REFORMAS POMBALINAS DE EDUCAÇÃO
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O
ambiente intelectual em Portugal no século XVIII permitia debates intensos
sobre questões fundamentais ligadas à filosofia e à educação. Martinho de Pina
e Proença (1693-1743) foi o autor dos Apontamentos
para a educação de um menino nobre (1734), obra muito influenciada por
Locke, Fénelon e Rollin e tentou adaptar a Portugal algumas da teorias de
Locke. Proença recomendava aos professores que insistissem não só com o latim
mas também com a geografia, a história, a matemática e o direito. Outro
cristão-novo, Dr.Jacob de Castro Sarmento (1692-1762) introduziu em Portugal as
idéias newtonianas. Antonio Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), também
cristão-novo e conhecido de Pombal em Viena quando este era embaixador,
desenvolveu planos para a reforma do ensino médico em Portugal, em 1730. Deixou
Portugal em 1726 para fugir da inquisição, trabalhando daí em diante na
Inglaterra, Holanda, Rússia e finalmente França, onde de 1747 até sua morte, em
1783, foi colaborador dos enciclopedistas escreveu sobre medicina, pedagogia e
economia. Ribeiro Sanches escreveu também sobre a reforma educacional em suas Cartas sobre a educação da mocidade
(Paris, 1759).
A maior
influência nesse processo de inovação pedagógica foi o oratoriano Luís Antonio
Vernei (1713-1792), autor de O verdadeiro
método de estudar, que era um manual
eclético de lógica, um método de gramática, um livro sobre ortografia, um
tratado de metafísica e continha dezenas de cartas sobre todos os tipos de
assunto (MAXWELL, 1996, p.12), publicado pela primeira vez em Nápoles, em 1746.
Vernei acreditava que a gramática deveria ser ensinada em português, e não em
latim, foi um firme adepto dos métodos experimentais e se opunha a um sistema
de debate baseado na autoridade, como a tradição escolástica (auctoritas).
A
conseqüência mais imediata desse debate filosófico em Portugal foi levantar a
questão da influência da Companhia de Jesus (1534-1773). Isto se deu porque os
jesuítas mantinham um quase monopólio da educação superior e eram, do ponto de
vista de seus oponentes, os principais defensores de uma tradição escolástica
morta e estéril, inadequada à idade da razão. Na verdade, os jesuítas eram bem
menos fechados às idéias modernas do que supunham os seus opositores. O
inventário dos livros da Universidade de Évora (controlada pelos jesuítas
juntamente com algumas faculdades de Universidade de Coimbra) continha
trabalhos de Bento Feijó, Descartes, Locke e Wolff. O Colégio dos Jesuítas em
Coimbra possuía o Verdadeiro método
de Vernei .
Em
Portugal, os jesuítas tinham o direito exclusivo de ensinar latim e filosofia
no Colégio de Artes, a escola preparatória obrigatória para ingresso nas
faculdades de teologia, leis canônicas, leis civis e medicina na Universidade
de Coimbra. A única outra universidade de Portugal, a de Évora, era uma
instituição jesuítica. No Brasil, os colégios jesuíticos eram as principais
fontes para a educação secundária. E no que restava do império de Portugal na
Ásia haviam sido a força dominante desde os primórdios da expansão portuguesa
no Oriente, sendo que alguns deles chegaram a ser mortos no cumprimento da
missão evangelizadora.
Alguns
dos mais defensores (e também profissionais) da reforma educacional saíram da
instituição religiosa, como os oratorianos. As reformas aconteceram em várias
frentes. A década de 1760 marcou um período de consolidação e amplificação das
reformas iniciadas durante a década anterior. Estas incluíam a estruturação de
um novo sistema de educação pública para substituir o dos jesuítas expulsos em
1759. A Companhia de Jesus surgida no espírito da contra-reforma, exemplificava
as reivindicações ultramontanas da supremacia papal, a disputa portuguesa com
os jesuítas foi, portanto, mais do que uma questão de interesse local.
A
reforma educacional tornou-se uma alta prioridade na década de 1760. A expulsão
dos jesuítas deixara Portugal despojado de professores tanto no nível
secundário como no universitário. Os jesuítas haviam dirigido em Portugal 34
faculdades e 17 residências (colégios). No Brasil possuíam 25 residências, 36
missões e 17 faculdades e seminários.
