos certeza que dentro de vinte anos uma inteligência bem equilibrada, um senso critico apurado, a faculdade de raciocinar com acerto e exprimir com clareza as próprias idéias lhes será de inapreciáveis vantagens no desempenho de sua missão humana ante as exigências do futuro.

Mais por ventura do que por qualquer outro código de ensino, oferece-nos o Ratio a probabilidade  de encerrar, numerosos e bem formulados, estes princípios fundamentais de uma educação verdadeiramente humana. Para a sua elaboração contribuiu a sabedoria antiga, nas suas melhores e  mais bem provadas aquisições, o cristianismo com o tesouro de suas verdades profundamente iluminadoras da nossa natureza, a Idade Média com a riqueza de suas experiências filosóficas, o Renascimentos com todas as suas preocupações de elegância e arte. Neste sentido, a lei orgânica dos estudos da Companhia prende-se a uma tradição amplamente humana. Os seus elementos, porém, acumulados pelo trabalho dos séculos, não se justapõem como peças heterogêneas de origens diversas, mas fundem-se na harmonia orgânica de uma nova síntese vital. O Ratio não saiu do esforço compilador de uma comissão de eruditos congregados no silencio de uma  biblioteca; caldeou-se na fragua viva da experiência de meio século de centenas de colégios disseminados por toda a Europa. Dificilmente se encontrará na história de uma sistematização  geral do ensino que repouse, no espaço e no tempo, sobre a base de uma experiência tão largamente humana. O êxito desta primeira prova continuado ainda, sem interrupção, por quase dois séculos de aplicação sincera dos mesmos princípios, é-nos ainda penhor de que realmente nos achamos em face de um sistema de educação que soube enfeixar, nas suas grandes linhas, os elementos essenciais de formação do homem.

Fora interessante e delicado empreender esse trabalho de joeira, e, deixando passar o caduco, recolher o que conserva um valor de vitalidade perene. Não nos abalançaremos, porém, a semelhante empresa em toda a sua amplitude. Quem se decidiria a percorrer um por um os diferentes processos didáticos indicados no Ratio, e apor-lhes no título o timbre de viável ou inviável em nossos dias? O que, porém, com esta preocupação do ultimo pormenor, fora temerário, passa a ser possível e instrutivo, se limitando aos grandes princípios que, expressos ou implícitos, informam como alma, toda arquitetura do sistema educativo.

Tentemos desprender e colocar em mais viva luz algumas destas verdades fundamentais de uma pedagogia que não morre.

 

IDEAL.

 

A pedagogia da Companhia de Jesus é, antes de tudo, iluminada por um grande ideal. S. Inácio era o homem da glória de Deus. Esta expressão, que lhe volta inúmeras vezes à pena, constituía para o seu espírito não uma sonoridade vaziam, mas a mais rica das realidades vivas.

Glória de Deus é a manifestação das perfeições e excelências divinas na realização perfeita dos planos da obra criadora e redentora. Levar o homem ao conhecimento e à consecução deste magnífico destino é, a um tempo, salvar o homem e glorificar a Deus. A grandeza e a universalidade deste fim supremo dominará e orientará necessariamente, do alto, toda e qualquer atividade educativa digna do homem. No preâmbulo da 4a.parte de Constituições, consagrada aos colégios, lembra-o ainda o fundador. “Como o fim da Companhia é levar as almas ao fim para o qual foram criadas; e como para atingi-lo, além do exemplo da vida, é necessária a doutrina e o modo de propô-la; uma vez que os candidatos houvessem lançado os fundamentos da abnegação de si mesmos e do progresso nas virtudes, deverá construir-se o edifício das letras e o modo de servir-se delas para melhor conhecer e servir a Deus criador e Senhor  nosso. Para este fim, funda a Companhia colégios e também, às vezes, Universidades” 100. E este princípio volta com a freqüência de um leit-motiv     na primeira das regras do Provincial, do Reitor e dos Professores.

A realização plena da natureza humana elevada à ordem sobrenatural de acordo com os desígnios divinos – eis em toda a sua amplitude o ideal educativo eu norteia as atividades pedagógicas da Companhia. Pormenorizando e concretizando-lhe a riqueza do conteúdo, Ledesma vê na existência das escolas o meio necessário: a) de subministrar ao homem a abundância de recursos para as exigências da vida; b) de contribuir para a sábia elaboração das leis da boa administração da cousa pública; c) de dar à própria natureza racional do homem todo o seu esplendor e perfeição; d) de assegurar melhor a defesa, o ensino e a difusão da religião; e) e assim, com maior facilidade e segurança, encaminhar os homens ao seu último destino 101.

Como se vê, a finalidade da educação é encarada, com largueza de vistas, em todos os seus aspectos, individuais e sociais, intelectuais e religiosos. Nos nossos dias, nesta síntese admirável da filosofia católica da educação que é Enclítica Divini illius Magistri, dirá Pio XI: “a educação cristã compreende todo o âmbito da vida humana, sensível, espiritual, intelectual e moral, individual, domestica e social... para elevar, regular e aperfeiçoar segundo os exemplos e a doutrina de Cristo. Pelo que o verdadeiro cristão, fruto da educação cristã, é o homem sobrenatural que pensa, julga e opera constante e coerentemente, segundo a reta razão iluminada pela luz sobrenatural dos exemplos e da doutrina de Cristo; ou, por outras palavras, é o verdadeiro e o perfeito homem de caráter” 102.

Um ideal que se identifica com a própria finalidade suprema do homem confere a um sistema educativo não só a solidez da verdade, mas a um princípio unificador, uma hierarquia de valores, uma convergência de esforços, uma riqueza de estímulos, uma eficiência de ação sobre as profundezas da consciência, que, indispensáveis e insubstituíveis, lhe asseguram um resultado definitivo.

Na prática, porém, da vida escolar, este objetivo geral deve concretizar-se em finalidades específicas que irão orientar, nas suas diferentes fases, o desenvolvimento humano. Assim, no plano do Ratio, enquanto os cursos universitários visam mais diferentemente a formação profissional, o secundário tem uma finalidade acentuadamente humanista.

 

FORMAÇÃO HUMANISTA.

 

Detenhamo-nos alguns instantes sobre este ponto que é importante e característico, e, examinado às pressas, pode prestar-se a interpretações menos justas. Quantas vezes não se ouve de críticos apressados: a educação da Renascença foi brilhante mais superficial; visava mais o esplendor da forma que a cultura da inteligência!

O alvo a que mira a formação do Ratio – nisto em concordância incontestada com o ideal do século XVI – é a eloqüência latina: ad perfectam informat eloquentiam. Levar o aluno a exprimir-se de maneira irrepreensível na linguagem de Cícero é o termo a que se subordinam todas as séries sabiamente graduadas do currículo. A gramática visa a expressão clara e correta; as humanidades, a expressão bela e elegante, a retórica, a expressão enérgica e convincente.

Esta finalidade imediata do curso secundário impunha-se como uma exigência histórica e como uma utilidade que não se discutia. Estudar o latim do século XVI era um corolário inevitável de toda e evolução da história dos séculos precedentes. Mas era também de vantagens tantas e tão manifestas que orçavam quase por uma necessidade imperiosa.  O latim constituía o vínculo de unidade da civilização européia e também vínculo de transmissão de toda a cultura superior 103. Sentiam-no os contemporâneos e o exprimiam como uma verdade consciente.

Mas não era só nem principalmente este caráter utilitário que assegurava ao latim a sua posição dominante nos programas. No estudo das línguas clássicas viam os educadores do século XVI uma cultura. O conhecimento profundo dos gênios antigos oferecia-lhes a oportunidade de formar o homem, de transmitir um ideal de humanismo. Quam non sit homo qui literarum expers est! Exclamava Erasmo 104.Ouvimos há pouco um dos primeiros educadores jesuítas e que mais contribuíram para a elaboração do Ratio, saudar, no conhecimento das boas letras, “o esplendor, o ornamento, e a perfeição da natureza racional”. Outro contemporâneo de Ledesma, o grande humanista Perpiniani, via na razão e na palavra, intérprete da razão, as notas distintivas do homem: haec duo sunt quae nos homines reddunt” 105. No próprio vocábulo humanistas, humanidades, com que se denominava o curso secundário, buscava-se uma confirmação etimológica da convicção comum. O nome de humanidades, dizia Pontanus, foi dado a estes estudos porque transformam os que a eles se dedicam em “homens educados, afáveis, lhanos, acessíveis e tratáveis” 106. “Chamam-se humanidades estes estudos, escrevia por seu turno Possevino, que nos tornem, pois, mais homens” 107.

