A
sociedade capitalista foi gestada em meio à
dissolução da ordem feudal. Inicialmente as utopias construídas a partir da
idéia de abolição da servidão preconizavam uma sociedade organizada sob a égide
do interesse coletivo, de cunho socialista. No
entanto, as revoltas populares inspiradas nessa idéia foram derrotadas (das
guerras camponesas européias à liquidação dos Levellers
na Inglaterra) e acabou se implantando um processo diametralmente oposto: a
eliminação das terras comunais através dos cercamentos
e sua transformação em propriedade.
Como
resultado desse processo, os servos foram libertados dos liames da servidão e
da terra de onde tiravam seu sustento. Para eles, liberdade significava vender
livremente sua força de trabalho para os detentores dos meios de produção,
tornando-se assalariados. Para os donos das terras –à época, o principal meio
de produção–, liberdade era dispor de suas propriedades como bem lhes
aprouvesse. A nova organização social baseava-se nesse duplo conceito de
liberdade: liberdade do trabalho –assalariamento– e livre uso da propriedade dos meios de produção –
capital.
Após
a revolução burguesa (Inglaterra, 1640-60) as instituições foram sendo
adaptadas à nova organização baseada na propriedade e um conjunto de idéias foi
produzido para justificar a nova ordem (Locke, 1690, Smith, 1776), ressaltando
sua diferença da anterior (a servidão). Dos pilares constitutivos da ordem
capitalista, propriedade e liberdade, foi esse último que deu nome a esse ideário.
Liberalismo tornou-se a ideologia da sociedade capitalista, ou burguesa.
Liberalismo
pode ser resumido como o postulado do livre uso, por cada indivíduo ou membro
de uma sociedade, de sua propriedade (o fato de uns terem apenas uma
propriedade: sua força de trabalho, enquanto outros detêm os meios de produção
não é desmentido, apenas omitido). Nesse sentido, todos as homens são iguais,
fato consagrado no princípio fundamental da constituição burguesa: todos são
iguais perante a lei, base concreta da igualdade formal entre os membros de uma
sociedade. Em uma extensão dessa, uma segunda idéia propõe o bem comum (o Commonwealth), segundo a qual a organização social baseada
na propriedade e na liberdade serve o bem de todos. (Incidentalmente, não
havendo antagonismo entre classes sociais, a ação pode
ser orientada pela razão, daí o racionalismo.) Essa é o cerne da proposição
ideológica, que visa a dominação consentida dos trabalhadores, através da
operação de identificar o interesse da classe dominante (a manutenção da ordem
social vigente) com o interesse da sociedade como um todo -- a nação.
Adam
Smith deu uma forma exacerbada ao enaltecimento das liberdades individuais na
idéia que as ações individuais, movidas exclusivamente pelo interesse próprio,
seriam guiadas infalivelmente por uma 'mão invisível' no sentido da realização
do bem comum. Um dos últimos ‘clássicos’ a recapitular a doutrina liberal é von Mises, da escola de Viena, em
uma reação à onda de revoluções socialistas do início do século passado (Mises, 1927). Depois disso o liberalismo ficou em segundo
plano ofuscado pela social-democracia, para renascer no final do século como neo-liberalismo .
Locke, John (1690) Two
Treatises of Civil Government
Smith, Adam (1776) The wealth
of nations
Fonte: http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/4verb/ideolog/index.html