VIAGENS IMPERIAIS DO SÉCULO XIX: O DOMÍNIO DO “OUTRO” (AS) [1]
No oitocentos, os ramos da Ciência estavam mais definidos, o que levou
a ocorrência de viagens com finalidades mais precisas e realizadas por
botânicos, zoólogos, matemáticos, engenheiros, físicos e geólogos. Além disso,
as viagens tornaram-se institucionalizadas, recebendo financiamentos,
instruções e prêmios (Raminelli, 2000, p. 31). A riqueza e o progresso das
nações, que se lançaram na corrida imperialista, no século XIX, dependeram do
grau de avanço e de sucesso em relação ao domínio do “outro”, que por sua vez
está relacionado com o conhecimento deste “outro”. Daí os termos domínio da
natureza e da cultura servirem tanto aos interesses da ciência como da empresa
de colonização (Leite, 1996, p. 99). Sendo assim, muitas companhias de
investidores europeus enviaram para a América viajantes à procura de recursos
exploráveis, na tentativa de estabelecer possíveis contatos e contratos com as
elites locais, em busca de informações sobre possíveis associações, condições
de trabalho, de transporte, de mercados potenciais, enfim, de tudo que poderia
auxiliar para o sucesso de futuros empreendimentos estabelecidos nos
territórios explorados. Os textos de viajantes do período, portanto, possuíam,
ao mesmo tempo, um projeto de conhecimento e de domínio.
No século XIX, ocorre o que Sérgio Buarque de Holanda denominou um
“novo descobrimento do Brasil”, onde o “novo” e o “velho” se confrontam,
ampliando o conceito de civilização. Holanda se refere às viagens de europeus
que finalmente tiveram acesso a uma terra antes tão protegida pelo colonialismo
português (Holanda, 1976, v. I, tomo II, p. 13). Neste século, portanto,
enfatizaram-se os termos legitimadores da expansão do domínio europeu, passando
a predominar noções como missão civilizadora, paradigmas de progresso e
desenvolvimento baseados em tecnologia (controle da natureza), além do racismo
científico, principalmente a partir da segunda metade do século XIX (Galvão,
2001, p. 81). Em contraste com as descrições estetizantes de Humboldt, a
natureza inexplorada tendeu a ser vista como incômoda e seu próprio caráter
primitivo como um sinal do fracasso da ação humana, como um sinal de
estagnação. Essa visão negativa
procurava legitimar o intervencionismo europeu. A modernidade, como projeto, se
apresentava como missão civilizadora, porém, como discurso, procurava
consolidar-se em torno de um centro, garantido por uma construção do outro. As
modernas academias, institucionalizadas na segunda metade do século XIX,
trouxeram categorias como: na Antropologia a idéia de primitivo; no campo da
Economia as idéias de atraso; na Filosofia as discussões acerca da distinção
entre racional e irracional; nos estudos históricos e no campo da arte teremos
as teses diferenciando a cultura entre alta e baixa (Véscio e Santos, 1999, p.
45).