"Para o nosso jantar, teremos um peru, morto por um choque
elétrico e assado num espeto movido a eletricidade, sobre um fogo ateado por
centelha elétrica. E beberemos à saúde de todos os eletricistas da Inglaterra,
Holanda, França e Alemanha, em copos eletrizados, sob uma salva de tiros
disparados pela bateria de carga elétrica."
Nenhum dos amigos de Benjamin Franklin, ao receber o curioso convite
para um "piquenique elétrico", duvidou de que as proezas ali
prometidas se concretizariam. Nem eles, nem o restante da tradicionalmente
incrédula população de Filadélfia: os habitantes da cidade já estavam
habituados com as incríveis experiências desse homem que, em 1752, provara ser
capaz de "domar o raio".
Enquanto
cientistas de todo o mundo discutiam, em acirradas polêmicas, se os raios
seriam ou não um fenômeno elétrico, Franklin saíra em meio a uma tempestade e
conseguira atrair um raio à chave presa ao papagaio que empinava. Muitos já
suspeitavam de que o raio fosse, efetivamente, um fenômeno elétrico; mas
Franklin. captando cargas presentes em nuvens baixas, o demonstrara
experimentalmente. Era o seu sistema de trabalho: provar a teoria na prática.
(Declaração de Independência dos Estados Unidos)
Provar a teoria
na prática: a mesma norma de conduta, fosse qual fosse a atividade em que
estivesse empenhado; na ciência, ou na política. Pois esse eclético homem da
América colonial acreditou na possibilidade de libertação das colônias
americanas do jugo europeu, e se entregou a fundo a essa tarefa. Em 1754, está
propondo um plano de união das colônias; em 1757, é deputado na Inglaterra,
para defender junto à metrópole os interesses dos colonos; entre 1763 e 1765,
em missão diplomática, consegue com que se revogue o ato que proibia às
colônias o direito de se autogovernarem; em 1775,
está ao lado de Washington, organizando a defesa do país; em 1776, com
Jefferson e John Adams, está redigindo a histórica Declaração de Independência
dos Estados Unidos.
(Casa onde nasceu, em Boston)
Boston, 1706. A
cidade é um daqueles pequenos núcleos de civilização que pontilham a América do
Norte, essa imensa colônia européia. A 17 de janeiro, Josias
Franklin, ex-tintureiro, e agora fabricante de velas, está vendo nascer seu
décimo quinto filho, um menino que será batizado com o nome de Benjamin.
Os primeiros anos do garoto são tranqüilos: aprender a ler, a
escrever, a fazer cálculos elementares; e, nas horas vagas, brincar com os
colegas da vizinhança, nas empoeiradas ruelas do lugarejo. Mas a vida
despreocupada só dura até os doze anos; numa família pobre, essa já é uma boa
idade para começar a trabalhar.
Benjamin vai aprender o ofício de tipógrafo na oficina de um irmão
mais velho, James. O que lhe traz dupla vantagem: pode praticar bastante e
tornar-se um hábil profissional; e tem como adquirir cultura, lendo todos os
originais que lhe caem nas mãos. Desde pequeno, manifestara gosto pela leitura.
Agora, devora as obras que seu irmão imprime. E ainda economiza uns poucos
níqueis, para comprar outros livros, que lê, sofregamente, durante as refeições
ou à noite, à luz de velas.
Cedo, revela-se também um razoável redator: seus primeiros textos -
geralmente bem-humoradas sátiras aos costumes locais - começam a aparecer num
jornalzinho editado pelo irmão, o que lhe rende algum dinheiro. O bastante para
tentar uma aventura.
Aos dezessete anos, Benjamin está decidido a desprender-se da tutela
do pai e do irmão; quer abandonar a monotonia de Boston, trocá-la por
horizontes mais amplos. Escondido da família, embarca, em outubro de 1723, para
Nova York. Não encontrando trabalho nessa cidade, segue para Filadélfia, onde
consegue fazer prosperar uma tipografia que, até então, ia muito mal. O sucesso
financeiro é considerável; permite-lhe, depois de algum tempo, embarcar para
Londres, com a finalidade de aperfeiçoar-se na arte tipográfica.
Benjamin Franklin tem 21 anos, quando volta da Inglaterra. Cheio de
idéias, põe-se rapidamente a executá-las: para ganhar dinheiro, instala uma
tipografia própria; para dedicar-se a atividades culturais, reúne amigos - na
maioria, operários e artesãos como ele próprio - e funda um círculo, denominado
Junto. Mais ainda, une-se a um sócio e funda a Pennsylvania
Gazette (jornal até hoje existente, com o nome de
The Saturday Evening Post).
