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CECÍLIA MEIRELES

 

Leogedário A. de Azevedo Filho*


Artigos da poeta Cecília Meireles revelam uma intelectual de vanguarda comprometida com a democratização do ensino humanístico e popular 

Em 7 de novembro, comemora-se o centenário do nascimento de Cecília Meireles. Professora, jornalista, escritora e tradutora, Cecília teve colunas em jornais e revistas da época, nas quais escrevia com elegância sobre os avanços e mazelas da educação. Recebeu, em 1939, o Prêmio de Poesia Olavo Bilac, concedido pela Academia Brasileira de Letras. Teve obras traduzidas para espanhol, francês, italiano, inglês, alemão, húngaro. Faleceu em 9 de novembro de 1964, deixando uma obra expressiva.

 

Em seu "vício de gostar de gente", Cecília Meireles, além de poeta consagrada, foi professora e jornalista militante
 

Não há nenhuma incompatibilidade entre poesia e educação. Na verdade, educação sem poesia é trabalho forçado. Tal verdade transparece claramente na obra em prosa de Cecília Meireles, uma das maiores vozes da poesia brasileira que se foi.

Entre as décadas dos 30 e 40, ela militou na imprensa carioca – nos jornais Diário de Notícias e A Manhã, ambos de saudosa memória. Sua vida sempre esteve ligada ao magistério, lecionando em todos os níveis e em todos os graus, após formar-se no Instituto de Educação, onde também deu aulas. Amando sempre as crianças, criou uma biblioteca infantil no Rio de Janeiro e integrou-se, apaixonadamente, ao movimento da Escola Nova, sobretudo após assinar o famoso Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), elaborado por Fernando de Azevedo e logo apoiado pelos maiores educadores da época, entre eles Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Almeida Júnior, Delgado de Carvalho e Venâncio Filho. A democratização do ensino era o alvo de todos.

As crônicas de Cecília Meireles, segundo testemunho do próprio Fernando de Azevedo, expresso em seu livro A Cultura Brasileira (Editora UnB, esgotado), eram de vanguarda. Valentemente lutou pela educação renovada, discordando dos poderosos e reascendendo a fé nos corações dos que haviam perdido a esperança. Eis o que Azevedo escreve, no livro citado:

“Elementos de vanguarda tomavam posições da imprensa do país, especialmente no Rio de Janeiro, onde, no Diário de Notícias, de 1930 a 1933, Cecília Meireles, com suas crônicas finas e mordazes, e Nóbrega da Cunha, com sua atividade sutil e de grande poder de penetração. Azevedo Amaral, em O Jornal, com sua dialética persuasiva a serviço de um pensador robusto, e, mais tarde, J. G. Frota Pessoa, que desde 1933 fez de sua coluna no Jornal do Brasil uma trincheira de combate, pela sua lucidez implacável e pela segurança de seus golpes, traziam novos estímulos e acentos novos a essa campanha, cujo conteúdo não se esgotava sobre o plano cultural, e ao longo de cujo desenvolvimento vibravam com uma força sustentada em espírito moderno e em sentimento profundamente humano.”

Afinal, eis o que pretendia o importantíssimo manifesto dos pioneiros da educação nova: a defesa do princípio de laicidade, a nacionalização do ensino, a organização da educação popular, urbana e rural, a reorganização da estrutura do ensino secundário e do ensino técnico e profissional, a criação de universidades e de institutos de alta-costura para o desenvolvimento dos estudos desinteressados e da pesquisa científica. Esses constituíam alguns dos pontos capitais desse programa de política educacional, que visava a fortificar a obra do ensino leigo, tornar efetiva a obrigatoriedade escolar, criar ou estabelecer para as crianças o direito à educação integral, segundo suas aptidões, facilitando-lhes o acesso, sem privilégios, do ensino secundário e superior, e alargar, pela reorganização e pelo enriquecimento do sistema escolar, a sua esfera e os seus meios de ação.

Diante da imensa quantidade de crônicas de Cecília Meireles, algumas apenas reiterativas de posições já assumidas, coube-nos agrupá-las em núcleos temáticos, assim distribuídos: conceitos gerais de vida, educação, liberdade, beleza, cooperação e universalismo; família, escola, infância e educação; adolescência, juventude e educação; problemas gerais de magistério, métodos e técnicas de investigação pedagógica; educação, revolução, reformas de ensino e ortografia; educação, política e religião; nova educação, escola nova, escola normal e ensino público, formação do magistério e qualidades do professor; veículos de cultura e educação: poesia, cinema, teatro, música, exposição, métodos auxiliares e o lúdico; o espaço escolar: ambiente e ambiência, prédios, concursos; educação e literatura infantil; intercâmbio escolar; educação, jornalismo, responsabilidade e censura de imprensa; civismo na formação das crianças, dos adolescentes e dos adultos; paz, desarmamento e não-violência.