Tornar mais homem: eis o alvo em que mirava todo o trabalho educativo. A utilidade instrumental do latim era um subproduto do currículo; a formação do homem pelo desenvolvimento harmonioso de suas faculdades, o seu objetivo primordial. Para atingi-lo, a linguagem constitui o instrumento mais adequado e eficiente. Só pela palavra pode o autor atingir o espírito do aluno; só pela palavra pode o educador manifestar o próprio espírito. Uma faculdade revela-se na ação, que lhe é própria e que, por isso, se pode chamar a sua expressão. A linguagem é a expressão do espírito, e, portanto, com a prova de sua existência, a medida do seu desenvolvimento. Mais. Quem se exprime, exercita a sua atividade mental, imagina, pensa, julga, raciocina, concatena idéias. Através da expressão pode, portanto, o professor, exercitar a atividade interior do estudante e medir-lhe e orientar-lhe o progresso. A linguagem é, pois, o instrumento natural da formação humana.

Os grandes clássicos de Roma e Grécia são, por unânime consenso, os maiores artistas da palavra. Por estes jovens em contato com as suas obras-primas, proporcionou-lhes, além de inúmeras outras vantagens, a influência educativa dos mestres mais autorizados.

Não basta ensinar os clássicos para dar uma formação humanista. Não é a presença do latim, quinhoado num currículo com maior ou menor número de aulas, que lhe dá jus a essa denominação. Há modo e modo de ensinar uma língua clássica. Poderíamos descrimina-los chamando-os de modo científico e de modo artístico.

O primeiro predomina no ensino universitário, o segundo deve caracterizar o curso humanista de formação secundária. A ciência é analítica; examina um texto, disseca-lhe as palavras, investiga-lhes a etimologia. A arte é sintética, orgânica e vital; na presença de uma obra prima de expressão não começa por estende-la numa mesa anatômica para esquadrinhar-lhe as entranhas, cadaverizando-a; mas extasia-se na sua presença, admira-a, contempla-a como um todo, recebe, intacta e formativa, toada a irradiação de sua harmonia.

A ciência é impessoal; interessam-lhe as coisas e os fatos na abstração fria e geral de sua objetividade. Ante uma pagina celebre da antiguidade, o cientista põe-se a colecionar formas gramaticais raras e interessantes, a esmirar-lhe informações históricas e geográficas, mitológicas e heráldicas, e, organizada a sua colheita de verbetes, leva-os, satisfeito, como outros tantos fósseis, para o seu museu de antiguidades. A arte é pessoal; através da obra, o artista põe-se em contato com o seu autor, com o ideal que lhe fulgiu no espírito criador de beleza. A Ilíada e a Eneida, aos seus olhos, não são apenas, nem principalmente, um pretexto para escavações arqueológicas ou excursões de filologia comparada, são, antes de tudo, a expressão de uma alma humana, a realização de uma inspiração genial, a projeção movimentada através dum espírito privilegiado, de uma humanidade com todas as suas idéias e paixões, as suas grandezas e misérias. O homem de ciências estuda os autores para melhor conhecer a antiguidade; o homem de arte estuda a antiguidade para melhor interpretar e conhecer os autores.

A ciência é, por natureza, teórica; a arte, essencialmente prática; uma visa conhecer, arquivar fatos, inferir leis. Outra aspira a realizar, produzir, criar beleza. O ensino de finalidade cientifica, na sua fase inicial de transmissão, apela muito para a memória; na sua fase superior de investigação e pesquisa, aguça as faculdades de analise e raciocínio. O ensino com objetivo artístico interessa ao homem todo e mobiliza-lhe todas as virtualidades criadoras.

Na concepção do Ratio, o curso secundário deve ser essencialmente humanista, pendente mais para a arte do que para a ciência. Sua finalidade não é transformar os adolescentes em pequeninas enciclopédias que depois de alguns anos já precisam ser reeditadas. Todo o esforço do educador deve concentrar-se, nesta fase da vida, em desenvolver as capacidades naturais do jovem, em ensinar-lhe a servir-se da imaginação, da inteligência e da razão para todos os misteres da vida. Os conhecimentos positivos de geografia ou de física poderão estar antiquados no cabo de poucos lustros; o raciocínio seguro, o critério na apreciação dos homens, a capacidade de expressão exata, bela e enérgica de uma alma harmoniosamente desenvolvida representam aquisições humanas de valor perene.

 

PEDAGOGIA ATIVA.

 

Das ultimas observações acima, se depreende outra característica fundamental da pedagogia inaciana: é uma pedagogia essencialmente ativa. Tudo no seu código de ensino concorre para por em relevo esta feição muito sua. A simples organização da aula já é significativa. Nada que se pareça a uma multidão atômica e amorfa de alunos em face de um livro morto ou de uma conferencia ouvida passivamente. A aula organiza-se como uma pequena sociedade, onde cada estudante tem sua função a desempenhar. Todo o grupo está dividido em dois campos; de um e de outro lado, uma hierarquia viva, bem constituída, sujeita e contínuas modificações impostas pelo merecimento pessoal. Como bem observa um pedagogo contemporâneo, bom conhecedor do Ratio, a aula é “antes de tudo uma sala de exercícios” 108. E os exercícios, de fato, sucedem-se múltiplos, variados, interessantes, a enquadrar e dar vida à lição 109. uma das grandes preocupações  do professor deve ser a variedade que mantém a atenção sempre alerta e renova continuamente o interesse. Nada, adverte uma de suas regras, nada entorpece tanto a atividade e entusiasmo dos jovens como o fastio 110.

Nesta aula, assim transformada em ambiente organizado, vivo e agradável, o mestre tem como missão, que lhe é muito particularmente recomendada, o apelar sempre para a atividade do jovem. “Ut excitetur do  ingenium” é uma forma que ocorre varias vezes no Ratio. Aqui, adverte-se que nas sessões solenes, os discursos, poesias, etc. poderão ser retocados pelos professores, mas deverão ser compostos pelo aluno, que, neles, terão, assim, não só um trabalho da memória, senão também um exercício da inteligência ut ingenium excolatur. J-32. Mais adiante nas regras dos professores de humanidades lembra-se que, no segundo semestre, já melhor formados, os alunos se desembaracem de uma imitação servil do autor para se entregarem nos exercícios literários a uma composição mais livre e pessoal, excitetur ingenium – Lb-6. Outras vezes, inculca-se ao professor a eruditio, isto é, a transmissão de conhecimentos eruditos interessantes para recrear os ânimos mas também para estimular a atividade intelectual: erucitio modice usurpetur, ut ingenium excitet interdum ac recreet. Lb-1 111.

Mais, porém, do que da organização cheia de vida da aula, mais do que a solicitude do professor de exercitar continuamente o aluno ao exercício de seus recursos, a atividade resulta, na pedagogia do Ratio, da própria natureza do ensino ministrado. Na formação de caráter humanista, já o vimos, sobre o aspecto cientifico predomina o artístico. Ora, a arte é um hábito, e, como todo hábito, adquire-se pela repetição dos atos. Para chegar à arte perfeita da expressão, o aluno deve estar em contínua atividade exprimir-se de viva voz ou por escrito. Não lhe é suficiente atender, entender e memorizar. O que bastaria talvez para assimilar uma soma de conhecimentos científicos não lhe asseguraria, de certo, o domínio da expressão literária. Por isso, o Ratio põe logo o aluno em contato com os modelos do bem dizer. Nada de sentenças artificiais, de frases feitas para elucidar preceitos gramaticais. Desde os primeiros dias, ele se encontra em face de uma literatura, viva e real. E a preleção, que constitui a espinha dorsal do sistema, é toda orientada para a prática. O estudo comentado de uma carta, ou de uma descrição, de um drama ou de um discurso é seguido, por parte do aluno, da composição de uma carta ou de uma descrição, de um drama ou de um discurso. Imitatio est anima pralectionis. A criação pessoal é o princípio que anima a preleção. Imitar não é copiar servilmente a outrem. Imitar é exprimir as próprias idéias e as próprias experiências rivalizando na arte da expressão com a obra prima do modelo. Depois de a contemplar sob a direção do mestre, analisando-lhe as minúcias e admirando-lhe as belezas, o aluno estimulado como que se dispõe a ombrear e medir-se com o mestre. E como a criação literária interessa o homem todo, - imaginação, inteligência, razão, sentimento, - tudo nele entra em exercício harmonioso e fecundo. “A atividade funcional domina toda a classe e todos os momentos da classe. A aula planejada pelo Ratio é uma aula de arte para a educação secundaria como uma aula de musica ou de dança em nossos dias” 112.

