Uma história do campo

Sérgio Castanho*

 

SAVIANI, Dermeval, LOMBARDI, José Claudinei, SANFELICE, José Luís (orgs.). História e história da educação: o debate teórico-metodológico atual. Campinas, SP: Autores Associados: HISTEDBR, 1998.

 

Esta obra, que passo a resenhar, é uma coletânea de textos apresentados durante o IV Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil", realizado em Campinas, SP, em dezembro de 1997.

Antes de adentrar o conteúdo do livro, gostaria de fazer uma observação. Li, logo que saiu da editora (Unijuí), no ano passado, o livro História da educação brasileira: formação do campo, organizado por Carlos Monarcha (1999). Livro interessante, muito provocativo em alguns pontos, esclarecedor, necessário. Mas fiquei com uma questãozinha atrás da orelha: a "formação do campo" da história da educação brasileira estaria refletida nessa obra, que contém a expressão no subtítulo, ou nesta que agora resenho, publicada um ano antes? Dois co-autores são comuns a ambas: Jorge Nagle e Maria Luísa Santos Ribeiro.  Por enquanto deixarei a questão em suspenso. Ao final, voltarei ao assunto.

O livro consta de uma Apresentação, pelos organizadores, uma Introdução e três partes. Na Introdução, Dermeval Saviani (UNICAMP) lamenta que os historiadores, em geral, com poucas exceções, não tenham "se ocupado, com a desejável acuidade, das questões epistemológicas da história." (p. 9). Retomando Ciro Flamarion Cardoso, Saviani localiza nos paradigmas "iluminista" e "pós-moderno" os dois pólos do atual embate teórico-metodológico nos "domínios da história". Posicionando-se no interior do primeiro, o autor situa no "entusiasmo" dos "jovens investigadores da história da educação" pelo segundo, e particularmente por um dos seus principais nomes, Michel Foucault, parte das atuais dificuldades na área. Daí a necessidade e a importância para a história da educação de aprofundar o debate epistemológico.

A Parte Um, denominada "Questões teórico-metodológicas da história", abre com o artigo em que Edgar Salvadori de Decca (UNICAMP) faz uma revisão de algumas das mais significativas propostas da "história como narrativa", a começar por Hayden White e chegando a Edward P. Thompson. Para este último, um "marxista peculiar" com quem de Decca manifesta grande afinidade,  a história "é herdeira da narratividade". Segundo o autor, o retorno da narrativa é alvissareiro para a história,   mas coloca problemas que exigem atenção. O segundo artigo é de José Carlos Reis (UFMG), que defende a tese de que a Escola dos Annales foi uma espécie de refúgio para pesquisadores esgotados pelas duas grandes guerras mundiais e pelas revoluções que, em nome da aspiração ao progresso, marcaram a Europa no século XX: em reação à turbulência, buscaram as permanências, a longa duração, a história quase imóvel das estruturas renitentes à mudança. O terceiro artigo dessa primeira parte é de José Paulo Neto (UFRJ e PUC-SP), que aponta para a atualidade do pensamento de Marx na compreensão das leis fundamentais que regem a economia e a sociedade capitalista.

A Parte Dois, "Questões teórico-metodológicas da história da educação", começa com um trabalho de Zeila de Brito Fabri Demartini (UNICAMP e USP), que destaca as relações entre as ciências sociais e a história e a contribuição da história oral para a pesquisa histórica. Elomar Tambara (UFPel), a seguir, advoga "uma posição ecumênica" contra uma história da educação "feita 'em remendos'". Mirian Jorge Warde (PUC-SP) defende a inserção da história da educação como uma "história de disciplina específica" e aponta a fecundidade da colaboração entre as ciências sociais e a história. Fecha esta parte a comunicação de Zaia Brandão (PUC-RJ), que, partindo de um trabalho de Anísio Teixeira sobre a educação e a ciência, problematiza a identidade do campo da história da educação e incorpora ao seu âmbito, num "mergulho disciplinar", contribuições de nomes da história cultural contemporânea, como Robert Darnton e Carlo Ginzburg.

A Parte Três, "Questões relativas à trajetória da pesquisa em história da educação no Brasil", abre com um artigo de Jorge Nagle (UNESP), em que são narrados os caminhos de investigação de seu clássico Educação e sociedade na Primeira República. A seguir, Carlos Roberto Jamil Cury (UFMG) mostra seu itinerário desde a preocupação inicial com "uma visão macroestrutural que ressaltasse o contexto histórico e a crítica social" até seu "encontro com a pesquisa", quando localizou uma nova linha de investigação no relacionamento entre a educação e o direito. Fechando o volume, Maria Luísa Santos Ribeiro, uma das pioneiras da historiografia educacional brasileira na linha do materialismo histórico, apresenta sua via investigativa em três estações: a primeira, sob a pressão do magistério de História da Educação, marcada pela questão da periodização; a segunda, voltada para a questão da formação de professores, timbrada pelo emprego metodológico da história oral; e a terceira, resultante de sua inserção no movimento político de professores universitários, com a marca da militância.

A leitura deste livro oferece, aos que se iniciam ou mesmo aos que já têm algum andar pela senda da história da educação, uma excelente visão panorâmica do campo e, particularmente, de seus problemas epistemológicos.

Volto agora à pergunta inicial. Qual das obras merece o título (ou subtítulo) de "formação do campo" da história da educação brasileira, a organizada por Monarcha em 1999 ou a que teve como organizadores Saviani, Lombardi e Sanfelice, trazida a lume em 1998?

Se a leitora ou o leitor me permitir, deixo a pergunta sem resposta, remetendo uma e outro aos dois textos, acrescentando que ambos são indispensáveis para quem quiser ter uma visão de conjunto da formação do campo da história da educação brasileira a partir do depoimento de alguns de seus principais autores. Como, porém, estou resenhando o livro de 1998, fica a recomendação da leitura desta obra fundamental.



* Sérgio Castanho, doutor em Educação pela UNICAMP, é professor de História da Educação dessa universidade e pesquisador vinculado ao grupo HISTEDBR.