Dentro de cada núcleo temático, também nos impôs a inevitável seleção de textos, não apenas eliminando-se os reiterativos, mas também os poucos legíveis ou danificados pelo tempo. Em se tratando de colaboração diária, é natural que a variedade temática ficasse um pouco prejudicada.

Essa nossa seleção teve em mira a busca das linhas mestras do pensamento de Cecília Meireles, aqui se incluindo ainda a sua preocupação com a formação técnica do magistério de todos os graus e com a remuneração condigna dos professores. Em momento algum, ela poupou crítica aos poderosos, sempre em defesa da educação e da cultura. Antes de tudo, ela defendia as bases humanísticas da educação brasileira, seriamente atingida por reformas inconseqüentes.

Como se vê, estamos diante de uma dimensão pouco conhecida na extraordinária obra de Cecília Meireles, já que momentaneamente deixamos de ter diante de nossos olhos a nossa imortal poesia; deixamos de ter a cronista voltada para a poetização do cotidiano, como deixamos de ter a viajante-autora de crônicas de viagem em contato com várias pessoas e diferentes civilizações. Também não temos diante de nós a doce escritora que tinha “o vício de gostar de gente”, literalmente construindo uma obra orientada para a interpretação do ser humano, desde os seres anônimos às grandes figuras da cultura e da civilização.

Agora, estamos diante do espírito crítico e insatisfeito de uma jornalista combatente e profundamente preocupada com os problemas educacionais do povo brasileiro. Aliás, como professora, ela dignamente exerceu o magistério. E, na raiz do seu pensamento, pode-se depreender sempre a sua convicção, de que é preciso formar (não apenas informar) o educando, para que tenha uma vida social verdadeiramente útil a si próprio e aos outros. Daí a atualidade de seu pensamento e das teses que defendeu matéria de educação no Brasil.

 

Aprender

O mundo parece que só não progride mais rapidamente porque há, em muitas criaturas, um visível desencanto de aprender. De aprender mais continuamente, de aprender sempre.
Em geral, atingido um limite de conhecimento indispensável a certas garantias, o indivíduo instala-se nele, e deixa correr o tempo, sem se preocupar com a renovação permanente das coisas. São esses, na verdade, os que se surpreendem quando, certo dia, encontram circunstâncias diversas a atender. Pensaram que tinham formado um mundo inalterável e lhes bastava ir até o fim nessa cômoda rotina.

Mas, em alguns casos, não possuem, sequer, uma limpidez de vistas suficiente para aceitarem a certeza dessa renovação. Obstinam-se em pensar que têm a verdade consigo. E não somente em pensar, mas em dizer.

Oram quem é dono de uma verdade atingiu, decerto, um grau de superioridade inexcedível. Quem possui uma verdade não se vai agora modificar em atenção a nada nem a ninguém. É todo-poderoso e perfeito.

Assim, os rotineiros pacíficos, viciados na imobilidade das idéias, e os rotineiros pretensiosos, impregnados da convicção de uma sabedoria insuperável, constituem duas fileiras imensas, entre as quais passam a custo, e com uma impressionante coragem, os que se acostumaram a pôr sobre todas as coisas uma claridade sem enganos, e conquistaram o gosto de atingir cada dia um ponto mais alto para o seu destino.

Esse gosto provém da humildade persistente de aprender. A cada instante há na vida um novo conhecimento a encontrar, uma nova lição despertando, uma situação nova, que se deve resolver.

Entre os inertes que ou não dão por isso ou não podem assumir nenhuma atitude, e os presumidos, que, imperturbavelmente, deixam cair o seu orgulho e o seu tédio sobre os mais contraditórios acontecimentos, – aqueles que, afinal, constroem alguma coisa no mundo organizam suas atividades para vencer a experiência que se lhes apresenta.

Vencem-na pela inteligência, com que a aceitam, pelos poderes com que a compreendem, pela interpretação e o estímulo que a seu respeito são capazes de formular.

Tudo isso é aprender. E aprender é sempre adquirir uma força para outras vitórias, na sucessão interminável da vida.

Os adultos aconselham freqüentemente às crianças a vantagem de aprender, vantagem que tão pouco conhecem e que assim mesmo dificilmente seriam capazes de aconselhar. Pode ser que um dia cheguem a mudar muito, e dêem tais conselhos a si mesmos. Daí por diante, o mundo começará a ficar melhor.

 

* Leogedário A. de Azevedo Filho é professor emérito e titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, presidente da Academia Brasileira de Filosofia e organizador do livro Cecília Meireles, Crônicas de Educação 1 (Nova Fronteira, 280 págs.)

 

 

Fonte: Revista Educação (nº 45, 09/2001)

GT : Campos Gerais-PR- Universidade Estadual de Ponta Grossa

Maria Isabel Moura Nascimento

 

 Maria Isabel Moura Nascimento

 

 

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