LIÇÕES
DE COISAS
[1]
As lições de coisas,
forma pela qual o método de ensino intuitivo foi vulgarizado é, na realidade, a
primeira forma de intuição – a intuição sensível. O termo foi popularizado pela
Mme. Pape-Carpentier e empregado oficialmente durante suas conferências
proferidas aos professores presentes na Exposição Universal de Paris, em 1867
(BUISSON, 1912). Pestalozzi também é apontado por Buisson (1897, p.11)
como referência em lições de coisas,
pelo fato deste ter captado os pontos essenciais da renovação pedagógica que as
lições preconizavam “[...] as coisas antes das palavras, a educação pelas
coisas e não a educação pelas palavras”. Despertar e aguçar o sentido da
observação, em todas as idades, em todos os graus de ensino, colocar a criança
na presença das coisas, fazê-las ver, tocar, distinguir, medir, comparar,
nomear, enfim, conhecê-las, este é o objetivo das lições de coisas no ensino
primário e nos jardins de infância, cuja aplicação pode ser feita através de
dois sistemas: como um exercício à parte ou uma lição distinta, tendo uma hora
reservada para aplicação dentro do programa de ensino ou aplicada em todas as
disciplinas escolares, inserida em todo programa de ensino (BUISSON, 1897). Sua
difusão no final do século XIX gerou a produção de um grande número de manuais
escolares para o ensino das lições de coisas, dentre eles podemos citar: Primeiras Lições de Coisas de Norman
Allison Calkins, publicado originalmente nos Estados Unidos, em 1861 e
traduzido por Rui Barbosa, em 1886; o manual francês Lições de Cousas de Saffray, traduzido por Alves Carneiro e
publicado no Brasil em 1902; L’Enseignement
élémentaire. Plan d’études et leçons de choses, de Jules Paroz (1875); Exercices et travaux pour les enfants selon
la méthode et les procedes de Pestalozzi et de Froebel transformes et adaptes a
l’usage des écoles francaises, de Delon (1892), ambos publicados na França.
A disseminação desses manuais gerou apropriações diversas acerca das lições de
coisas, o que resultou numa grande polêmica que teve como ponto central a
crítica à forma estéril como vinha sendo aplicada e indicada em alguns manuais,
os quais reduziam-na à mera descrição de objetos, descaracterizando sua
verdadeira função: educar os sentidos e ensinar a observar, a apoderar-se do espírito
das coisas. Outra polêmica foi quanto a utilização das lições de coisas como
uma lição distinta ou disciplina específica do programa ou então inserida em
todo programa de ensino. O debate em torno dessa questão não se restringiu aos
países europeus. No Brasil, a polêmica pode ser acompanhada a partir da
prescrição das lições de coisas por Leôncio de Carvalho no Decreto n. 7247, de
1879, o qual foi polemizado nos Pareceres de Rui Barbosa sobre a reforma do
ensino primário, de 1882 e no relatório da Primeira Exposição Pedagógica do Rio
de Janeiro, de 1883. A prática das lições de coisas demandava a utilização de
determinados procedimentos, como passeios, visitas, conversas e exposições de
objetos, assim como de materiais didáticos destinados a esse ensino, dentre
eles podemos destacar a Caixa de Lições de Coisas de Mme. Pape-Carpentier, a
Lanterna Mágica, as coleções de insetos, plantas e objetos destinados a
desenvolver na criança a capacidade de exercer os sentidos e de observar. Esses
materiais foram amplamente difundidos por meio das Exposições Pedagógicas
organizadas concomitantemente as Exposições Internacionais. No Brasil, durante a Exposição Pedagógica do
Rio de Janeiro, em 1883, foi criado um Grupo específico com a finalidade de
expor as coleções de objetos para o ensino intuitivo. As fontes documentais e
historiográficas indicam a adoção dos manuais de lições de coisas e de objetos
específicos para esse ensino nos jardins de infância, na escola primária e na
escola normal, já a partir da década de 1870 no Brasil. As principais
referências documentais são: BUISSON, Ferdinand (1878, 1897, 1912); HIPPEAU,
Celestin (1871, 1885), CALKINS, Norman Allison (1886), PAROZ, Jules (1875),
SAFRAY (1902), DELON (1892), CARVALHO, Leôncio (1879, 1883), BARBOSA, Rui
(1882). (Ver Referências Documentais).
As principais referências
historiográficas sobre o tema são: JOHNSON, Phil Brian (1977), HILSDORF, Maria Lúcia (1977), VALDEMARIN,
Vera Teresa (1988, 2004), SOUZA, Rosa Fátima (1998), SILVA, Vânia Beatriz
Monteiro (1999), VILLELA, Heloisa (2002), BASTOS, Maria Helena C. (2003) e
SCHELBAUER, Analete Regina (2003, 2006) (Ver Referências Historiográficas).
REFERÊNCIAS HISTORIOGRÁFICAS
BASTOS, Maria Helena Camara. Marie Pape-Carpentier (1815-1878). Porto Alegre, 2003 (mimeo).
JOHNSON, Phil Brian. Rui
Barbosa e a reforma educacional: “as lições de coisas”. Rio de Janeiro:
Ministério da Educação e Cultura; Fundação Casa de Rui Barbosa, 1977.
HILSDORF, Maria Lúcia S.
Barbanti. Escolas americanas de
confissão protestante na província de São Paulo: um estudo de suas origens. Dissertação
(Mestrado em Educação). São Paulo: Faculdade de Educação da USP, 1977.
SCHELBAUER, Analete Regina. A constituição do método de ensino
intuitivo na província de São Paulo (1870-1889). Tese (Doutorado em Educação). São Paulo: Faculdade de Educação da
USP, 2003.
SCHELBAUER, Analete Regina. O
método intuitivo e lições de coisas no Brasil do século XIX. In: STEPHANOU,
Maria e BASTOS, Maria Helena Camara. Histórias
e memórias da educação no Brasil. Vol. II – Século XIX. Petrópolis: Vozes,
2ª. Ed., 2006, p. 132-149.
SILVA, Vânia Beatriz Monteiro
da. Escolarização e trabalho pedagógico:
um olhar sobre a construção da didática.
Tese (Doutorado em Educação). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, 1998.
SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: um estudo sobre a implantação dos grupos
escolares no Estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo: Ed. da UNESP, 1999.
VALDEMARIN, Vera Teresa. Método
intuitivo: os sentidos como janelas e portas que se abrem para o mundo
interpretado. In: SOUZA, R. F.; VALDEMARIN, V. T.; ALMEIDA, J. S. O legado educacional do século XIX.
Araraquara: Ed. da UNESP, 1998, p. 63-105.
VALDEMARIN, Vera Teresa. Estudando as lições de coisas: análise dos
fundamentos filosóficos do Método de Ensino Intuitivo. Campinas: Autores Associados, 2004.
VILLELA, Heloisa. Da palmatória à lanterna mágica: a escola
normal da província do Rio de Janeiro entre o artesanato e a formação
profissional (1868-1876). Tese
(Doutorado em Educação). São Paulo: Faculdade de Educação da USP, 2002.
[1] Verbete elaborado por Analete Regina Schelbauer,
profes]>[1] Verbete elaborado por Analete Regina Schelbauer,
professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação e do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. Integrante e
Pesquisadora do HISTEDBR – GT Maringá.