Nicolau Copérnico
Nikolaj Kopernik /
Nicolaus Copernicus
Para Lutero, a razão era
"uma cortesã do diabo". Para os doutores do Concílio de Trento, a
"fé não só excluía qualquer dúvida, mas o próprio desejo de submeter a
verdade à demonstração". Opiniões dogmáticas como essas pareceriam
chocantes hoje, e também na Antigüidade, ou, no fim da Idade Média, quando o
pensamento cristão era regido pela escolástica. Mas no tempo de Lutero, e em
todo o século XVI, a Reforma protestante, seguida da Contra-Reforma católica,
conduziu o pensamento europeu a posições radicais. Foi o tempo das guerras
religiosas, do fanatismo intransigente e do suplício de pelo menos 30 mil
mulheres acusadas de feitiçaria.
Nesse clima apaixonado, seria
uma perfeita heresia insistir na teoria heliocêntrica. A idéia ptolemaica de que a Terra era o centro do Universo passou a
constituir um artigo de fé, confirmado por passagens da Bíblia; nem católicos
nem protestantes poderiam contestá-la.
Como se explica que a teoria de
Copérnico haja vencido essa barreira de obscurantismo religioso? Pelo menos
três fatores concorreram para isso. Em primeiro lugar, o caráter técnico da
obra que expõe a teoria heliocêntrica: De Revolutionibus
Orbium Coelestium. Só o
fato de ser escrita em latim já limitava seu acesso a uma elite letrada, embora
o latim fosse a língua "oficial" de todas as ciências da época. Mas,
além de tudo, o livro, em seis seções, era um tratado técnico
inteligível apenas por astrônomos e matemáticos. Em segundo lugar, porque um
prefácio (que não foi escrito por Copérnico) apresentava a teoria como simples
suposição, para facilitar cálculos, não como afirmação categórica. Finalmente,
o impacto da teoria foi consideravelrnente retardado
pelo fato de sua publicação ter sido quase póstuma; Copérnico só viu o livro
pronto em seu leito de morte.
Nem por isso, entretanto, a obra
conseguiu evitar totalmente a execração das teorias dominantes. Os
protestantes, Lutero à frente, a combateram imediatamente. Os católicos
mostraram-se inicialmente indiferentes: só 70 anos depois é que a Igreja
Católica colocaria a obra no "Index".
A revolução científica e
filosófica que a obra viria a trazer, portanto, foi suficientemente gradativa
para não espantar muito. Esse processo repete-se até hoje. Basta lembrar que,
mesmo com os atuais recursos de comunicação, a Teoria da Relatividade, de
Einstein, levou décadas para produzir suas marcas no pensamento humano.
(Copérnico
nasceu e viveu nesta rua no nº 15 e nº 17)
Nikolaj Kopernik - que mais tarde assinaria suas obras com a versão
latina Nicolaus Copernicus
- nasceu a 14 de fevereiro de 1473, na cidadezinha de Torun,
à margem do rio Vístula, Polônia. O pai, casado com
uma rica aristocrata, havia empregado o dote da mulher na expansão de seus
negócios e, quando Copérnico nasceu, a família desfrutava de alta projeção
local. Mais influente ainda era o ramo materno da família de Copérnico. Lucas Waczenrode, por exemplo, tio materno do pequeno Nicolau,
chegaria a ser eleito bispo de Ermeland (ou Warmia), cargo que lhe conferia privilégios de príncipe do
Império.
Aos dez anos de idade, Nicolau e
seus três irmãos mais velhos perderam o pai. Por costume e caridade, o tio rico
e poderoso assumiu a tutela dos órfãos. Aos dezoito anos, depois de uma
formação básica em escola religiosa, Nicolau matriculou-se na Universidade de Cracóvia, para estudos mais amplos de letras e matemática.
Mas o tio preparava-o para a carreira eclesiástica. Ao receber, do próprio tio,
as ordens menores, Nicolau sabia que gestões políticas se processavam para
dar-lhe o canonicato (grau de cônego) de Frauenburg (Frombork).
No meio tempo, porém, Copérnico
poderia se ocupar do aperfeiçoamento de sua instrução. Em 1497, com 24 anos,
segue para a Itália, a fim de estudar medicina, astronomia e arte (era um pintor
de razoável talento).
Seus primeiros estudos na Natio Germanorum, de Bolonha,
levaram-no a conhecer Domenico Novarra. Embora
dezenove anos mais velho que Nicolau, Novarra
tornou-se seu amigo e deu-lhe ampla orientação nos estudos de astronomia. A
primeira observação astronômica feita por Copérnico, a 9 de março de 1497, em
Bolonha, foi o ocultamente da estrela AIdebaran.
Enquanto isso, embora ausente da
Polônia, era eleito cônego de Frauenburg e o tio
aceitava o cargo por procuração do sobrinho, que só tomaria posse em 1501. E,
na Itália, imperturbável, Copérnico continuava seus estudos. Ainda em Bolonha,
interessou-se pelo idioma grego, um conhecimento que iria ter influência
fundamental em sua carreira futura.
Depois de Bolonha, foi conhecer
Roma, onde fez algumas conferências sobre matemática. Ali, apaixonou-se
definitivamente pela arte e pela ciência. Ante a insistência do tio, voltou à
Polônia para tomar posse do canonicato, mas logo em seguida obteve licença para
voltar às suas atividades na península.
Entrou para a Universidade de
Pádua, onde durante quase quatro anos estudou leis, teologia e medicina.
Finalmente, em 1504, quando voltou à Polônia em definitivo, Copérnico estava em
dia com os conhecimentos de matemática, astronomia, medicina, teologia, línguas
clássicas e direito. A sua formação intelectual estava completa.
