UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DISCIPLINA: ED-309 – Metodologias da História e Educação

Prof. Dr. José Claudinei Lombardi

Doutorandos: Jorge Vilson Clark,

Maria Isabel Moura Nascimento,

Nailda Marinho da Costa Bonato

Data: 28 de julho de 2000

 

SEMINÁRIO

 

Do Presentismo ao Hipercriticismo

 

Para se falar de Presentismo e Hipercriticismo temos que falar de Historicismo e Relativismo trazendo, com isso, uma discussão que passa pela cientificidade ou não da história.

Para Michel Löwy (1985) o Historicismo aparece sobretudo na Alemanha, no fim do século. XVIII e começo do XIX.  Este visava legitimar as instituições econômicas, sociais e políticas existentes na Alemanha, na Prússia (...). Se por um lado esse historicismo conservador condena as revoluções e, especialmente, a Revolução Francesa, por outro condena também o capitalismo nascente, que está em oposição a essas instituições. (p.70)

Conforme Löwy (1994), as idéias essenciais do historicismo podem ser resumidas nas proposições seguintes:

1. Todo fenômeno cultural, social ou político é histórico e 'não pode ser compreendido senão através de e na sua historicidade'. 2. Existem diferenças fundamentais entre os fatos naturais e os fatos históricos e, consequentemente, entre as ciências que os estudam. 3. Não somente o objeto da pesquisa está imerso no fluxo da história, mas também o sujeito, o próprio pesquisador, sua perspectiva, seu método, seu ponto de vista. (p.65)

 

De acordo com Ciro Flamarion Cardoso (1984), assim como os positivistas os historicistas viam nos fatos singulares ou individuais do passado o objeto da história; porém, diferentemente daqueles, não lhes atribuíam o caráter de fatos reais, externos ao observador: viam-nos como 'fatos de pensamento', como uma criação subjetiva. (p.33) A partir desta matriz diferentes alternativas se desenvolveram. O historicismo conservador do século XIX se transformou, no final do século XIX em relativismo.[1]

No fim do século XIX Droysen, em texto escrito em 1873, coloca a perspectiva relativista, se constituindo  numa contribuição ao historicismo. Ele ataca a idéia de ser a ciência histórica objetiva. O historiador não é neutro, como queriam os positivistas. Não existe uma verdade objetiva, neutra, existem verdades resultantes de um ponto de vista particular, vinculadas a convicções políticas e religiosas. Löwy informa que o historicismo relativista tem como um dos representantes Wilhelm Dilthey , aluno de Ranke e de Droysen.[2]

Para Cardoso o Historicismo e suas ramificações foram freios para a construção da história como ciência. E mesmo, no começo do século atual, com o advento da a corrente chamada Presentismo -  cujos maiores representantes são Benedetto Croce e R. G. Colingwood -, as conseqüências espistemológicas e metodológicas para a história não são muitos diferentes, apesar de apresentar algumas diferenças filosóficas. O autor na obra Uma introdução à história credita ser o Presentismo um prolongamento posterior, entre outros, do chamado historicismo ou idealismo alemão.

O Presentismo considera que o historiador é influenciado pela cultura, valores e referências da época em que vive sendo, portando, relativo todo o conhecimento produzido sobre o passado. Na concepção presentista, o historiador observa o passado a partir do ponto de vista do presente.

Já Adam Schaff (1995), em História e Verdade vai afirmar que o Presentismo é uma variante do Relativismo, significando a valorização do ponto de vista particular em relação ao geral e ao abstrato; que a história segue um processo de não repetição dos fatos, onde cada acontecimento histórico é único; que o conhecimento não dá para ser conhecido em sua totalidade, mas de maneira parcial, relativo. Assim, o Presentismo não admite a objetividade do conhecimento histórico, nega a parcialidade do sujeito histórico e que o conhecimento seja possível.

