CURSO DE PSICOLOGIA
SARA SANTOS CASIMIRO
Existem várias explicações sobre a Reforma Protestante, mas, geralmente, fala-se em duas causas principais: A explicação tradicional diz que a Reforma aconteceu devido a abusos e desordens que haviam na Igreja de então, sobretudo na própria cúria romana. Tanto que esses abusos eram motivo de preocupação dos próprios católicos, como se pode observar pelas disposições do Concílio de Trento.
Hoje em dia, católicos e protestantes relativizam essa tese e procuram, por um lado, atenuar a idéia de uma corrupção generalizada no todo da Igreja. Por outro lado, dados científicos trouxeram novas luzes sobre a questão. Segundo Giacomo Martina, as palavras de Lutero foram bastante reveladoras, ao dizer: “A vida é má tanto entre nós como entre os papistas, mas nós não os condenamos por sua vida prática. A questão é bem outra: se eles seguem a verdade” (1995, p. 53).
Na explicação dos protestantes, os reformadores quiseram, portanto, evocar o genuíno e autêntico sentido do cristianismo, do qual a Igreja romana, aos poucos, se separara. Outros textos mostram que Lutero não queria se separar da Igreja mas, sim, uma transformação: do primado papal, do sacrifício da missa, das imagens etc. Nessa perspectiva, não se tratou, pois, de uma reforma moral ou administrativa, mas, sobretudo, teológica (Martina, 1995, p. 53).
O historiador francês, Lucien Fevre, rejeitando a tese tradicional, propõe novas explicações, sublinhando, principalmente, os aspectos psicológicos de desejos de uma nova religiosidade sem hipocrisias e com mais paz interior. Villoslada ressalta, de modo enfático, a influência pessoal de Lutero “com sua índole complexa, sua religiosidade assustadora e imponente, que despertava uma forte impressão no espírito dos seus ouvintes”. Segundo as teses de alguns marxistas, Lutero “compartilhava das aspirações de seu povo oprimido pela burguesia latifundiária, e que soube guiá-lo, com eficácia, à revolta” (Martina, 1995, p.55).
Existe, entretanto a controvérsia acerca da questão do comércio das indulgências plenárias, principalmente no conturbado cenário alemão (envolvendo o alto clero e banqueiros), como uma das causas motrizes iniciais da Reforma. Guido Zagheni conta que padre dominicano, Tetzel, encarregado pela Igreja de pregar sobre as indulgências, chegou a uma cidade a 30 Km de Wittenberg, e obteve bastante sucesso na sua pregação, na qual, “carregando nas tintas, ele pregava que a alma era libertada do purgatório tão logo a moeda caísse na caixa de esmolas” (1999, p.74). Segundo o mesmo autor, Lutero ficou sabendo dos exageros de Tetzel através do testemunho dos seus penitentes. Como acreditava na luta pessoal contra o pecado para alcançar a salvação, reagiu com raiva escrevendo para as autoridades eclesiásticas do seu País e afixando, no mesmo ano, 1517, as 95 teses sobre as indulgências na porta da igreja do castelo de Wittenberg. As teses começam com uma premissa:
“Para fazer com que brilhe a verdade, tudo o
que está abaixo será discutido em Wittenberg, sob a presidência do R.P.
Martinho Lutero, professor de artes e s. teologia, e aí também o leitor
ordinário nesta Universidade. Por isso, ele pede que todos os que não puderem
estar presentes para discutir verbalmente conosco, façam-no por escrito. Em
nome de N.S. Jesus Cristo. Amém.”
Segue-se a lista das teses, que estão ligadas à temática única da prática e da teologia da penitência. Em seu conjunto, elas são uma exortação à penitência (teses 1-4; 92-95); o cristão não deve cair numa falsa segurança, confiando em indulgências, dinheiro, ritos exteriores (30-32; 49), mas abraçar a cruz; chamam a atenção para o essencial: o evangelho (92), a cruz de Cristo (68; 92-95), a caridade para com os pobres (41-45; 59); a interioridade, que vai além da exterioridade (4; 48; 94); algumas delas fazem uma dura crítica aos abusos presentes na Igreja e nos cristãos da época (Zagheni, 1999, p.74). De acordo com este autor, as 95 teses, algumas das quais são irônicas e paradoxais, inscrevem-se num contexto local muito concreto e se referem à pregação de Tetzel.
AS TESES MAIS SIGNIFICATIVAS SÃO AS SEGUINTES:
1. O nosso Senhor e mestre, Jesus Cristo, ao dizer “Fazei penitência”(Mt. 4,17), quis que toda a vida dos fiéis fosse uma
penitência;
2. Essa palavra não pode estar se referindo à penitência sacramental (isto
é, à confissão e à satisfação realizadas pelo ministério dos sacerdotes);
3. Nem apenas à penitência interior, pois a penitência interior nada é
senão produzir exteriormente várias modificações da carne;
4. Por isso, a pena dura enquanto durar o ódio a si (que é a verdadeira
penitência interior), isto é até à entrada no reino dos céus;
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6. O Papa não pode perdoar dívida senão declarar e confirmar aquilo que já
foi perdoado por Deus; ou então faz nos casos que lhe foram reservados. Nestes
casos, se desprezados, a dívida deixaria de ser em absoluto anulada ou
perdoada;
7. Deus não perdoa a culpa de ninguém sem antes submetê-lo, inteiramente
humilhado, ao sacerdote, seu vigário.