Na biografia de Copérnico não
existe drama. Exceto a morte ocasional de algum parente querido, nenhuma emoção
mais forte parece ter perturbado a serenidade de sua existência.
Não que fosse um místico; sua
carreira clerical terá sido mais um imperativo das circunstâncias do que fruto
de uma forte vocação. Interessava-se pelas pessoas, não se confinava em
meditações monásticas, nem se atormentava com problemas teológicos.
Em retribuição ao amparo
recebido, serviu ao tio em Cracóvia até 1512, ano em
que morreu o bispo. Outro exemplo de seu desprendimento pessoal foi o exercício
gratuito da medicina, em Frauenburg, onde atendia aos
pobres.
Desde a volta da Itália,
Copérnico expandia sua cultura. O prestígio aumentava especialmente no campo da
astronomia e da matemática. Em 1514, foi convidado a opinar sobre uma reforma
de calendário, então considerada pelo V Concílio de Latrão.
Copérnico recusou, porque parecia-lhe que as posições do Sol e da Lua ainda não
podiam ser estabelecidas com precisão, dentro dos conhecimentos da época. Em
1516, assumiu interinamente a direção da diocese que havia sido de seu tio. Era
um cargo político, que Copérnico exerceu com proficiência até 1521, dada a
familiaridade que possuía com os problemas locais.
Também em função de seu
prestígio, recebeu a incumbência de planejar uma reforma monetária. Na época,
havia tal profusão de moedas cunhadas em cada cidade importante, que metade das
moedas de ouro que enriquecem a coleção mundial provém de cunhagens alemãs e
polonesas do século XV.
Copérnico estudou o assunto e
propôs um plano numa pequena obra. Mas a rivalidade dos governantes regionais
condenou a idéia ao esquecimento. A obra nem chegou a ser publicada; só foi
descoberta e impressa em Varsóvia, em 1816, quase trezentos anos depois.
Nenhuma das atividades
políticas, eclesiásticas ou médicas desviava Copérnico de seu interesse
predominante pela astronomia. Entre 1497, quando começou a estudar na Itália, e
1529, publicou 27 observações detalhadas; outros apontamentos foram encontrados
mais tarde, entre folhas de livros de sua numerosa e variada biblioteca.
Nessa época, o sistema
geocêntrico de Cláudio Ptolomeu já parecia insatisfatório para Copérnico e
muitos outros astrônomos. Freqüentemente, as observações pareciam desmentir a
teoria, o que forçava os astrônomos a reverem os arranjos de deferentes e epiciclos.
Deferente é um círculo imaginário em volta da Terra, em cuja periferia se movem
aparentemente os astros; epiciclo é o círculo em que um planeta se move e cujo
centro se desloca ao mesmo tempo sobre a circunferência de um círculo maior.
(Sistema
de Copérnico)
Tudo isso fazia Copérnico imaginar que houvesse algo de
fundamentalmente errado no sistema ptolomaico. Na
tentativa de descobrir o erro, passou a ler todos os trabalhos que precederam à
formulação da teoria de Ptolomeu. E descobriu. Graças a seus sólidos
conhecimentos de grego, foi conhecer em detalhe as teorias heliocêntricas
propostas por volta de 300 anos a.C. por astrônomos como Aristarco de Samos. Copérnico ainda supunha que as órbitas dos planetas
eram circulares, percebeu que a idéia do Sol como centro das órbitas dos
planetas fazia sentido, era mais lógica do que a idéia geocêntrica. Mas o geocentrismo era um artigo de fé, não apenas um preconceito
científico. E o cônego guardou para si o que o cientista descobrira.
Mas, na intimidade, Copérnico
discutia o assunto com discípulos e amigos. A maior parte deles insistia para
que Copérnico expusesse suas idéias em público, para críticas e comprovação,
mas o bondoso clérigo não sentia nenhuma atração especial pela polêmica. Ainda
assim, publicou em 1530 uma pequena obra intitulada Commentariolus,
na qual expunha timidamente a teoria heliocêntrica, mas sem cálculos nem
diagramas que lhe dessem força de tese ou de teoria.
Um amigo, Johann
Albrecht Widmanstadt, foi a Roma e expôs os
princípios da teoria de Copérnico a Clemente VII, em 1540. Queria limpar o
caminho das acusações de heresia que pudessem recair sobre Copérnico. Roma
autorizou a publicação da obra, talvez pelo fato de o Papa Paulo III não
entender bem do que se tratava.
(De Revolutions, Nuremberg, 1543)
Copérnico, então com 67 anos,
chegava ao fim da vida. Um discípulo, George Joachim Rhäticus, levou a Nuremberg os
originais do De Revolutionibus, para
composição e impressão. Mas o movimento luterano era tão hostil que Rhäticus decidiu tentar Leipzig. Dois colegas Jöhanes Schõner e Andreas Osiander - ficaram
encarregados da publicação naquela cidade.
Por cautela, Osiander
incluiu na obra um prefácio moderador. Dizia tratar-se não de uma nova teoria
revolucionária, mas de simples hipótese, destinada a simplificar a computação
de certos dados astronômicos. Ainda assim, a sinceridade de Copérnico
transparece no corpo do livro. No texto e nos diagramas, ele situa o Sol no
centro do sistema, Mercúrio e Vênus em torno dele, nessa ordem, a Terra com a
Lua em volta, Marte, Júpiter e Saturno, todos em gravitação circular em torno
do Sol. Por fora, a esfera de estrelas.
Quando o livro ficou pronto, em
1543, Copérnico agonizava. Ao que tudo indica, só chegou a ver a obra no leito
onde passou os seus últimos momentos.
Fonte: www.saladefisica.cjb.net
Maria Isabel Moura
Nascimento. GT Campos Gerais-PR-Universidade Estadual
de Ponat Grossa-UEPG