            Schaff entende que o conhecimento histórico que se desenvolve a partir do final do século XIX e início do século XX coloca em evidência duas das maiores escolas de pensamento: o Positivismo e o Presentismo. Para  ele o Positivismo atesta que o conhecimento histórico é possível como reflexo fiel, puro de todo o fator subjetivo, dos fatos do passado e o Presentismo nega que um tal conhecimento seja possível e considera a história como uma projeção do pensamento e dos interesses presentes sobre o passado (p.101). 

Como visto no seminário anterior[3]  as personalidades mais representativas do positivismo são: Augusto Comte e Leopold von Ranke. O positivismo se caracterizando por entender ser o conhecimento histórico e social revestido de um espírito objetivo, neutro, livre do juízo de valor e ideológico, no qual o sujeito que conhece examina os fatos históricos e sociais utilizando o mesmo método da química e da física, etc., sendo, portanto, desprovido de todo fator subjetivo. Nesta perspectiva, cabe ao historiador, apenas descrever os fatos ocorridos, sem emitir nenhum juízo de valor, sem demonstrar nenhum sentimento ou qualquer tipo de paixão.

            Entre os Presentistas, além de nomes como o de Croce e Collingwood, destacam-se  historiadores como Conyers Read, Charles Beard e C. Becker. Para esses, a teoria de conhecimento positivista era considerada falsa, uma vez que é o historiador quem assume uma atitude passiva diante dos acontecimentos e fatos históricos. O passado é analisado à luz do presente. De acordo com esse pensamento, a história tem suas raízes fincadas no passado, no qual o historiador  projeta sua imaginação, refletindo sobre os acontecimentos, re-escrevendo-a. Dessa maneira, os presentistas duvidam da possibilidade da história ser uma ciência.

Como dissemos, o Presentismo é uma corrente de oposição ao Positivismo, principalmente através do seu pai cultural - Benedetto Croce. No desenvolvimento da corrente vamos encontrar o pragmatismo de John Dewey, as opiniões de Collingwood, até ao presentismo americano dos anos trinta e quarenta. Porém, a literatura pesquisada aponta que a corrente presentista tem como precursor Hegel, embora, idealista absoluto, situando-se assim no polo oposto daquela. (Schaff, p.105) Autores como Ciro Flmariom Cardoso, Adam Schaff e Guy Bourdé e Hervé Martin.

 

O Idealismo de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831)

Conforme Guy Bourdé e Hervé Martin na obra As escolas históricas, Henri Marrou em sua obra Do conhecimento histórico entende ser a história inseparável do historiador, como também é a história o resultado do esforço pelo qual o historiador estabelece essa relação entre o passado que evoca e o presente que é o seu. (Marrou apud. Bourdé e Martin, p.199) Nos anos 50 de nosso século essa filosofia foi adotada por muitos historiadores. Porém, Hegel em seu livro Lições sobre a filosofia da história, 1822, entende que O historiador vulgar e medíocre, que pretende que a sua atitude é puramente receptiva, que se submete ao dado, não é de modo algum passivo no seu pensamento, dá as suas categorias, vendo os factos de través. (Hegel apud. Bourdé e Martin, p. 199). Os autores apontam esse pensamento visando comparação com o pensamento dos mestres do presentismo anglo-saxão nos anos 1930-1940. (p.199). Entre esses mestres temos R. G. Collingwood.

O primeiro filósofo a desenvolver a possibilidade de analisar o passado sob a luz do presente foi Hegel. Como visto anteriormente, o Presentismo para Cardoso, é um prolongamento posterior do chamado historicismo ou idealismo alemão. Na concepção filosófica, por  Idealismo entende-se por se tratar

da postura que, em última análise (e de formas bem variadas), considera ser o real redutível à idéia, ao pensamento, ao Espírito, o que significa então que a idéia, pensamento ou Espírito constitui a verdadeira essência da realidade. (Cardoso, 1984:117)

 

Sendo um idealista, Hegel, dá importância primeiro ao espírito, considerando que são as mudanças do espírito que provocam as da matéria. Existe primeiramente o espírito que descobre o universo, pois este é a idéia materializada. Tanto o espírito quanto o universo estão em perpétua mudança, no entanto, são as mudanças do espírito que determinam as mudanças da matéria. A idéia materializada, cria mudança na matéria. Portanto, Hegel é dialético, mas subordina a dialética ao espírito. É esse idealismo Hegeliano que Marx e Engels vão contestar posteriormente. Para Marx e Engels, os fundadores do Marxismo, a História e eminentemente científica, com seu método do materialismo histórico dialético.

