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TEIXEIRA, Anísio. Carta a Abgar Renault, Rio de Janeiro, 19 maio 1964.
Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATc 54.05.11/2

Rio, 19 de maio, 62

Meu querido Abgar:

Há muito tempo não recebia carta, que me tocasse como a sua de 15. Sou um homem a quem a vida dá e tira com uma certa grosseria e sinto que me vou deshabituando à delicadeza. A sua carta é a cousa mais fina e delicada que me chegou nos últimos tempos. Muito e muito obrigado. Pudessem sempre os pequenos incidentes pessoais da lida humana ter os remates ricos e significativos que V., com a sua carta, deu a essa nossa rara divergência no Conselho.
O Kelly mostrou-me a sua redação nova. Estou de acôrdo com a parte ginasial. Mas, pensando melhor, nem esta mesmo cai,  a meu ver, no âmbito federal. E assim, esperando que V. esteja de acôrdo, lembrou-me o Edgard a possibilidade de pedir eu vista do processo, para apresentar algumas ponderações ao plenário, ficando dêste modo adiada a publicação do seu parecer.
Minha idéia é a de chamar atenção para a estrutura educacional criada pela Lei: sistemas estaduais de educação e sistema federal. O sistema federal, como os estaduais, estão sujeitos à Lei de Diretrizes e Bases, nos seus aspectos gerais, mas a leis próprias dos Estados e do Govêrno federal, nos seus aspectos particulares.
Quando a lei dispõe que as escolas particulares podem optar pela fiscalização federal, importa isto que aceitem elas os dispositivos da lei federal ou leis federais que regulem êsse ensino federal. Tais leis não são a Lei de Diretrizes e Bases, mas as leis especiais do sistema federal de ensino.
Como o ensino primário é estadual, não é plausível que escolas normais se integrem no sisteme federal, salvo se visam elas preparar mestres para o ensino federal e êste inclua escolas primárias em seu sistema.
Se o parecer do Conselho tornar explícito isto, ou seja, que a escola normal, sob fiscalização federal, apenas prepare professôres para possíveis escolas primárias federais, parece-me que se terá desencorajado a possibilidade - que me alarma! - de uma preparação federal de professôres primários para o Brasil.
Mande-me dizer se V. estará de acôrdo com essa interpretação da lei. Creio que não ignora que o artigo permitindo a exdrúxula opção das escolas particulares pela fiscalização federal foi um acréscimo à lei de Diretrizes e Bases, enxertado com o fim de permitir que o ensino secundário escapasse ao contrôle estadual e conservasse o dualismo educacional brasileiro de educação estadual e federal.
Todo o espírito da lei é contrário a essa dualidade. O sistema federal de ensino é supletivo e não paralelo ou destinado a duplicar o sistema estadual. A interpretação da lei deve fazer esmaecer a contradição solertemente introduzida em seu texto e não exaltá-la, ou encorajá-la, ou consolidá-lá.
As demais providências, que me pede em sua segunda carta, vão ser tomadas, assim que estiver com D. Lucia no INEP.
Deixe-me que lhe renove os meus agradecimentos pela sua carta. Como a vida poderia ser interessante se tudo fôsse tratado com êsse toque de graça e altura.

Seu de sempre,

Anísio

 


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