Os dois princípios - educação humanista, educação ativa – até certo ponto solidários, constituem inegavelmente dois valores perenes da pedagogia inaciana. Frisou-o com felicidade, um dos últimos Gerais da Companhia de Jesus, o P. Martin, numa alocução dirigida em 1893 aos estudantes jesuítas em Exaaten, Holanda. Dela transcrevemos o trecho seguinte: “Julgam alguns que, outrora o seu valor, hoje já o não conserva. Julgar assim, denota, a meu ver, uma falta de compreensão do Ratio, que só leva em conta as disposições do seu currículo e não o seu espírito. É exato que hoje já não somos livres no que respeita aos cursos; o seu conteúdo é-nos prescrito. Somos, porém, ainda livres no que concerne ao espírito e ao método de nosso ensino. E isto, mais do que o currículo, caracteriza o Ratio. Em que consiste este caráter distintivo? Em alguns elementos próprios, dos quais apenas dois quero aqui lembrar: primeiro, que do estudante se deve exigir atividade; segundo, mais do que em aprender e armazenar fatos, se deve insistir na formação genuína das faculdades humanas. Não basta a simples aquisição de conhecimentos; nossa principal obrigação é desenvolver os talentos naturais. Ainda que o conhecimento seja em si proveitoso, a mais alta perfeição da tarefa educativa cifra-se em moldar e desenvolver o espírito. O valor integral, o fruto e o objeto dos estudos consistem em cultivar todas as faculdades que assim se formam para todas as fases da atividade e da vida” 113.

 

O PROFESSOR.

 

Outro fator de vital influência na Pedagogia do Ratio e essencial à eficiência de qualquer sistema educativo, é a importância decisiva por ele atribuída ao mestre. “Tudo depende do professor”, dizia o P. João Bonifácio, um dos grandes pedagogos jesuítas dos primeiros tempos e a sua frase resume o pensamento animador da lei orgânica do ensino dos jesuítas. Em nossos dias repetirá co acerto outro professor eminente da Companhia de Jesus: “Não esqueçamos, como muitas vezes se esquece, que nas tentativas intermináveis  de reformas pedagógicas que, há trinta anos, sacodem o nosso ensino secundário, o principal, quando se trata de livros, de programas e de métodos, é ter bons professores” 114.

 A situação do mestre-escola no século XVI não era muito risonha. Por motivos econômicos ou por motivos morais, caíra em grande desprestígio. Sem chegar às caricaturas mordazes de Mantaigne ou de Rabelais, de Petrarca ou de Justo Lipsio, impossível não reconhecer que o professor estava muito abaixo da sua alta e nobre missão.

A Companhia de Jesus, para reagir nobre e energicamente contra a ação deprimente do meio, consagrou à formação reabilitadora do mestre o melhor dos seus esforços. “Sob este respeito, escreve Schimberg, fez ela enorme progresso na educação e adiantou-se ao seu século” 115.

Num conceito justo e integral da missão educadora, a formação do mestre deve ser também interia e completa, abraçando todos os aspectos da perfeição humana. Não é só pela sua inteligência culta e ilustrada, é pela sua personalidade toda que o educador modela no educando o homem perfeito de amanhã.

A formação moral é a primeira preocupação da Companhia de Jesus. Ao entrar nas suas fileiras, o futuro formador das almas começa por dedicar dois anos inteiros exclusivamente à formação da alma própria. São anos benditos e fecundos em quer se adquire o conhecimento próprio, o governo das paixões, o domínio sobre as tendências impulsivas. A razão sobrepõe-se aos poucos à volubilidade dos caprichos. As virtudes cristas da caridade, da paciência, da renúncia de si mesmo, da piedade sólida, transformam-se aos poucos em hábitos vivos, que pautam as ações dos futuros educadores. Além desta têmpera do caráter, a vida interior aguça a visão psicológica. Mais do que em qualquer tratado inanimado da psicologia, é no recolhimento habitual, na observação introspectiva dos próprios movimentos d´alma, na luta sincera, empenhada a fundo contra as paixões e a sua estratégia ardilosa, que se aprende a conhecer o homem, o seu coração, os meios de o dirigir e elevar para os nobres ideais. Ainda que muito pertinente é a observação de Schimberg: “A prática da vida interior contribui para dar aos que dela se alimenta, com o hábito do recolhimento e do senhorio de si mesmo, um conhecimento profundo do coração humano... um educador é necessariamente um psicólogo. Como trabalhar na alma da criança, se não lhe se conhecem as energias, os defeitos e os recursos maravilhosos? Sob este respeito é a vida religiosa uma escola de primeira ordem, e S. Inácio, esforçando-se por reconduzi-la à pureza primitiva, prestou serviço à causa da educação” 116.

Terminado o biênio unicamente consagrado ao aperfeiçoamento moral que continuará como tarefa indeclinável de toda a sua vida, o jovem jesuíta inicia a sua formação intelectual. Dois outros anos são ainda consagrados ao estudo mais profundo das letras clássicas, latim, grego, hebreu. No esboço do Ratio de 1586 aventou-se a idéia de encaminha-los então imediatamente ao magistério.  Foram quase unânimes as reclamações das províncias contra esta medida. Uma sólida formação filosófica de, pelo menos, três anos, pareceu-lhes preparação indispensável ao exercício fecundo do ensino. A filosofia dava aos futuros mestres uma visão orgânica da vida, amadurecia-lhes o espírito, e, com mais três anos de estudo, também a experiência da vida. Foi o alvitre que prevaleceu na redação definitiva. A regra 28 do Provincial prescreve que, em princípio, os jovens religiosos não se aplicarão ao magistério senão terminado o curso de filosofia.

Para o ensino superior, a preparação á ainda mais longa. Concluído o seu ,magistério, o jovem mestre volta aos bancos do discípulo; por quatro anos consagra-se todo ao estudo da teologia, e, a seguir, durante um biênio, especializa-se na disciplina que constituirá o objeto do seu ensino universitário. Destarte, só depois dos trinta anos, por via de regra, termina o professor jesuíta a sua formação intelectual.

Não está ainda contente o Ratio. À cultura da inteligência julga indispensável acrescentar-se uma iniciação profissional ao estudo das disciplinas do currículo, uma formação pedagógica. A Regra 9 do Reitor prescreve que, no fim dos estudos de filosofia, antes de partirem para os colégios, os futuros mestres sejam confiados a um homem profundamente versado na experiência do ensino, docendi peritissimum, que os inicie na pratica viva do magistério, submetendo-os a exercícios de preleção, ditado, correção de trabalhos escolares e outros ofícios do bom professor. A Regra 30 do Provincial impõe-lhe particular diligencia e solicitude no cumprimento fiel dessa disposição. B-9; A-30.

Neste ponto de iniciação profissional as exigências vão ainda mais longe. Já em 1563 a 2a. Congregação Geral, no seu Decreto 9 formulava o princípio de que em cada Província na medida do possível deveria se instituir ou fundar uma Academia ou Seminário pedagógico destinado à formação de bons professores 117. O Ratio de 1599 lembra oportunamente ao Provincial, na sua regra 22, que se esforce por ter sempre na sua Província, pelo menos, dois ou três homens insignes nas boas letras “ad magistrorum seminarium fovendum”; unicamente dedicados a este mister poderão conservar “a raça dos nos professores”, “quorum opera ac sedulitate bonorum professorum genus quoddam ac tanquam seges ali ac propagari possit”. A-22 118.

Esta prescrição cristalizava na lei escrita uma prática que vinha de longe e com os melhores resultads: As Províncias do Reino inferior e superior já haviam estabelecido, desde 1581 e 1582, os seus seminários pedagógicos, respectivamente em Moltheim e Augsburgo 119. O P. Cipriano Soares organizou, desde 1569, um destes seminários no Colégio de Coimbra 120. Não é, pois, sem razão que, na sua História da Pedagogia, reconhece Ziegler aos jesuítas o merecimento de haverem ocupado, por primeiros, da formação pedagógica dos professores, preludiando assim o ano de exercícios práticos dos professores dos nossos dias 121.

A iniciação do professor assim começada em institutos especiais continuava mais tarde com a leitura de obras especialmente compostas para esse fim elos mais abalizados autores da Ordem. Em 1625 Francisco Sacchini, grande humanista e celebre historiador, compunha em Roma o seu Protrepticon et Paraesiensis ad Magistros Scholorum Inferiorum. Protrepticon: valor, dignidade e vantagens da educação e instrução; Paraesiensis: deveres e meios de ação dos professores. Jouvency, outro historiógrafo de renome, compôs em 1692 um tratado De ratione discendi et docendi, que a 14a. Congregação Geral mandou fosse adaptado pelo autor de modo que as transformasse num como compendio oficial para todos os professores de letras da Ordem. Em 1703 saiu a lume o novo trabalho  em Florença e com o título ampliado: Magistri Scholarum Inferiorum S.J. de ratione discendi et docendi ex Decreto Congregationes Generalis XIV, Florentiae, 1703. O como aprender e como ensinar de Juvêncio pode considerar-se como um dos comentários mais autorizados do Ratio. Para a Província da Áustria, publiocu em 1735 o P. Francisco Wagner a sua Instructio privata seu typus cursus annui pro sex humanioribus classibus in usum magistrorum S.J. e, no seguinte, para a Província Germânica Superior, escrevia o P. Francisco Kropf: Ratio et via recte atque ordine procedendi in litteris humanioribus aetate tenerae tradendis, docentium et discentium commoditati atque utilitati conscripta a Sacerdote quondam e Soc. Jesu, 1736.

