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Antonio de Sampaio Doria [1]

 

Luís Mauro Martino

Responsável pela reforma do ensino público paulista, educador é pouco conhecido mesmo do público especializado.

Estado Novo, agosto de 1938. Desde novembro do ano anterior, liberdades e garantias individuais haviam sido suprimidas. Na Faculdade de Direito da USP, um professor se recusou a dar as aulas de Direito Constitucional. Segundo ele, fazia parte do curso um breve comentário à constituição vigente, mas não leu "nem iria ler o texto" da Carta de 1937, promulgada por Getúlio Vargas. O professor, Antonio de Sampaio Doria, foi sumariamente demitido e exilado.

A luta pela democracia que o levou ao exílio foi sua principal preocupação ao iniciar, em 1920, a primeira – dentre várias que se seguiriam – tentativa de reforma do ensino público no Brasil. No começo da República a educação pública era um tema secundário, a ponto de estar vinculada ao Ministério dos Correios e Telégrafos. Além disso, cabia aos estados a organização dos sistemas de ensino em todos os níveis. Só que o governo federal podia fazer o mesmo, criando assim o campo para conflitos futuros.

Convidado pelo governo do Estado para coordenar a reforma do ensino paulista, Sampaio Dória teve a oportunidade de aplicar suas idéias educacionais. Sistematizado na lei nº 1750, de 8 de dezembro de 1920, a ação trouxe várias novidades e procedimentos ainda hoje vigentes.

Sua principal preocupação, dentro ou fora da reforma realizada, era a maneira de ensinar. Segundo o professor Lourenço Filho, uma dos principais interesses de Sampaio Doria era "tornar mais completo o aprendizado da arte de ensinar". O próprio educador afirmou, no I Congresso Interestadual de Ensino, em 1922, que "o capítulo máximo da pedagogia era a didática, a metodologia do ensino, a prática pedagógica".


"Governo democrático e ignorância do povo são duas coisas que se chocam, se repulsam, se destroem... Como um povo pode se organizar se não sabe ler, não sabe escrever, não sabe contar?"
Sampaio Dória, in Questões de Ensino (1921)
 

Esse modelo, porém, teve um ponto positivo: deixando aos estados sua própria organização, ao contrário do que aconteceu no 2o Império, o governo permitiu que novas idéias fossem aplicadas e novas experiências fossem feitas.

A primeira delas foi a de Sampaio Dória. Apesar de ter se formado advogado, ele estava muito mais interessado em filosofia e problemas sociais do que em qualquer ramo do direito.

O trabalho começou com um recenseamento educacional, o primeiro realizado no Brasil. A criação das delegacias de ensino, existentes até hoje, também foi obra sua. Criou também, em consonância com suas preocupações, as "Escolas de Alfabetização" – com o objetivo de erradicar o que ele considerava o mais grave problema educacional do país. Unificou as antigas Escolas Normais, que formavam professores, e sistematizou a prática pedagógica. Chegou mesmo a instituir uma Faculdade de Educação para a formação de professores, mas o projeto não saiu do papel.

Influenciado pelas teorias da chamada "Escola Nova", Sampaio Dória procurava o equilíbrio na relação pedagógica. Sem considerar o aluno como um ser passivo, era contra, porém, deixa-lo à própria sorte. O professor não deve centralizar o ensino na própria pessoa, mas também não pode, sob pretexto de "deixar os alunos descobrirem tudo", esquecer de dar aula. Com um pouco de sorte, explica, um aluno levaria séculos para descobrir tudo o que deveria saber.

Para o educador, a aprendizagem só acontece quando o conhecimento racional e as informações dos sentidos trabalham juntos. Há certas coisas – calor e frio, por exemplo – que podem ser apreendidos pelos sentidos. Outros conceitos, porém, como idéias de liberdade ou de imortalidade, só podem ser adquiridos pelo raciocínio. Na escola, ambos devem ser cultivados pelo educador. A demonstração do professor deve acompanhar a dedução do aluno, sem que uma se sobreponha à outra.

"Na cooperação do professor e do estudante há uma justa medida de esforços recíprocos. Ao educador cabe a direção; ao educando, a realização", escreveu Sampaio Dória. Ao contrário de outros pedagogos influenciados pela Escola Nova, ele coloca os deveres do professor ao lado dos deveres do aluno. Caberia ao educador sugerir atividades, criar ambiente de estudo e dirigir o esforço dos educandos. Os alunos, por sua vez, devem obedecer às sugestões e exercer atividades próprias – "quando alguém aprende a dançar, não adianta nada o mestre dançar por ele", escreveu, em seu livro Educação, de 1933.