 

O Presentismo de Benedetto Croce

            Schaff sinaliza que Croce (italiano), crítico do positivismo, conhecia a obra de Hegel (alemão). Croce desenvolve a tese de que a história é o pensamento contemporâneo projetado no passado, ou seja, a tese do presentismo. Crítico do positivismo ataca a tese da história como processo objetivo, a fonte como um 'dado' que leva à imagem fiel do passado e de que o historiador seja imparcial, objetivo e neutro, livre de qualquer condicionamento social. Ao contrário, para ele o conhecimento histórico é sempre comprometido por ser constituir numa resposta a uma necessidade determinada, contemporânea. Neste sentido, o historiador é e deve ser parcial, comprometido, que deve ter 'espírito de partido'. (Schaff, p.112) Sua visão de mundo caracteriza-se sobretudo pela negação do materialismo e pelo desenvolvimento de uma filosofia espiritualista (subjetivista) presentista, variante de um relativismo levado ao extremo. Neste sentido, a sua filosofia estende-se não apenas tendo em vista definir às atividades teóricas, mas também às atividades materiais, práticas. As atividades teóricas são conceituais, ou seja, podem ser definidas (traz em si um certo método e objetividade), mas também podem ser intuitivas, ou seja, pode ser imaginada pelo historiador, principalmente, quando um determinado fato histórico é enfocado e de repente o investigador deparar com lacunas históricas, em razão da falta de dados, essas lacunas podem ser preenchidas através das imagens criadas pelo historiador. A divisão entre fatos históricos e não históricos verifica-se através do pensamento do historiador que realiza uma seleção dos documentos e dos fatos que ele opta por investigar.

Como um fato é histórico apenas na medida em que é pensado, e como não existe nada fora do pensamento, a questão de saber quais os fatos que são históricos e quais os que não o são, não tem sentido algum. (Croce apud. Schaff, p.110)

Mas, apesar do historiador escolher o objeto, Croce não  considera a história uma ciência, em virtude dela não apresentar atividades conceituais objetivas. Para ele só é ciência quando se parte do caso particular compreendido a partir de um conceito geral, idêntico ao que ocorre no método das ciências naturais. Por isso,  considera a história como uma obra de arte e como tal o historiador a cria a própria imagem, a unidade de imagem. As imagens são os documentos, os monumentos, as crônicas escritas, as buscas arqueológicas, etc. Tudo que contém a imagem do passado, fatos que são ressuscitado no momento em que os documentos evocam e fixam as recordações do passado. Croce acredita que

só pratica a ciência aquele que pensa o caso particular como compreendido em um conceito geral; enquanto que se ocupa da arte aquele que apresenta o particular como tal. Como o fim da 'historiografia' é apresentar o particular, ela aproxima-se mais da arte que da ciência. (Schaff, p.109)

Com a sua filosofia do espírito, Croce entende que a história verdadeira vai buscar à experiência interior. (Schaff, p.110). Assim como tudo que existe, os fatos históricos também são um produto do espírito. A história é, então, um produto de um espírito cuja atividade se situa sempre no 'presente' , por isso, essa história é uma imagem criada a partir de interesses e motivos atuais. (Idem, p.111)