Por aí se vê como a perfeita formação pedagógica do professor era uma das preocupações fundamentais da Ordem.

Uma vez iniciado o magistério, o jovem professor se beneficiava imediatamente de todas as vantagens da sólida organização administrativa dos Colégios. O Reitor, o Prefeito de estudos, o Prefeito de disciplina, a estrutura geral da vida escolar emolduravam-no para logo um quadro de tradições pedagógicas bem definidas, que lhe transmitiam sábias experiências acumuladas e lhe poupavam erros e desvios de principiante abandonado à insegurança das próprias iniciativas.

O próprio Ratio multiplica-lhe as advertências de uma psicologia fina, destinadas a assegurar-lhe o prestígio da autoridade e a eficiência da ação educativa. O professor consagre aos alunos um afeto paterno, mas sem familiaridades; trate a todos com bondade e justiça, não despreza a ninguém, nem faça distinção entre rico e pobre; não seja precipitado em castigar nem demasiado em inquirir; dissimule muitos defeitos, mas nem sequer lhe dirija palavra injuriosa, ou o chame senão pelo nome ou cognome. J-40, 47, 50. Onde for mister repreende-los, faça-o com moderação e de modo que o repreendido se convença de que, não a paixão, mas a necessidade e o amor lhe inspiram as palavras. Na furte o corpo a nenhum trabalho necessário ao progresso do aluno, nem procure o proveito próprio, mas o dele. Não imponha a sua autoridade exigindo uma obediência automática ao militar, mas que os alunos lhe queiram bem, tenham confiança e manifestem espontaneamente as suas dificuldades 122. Uma virtude ou disposição d´alma lhe é de modo muito particular inculcada: o bom humor e a jovialidade. Já no esboço de 1586 se afirmava que, de ânimo azedo, os professores não se podiam desempenhar as suas obrigações 123. E, por isto, a edição definitiva do Ratio impôs ao Reitor, como uma das obrigações do seu oficio, manter, entre os seus, o bom espírito, o entusiasmo, a alacridade 124.

 

UM GRANDE IDEAL.

 

Formação literária, cultura filosófica, iniciação pedagógica, nada descurou o Ratio para preparar professores à altura de sua missão. Não era, porém, ainda suficiente. Acima e além desta, longo tirocínio profissional cumpria infundir no professor a claridade e o calor de um grande ideal para elevar-lhe o magistério à grandeza de uma vocação. Toda a solicitude da Companhia de Jesus converge para este alvo. Aos olhos de seus filhos, o ensino transfigura-se num apostolado. A visão crista da vida, traduzida em luz e força por uma intensa vida interior, rasga-lhe aqui perspectivas de beleza inefável. No aluno, o professor, o homem, criatura de Deus, que lhe foi cometido, como um depósito sagrado, para guia-lo à perfeição do seu destino. Para além dos seus progressos atuais, desdobra-se no futuro todas as conseqüências sociais de uma boa educação: o bem da família, a conservação do Estado, a própria salvação da humanidade 125. “A educação da puerícia é a renovação do mundo”, escreveu um dos grandes pedagogos da Ordem, João Bonifácio, puerilis  institutio est renovatio mundi. 126.

Raras vezes se acentuou tão gravemente a responsabilidade do professor; raras vezes se lhe acendeu n´alma o fogo sagrado da dedicação e do entusiasmo por um ideal mais nobre!

 

 

 

 

 

 

 



[1] G. M. Pachtler, Ratio Estudiorum et Institutiones Scholasticae Societatis Jesu, Berlim, 1887, t. I, p. XX. Na Assistência  alemã, na mesma data, os colégios assim se distribuíam pelas diferentes províncias: Província alemã Superior, 27; Província do Reno Superior, 16; Província do Reno Inferior, 17; Província da Áustria, 31; Província da Boêmia, 26; Província de Flandres, 28; Província Flandro-gálica, 18; Província da Polônia, 24; Província da Lituânia, 20; Província inglesa, 10; Id., loc. cit. Ao todo, na Europa Central, 217 colégios.

[2]Em alemão, há pelo menos 4 versões do Ratio. A primeira é a de Hayd,  Der Societät Iesu Lehr und Erziehungs Plan, 1835, t. II, 3-95, incompleta, e de acordo com a revisão de 1832; a Segunda, mais completa, mas só do texto antigo de 1599, encontra-se em Bus, Die Gesellschaft Jesu, ihr Zweck ihre Satzungen, Geschichte, Áuf gabe und Stellung in der Gegenwart, 1853, t. 1, pp. 423-516. Pachtler publicou na Coleçao Monumenta Germaniae Paedagogica, II, pp. 225-481, o texto original do Ratio, nas duas redações de 1599 e 1832 e a respectiva versão alemã. Mais tarde, B. Duhr deu-nos provavelmente a melhor tradução alemã do Ratio, no seu Díe Studíenordnung der Gesellschaft Iesu, Freiburg 1. Br. 1896, pp. 177-280. Recentemente apareceram nos Estados Unidos duas versões inglesas do Ratio, a primeira de W. J. McGuken, The Jesuits and education, New York, 1932, Apêndice, pp. 271-318, abrange só as regras das escolas inferiores (=curso secundário), de acordo com a revisão de 1832, a outra, completa, feita sobre o texto antigo de 1599, é de A. R. Ball, e encontra-se na obra editada por E. A. Fitzpatrick , St. Ignatius and the Ratio Studiorum, New York, 1933, pp. 119-254.

[3] Numa carta ao padre Francisco Palmio que pedia ao Santo a abertura de um colégio em Bolonha, escreve Polanco: “Res Ignatio placuit, qui, ad juventutis bene instituendae in spiritu et litteris ratione, semper fuit valde propensus”. Chronicon Societatis Jesu, II, 195. Ribadeneira, na vida de S. Inácio, enumera “las causas e motivos que tuvo Nuestro Bienaventurado Padre para instituir estos colegios y escuelas, y abrazar côn tanto cuidado una occupaccion que un cabo es muy trabajosa y molesta”. Vida del B. P. Ignacio de Loyola, L. III, c. 24, p. 356.

[4] Litterae quadrimestres, I, 128.

[5] Chronicon, I, 371, 372.

[6] Chronicon Soc. II, 37.

[7] O Tratado encontra-se publicado no Monumenta Paedagogica Societatis Jesu, pp. 89-107.

[8] O Ordo Studiorum foi editado incompleto, por Pachtler, Ratio Studiorum, I, pp. 200-205, 249-263 e na sua integralidade, de acordo com o manuscrito de Nadal, no Monumenta paedagogica, pp. 107-140.

[9] Além da sua formação universitária ma Espanha, França e Bélgica, Ledesma, ao tomar parte na dieta de Augsburgo em 1566, teve oportunidade de visitar vários colégios da Itália e da Germânia em plena atividade.

[10] Ledesma sublinha a importância das lições da experiência própria e dos seus colegas de magistério, na necessidade da elaboração do Ratio. “Experientia quam habui per tres annos in hoc colégio... et in aliis collegiis quae vidi Societatis. Consillia frequentia  eorum praeceptorum quos novi et quidem optmorum ut Perpigniani et aliorum, in hoc collegio”. Mon. Paedagogica, p. 313.

[11] A obra incompleta de Ledesma foi publicada no Monumenta Paedagogica n. 31, pp. 338-451 – Do nº 14 a 22 se encontraram sete estudos do mesmo autor preliminares à grande síntese. Não tivemos aqui sequer de longe a intenção de resumir a História do Colégio Romano. Indicamos apenas alguns fatos importantes, indispensáveis à melhor inteligência da elaboração gradual do Ratio e o papel que nela desempenha o grande centro de estudos da Companhia de Jesus em Roma. O Colégio Romano, como é sabido, continuou através dos séculos suas história gloriosa. Hoje, sob o nome de Universidade Gregoriana, é o maior centro de estudos religiosos das Igreja. Conta 8 Faculdades, de Teologia, Filosofia, Direito Canônico, História Eclesiástica, Missiologia, Sagrada Escritura, Oriente Antigo, Oriente Moderno e um Instituto de Cultura Superior Religiosa para os Leigos. Na linha de suas tradições, o corpo docente – mais de 100 professores em 1938-9 – é recrutado entre mais de 20 nações e os seus alunos – 2367 no mesmo ano – pertencem a 50 nações e representam mais de 500 dioceses e 67 ordens e congregações religiosas. Dos seus bancos saíram 13 Papas e centenas e centenas de Cardeais, Bispos, Superiores de Ordens religiosas, etc.

    [12] Para a lista exata, reconstruida sobre as fontes, dos colé­gios abertos em vida de S. Inácio, cfr. A. P. Farreli, The Jesuít Code of Liberal Education, Milwaukee, 1938, pp. 431-435.

 

[13] Bacon, De dignítate et augmento scientiarum, L. III, e. 4.

