CURRÍCULO[1]
Conforme o dicionário Houaiss
currículo é definido como “programação de um curso ou de matéria a ser
examinada”. O Dicionário Interativo da Educação Brasileira (http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp) define currículo como o “Conjunto de disciplinas sobre um determinado curso ou
programa de ensino ou a trajetória de um indivíduo para o seu aperfeiçoamento
profissional".
Do ponto de vista etimológico, o
termo currículo vem da palavra latina Scurrere, correr, e
refere-se a curso, à carreira, a um percurso que deve ser realizado. É
utilizado para designar um plano estruturado de estudos, pela primeira vez em 1633, no Oxford
English Dictionary,
Inserida no campo pedagógico, o
termo passou por diversas definições ao longo da história da educação.
Tradicionalmente o currículo significou uma relação de matérias/disciplinas com
seu corpo de conhecimento organizado numa seqüência lógica, com o respectivo
tempo de cada uma (grade ou matriz curricular). Esta conotação guarda estreita
relação com “plano de estudos”, tratado como o conjunto das matérias a serem
ensinadas em cada curso ou série e o tempo reservado a cada uma.
Se percorrermos historicamente a
teoria curricular, podemos analisar o currículo escolar a partir de dois
grandes eixos: as concepções tradicionais ou conservadoras e as concepções
críticas. Com origem nos Estados Unidos, tanto as visões conservadoras como as
críticas influenciaram sobremaneira o campo no Brasil.
De plano de estudos o conceito
evolui para a visão de currículo como a totalidade de experiências vivenciadas
pela criança, sob a orientação da escola, levando em conta e valorizando os
interesses do aluno. Seus representantes, Dewey e Kilpatrick, contribuíram para
o desenvolvimento das teorias progressivistas. As teorias progressivistas começaram a se delinear a partir do
século XVIII e se constituíram como tentativa de buscar respostas aos problemas
socioeconômicos advindos dos processos de urbanização e industrialização
ocorridos nos Estados Unidos no final do século XIX e início do século XX. A
escola, nesse contexto, era vista como a instituição responsável pela
compensação dos problemas da sociedade mais ampla O foco do currículo foi
deslocado do conteúdo para a forma, ou seja, a preocupação foi centrada na
organização das atividades, com base nas experiências, diferenças individuais e
interesses da criança.
A partir da obra The
Curriculum, de Frankin Bobbitt, publicada nos Estados Unidos em 1918, o
currículo firmou-se como campo de reflexão e de estudos. A emergência desta
concepção está associada à racionalidade instrumental e técnica. No Brasil,
este enfoque foi deu origem ao que conhecemos como tecnicismo. Nele a ênfase
está na construção científica de um currículo que desenvolvesse os aspectos da
personalidade adulta então considerados ‘desejáveis’, preconizando a
especificação de objetivos e seus correspondentes conteúdos, com especial
atenção ao “como fazer e controlar” o processo educativo.
Essas visões de currículo, permeadas pela perspectiva tradicional, foram latentes nos Estados Unidos dos anos 1920 ao final da década de 60. No Brasil, a visão escolanovista influenciou o pensamento educacional e curricular a partir dos anos 20 e a visão tecnicista apareceu com força na década de 1960 e 70. Estas concepções de currículo pautam-se em uma visão redentora frente à relação educação e sociedade, com respostas diferenciadas na forma, mas defendendo e articulando um mesmo objetivo – adaptar a escola e o currículo à ordem capitalista, com base nos princípios de ordem, racionalidade e eficiência. Em vista disso, as questões centrais do currículo foram os processos de seleção e organização do conteúdo e das atividades, privilegiando um planejamento rigoroso, baseado em teorias científicas do processo ensino-aprendizagem, ora numa visão psicologizante, ora numa visão empresarial.
No final da década de 60 e na
década de 70, desenvolvem-se, nos Estados Unidos e na Inglaterra, estudos no
campo do currículo que inauguram a teoria crítica. Os teóricos, críticos à realidade marcada
pelas injustiças e desigualdades sociais, empenharam-se em denunciar o papel da
escola e do currículo na reprodução da estrutura social e apontar caminhos para
a construção de uma escola e um currículo afinados com os interesses dos grupos
oprimidos.
Duas correntes têm sido mais
divulgadas e influentes no campo da teoria curricular crítica no Brasil: a
Sociologia do Currículo, com origem nos Estados Unidos, e a Nova Sociologia do
Currículo, com origem na Inglaterra.
A Sociologia do Currículo, tem
como representantes mais conhecidos Michael Apple e Henry Giroux. Para esta
concepção o papel da teoria curricular é estabelecer relações entre o currículo
e os interesses sociais mais amplos, opondo-se radicalmente ao tratamento
tecnicista predominante até então. Analisa como a seleção, organização e
distribuição do conhecimento não são ações neutras e desinteressadas, mas que
atendem aos grupos que detém o poder econômico, que, por sua vez, viabilizam,
através da imposição cultural, formas de opressão e dominação dos grupos
economicamente desfavorecidos.
A Nova Sociologia da Educação
(NSE), com origem na Inglaterra, tem em Michael Young seu principal
representante e nasce do esforço dos sociólogos britânicos em redefinir os
rumos da Sociologia da Educação, a partir dos anos sessenta. O resultado foi
concebê-la como uma sociologia do currículo.
Nessa direção, a NSE foi a primeira corrente sociológica voltada para o
estudo do currículo, fundamentada na fenomenologia e no neomarxismo.Young
ressalta que é fundamental analisar os pressupostos que comandam a seleção e
organização do conhecimento escolar, pois, estes estão intimamente relacionados
ao processo de estratificação social. Basil Bernstein, outro expoente da NSE,
analisa a forma de organização e transmissão do conhecimento escolar e suas
relações com as formas dominantes de poder e de controle social presentes na
sociedade. No Brasil, o desenvolvimento da teoria curricular crítica possibilitou
uma melhor compreensão das conexões entre o currículo e as relações de poder na
sociedade durante a década de 80.
A partir da década de 90, grande
parte da produção tem sido influenciada pelo pensamento pós-moderno, com ênfase
na análise da relação entre currículo e construção de identidades e
subjetividades. Esta linha de trabalho esta presente em Giroux, McLaren,
Cherryholmes e Popkewitz. Defendem que o currículo constrói identidades e
subjetividades, uma vez que, junto com os conteúdos das disciplinas escolares,
se adquirem na escola valores, pensamentos e perspectivas de uma determinada
época ou sociedade. Por isso, os estudos sobre a cultura escolar, a cultura que
a escola privilegia, as diferenças culturais dos grupos sociais e as relações entre
esses elementos têm sido preocupações crescentes no campo curricular. Os
estudos multiculturais enfatizam a necessidade do currículo “dar voz” às
culturas excluídas, “negadas ou silenciadas”. No estudo do currículo
multicultural, destacando-se Sacristán, Giroux, Moreira, Silva, McLaren,
Santomé.
O conceito de currículo é
multifacetado e modificou-se historicamente atendendo a realidades sociais
distintas, há tempos e espaços específicos e, em conseqüência disso, precisa
ser compreendido no contexto social em que está inserido.