Nas palavras de Cardoso, na concepção de Croce:

tudo o que existe é um produto do espírito. Por isto, a História tem de ser atual – ‘toda História é contemporânea’ -, já que a atividade do espírito se situa forçosamente no presente. Sob a influência das motivações práticas do presente é que se constitui a imagem histórica. Cada época constrói a sua própria imagem da História, e não há critérios objetivos para escolher entre as diferentes reconstruções propostas: não pode haver, então, um conhecimento histórico-científico ou objetivo. (1984:122)

 

Para Croce, o conhecimento histórico manifesta-se no sentido particular, ganhando vida ao ser analisado no presente, assumindo uma forma de manifestação comprometida com a realidade e a prática política do historiador, o que Croce denomina de espírito de partido: consiste em relacionar o espírito de partido com o juízo de valor assumido pelo historiador, presente no seu trabalho de pesquisa. Essa interferência do historiador sobre o objeto, é que determina o resultado do trabalho desenvolvido, sendo o mesmo interpretado não propriamente como uma obra histórica, mas como uma crônica, um relato.

A diferença que Croce estabelece entre a arte e a historiografia é, que esta tende a retratar os fatos históricos como realmente ocorreu; enquanto que a arte não precisa realizar essa função. Ao longo do tempo essa idéia de Croce sofrerá modificações, porém ele manterá a idéia da historiografia como atividade intuitiva. Sendo a intuição, uma forma fundamental da atividade do espírito, onde o pensamento, a imaginação, a criatividade no qual todo ser é dotado, não depende da atividade prática, enquanto que, a atividade prática, depende da intuição. Para ele, a intuição (idéia, pensamento) é que criam os objetos (realidade), esses objetos, são os estados de alma fora dos quais nada existe. (Schaff, p.109)

            O pensamento de Croce, leva-o a cometer exagero em sua reflexão, afastando-se de tudo que é exterior ao pensamento individual, criando uma filosofia cuja ênfase é dada ao pensamento e a imaginação. Croce faz uma reflexão no mínimo contraditória ao valorizar a intuição:

Se a intuição  é a expressão do estado de alma [do pensamento e da imaginação] do historiador não pode evidentemente  reviver os fatos passados sem entrar em contato com eles. Mesmo se considera - como fez Croce - que o indivíduo é uma partícula do Absoluto'', que é a 'manifestação e o instrumento' do "Espírito universal', seria preciso admitir que esse "Espírito' se manifesta da mesma maneira nos diversos 'instrumentos'. (...) A teoria da intuição pura entra pois em contradição com a tese segundo a qual a história é o conhecimento do que se produziu no passado.(Schaff, p.110)

 

Na definição de Cardoso, filosoficamente intuição é o

 

Conhecimento (sensível ou intelectual) imediato de algo; este termo pode também indicar que tal conhecimento imediato constitui apreensão, não da aparência, e sim da 'essência' das coisas, de sua realidade profunda. O 'intuicionismo' é a posição filosófica que considera ser a intuição o ponto de partida do saber, ou o critério da verdade. (1984:118)

 

A interpretação do Presentismo de Croce, teve grave conseqüência para a história, pois um mesmo acontecimento histórico estava sujeito a uma multiplicidade de interpretações. Levando em consideração esse ponto de vista, todo sujeito é um historiador em potencial, pois o mesmo pode não só escrever sobre os acontecimentos passados, interpretando de sua maneira, mas também, escrever sua versão sobre o ocorrido. Como vimos, Croce vai concluir, que a história não possui objetividade científica, daí a sua consideração de ser a história uma arte, pois expressa o sentimento manifestado pelo ser humano, afastando a possibilidade da história como ciência.

 

O Presentismo de R. G. Collingwood

Outro filósofo presentista, que vem adotar uma linha idealista, ultrapassando o ponto de vista de Croce foi Collingwood.  Este populariza a obra de Croce nos meios anglo-saxões. Para ele toda a história é a história do pensamento cabendo ao  historiador reconstituir os acontecimentos passados tomando como base o presente, porém de uma maneira crítica. Para isso, deve valorizar o seu conhecimento, a sua capacidade interpretativa e narrativa. As abordagens feita pela história são dos fatos já ocorridos.