[14] "Colegii vestri dignitas et ordo”. Ver todo o trecho em E. Rinaldi, La Fondazíone del Collegio Romano, Arezzo, 1914, p. 11.

[15] Quicherat, Histoíre de Sainte-Barbe, II, c. IV, p. 52.

[16] Muitas já publicadas podem ver-se em Pachtler, Ratio Studiorum, I, e no Monumenta Paedagogica.

[17] Fouqueray, Histoíre de la Compagnie de Jesus en France, t. II, p. 692.

[18] “De statutis Lectionum horis, ordine ac methodo, et de exercitationibus tam compositionum (quas a magistris emendari oportet), quam disputationum in omnibus Facultatibus, et pronuntiandi publice orationes eI carmina, speciatim in quodam Tractatu per Generalem Praepositum approbato, agetur seorsum, ad quem haec Constitutio nos remittit”. Constitutiones 5. J. P. IV, e. XIII.

[19] “Scribatur liber, in quo distincte el particulatim contineatur totus ordo studiorum, tum hujus collegii, tum caeterorum...et adhibito judicio setentia superiorum, ille statuatum servandus, immutandus omnino nisi de summo Patrum consilio”. Mon. Paedag., p. 143.

[20] “Magnopere laudandum censuere admodum R. P. N. institutum de uniformi et conspirante tum docendi tum discendi ratione instituenda, ideoque et ipsum etiam atque etiam rogatum voluerunt, ut, quod ad summam Societatís utilitatem, Ecclesiaeque totius commodum caepsset absolvere, absolutumque studiose conservare dignaretur”. MS. Rhenarorum Patrum Indicium, folio 242. Citado por A. P. Farrell, Op. Cit., p. 259. Ver outras manifestações no mesmo sentido, das províncias alemãs, em Pachtler, Ratio Studiorum, t. II. p. 5-6.

[21] “Regulae generales quae incipiunt: Summa Sapientia integrae conserventur”. Decreto 57 da 2a. Congregação Geral. (Institutum Societatis Jesu, ed. Florentiae, II. 206). Da 3a. Congregação ver o Decreto 27, ibid. p. 225.

[22] “Anno 1577 intentus in unam totius Societatis administrationem perfectionemque Everardus Romae monita legesque peculiarum munerum cum assitentibus condit et perficit”. Sacchini, Historiae de Societatis Jesus, Pars IV, p. 136. O memorial de Maldonado em Mon. Paedag. Pp. 710-715.

[23] A circular de Aquaviva e o texto do Ratio de 1586 encontram-se em Pachtler, II, 9-217.

[24] Belarmino e Suarez figuram entre os maiores teólogos e filósofos da Companhia de Jesus; Belarmino foi canonizado e declarado Doutor da Igreja Universal; Benci foi discípulo de Marco Antonio Muretus e, no Colégio Romano, ouviu as lições de Perpeniani; Sarci tinha a experiência de Reitor do Colégio; Torsellini, poeta e orador, professor de boas letras durante 22 anos, revisor da Gramática de Álvares e autor de um estudo célebre sobre as partículas latinas, que teve mais de 50 edições. – Sobre a colaboração pessoal de Belarmino, interessante, sobretudo, no ponto de vista de orientação doutrinária, cfr.: J. Brodrick, S.J. The life and work of Cardinal Bellarmine, London, 1928, t. I. 378-384: Lê Bachelet, Belarmin avant son cardinalat; Paris, 1991, p. 500 e sgs.

[25] A edição princeps do Ratio saiu em Nápoles em 1599; outras se lhe seguiram a breve trecho: a de Mongúncia em 1600, de Nápoles e Torunon em 1603, de Roma em 1606 e em 1616. Nesta ultima foram ligeiramente retocadas as regras do Provincial relativas aos exames de filosofia e teologia.

[26] “It was a part of the Jesuit achievement that, while persisting in its dominant aims and methods, it absorbed and made its own the best education ideas of the seventeenth and eighteenth centuries”. A. P. Farrell, Op. cit. p. 376.

[27] Institutum Soc. Jesu I. 145.

[28] “Entre 1525 et 1530, le but auquel on aspirait depuis si longtemps fut atteint: le véritable enseignement classique prit possession de toutes les chaires”. Quicherat, Histoire de Sainte-Barbe, I, 152. Para o estudo mais desenvolvido desta fase da história da Universidade de Paris cfr.: Denifle-Chatelain, Chartularium Universitatis Parisiensis, 4 vols., 1883-1897; Du Bolay, Historia Universitatis Parisiensis;  J. Pasquier, L´Université de Paris et l´Humanisme na debut du XVI siècle; Jérome Aléandre, na Revue dês Questions historiques t. XX (1898) pp. 372-398; t. XXI (1899), 144-189; Renaudet, Préréforme et humanisme à Paris au siècle; Ricardo Villoslada S.J., La Universidad de Paris durante los estúdios de Francisco Vitória O.P. (1507-1522) Romae, 1938.

[29] “Cosi com l´aiuto divino si faranno tutte lê sopraditte lettioni et essercitationi com ogni cura et dilligentia conformando il tutto al modo Parisiense”. Mon. Paedag. 616.

[30] Sobre a intervenção em Viena, ver Chronicon Societatis Jesu, II, 567-568; em Pádua, Chron. Soc. Jesu, III, 242.

[31] “Al modo Parisiense, il quale fra gli altri si reputa essere et exactissimo et utilíssimo...Il modo et ordine che s´usa in Parigi, essendo il meglio che tenere si possa per facilmente et perfectmanente diventare dotto nella língua latina”. Mon. Paedag. 615-615.

[32] Espitola S. Ignatii, I., 148.

[33] “Esset quidem haec praelectio publice utilis, sed animadvertendum est, et accurate quidem, ne Ratio Studiorum Parisiensis quam nostris scholis fecimus familiarem propterea remittatur, quae constanter est retinenda”. Scholia in Constitutiones, p. 350.

[34] L´Université commença à metre plus de prestesse dans son enseignement, elle fit aller de pair le grec et le latin (como no Ratio), elle fit mit lê comble à la gloire de l´ennemi (sic!) en se rendant son imitatrice”. Quicherat, Op. cit. II, 59-60. A confissão é tanto mais interessante quanto menos apologista dos jesuítas. E o seu autor, sobre a rivalidade entre Sorbona e a nova Ordem, escrevia a Paris, a 26 de Agosto de 1571, um protestante: “Jesuitae abscurant reliquorum professorum nomen et paulatim adducunt in contemptum Sorbonistas”. Epist. ad Camerarium fratrem, p. 177.

[35] “Si quis attentius inspiciat, similes prorsum comperiat esse meam et Quittiliani instituendi rationem”. Vives, De tradendis disciplinis, 1, III, c. I.

[36] W.H. Woodward, Studies in Education during the Age of the Renaissance, 1400-1600, Cambridge, 1924, p. 9.

[37] “Quintilianus noster exercitatissimus et peritissimus pueros erudiendi magister”. Acta Sanctorum, Julii t. VII, p. 732. Ribadeneira recebido e formado por S. Inácio viveu na Companhia até 1611. É o primeiro biógrafo do Santo Fundador. Deixou muitos escritos de grande valor para a História dos primeiros tempos da ordem na qual viveu mais de 70 anos!

[38] Sobre Francisco de Vitória e suas relações com a Universidade de Paris, ver L.G.A. Getino, O.P., El Maestro Fray Francisco de Vitória. Su vida, su doctrina y influencia, Madrid, 1930, e principalmente R.G. Villoslada, S.J., La Universidad de Paris durante los estudios de Francisco de Vitoria, O.P. (1507-1522), Romae, 1938.

[39] A primeira prescrição oficial da doutrina tomista para toda a Ordem encontra-se nas Constituições: “In theologia legetur vetus et novum Testamentum et doctrina scholastica divi Thomae”. P. IV. c. 14. O Ratio de 1599 confirma o dispositivo constitucional mais explicitamente na 2a. regra do professor de teologia: “Sequantur nostri omnino in scholastica teologia doctrinam S. Thomae eumque ut Doctorem proprium habeant”. É interessante ver a parte que teve Belarmino na redação destes artigos do Ratio: Le Bachelet, Bellarmin avant son Cardinalat, p. 516-517; Brodrick, The life and work of Cardinal Belarmie S.J., London, 1928, t. I, p. 374-38.

[40] Ver as regras 7 e 8 dos professores das Faculdades superiores e a regra 11 dos Escolásticos.