As
reformas educacionais de Pombal visavam a três objetivos principais: trazer a
educação para o controle do Estado, secularizar a educação e padronizar o
currículo. Já em 1758 foi introduzido o sistema diretivo para substituir a
administração secular dos jesuítas. Os diretores deveriam ocupar os lugares dos
missionários e duas escolas públicas deveriam ser estabelecidas em cada aldeia
indígena, uma para meninos e outra para meninas. Aos meninos se ensinaria a
ler, escrever e contar, assim como a doutrina cristã, enquanto as meninas em
vez de contar, aprenderiam a cuidar da casa, costurar executar outras tarefas.
Os diretores, diferentemente dos missionários, deveriam impor às crianças
indígenas o uso do português e proibir o uso da própria língua.
As
reformas, no plano prático, enfrentaram problemas expondo a grande distância
entre formulações legais e realidade. “O ensino, do nível das primeiras letras
ao secundário, passou a ser ministrado sob forma de aulas avulsas, fragmentando
o processo pedagógico. Faltaram professores, manuais e livros sugeridos pelos
novos métodos. Os recursos orçamentários foram insuficientes para custear a
educação pública, havendo atrasos nos salários dos mestres. A Coroa, em
determinadas ocasiões, chegou mesmo a delegar aos pais a responsabilidade pelo
pagamento dos mestres. Isso mostra como
a educação, tornada pública pela lei, esteve em grande parte privatizada”.
(VILLALTA, p. 351).
A
Companhia de Jesus foi uma das vítimas mais evidentes dos acontecimentos postos
em marcha pelas pretensões imperiais do governo de Pombal e pelas tentativas de
nacionalizar setores do sistema comercial luso-brasileiro. A biblioteca
londrina de Pombal já refletia suas pretensões e interesses no campo
político-econômico. Dentre os livros de autores ingleses havia relatórios
selecionados sobre colônias, comércio, minas, lanifícios, cursos especializados
sobre açúcar e pesca, leis parlamentares sobre a tonelada de carga
transportada, frota mercante e navegação, fraudes alfandegárias, livros de
tarifas, regulamentos da marinha inglesa e, principalmente, sua coleção era um
verdadeiro tesouro de clássicos mercantilistas – com grande concentração em
livros sobre companhias de comércio”, segundo Maxwell ( 1995, p. 42). Esse esforço intelectual justificava-se ante
as perspectivas de encontrar os meios para neutralizar a predominância inglesa
sobre Portugal.
Os
jesuítas dominavam as fronteiras nos dois pontos mais sensíveis e vitais do
sistema imperial: o rio Amazonas ao norte e os rios Uruguai e Paraguai ao sul.
Opondo-se às autoridades seculares da América do Sul, as missões guaranis
pegaram em armas.
A Companhia de Jesus
estava presente como fator de empecilho às reformas econômicas e educacionais
de Pombal o que explica a sua expulsão e proscrição. Na última daquelas,
conforme já foi mencionado, por deter o quase monopólio da educação em
Portugal. As primeiras, explica-se em virtude “do interesse do Estado na
libertação dos índios chocar-se com os dogmas filosóficos fundamentais da
política protecionista dos jesuítas. A política dos jesuítas em relação aos
indígenas também ficava a meio caminho, como um obstáculo ao desejo de povoar e
de europeizar o interior, mediante a assimilação, e os indígenas – conforme
acreditavam Francisco Xavier de
Mendonça Furtado e Pombal – ‘devião constituir a principal força, e a
principal riqueza para (...) defender [a coroa] nas mesmas fronteiras’. A
isenção de que gozavam as missões do extremo norte, quanto a contribuições para
o Estado, criara uma tensão entre elas e a administração secular que tentava
consolidar as finanças e fortificar o Amazonas.” (MAXWELL, 1995, p.43).
Referências bibliográficas:
FALCON, Francisco. A Época Pombalina. São Paulo: Editora
Ática, 1982.
MAXWELL, Kenneth. Trad. João Maia. A Devassa da Devassa - A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal –
1750-1808. São Paulo: Editora Paz e
Terra, 1995.
___________________Marquês de Pombal - Paradoxo do Iluminismo.
São Paulo: Editora Paz e Terra, 1996.
VILLALTA, Luiz. O que se fala e o que se lê: língua, instrução
e leitura, in: MELLO E SOUZA, Laura de
(org.). História da
vida privada no
Brasil: cotidiano e vida
privada na América
portuguesa. São Paulo: Companhia
das Letras, 1997. Vol.1.