Mas o grande sucesso será, sem dúvida, o estranho periódico lançado
pouco tempo depois por Franklin: o Almanaque do Pobre Ricardo, uma
espécie de calendário que contém, além de ilustrações simples e dados
astronômicos, conselhos úteis, coleções de provérbios, jogos e divertimentos. O
humorismo leve e a moral livre dessa publicação agradam o povo; milhares de
cópias são vendidas.
Com o Almanaque, Franklin persegue objetivos semelhantes ao do círculo
Junto: pretende tornar-se um educador popular, difundindo uma moral leiga, não
baseada na metafísica ou na teologia, mas no trabalho, na economia, na
honestidade. E sobretudo no fato de que, a seu ver, o bem e o útil são
conceitos indissolúveis.
(Franklin, homem de negócios na Filadélfia)
Franklin é incansável. De uma biblioteca para o Junto, passa para a
idéia de uma que fosse aberta a todos os cidadãos: será à primeira biblioteca
pública de Filadélfia, e de toda a América. Depois, preocupado com as
necessidades de seu povo, que, desarmado, vive em contato com territórios em
guerras contínuas, organiza uma brigada de voluntários, primeiro núcleo do
exército dos Estados Unidos. Funda em seguida uma milícia de bombeiros; sugere
projetos para limpar, calçar e iluminar as ruas da cidade.
Ao lado de toda essa atividade, encontra tempo de criar uma escola,
que dará origem à primeira universidade dos Estados Unidos, a Universidade da
Pensilvânia. É justamente nesse fértil período, junto ao colégio de estudos
superiores, que Benjamin Franklin começa a interessar-se por problemas
científicos, sobretudo pelos fenômenos naturais.
Cotejando grande quantidade de dados que acumulara desde os tempos do
Junto, formula uma interessante teoria sobre a origem e direção das
tempestades; em seguida, faz observações sobre causas e estrutura dos ciclones;
estuda, além disso, a natureza das correntes marítimas; investiga o fenômeno da
condução do calor; pesquisa sobre óptica, da qual faz uma aplicação destinada a
permanecer no tempo - as lentes bifocais.
(Lentes bifocais)
Contudo, suas mais importantes pesquisas desenvolvem-se em torno da
eletricidade; sobretudo, a respeito da eletrostática, que nesse tempo é mal
conhecida. Em particular, discutia-se ainda sobre a natureza desse fenômeno,
usualmente dividido em eletricidade vítrea se produzida por atrito com o vidro e
resinosa - se produzida no atrito contra resinas.
Durante uma viagem a Boston, Franklin tem ocasião de assistir a
experiências de um certo Dr. Siencer. Entusiasmado,
pede livros sobre o assunto ao colega inglês Collinson,
que lhe remete também um tubo eletrostático. Com esse aparelho Franklin inicia
uma série de apaixonantes pesquisas. Isso o leva a formular uma teoria simples,
baseada no conceito fundamental de que existiria uma substância elétrica - ou
fluido elétrico, como se dizia - contido nos corpos em quantidades
definidas. Em determinadas condições, essa substância pode variar; se aumenta,
o corpo fica eletricamente carregado, caso em que a carga se chama positiva;
se diminui, a carga é negativa. Hipótese, portanto, análoga à
moderna.
É verdade que a teoria sobre a existência de um fluido único não era
totalmente exata; mas o raciocínio e a própria terminologia de Franklin eram
bem mais avançados que os de seus contemporâneos. Muito além destes, Franklin
já admitia que o "fluido elétrico" fosse inerente à matéria, numa
época em que todos acreditavam que ele fosse gerado apenas no momento do
atrito. Em sua correspondência com Priestley, de quem
era amigo, há indícios de que ele chegou a intuir a chamada "lei de
Gauss", considerada fundamental em eletrostática.
Cada vez mais envolvido em política, exercendo numerosos cargos
públicos, nem por isso Franklin abandona a ciência. Descobrindo em 1750 o
fenômeno de condução da eletricidade, chega, dois anos depois, à idéia do
pára-raios, que constrói. A partir daí, desenvolve sua capacidade de inventor,
encontrando aplicações práticas para toda a teoria - sobretudo a respeito de
eletricidade - que acumulara durante tanto tempo.
Mas, progressivamente, a atividade do homem empenhado na luta de
independência absorve o tempo do cientista. Com a emancipação dos Estados
Unidos, surge o Franklin-diplomata, que vai à Europa
discutir importantes tratados.
De volta, após bem sucedidas negociações de paz com a Inglaterra, é
saudado entusiasticamente pelo povo da jovem nação independente. Entre 1785 e
1788, homenageiam-no com a presidência do Supremo Tribunal da Pensilvânia;
nesse meio tempo, desempenha ainda o cargo de delegado à Convenção
Constitucional.
Benjamin Franklin morreu a 17 de abril de 1790; na Filadélfia.
Maria Isabel Moura Nascimento
GT : Campos Gerais-PR- Universidade Estadual de Ponta Grossa
(1706 - 1790)