[41] Em 1546 fundou-se em Gandia a primeira Universidade da Companhia de Jesus. A 24 de Abril do ano seguinte escrevia de lá a S. Inácio, o P. André de Orviedo: “Y asi há empezado el P. Francisco Onfroy... a leer uma liccion de theologia a la mañana de Santo Thomas, y a la tarde otra el P. Mtro. Vicente em otra  matéria, em la tercera parte de Santo Thomas” MI+SI. Epistolae mixtae, II. 364. Quando  o jovem Belarmino começçou a ensinar em Lovaina, rejeitou resolutamente o Mestre das Sentenças e escolheu S. Tomás. Brodrick, o.p. cit., p. 375. Lessius lhe seguirá o exemplo. Em 1550 escrevia a Santo Inácio de Iugolstadt S. Pedro Canisio: “O estudo da teologia decaiu muito na Universidade. Para reergue-lo deliberamos instituir um novo curso que tenha por objetivo a Suma do Santo Tomás”. Canisio, Epistolae, I, 336-366. Da Alemanha diz-nos Janssen, que “em Wurzburgo, em Mongúncia e, antes do fim do século, em todas as Universidades da Alemanha em que professavam os jesuítas, a teologia era ensinada segundo Santo Tomás”. Geschichte des deutsch Volkes, Freib. in B. 1924, t. VII, 572. E pouco antes: “A eles (jesuítas) cabe a honra de haver, dos primeiros, logo depois do Concílio reconduzido à Suma a teologia da Alemanha, religando-a assim às antigas tradições das grandes escolas da idade média”.

[42] Von Raumer, Geschichte der Paedagogik vom wiederaufbluehem klassicher Studien bis auf unsere Zeit, 4 vols. 1843-1854; Teófilo Braga, História da Universidade de Coimbra, t.I.p. 279-280. Mesma aproximação em  Sicard, Les études classiques avant la revolution, p.12; Kaemmel, Geschichte des deutschen Schulwesens im Uebergange vom Mittelalter zur Neuzert, Leipzig, 1882, p. 227;  Schiller, Lehrbuch der Geschichte  der Paedagogik , p. 124.

[43] "Vidi enim quos scriptores explicent et quas habeant exercitationes at quam rationem in docendo teneant, quae nostris praeceptis institutisque usque adeo proxime abest, ut a nostris ontibus derivata esse videatur". Sturm, Classicarum Epistolarum, t.III, Argentorati, 1565, f. A. VI.

[44] Farrel, The jesuit Code of Liberal Education, p. 362

45 Schmidt, La vie et les oeuvres de Jean Sturm, Strasburg. 1855, p. 5. E mais tarde, à p. 36: Sturm "tem diante dos olhos o plano de estudos de S. Jerônimo em Liège e quer tomá-lo como fundamento da nova orientação de Estrasburgo".

[46] Woodward, Studies in education during the Age of the Renaissance, p. 86. E assim os demais autores que se ocuparam mais de perto do assunto. Veil: "Não há  aliás dúvida alguma de Sturm não buscar os seus modelos em outra parte senão na Holanda". Sturms Unterrichtsziele und Schuleinrichtungen mit besondererBeruecksichtigung seiner Bezichungen zu dem niederlaendischen Humanismus, Strassburg, 1888, p. 20. Engel: o plano de Sturm "corresponde integralmente ao modelo das escolas holandesas". Das Schulwesen in Strassburg vor der Gründung des protestantischen Gymnasiums, Strassburg, 1886, p. 116.

 

[47] As instruções e ordenação do P. Manareu, aprovadas posteriormente pelo Geral, podem ler-se em Pachtler, I, 263-284.

[48] F. Paulsen, Gechichte des gelehrten Unterrichts, t. I, Leipzig, 1919, p. 422.

[49] F. Meyer, Der Ursprung des jesuitischen Schulwesens Graefenhainichen, 1904, p.54.

[50] "Partim oratione, partim rationis discursu, partim etiam experientia, ea quae ad instituti nostri rationem postea promulgavit, paulatim concinhabat". Chronicon, I, 268.

[51] Monumenta ignatiana, XI, 536.

[52] Monumenta paedagogica, p. 313.

[53] Com a comclusão do Ratio em 1599 não se encerrou o período de experiências úteis. Em 1608 Aquaviva envia às Províncias uma instrução para promover os estudos filológicos. Depois de recomendar que se ponha exatamente em execução o que já foi prescrito acresecenta que se "algo ocorrer que possa facilitar o conseguimento da meta almejada" "experimentem e lhe enviem os resultados " "si quid amplius occurrerit, quod non parum profecturum sperent tum ad styli comparationem, tum ad auctores exacte et cum fructu legendos, periculum faciant ad nos mittant exemplum". Pachtler III, p. 11.

[54] "Ueberhaupt duerft die erlebt Praxis fuer die Begruendung und Ausgestaltung der Paedagogik des Ordens wichtiger gewesen sein. als die Benutzung der paedagogischen Theoretiker". E Paulsen, a quem tomamos de empréstimo esta citação, acrescenta: "E isto vale não só aqui; os escritores da história da Pedagogia inclinam-se a sobrevalorizar a influência dos teóricos". Paulsen, Op. cit., 1a., p. 422.

[55] "The curriculum was humanistic, the method and order principally Parisian, the spirit, Ignatian". Farrel, The Jesuit Code of Liberal Education, p. 136-7.

[56] E.A. Fitzpatrick, St. Ignatius and the Ratio of Studiorum, New York and London, 1933, pp. 15 e 24.

[57] No Colégio Romano eram 7 classes: "In Collegio hoc nostro Romano  septem sunt humanioribus classes seilicet quinaue grammatices, una humanitatis, et altera rhetoricae". Monumenta paedagogica, p. 384. Rochemonteix dá uma lista de 10 colégios da Companhia na França cujo currículo se estendia por 6 anos. Le Collège Henri IV de la Flèche, Le Mans , 1889, t. III, p. 4-5.

 

[58]

[59]

60 Arch. Prov. Germaniae S.J. XIII B. I., fol. 495, 506. Cit. por B. Duhr, Die Studienordnung der Gesellschaft Jesu, Freib. in B. 1896, p. 109.

61 "Bohemicae linguae Academia (privata), cursu sit, magna necessitas et penuria callentium illam, summopere placeret". Resp. ad. Prov. Austriae, a. 1600.

62 "...deinde ut in vernacula etiam verba emendate apteque item scripto convertat quo linguam pariter ultramque pueri condiscant".  Paraenesis ad Magistros Schol. Inferior., c. 7, n. 6.

63 "Quanvis in Scholis nostris prima esse cura debeat linguae latinae dotibus suis amnibus instructae, magnam tamen hoc tempore lingua etiam requirit Germanica". Pachtler, IV. 55.

64 "... cum seu in historia seu in authore pleraque pergantur in lingua vernacula". Wagner, Instructio privata, p. 20 sgs.

65 Sobre a contribuição dos jesuitas para a linguística americana cfr. Serafim Leite, S.J., História da Companhia de Jesus no Brasil, t. II, 545-568; Astrain, Hist. de la Comp. de Jesus en España, t. IV e V, passim.

66 Regra 23 do Provincial: "Illud etiam sibi valde comendatum existimet ut in scholis discipuli in lingua vernacula solide instituantur". Regra 1 do Prof. de Retórica: "Quoad linguam vernaculam stylus ad normam optimorum auctorum efformetur". Pachtler, II, 258, 400.

67 "Les jésuites ont suivi le mouvement général qui a si prodigieusement élargi les cadres de l´enseignement scientifique". Compayré, Histoire critique des Doctrines de l´Education en France, t. II, p. 199.

68 O plano de estudos pode ver-se na sua integridade em Astrain, Historia de la Compañia de Jesus en la Asistencia de España, t. V., 145-146.

69 "Somos forçados a partilhar da admiração manifestada por esse autor [Chateaubriand] pelos muitíssimos serviços destacados dos jesuítas no setor da astronomia, da física, da geografia, etnografia e outras esferas científicas, como deveremos, além disso, reconhecer que a Ordem conta em suas fileiras um número considerável de inventores invulgarmente talentosos". R. Fülop Miller, Os jesuítas e o segredo do seu poder, Tradução portuguesa, Porto Alegre, 1935, p. 530. E páginas antes: "A Ordem dos jesuítas produziu um grande número de sábios eminentes, os quais fizeram sua a tarefa de prosseguir até os seus cimos mais elevados a pesquisa científica". p. 444.

70 F. Paulsen, Geschichte des gelehrten Unterrichts, Leipzig, 1919, t. I, p. 433.

71 Numa instrução de 1622 lêem-se estas palavras: "Animadvertendum est, praelectionem quemque Ciceronis duabus debere constare partibus, interpretatione et observatione ad imitandum instituta; quarum illa est ut corpus, haec ut anima praelectionis". Pachtler, IV, 194. É o que já dissera Possevino: "Curandum ut auditores probe intelligant et quid dicatur ab oratore et quomodo dicatur, idque accomodate ad imitandum, qui Tullianae lectionis fructus est maximus". Bibliotheca Selecta, II, 507.

72 A.  Fichet., Arcana Studiorum, L. II, c. XIII.

73 Schmidt, Geschchte der Pädagogik, t. III, p. 147: O velho Marcial chamava a palmatória, o estro do pedagogo, Ferulaeque tristes sceptra paedagogorum.