As atividades cuja história estuda constituem para ele [o historiador] não um espetáculo que observaria, mas uma experiência que lhe é preciso reviver no seu espírito. Essas experiências são objetivas, no sentido do seu conhecimento, apenas na medida em que são igualmente subjetivas como atividades pessoais do historiador. (Collingwood apud Schaff, p.115)

 

Para ele, nenhum conhecimento adquirido é definitivo.  Há mudanças contínuas. O que é válido para a solução de um determinado problema, pode se alterar a medida que se altera os métodos e as competências dos historiadores. Com isso, cada nova geração deve rescrever a história à sua maneira; cada novo historiador, não contente com dar novas respostas a questões antigas, deve rever essas mesmas questões. (Idem, p.116)

Seguindo essa regra, Collingwood afirma que,  a obra histórica somente se diferencia dos romances à medida que a imagem criada pelo historiador se aproxima da realidade do acontecimento. Entretanto, esse acontecimento, ou melhor a sua interpretação, não é definitiva, pelo contrário, encontra-se sujeito a sofrer continuamente modificações, pois cada  geração de historiador que debruçar sobre o assunto, o fará levando em consideração o seu ponto de vista crítico, o seu conhecimento e seus valores. Collingwood que na sua obra A idéia de História entende ser o pensamento histórico uma atividade da imaginação... Na história nenhuma conquista é definitiva. Um testemunho, válido num dado momento, deixa de ser assim que se modificam os métodos e assim que mudam as competências dos historiadores. (Collingwood apud. Bourdé e Martin, p. 199).

Collingwood concebe a análise histórica como uma interpretação. Segundo ele, a reconstituição do passado na mente do historiador depende da evidência empírica, porém não é um processo empírico ou uma narração dos fatos; o que ocorre é uma seleção e interpretação dos fatos por parte do historiador, e é exatamente esse movimento que faz com que eles sejam fatos históricos. Assim, para Collingwood a História nada mais é do que a experiência do historiador, ela é feita pelo historiador e escrevê-la é a única maneira de fazê-la. Por isso, os fatos nunca se encontram de forma pura nas análises dos historiadores.

           

O Presentismo Americano

 

            Durante os anos 30 e 40 desse século, o Presentismo abandona a sua fase de especulação filosófica, conforme o ponto de vista dos historiadores norte-americanos, caso, por exemplo, de Charles  A. Beard e C. Becker e Conyers Read, representante da geração seguinte. Porém, é importante sinalizar que a concepção Presentista americana provém de Croce, trazidas no rastro da perspectiva filosófica de John Dewey - o Pragmatismo.[4] Dewey analisa a questão da seleção que o historiador faz de seus dados.

...se a seleção é reconhecida como um fato primário e fundamental, devemos admitir que toda a história é necessariamente escrita do ponto de vista do presente e constitui - o que é inevitável - não só a história do presente, mas também a história do que o presente julga ser importante no presente. (Dewey apud. Schaff, p.119).

 

Se a história é escrita do ponto de vista do presente, cada presente tem o seu passado e necessariamente vai  rescrever a história. ...Como a cultura muda, os conceitos dominantes na cultura mudam também. Aparecem necessariamente novos pontos de vista e juízos, assim como novos critérios de seleção dos dados. A história é então reescrita. (Idem).

Entre os historiadores profissionais do Presentismo americano temos Charles Beard, antipositivista, fazia uma interpretação econômica da história com base no relativismo. Não apenas atacava a teoria da verdade histórica objetiva, mas também fazia abertamente elogio da ciência da história praticada a partir de classe e dentro do 'espírito de partido'. (1995:120). Seus ataques eram dirigidos a escola positivista e científica de Ranke defendida em 1909 pelo historiador americano George Burton Adams. O ataque se caracterizava pela negação do caráter científico da história. Defendia a parcialidade do historiador, opondo-se ao ponto de vista positivista de uma  ciência da história objetiva, positiva, imparcial e fundamentada nos estudos dos documentos.

