Quem
foi o Cardeal Roberto Belarmino?
Segundo
Bangert, Belarmino foi um eminente jesuíta, teólogo e professor do colégio
romano, as suas “Controvérsias” tiveram uma tríplice significação histórica:
a) foram um retrato da Igreja tal como os católicos geralmente a concebiam no séc. XVI, com forte realce para a sua
jurídica estrutura hierárquica; b) põem em foco as posições protestantes, como
as viam os católicos do século XVI, centrando o debate no primado pontifício;
c) e marcaram o tom do pensamento católico da Igreja para os três séculos
seguintes (Bangert, 1972, p. 75).
Diz
Magno Vilela: “Segundo a definição
célebre de Roberto Belarmino (1542-1621), que vigorou até o Concílio Vaticano
II, a Igreja era << a assembléia de homens ligados entre si pela confissão
da mesma fé cristã e pela comunhão dos mesmos sacramentos, sob o governo dos
legítimos pastores e principalmente de um só vigário de Cristo sobre a terra, o
pontífice romano>>. (Vilela, Magno,
p.89).
Villoslada
classifica Belarmino entre os ‘controversistas pós-tridentinos’ que bem defenderam a Igreja católica contra
os protestantes. Para ele Belarmino foi um insigne jesuíta, professor de
teologia em Roma e mais tarde cardeal que participou da elaboração de muitas
obras científicas, de seu tempo,
particularmente da correção da Vulgata.
Porém o que lhe deu destaque foram as suas Disputas
sobre Doutrinas controversas, conhecidas, mais tarde como Controvérsias. Diz Villoslada que os
próprios adversários reconheceram as qualidades dessa obra e fizeram dela
arsenal para as suas controvérsias. Diziam que essa obra fez mais danos aos
protestantes do que todos os exércitos do Imperador” (Villoslada, 1967, p. 1018-1049).
Sobre
Belarmino, acrescenta Tüchle e Bouman ( 1983, p. 234) que escrevera, em defesa
da Igreja “Disputationes de controversiis” (“Disputas sobre Doutrinas
controversas”). Entretanto só com a
Bíblia não era possível argumentar sobre o primado papal...” Tüchle afirma
que a cúpula da Teologia na Universidade de Lovaina era, desde 1570, o Jesuíta Roberto Belarmino que
procurava refutar as doutrinas da Reforma e que se instituíram cátedras somente
para refutação das teses protestantes. (1983, p. 171).
Extraída da obra de: Galileu Galilei. Ciência
e Fé. São Paulo: Nova Stella
Editorial; Rio de Janeiro: MAST. , 1988. (Coleção Clássicos da Ciência, v. 3).
Para se compreender a natureza da influência do
Cardeal Belarmino na mentalidade religiosa jesuítica da sua época, nada melhor
do que alguns trechos da sua carta, endereçada ao Provincial dos Carmelitas da
Província da Calábria, o padre Paolo Antônio Foscarini, em 12 de abril de 1615:
“Primeiro, digo que me parece que Vossa
Paternidade e o Senhor Galileu ajam prudentemente, contentando-se em falar
<por suposição> e não de modo absoluto, como eu sempre cri que tenha
falado Copérnico. Porque dizer que, suposto que a Terra se move e o Sol está
parado, salvam-se todas as aparências melhor do que com a afirmação dos excêntricos
e epiciclos, está dito, muitíssimo bem e não há perigo algum. E isto basta para
o matemático. Mas querer afirmar que realmente o Sol está no centro do mundo e
gira apenas sobre si mesmo sem correr do oriente ao ocidente e que a Terra está no 3º céu e gira com suma velocidade em
volta do Sol, é coisa muito perigosa não só de irritar todos os filósofos e
teólogos escolásticos, mas também de prejudicar a Santa Fé ao tornar falsas as
Sagradas Escrituras. Porque Vossa paternidade mostrou bem muitos modos de explicar
as Sagradas Escrituras, mas não os aplicou em particular, pois, sem dúvida,
haveria de encontrar grandíssimas dificuldades se tivesse querido explicar
todas as passagens que o Sr. mesmo citou. Segundo, digo que, como o Sr. Sabe, o
Concílio proíbe explicar as Escrituras contra o consenso comum dos Santos
Padres. E, se Vossa Paternidade quiser ler, não digo apenas os Santos Padres,