74 "S´ils tombent dans quelque faute, s´ils sont convaincus de mensonge, s´ils tentent de secouer le joug, s´ils murmurent ou se plaignent le moins du monde; frapper très fort et ne cesser de frapper, et n´adoucissez pas la correction, que leur arrogance ne soit amolie, qu´ils ne soient devenus plus calmes que l´huile et moins résistants que la chair du melon". Epistolae Joannis Ravisi Textoris, Rothomagi, 1597, Epist. XXIII. Sturm é mais moderado mas ainda assim pende para o rigor: quod severitate corrigi potest, indulgentia non debet negligi. Fournier, Les Status et Privilèges des Universités françaises, Paris, 1894, t. IV, p. 25.

75 Schmidt, Geschchte der Paedagogik, III, p. 146.

76 Constitutiones, P. IV, c. XVI, D.

77 "Perchè li mastri di quella [Compagnia] non è decente che habbiano a castigare con altro que le parole". Monumenta Ignatiana, XII, 311. "Si ben é necessario a loro [aos meninos] esse cosi correcti, non é decenti a noi il castigarli con le mane proprie". Epist. Ignat. IV, 601. Outras muitas citações no mesmo sentido ver J. M. Alcardo, Comentario a las Constitutiones de la Compañia de Jesus, Madrid, 1922, III, 196-199.

     Mais tarde os Padres das Províncias alemãs pedem dispensa desta  proibição. Os jovens alemães não gostam de ser punidos pelo Corretor, mas pelos próprios professores da Companhia, aos quais, segundo o costume, depois de receber o castigo, apertavam a mão num gesto cavalheiro de agradecimento.

78 Nem sempre, como fora de esperar à primeira vista, sobre o pouco simpático corretor se acumulavam os ressentimentos dos alunos. A idade madura e a experiência da vida transformava às vezes em reconhecimento sincero o que a princípio era apenas uma reação compreensível de irritação infantil. Conta-nos o P. FRanco que um tal Sebastião Sequeira, corretor durante 40 anos, no Colégio de Bragança, que, no dia de seu falecimento, a 12 de Março de 1694, quiseram os nobres da cidade levá-lo à sepultura sobre os próprios ombros em testemunho de gratidão pelos castigos de outrora recebidos.  Synopsis Annalium Societatis em Lusitania, Augustae Vindelicorum 1726, p. anno 1694.

 

79  Pachtler, I, 160, 207, 279 - "Há temperamentos, escrervia o P. Bonifácio, que só se deixam levar pela dor corporal". E o Chronicon, apleando para uma experiência de vários anos, escreve em 1556: "experinetia docebat, sine punitione non posse illos in officio contineri nec in litteris et bonis moribus ut par est, proficere". Cfr. Herman, La pédagogie des jesuites au XVI siècle, p. 116.

80 A. Schimberg, L´éducation morale dans les Collèges de la Compagnie de Jésus en France, Paris, 1913, p. 482.

81 O. Willmann, Didaktik als Bildungslehre, 58 Braunschweig, 1923, p. 309.

82 Locke, Some Thoughts on Education, § 56 e sgs.; Lessing, Literaturbriefe, 11.

83 A. Schimberg, L´education morale, Paris, 1913, p. 339-341.

84 "Par là, mais par là seulement, les jansénistes sont inférieurs aux jésuites". G. Compayré, Histoire critique des doctrines de l´education, Paris, 1881, t. I, p. 271. O texto de Pascal citado pouco antes é estes "Les enfants  de Port-Royal, auxquels on ne donne point cet aiguillon d´envie et de gloire, tombent dans la nonchlance". Pensées, edit. Havet, 1866, t. II, p. 164.

85 "Sic luceat lux vestra coram hominibus ut videant opera vestra bona et glorificent Patrem vestrum qui in coelis est" S. Mateus, V. 16. Cf. S. Tomás, Summa Theologica, 22ae q. 132, a1. in corp. e ad 3.

86 São conhecidas as acrobacias do autor da Crítica da razão prática para conciliar as exigências da justiça e do bom senso com as conseqüências do seu sistema. De um lado a união definitiva entre a virtude e a felicidade parece impor-se ao espírito com tal evidência que nela se baseia para formular, como postulado da razão prática, a necessidade da existência de Deus. De outro, porém, a seu ver, o justo que pratica a justiça, olhos fitos nesta fidelidade, cessa ipso facto de ser justo!

87 Crévier, Histoire de l´Université de Paris depuis son origine jusqu´em l´année 1600, Paris, 1761, VI, 14.

88 “Para que mas se ayudem los Studiantes, seria bien poner algunos iguales, que com santa emulacion se inciten”, Constitutiones, Part. IV, c. VI, 13K.

89 “Unde philautiam et inanis gloriae cupiditatem a se modis omnibus extirpare nitentur”. Pachtler, I, 169.

90Rare jeune homme, que toutes les qualités de l´esprit et de l´âme semblaient s´être accordées pour rendre accompli... En démelant autant qu´il  m´est possible ce qui se passait dans mon âme, je puis dire avec vérité que dans se sentiment d´émumlation ne se glissa jamais le malin vouloir de l´envie. Je ne máffligeais pas qu´il y eût au mando un Amalvy, mais j´aurais demandé au ciel qu´il y eût deux et que je fusse le second". Marmontel, Mémoires, I, 21 e sgs.

91 "Au Petit Séminaire de Paris, j´ai vu le condisciple et l´émulation préparer et acomplir des miracles de zèle et de travail, et faire fleurir, parmi cette nombreuse jeunesse, toutes les branches des plus fortes études, em même temps que les plus solides et les plus aimables vertus. J´ai vu là des enfants, dont les noms et le souvenir seront éternellement chers à mon coeur, je les ai vu s´écrier:

       Je n´ai point d´ennemis, j´ai des rivaux que j´aime! C´était la devise de leurs combats d´émulation. J´ai vu là des émules s´aimer tendrement, se combattre, se vaincre et se féliciter tour à tour; je les ai vus s´admirer, se chérir, se louer, s´applaudir mutuellement avec bonheur, ne pouvir se passer les uns des autres: c´est qu´il y avait, chez cette généreuse jeunesse, la noble et pure émulation du bien, non la basse et odieuse envie". Dupanloup, De l´education. Paris, 1861, t. II 1. V, c. 1, p. 559.

91a Ap. Schimberg, L´éducation morale, p. 369.

 

92 "Ejus rei ponemus exemplum memorabile; quod eo magis adducimus, quia Jesuitae eandem disciplina non videntur aspernari, sanoo (ut nobis videtur) judicio... Intelligimus autem actionem theatralem. Quippe quae memoriam roborat; vocis et pronunciationis tonum atque efficaciam temperat; vultum et gestum ad decorum compponit, fiduciam non parvam conciliat, denique oculis hominum juvenes assuefacit". Bacon, De dignitate et augmentis scientiarum, 1. VI, c. 4; Opera omnia, Londini, 1730, t. I, p. 193.

93 O primeiro drama que se representou em Portugal, em 1556, no Pátio do Colégio de S. Antão de Lisboa, inspirou-se no tema evangélico do Prófilo, ou, como era intitulado em grego, Aulastus. Agradou tanto que, escreve uma testemunha de vista, "pediam todos se repetissem com freqüência representações desse gênero, sobretudo os estudantes, que nessa espécie de entretenimentos se deleitavam sobremaneira e se entusiasmavam quanto se pode dizer". Carta do P. Francisco Varea. Mon. Hist. S.J. Litterae quadrimestrae, Iv, 456. Jônatas, David, Salomão, Absalão, Abimelech, José, Benjamim, Isaac, Eleazer, Faraó, Suzana, Moisés figuram entre os dramas sagrados inspirados na Bíblia e representados nos Colégios de França.

94 O martírio de Santa Catarina, de S. Prócópio, de S. Agapito, de S. Andrônico, de S. Máximo, entre os antigos mártires; entre os santos modernos, Joana D´arc, Tomás More, João Fisher, Inácio de Loiola, Francisco Xavier, Luiz de Gonzaga, Estanislau Kostka inspiraram o tema de muitas representações.

95 Entre os temas clássicos são explorados Rômulo e Rêmulo, Régulo, Bruto, Anibal, Sesostris, a morte de Sócrates, a morte de Cícero, Temístocles, Catilina, Astyanax, Alexandre Magno, etc. etc. A história , moderna de cada nação é também utilizada com proveito para a educação cívica dos jovens estudantes. Nos palcos franceses aparecem Clovis, Carlos Magno, S. Luiz, Joana D´arc. Em Tournai, representava-se em 1600 "a antiga liberdade dos Belgas, restabelecida por Alberto e Isabel"; em Namur em 1642 "o Leão belga perseguido pelos seus inimigos e socorrido pelas armas de... D. Francisco de Melo... governador dos Paises Baixos".