Na igualdade de tarefas entre professores e alunos, há um elemento comum: o conhecimento deve sempre partir da realidade para a teoria. É a partir da observação, realizada pelo aluno, que todo o processo de conhecimento tem início. "O professor só é eficiente se for compreendido. Só é eficiente o professor que fizer seus alunos observarem o que ensina e se escolher, para a observação, realidades que permitam análises espontâneas", completa Dória, destacando a necessidade do exemplo explicativo.

E quando a aula trata de algo que não pode ser observado – uma aula de História, por exemplo? "No ensino daquilo que não puder estar materialmente presente ao observador, ou que não puder ser representado em forma perceptível pelos sentidos, cabe à palavra evocar vestígios do que se tenha observado, sugerindo, a partir daí, conhecimentos novos", responde.

O professor deve utilizar palavras e conceitos que o aluno já conhece para desenvolver novas idéias. Não adianta simplesmente falar; ele deve encontrar, dentro do que o aluno já sabe, as palavras necessárias para a formulação das informações.

A liberdade de aprender não deve ser confundida com o caos pedagógico. A escola deve estimular o aluno, mas não deixar que ele faça o que quer. Afinal, justifica, se o aluno vai viver em sociedade, deve estar acostumado desde cedo a não fazer tudo o que quer.

A educação moral, nesse particular, é uma das maiores preocupações de Sampaio Dória, a ponto de ter dedicado, em 1928, todo um livro sobre o assunto.

A moral, para o educador, está ligada ao conhecimento. A disciplina é necessária, não apenas na escola, mas em toda a vida social. À medida que a compreensão da criança aumenta, pais e professores devem passar da ordem à advertência. Quando as crianças são pequenas, não adianta adverti-las, é preciso instituir sanções imediatas. Conforme a criança vai crescendo, as ordens devem ser substituídas por advertências, deixando a escolha ao livre arbítrio da criança.

"Querer que, na escola, as crianças façam o que lhes venha à cabeça, aprendam o que lhe der na telha, seria querer a anarquia, o caos e a ineficiência educativa. Não há vida social sem disciplina".

 

Quem foi Sampaio Doria

Nascido em Belo Monte, Alagoas, em 1923, Antonio de Sampaio Doria veio para São Paulo ainda criança, onde concluiu o curso primário e fez os estudos secundários. Matriculou-se em 1904 na faculdade de Direito, formando-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, em 1908. Nessa época, iniciou sua atividade no magistério, como professor no ginásio Macedo Soares e na Escola de Comércio Álvares Penteado. A advocacia não o atrai, e Sampaio Dória vai para o Rio de Janeiro, onde se torna redator de O Imparcial. O jornalismo também não o agradou. De volta a São Paulo, em 1914, tornou-se professor na Escola Normal da Praça da República. Em 1920, foi nomeado diretor geral da instrução pública paulista, cargo que ocupou até 1926, quando, via concurso, tornou-se catedrático de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de São Paulo. Exonerado por Vargas em 1938, partiu para o exílio. Faleceu em 1964.

Encontrar informações sobre Sampaio Doria é como montar um quebra-cabeça. Apesar de sua importância no ensino brasileiro, ele é praticamente desconhecido. Enquanto Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, que realizaram reformas educacionais semelhantes, são ainda hoje lembrados e estudados, o reformador do ensino público de São Paulo está esquecido. É citado de passagem em livros sobre a História da Educação Brasileira, como o de Nelson e Claudino Pilleti.

Seus livros estão esgotados há anos. Mesmo nas melhores bibliotecas de São Paulo é difícil encontrar alguma obra dele. No acervo da Faculdade de Educação da USP, por exemplo, apenas três de seus mais de dez livros estão disponíveis – um deles em cópia xerox. Também não existem pesquisas sobre seu trabalho como educador. O mais próximo disso é uma tese de Ana Clara Nery, defendida em 1999, que trata da Sociedade de Educação, fundada por Sampaio Dória, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Oscar Freire.

Uma primeira sistematização de seu pensamento é o livro Educação, disponível na Faculdade de Educação da USP.

 

 



 



[1] Maria Isabel Moura NASCIMENTO. GT : Campos Gerais-PR- Universidade Estadual de Ponta Grossa

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