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27. Pregam futilidades humanas quantos alegam que no
momento em que a moeda cair na caixa a alma se vai do
purgatório;
28. O certo é que o tilintar da moeda no caixa pode
aumentar apenas o lucro e a avareza, mas o sufrágio da Igreja depende apenas do
beneplácito de Deus;
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30. Ninguém tem certeza da suficiência do seu
arrependimento e pesar verdadeiros; muito menos
certeza pode ter de haver alcançado pleno perdão de seus pecados;
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32. Irão para o diabo juntamente com seus mestres
aqueles que julgam obter certeza de sua salvação mediante breves de indulgência;
33. Há que acautelar-se
muito e ter cuidado daqueles que dizem: “A indulgência do papa é a mais sublime
e mais preciosa graça ou dádiva de Deus, pela qual o homem é reconciliado com
Deus”;
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36. Todo e qualquer cristão que se arrepende
verdadeiramente dos seus pecados, sente pesar por ter
pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, perdão esse que lhe pertence
mesmo sem breve de indulgência;
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42. Deve-se ensinar aos cristãos que não é intenção
do papa que a aquisição das indulgências coloque, de algum modo, de lado as
obras de misericórdia;
43. Deve-se ensinar aos cristãos que quem dá aos
pobres ou faz um empréstimo ao necessitado age melhor do que quem compra
indulgências;
44. Porque com as obras de caridade cresce a
caridade e o homem se torna melhor, ao passo que com as indulgências ele não
fica melhor, mas apenas mais livre da pena;
45. Deve-se ensinar aos cristãos que aquele que vê
seu próximo padecer necessidade e a despeito disto gasta dinheiro com
indulgências, não adquire indulgências do papa, mas provoca a ira de Deus;
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50. Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa
tivesse conhecimento da traficância dos apregoadores de indulgências,
preferiria ver a basílica de S. Pedro ser reduzida a cinzas a ser edificada com
a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas;
52. Comete-se injustiça contra a palavra de Deus
quando, no mesmo sermão, se consagra tanto ou mais tempo à indulgência do que à
pregação da Palavra do Senhor;
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62. O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo
Evangelho da glória e da graça de Deus;
63. Este tesouro, porém, é muito desprezado e
odiado, porquanto faz com que os primeiros sejam sempre os últimos;
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75. Considerar as indulgências do
papa tão poderosa, a ponto de poderem absolver alguém dos pecados, mesmo
que (coisa impossível) tivesse desonrado a mãe de Deus, significa ser demente;
76. Bem ao contrário, afirmamos que a indulgência do papa nem mesmo o menor pecado venial pode anular,
no que diz respeito à culpa que constitui;
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82. Eis um exemplo: porque o papa não tira de uma só
vez todas as almas do purgatório, movido por santíssima caridade e em face da
mais premente necessidade das almas, que seria justíssimo motivo para tanto,
quando, em troca de vil dinheiro para a construção da basílica de S. Pedro,
livra um sem-número da almas, logo por motivo bastante
insignificante?;
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86. Ainda: porque o papa, cuja fortuna é hoje mais
principesca do que a de qualquer Crasso, não prefere edificar a basílica se S.
Pedro de seu próprio bolso, em vez de o fazer com o dinheiro dos fiéis pobres?;
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90. Refutar estes argumentos sagazes dos leigos pelo
uso da força e não mediante argumentos da lógica, significa entregar a Igreja e
o papa à zombaria dos inimigos e desgraçar os cristãos;
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94. Deve-se exortar os
cristãos a seguir com zelo o seu cabeça, Cristo, através das penas,
mortificações e castigos;
95. De tal modo que confiem mais em entrar no Céu
depois de “passar por muitas tribulações”(At. 14,22).do que através da segurança da paz;
Estas teses, as mais significativas, foram extraídas dos livros de Zagheni (1999, p.74-77), e de Roland Frölich (1987, p. 122-123). O texto completo das 95 teses pode ser encontrado em H. Betterson. Documentos da Igreja Cristã. Rio de Janeiro: JUERP/ASTE, 1983, 2ª ed.p.231-238).
BIBLIOGRAFIA
FRÖHLICH, Roland. Curso Básico de História da Igreja. Trad. de
Alberto Antoniazzi. São Paulo: Paulus, 1987.
MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero a nossos dias. I
– O período da Reforma. Trad. Orlando Soares Moreira. São Paulo: Loyola,
1995.
TÜCHLE, Germano. Reforma
e Contra-Reforma. In: Rogier, L.J; Aubert, R.
e Knowles. Nova
História da Igreja. v. III. Petrópolis: Vozes, 1983.
ZAGHENI, Guido. Curso
de História da Igreja. V. III. A Idade Moderna. São Paulo: Paulus, 1999.