     Sobre o teatro dos jesuítas no Brasil, ver Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, t. II, 599-613; t. IV, 291-301. Sobre a História do teatro escolar nos colégios da Companhia, o seu valor artístico, a sua influência literária etc., haveria muito que dizer, mas sairíamos assim, dos limites que nos traçamos, restritos ao simples estudos do Ratio, na sua estrutura e no seu valor pedagógico.

96 À Província de Polônia respondia o Geral em 1582: "De dialogis etiam non repugnamus, quin exhibui possint lingua vernacula". À Província de Áustria em 1588: "Concessit P. Generalis intermedia vulgari lingua, ita tamem ut nullam habeant scurrilitatem aut levitatem indignam homine religioso". Outros documentos relativos às Províncias alemãs apud Duhr, Die Studienordnung, p. 137. Em 1600, a Província de Aquitânia é autorizada a apresentar em francês "os prólogos, epílogos e resumos dos dramas". E, 1585, Aquaviva concede ao Provincial do Brasil que os Diálogos se representem em vernáculo, mas as Tragédias e Comédias como "coisas mais escolásticas e graves" devem ser em Latim. Cfr. Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, II, 601.

97 Sobre os mistérios e dramas litúrgicos nos colégios dos jesuítas, ver Duhr, Die Studienordnung, p. 138 e sgs.

98 Schimberg, De l´éducation morale etc., p. 369.

99 "Nam ut res eran gravissima e in omnoem parabatur aeternitatem". Sacchini, Historia Societatis Jesu, V. p. 278. Maiss realista e prudente já S. Inácio advertira a conveniência da adaptá-lo à variedade de lugares, tempos e pessoas, "id dum taxat monendo, illa locis temporibus et personis accomodari oportere". Constitutiones, P. IV, c. XIII, 2A.

 

100 Constitutiones S.J. IV Pars, Proemium.

101 "Scholae litterariae hominum generi, in republica vero christiana et Christi acclesia, maxime sunt necessariae, tum ad multas vitae hujus commoditates, tum ad rectam rerum publicarum gubernationem et leges, tum ad naturae ipsius rationalis ornatum ac splendorem et perfectionem, tum demum, quod maius est, ad Dei fidem et religionem docendam, defendendam et propagandam; et ut homines ad suum tandem finem ultimum commodius et facillius perducantur". Monumenta Paedagogica, p. 345.

102 Pio XI, na encíclica Divini illius magistri, in Acta Apostolicae Sedis, t. XXII (1930) p. 49 e seg.

103 A expressão é de Justo Lipsio: "Vinculum gentium in Europa et thesaurus ac conditorium scientiarum". Opera, II, p. 115 - M.A. Mureto insistia sobre a necessidade para a aquisição da cultura: Pricipio igitur positium sit graecae latinaeque linguae cognitionem isntrumentum asse ad parandam doctrinae copiam, hoc quidem temporem plane necessarium. Id qui negant, aut quid verum sit non vident, aut contendendi studio oppugnando eo quod verum est ostentare acumem ingenii volunt". Opera Omnia, Lugduni Batavorum, 1789, I, 336. Filosofia, história, astronomia, matemática, ciências naturais - tudo se escrevia e estudava em latim.

104 Erasmo, Opera, I, 489.

105 "Duo sunt in nobis numera divina utilitate magna, nobilitate prima, ipso genere praeclara, ratio et quasi nuntis quidam rationis et interpres, sermo. Haec duo, sunt quae nos homines reddunt". Perpiniani, Opera, I, 76. A perfeição da cultura, dirá outro humanista com um trocadilho interessante, consiste no reto uso da razão e da palavra: ut more antiquorum ratione e oratione probe utamur". Richer, Obstetrix animorum, fol. 99.

106 "Et quoniam, qui istas de quibus sermo a nobis susceptus est, litteras studiose colunt, comes, faciles, tractabiles, jucundi et suaves evadunt, propterea ipsimet eruditiorii, ab effectu scilicet, hoc nomem impositum mihi videtur". Pontanus, Pro gymnasmata latina, I, 320.

107  Possevinus, De cultura ingeniorum, c. 4.

108 Bainvel, Causeries pédagogiques, p. 42.

109 S. Inácio já acentuava a importância destes exercícios mais úteis talvez do que as próprias lições. "Ni solamente se leen las licciones, mas hácese a todos ajercitarse en composiciones disputas, y conferir entre si de varios modos; cosas que ayudam mas uizáa ue las lecciones". Cartas de S. Ignacio, Madrid, 1875, p. 557, nota. - O Ratio de 1586 encarece singularmente o valor formativo dos debates na formação filosófica e teológica. Ver Pachtler, II, 103.

110 "Nulla re magis adolescentium industri quam satietate languescit". Regra 24, das comuns, aos professores das classes inferiores.

111 No entanto Compayré escreve: "Dans le Ratio Studiorum nous n´avons pas trouvé un mot qui annoçât le désir d´éveiller la réflexion personelle et d´accroître l´intelligence". Histoire Critique des doctrines de l´education, Paris 1881, t. I, p. 254. - Evidentemente, a leitura foi feita com óculos esfumaçados por preconceitos antijesuíticos pouco conciliáveis com a isenção superior do espírito científico. Todas as apreciações de Compayré - infelizmente transcritas por numerosos autores pouco críticos e menos familiarizados com as fontes - devem ser submetidas a uma revisão à luz dos documentos originais e da sua interpretação histórica.

112 F.P. Donnely, S.J. Principles of Jesuit Education in Practice, New York, P. J. Kennedy and Sons, 1934, p. 11-12.

113Em Woodstock Letters, t. XXII (1893), 105-107, cit. por A.P. Farrel, The jesuit code of liberal Education, p. 402.

114 J. Bainvel, S.J. Comment enseigner la théologie dans les grands séminaires, nos Études, t. CXVII (1908) p. 85.

115 Schimberg,  L´education morale, p. 40. Já Ledesma exigia em quem ensina este cabedal de qualidades: "o professor deve ser homem de ciência e de virtude, prestigiado pela autoridade, pelo tino e pela experiência e de talento acima da mediania". Mon. paedag., 349.

116 Schimberg, Op. cit., p. 40-1.

117 Institutum Societatis Jesu, Congreg. II, Decreto 9.

118 Antes da promulgação do Ratio, nas regras dos ofpicios comuns composta em 1577, já se advertia ao Provincial na sua regra 50 que, "a fim de que não faltassem bons professores de humanidades instituisse e conservasse o respectivo seminário, et ne in his [humaniorum litterarum studiis] professores idonei desint illorum seminaria et instituet et conservabit". Institutum S.J., Romae 1870, t. II, p. 84.

119 Indicação de outros seminários análogos nas Províncias da Europa pode ver-se em Duhr, Die studienordnung der Gesellsehaft Jesu, Frei.. B. 1896 p. 42.

120 Ver Francisco Rodrigues, A formação intelectual do jesuita, Porto, 1917, p. 100.

121 "Den Jesuiten gebührt das Verdienst erstmals etwas für die paedagogische Vorbildung künftiger Lehrer an höreren  Schulen gethan, dem Probe = und Seminariahr unserer Tage praeludiert zu haben". Ziegler, Geschichte der Pädagogik, p. 111. Cit. por Schimberg, Op. cit., p. 40.

122 Pachtler, I, 159, 411-12.

123 "Bonam debemus juventutis institutionem, de qua tamen non optime merentur, et vix nostrae abligationi respondent Praeceptores, quamdiu amaro sunt animo". Pachtler, II, 145.

124 "Studeat etiam diligenter caritate religiosa magistrorum fovere alacritatem, curetque ne muneribus domesticis gravidus onerentur". B-20. O Ratio de 1586 batia ainda mais forte na mesma tecla: "Rectoribus nihil antiquius, nihil optabilius esse debere, quam, ut salva religiosae pietatis disciplina, Praeceptorum conservent hilaritatem, et in ea posita esse praesidia omnia scholarum bene gerendarum existiment". Pachtler, II, 146.

125 Comentando o Ratio, assim escrevia Jouvency: "O mestre cristão deve trazer muita vez à consideração a importância de seu cargo, as obrigações que lhe impõe o serviço de Deus, o cuidado dos alunos que lhe encomendaram, o bem do Estado e da cidade onde ensinam... Mestres, vós dais aos homens a cousa mais bela que lhes podeis dar, iluminais a inteligência e educais aos filhos de Deus. Homens, respeitai o homem e não desprezeis essa natureza que o Criador do mundo fez sua. Essas crianças têm dignidade de reis. Olhai nelas a Cristo que as resgatou pela Cruz". De ratione discendi et docendi, c. III, § III.

126 Uma regra mais antiga, anterior ao Ratio, prescrevia: "Ogni maestro farà quel conto dell´offitio che gli è commesso che far si deve di una cosa molto inportante et necessaria alla salute del mondo". Mon, paed. S.J., p. 626.