mas os comentários modernos sobre o Gênesis, sobre os Salmos, sobre o
Eclesiastes, sobre Josué, verá que todos concordam em explicar literalmente que
o Sol está no céu e gira em torno da Terra com suma velocidade e que a Terra
está muitíssimo distante do céu e está imóvel no centro do mundo. Considere
agora o Sr., com sua prudência, se a Igreja pode tolerar que se dê às Escrituras
um sentido contrário aos Santos Padres e a todos os expositores gregos e
latinos. Nem se pode responder que esta não é uma matéria de fé, porque, se não
é matéria de fé ‘por parte do objeto’, é matéria de fé ‘por parte de quem
fala’. Assim, seria herético quem dissesse que Abraão não teve dois filhos e
Jacó doze, como quem dissesse que Cristo não nasceu de uma virgem, porque um e
outro o diz o Espírito Santo pela boca dos Profetas e Apóstolos. Terceiro, digo
que, se houvesse verdadeira demonstração de que o Sol esteja no centro do mundo
e a Terra no 3º céu, e de que o Sol não circunda a terra, mas a Terra circunda
o Sol, então seria preciso proceder com muita atenção na explicação das
Escrituras que parecem contrárias a dizer, antes, que não as entendemos, do que
dizer que é falso aquilo que se demonstra. Mas não crerei que há tal
demonstração até que me seja mostrada. Nem é o mesmo demonstrar que, suposto
que o Sol esteja no centro e a terra no céu, salvam-se as aparências, e
demonstrar que na verdade o Sol esteja no centro e a Terra no céu. Porque a primeira demonstração creio que possa
haver, mas da Segunda tenho dúvida muitíssimo grande e, em caso de dúvida, não
se deve abandonar a Escritura Sagrada , explicada pelos Santos Padres.
Acrescento que aquele que escreveu < Levanta-se o Sol e se põe, e retorna ao
seu lugar, etc.> foi Salomão, o qual não só falou inspirado por Deus, como
também foi um homem muitíssimo mais sábio e douto que todos os demais nas
ciências humanas e no conhecimento das coisas criadas, e toda esta sabedoria
recebeu-a de Deus. Donde não ser verossímil que afirmasse uma coisa que fosse
contrária à verdade demonstrada ou que se pudesse demonstrar. E, se me for dito
que Salomão fala de acordo com a aparência, parece-nos que o Sol gira enquanto
a Terra gira, como a quem se afasta da praia parece que a praia se afaste do
navio, responderei que quem se afasta da praia, embora lhe pareça que a praia
se afaste dele, sabe, no entanto, que isto é um erro e o corrige, vendo
claramente que o navio se move e não a praia. Mas, no que se refere ao Sol e à
Terra, não há nenhum perito na matéria que tenha necessidade de corrigir o erro
porque experimenta claramente que a Terra está parada e que o olho não se
engana quando julga que o Sol se move, como também não se engana quando julga
que a Lua e as estrelas se movem. E baste isto por agora... Cardeal Bellarmino
(
Decreto da Sagrada Congregação dos ilustríssimos Cardeais da Santa Igreja
Romana, especialmente delegados pelo Santíssimo Senhor Nosso Papa Paulo V e
pela Santa Sé Apostólica para o Índice dos livros e para permissão, proibição,
correção e impressão dos mesmos em toda a República Cristã.) ( In: Galileu Galilei. Ciência e Fé. São Paulo: Nova Stella Editorial; Rio de Janeiro:
MAST. , 1988. (Coleção Clássicos da Ciência, v. 3).
1 -
Segundo o quadro cronológico da Bíblia de Jerusalém (pp.2331-2352), os 11
primeiros capítulos do Gênesis abrangem o que poderia se chamar de
‘pré-história da humanidade’. Qualquer tentativa de paralelismo entre os dados
‘pré-históricos’ da Bíblia e os dados científicos seria forçar os conteúdos
simbólicos da Bíblia. Todavia, pelo o referido quadro cronológico, os episódios
da criação corresponderiam às origens do homem; o Êxodo e os outros livros do Pentateuco
corresponderiam aos sucessivos impérios egípcios; Moisés teria recebido a
‘Lei’, por volta de 1250 a.C., data correspondente ao Novo Império Egípcio.
