TEIXEIRA, Anísio. Carta a Fernando Azevedo, Rio
de Janeiro, 4 fev. 1971.
Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC
- Arquivo Anísio Teixeira - ATc
31.12.27.
Rio, 4 de fevereiro
de 1971
Meu querido Fernando:
Acompanho-o de todo coração em sua imensa dor,
que também sei compreender, por haver passado por experiência semelhante.
Ajudou-me considerar a presença de José Maurício como a de um visitante.
Chegou, nos aqueceu a vida com sua bondade e estranho senso de ausência em
relação às transitoriedades da vida e partiu, alegre, quase sem se despedir… A
isto a reflexão juntou que o sofrimento era nosso e não dêle.
Dêle, era o repouso, o
definitivo repouso do Nirvana. Os orientais, parece-me,
compreenderam melhor a vida e a morte: a provação e o descanso. Felizes os que
partem! …embora seja terrível para os que ficam. Com religião, ou sem religião,
a realidade é todo êsse impenetrável mistério, de que
não há sair se não por essas pequenas frestas abertas ao espírito humano. Sei
que V. há de vencer a provação, pois conserva também aquêle
senso estoico - que os gregos vislumbraram - e que
completa o sentido de provação com o da fortaleza contra o sofrimento. O que Zeno viu, como ninguém, é êsse cáráter do destino humano: nossa fôrça
é a da resistência ao sofrimento. Você há de se recuperar, enriquecido com a
terrível experiência e mais forte, se possível fôsse,
para continuar a dar-nos a alegria de sua presença.
Com êsses votos, em que se mistura a profunda
amargura comum, é que lhe venho agradecer sua carta de 27de janeiro e a palavra
com que conforte êste seu velho amigo afeito às
rudezas da vida e atônito e grato ante os mistérios da generosidade humana em
certas ocasiões. Saiba eu beber êsse
leite da bondade humana, sem perder aquêle outro
senso estoico de in utrunque
paratum, que é o de que V. precisa hoje e todos nós
precisamos, para sermos fiéis a nós próprios, a despeito da condição humana.
Seu e muito seu, como sempre,
Anísio Teixeira