http://www.prossiga.br/anisioteixeira/
TEIXEIRA, Anísio. Carta a Fernando de Azevedo,
Rio de Janeiro, 18 jan.1971.
Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC
- Arquivo Anísio Teixeira - ATc
31.12.27.
Rio, 18/1/71
Meu querido Fernando: somente soubemos com
atraso do falecimento de sua querida filha, que foi para nós terrível surpresa.
Telegrafei-lhe no sábado, acreditando haver recebido a expressão de nosso solidario e imenso pezar. Por
mais que busquemos aceitar a morte, ela nos chega sempre como algo de
imprevisto e terrível, talvez devido seu carater
definitivo: a vida é permanente transição, interrompida por estes sobressaltos
bruscos de morte. Não tenho espirito para continuar
agora o nosso diálogo, respondendo sua carta de 28 de dezembro. Voltarei a ela,
quando retomar a calma e puder continuar o debate, que alcança com V. niveis a que não me é facil
chegar.
A morte de sua filha e, pouco antes, a do nosso Nestor mergulham-nos dentro da
eterna condição humana, que nos arranca do debate puramente existencial das peripecias da vida humana. Alem disto e em meio a isto, sobreveiu-me a dificil conjuntura
que me arrastou, envolvido no misterio do
relacionamento humano e das obrigações e deveres que ele cria, a fazer-me
candidato à Academia, conforme telegrama que lhe deve ter chegado e que
subscrevi sob a pressão generosa e afetuosa de amigos como V. Não preciso
dizer-lhe quanto representou esse fato de violencia
contra minha natureza e meu modo de conceber a vida. Guardei de minha formação
religiosa o sentimento de que viver é servir e nada mais esperar que o conforto
desse possivel serviço. A isto juntei sempre um agudo
senso de certa insignificancia pessoal, que jamais me
permitiu pedir ou pleitear reconhecimento de qualquer especie.
Chegar a pertencer à companhia da ordem da Academia não chegou jamais a ser,
não direi ambição, mas simples desejo. Antes me parecia delirio
ou loucura. Recusar, porém, diante do calor humano em que me vi envolvido e de
que sei participava V., essa companhia seria deixar de responder a movimento de
afeto, que poderia ser mal interpretado. Por isto anui e consumei na
sexta-feira passada a minha inscrição.
Perdoe-me trazer o fato para esta carta, que comecei tomado de tristeza e dôr de sua grande perda. É que o ponho entre os
acontecimentos que envolvem esse sentido de solidariedade, comunhão e misterio que é da essencia da
vida humana, a que me dobrei como a um imperativo da sua extrema interdependencia, sentindo mais uma vez quanto somos e
existimos nos outros e pelos outros nesse inseguro mundo.
Do muito e sempre seu
Anísio