Essa longa extensão de tempo pressupõe a passagem da humanidade por várias
etapas socioculturais nas quais, certamente, à organização social em clãs, se
sucederam sociedades mais complexas; às economias caçadoras e coletoras, se
sucederam atividades agrícolas rudimentares e, aos poucos, foram sendo gestadas
as sociedades escravistas antigas.
2 -
Pela mesma fonte, ou seja, a Bíblia de Jerusalém, os reis e os profetas do
Antigo Testamento testemunharam o longo período de formação do império egípcio,
das culturas mesopotâmicas e a expansão do império persa. Os Provérbios teriam sido escritos por
volta de 450 a.C., o que corresponderia ao apogeu do Império Persa e ao
‘século’ de Péricles, na Grécia clássica.
Entre 342 e 332 a.C., foram contemporâneos Filipe da Macedônia e
Aristóteles, em conologia correspondente
ao profeta Joel e aos livros das Crônicas
e de Esdras-Neemias. É mais ou
menos nessa época que começa a dilatação do império grego e, principalmente, da
cultura helenística.
3 -
O livro do Eclesiástico corresponde
ao predomínio helenístico no Mediterrâneo, porém, já na fase de dilatação do
Império Romano. Kurt Salter afirma que o
autor “apresenta-se com o seu nome
YEOSHUA BEN SIRACH DE JERUSALÉM (coisa rara na literatura bíblica; a grande
maioria dos autores prefere o anonimato) e denomina o seu livro << o
Livro da Sabedoria e dos Ensinamentos >> (...) com os seus cinqüenta e um
capítulos, além de ser um livro muito mais extenso do que os provérbios de
Salomão, também é uma obra de data mais recente, e sua linguagem, embora de
fácil compreensão, é bastante erudita.(Salter, In: Herança Judaica,
n.39–vol. 24, set/1979). Mas, levando em conta as informações do próprio neto
de Ben Sirach que traduziu o texto hebraico para o grego no ano 132 a.C.,
presume-se que tenha sido escrito na Judéia, entre 190-180 a. C., momento em
que a Palestina acabava de passar para o domínio dos Selêucidas. Nesse quadro,
conforme a Introdução ao Livro do Eclesiástico
da Bíblia de Jerusalém, “A adoção de
costumes estrangeiros, a helenização, é favorecida por uma parte da classe
dirigente(...) A essas ameaçadoras novidades Bem Sirac opõe todas as forças da
tradição. Ele é um escriba que une o amor da Sabedoria ao da Lei. É repleto de
fervor pelo Templo e suas cerimônias, cheio de respeito pelo sacerdócio, mas
também conhece a fundo os livros santos, os Profetas e sobretudo os escritos sapienciais
(..).Os mais diversos temas são abordados sem ordem e com repetições, são
tratados como pequenos quadros que se agrupam, de modo livre, máximas curtas
(...) A doutrina é tão tradicional quanto a forma. A Sabedoria que Bem Sirac
prega vem do Senhor, seu princípio é o temor de Deus (...) Mas Ben Sirac é um
inovador quando identifica a Sabedoria com a Lei proclamada por Moisés (24,23)
(...) diferentemente dos seus predecessores, portanto, ele integra a sabedoria
na corrente legalista. Além disso, vê a observância da lei na prática exata do
culto (35,1-10); é um fervoroso ritualista (...) Ben Sirac medita sobre a
História Sagrada (44,1-49-16). Faz desfilar as grandes figuras do Antigo
Testamento(...) se ufana do passado do seu povo e se detém sobretudo nos santos
e relembra as maravilhas que Deus realizou por meio deles. Com Noé, Abraão,
Finéias e Davi, Deus fez uma aliança, que sem dúvida interessa a todo o povo,
mas que assegura privilégios duradouros a certas famílias, sobretudo
sacerdotais. Pois o autor faz questão de honrar o sacerdócio.
4 - Inúmeros impérios germinaram, cresceram e
predominaram no Médio Oriente e no
Mediterrâneo Antigo. Suas economias agrícolas e
suas sociedades, rigidamente estratificadas em classes, por um lado, e
as sucessivas guerras de conquista, por outro,
normatizaram não só o trabalho escravo mas, também, os conceitos
ideológicos, jurídicos, morais e religiosos que justificaram a escravidão.