Assim, Beard vai negar quase todas as formulações e a concepção de historiografia elaborada por Ranke, que para Beard, com sua doutrina positivista,  serviu aos interesses dominantes de sua época e lugar, por isso chega a considerá-lo como um dos historiadores mais 'parciais' que o século XIX produziu. (Beard apud Schaff, p.122). Condenando a adoção dos métodos das ciências naturais ao da ciência da história, implicando com isso uma neutralidade social, ou como o marxismo uma objetividade. Contrariamente a isso, na concepção de Beard, a ciência da história é produto de uma seleção realizada pelos historiadores. Ele vai afirmar que, o movimento histórico depende de como o historiador interpreta os fatos, e também, da sua convicção política e social, sendo essa uma decisão subjetiva, ou seja, que varia muito de historiador para historiador. Portanto, a história relativa, para Beard é um ato de fé.

            Partidário de Beard, o presentista Carl Becker, eleito presidente da Associação Americana dos Historiadores, em 1931, assim como aquele, identificava a história com o pensamento sobre a história e com a ciência da história. (Schaff, p.124) Isto leva a afirmar  que a ciência da história equivale  a memória que temos das coisas e dos fatos. Becker valoriza a história do pensamento, admitindo que qualquer sujeito constrói a história, sendo a mesma uma propriedade particular de indivíduos que molda os fatos históricos de acordo com suas experiências pessoais, os fatos são adaptados de acordo com suas necessidades práticas ou afetivas, a  história é escrita levando em conta a vontade, o gosto estético do historiador. Desse modo, a interpretação histórica é realizada valorizando o campo particular, distanciando cada vez mais do  científico.

Becker  vai definir o passado como sendo um grande painel sobre o qual cada geração projeta sua visão do futuro, e, por tanto tempo quanto a esperança viva  no coração dos homens, as ' histórias novas'  suceder-se-ão. (Becker apud Schaff, p.126) 

Conyers Read, em 1949, e em pronunciamento feito na Associação dos Historiadores Americanos, vai compactuar do pensamento de seus antecessores considerando a história como uma forma de manifestação da memória de experiências passadas, sendo essa colocada num terreno puramente subjetivo, atacando os defensores da verdade histórica objetiva. Conyers, não vai acrescentar nenhuma novidade teórica ao que já afirmara anteriormente os que lhe precederam. Adversário ferrenho da escola positivista , seu pensamento se expressa nos seguintes termos os historiadores e os seus críticos assistem há muito tempo à luta a que se entregam aqueles [os positivistas] que se apercebem do passado como uma realidade objetiva, suscetível de ser descrita tal como se apresenta realmente se estudando com o cuidado e sem paixão.  Porém, não deixa de criticar os historiadores presentistas no seu olhar sobre a história, prosseguindo da seguinte forma: e aqueles [presentistas] que a apreendem como uma simples projeção das idéias e dos interesses do presente sobre os dados acumulados da experiência histórica. Destarte, criticando um e outro, continua a sua reflexão: Os primeiros concebem o passado como uma coisa acabada, completa e imutável; os segundos percebem-no como que através de um vidro colorido, ao mesmo tempo transparente e refletor, de maneira que não se pode distinguir nitidamente a luz que atravessa o vidro e a luz refletida. (Read apud. Schaff, p.104) Neste sentido, Read assume uma posição  partidário de acordo com o seu interesse de classe, chamando ao historiador à responsabilidade social quanto a construção de uma educação para a democracia no combate ao fascismo e ao comunismo.

...Perante a alternativa que nos puseram Mussolini e Hitler, e depois, ultimamente, Stalin, devemos adotar uma atitude firme de combate se queremos sobreviver. (...) Uma guerra total, seja quente ou fria, emprenha-nos a todos e obriga cada um de nós a participar nela. O historiador não é menos obrigado a isso do que o físico. (Read apud. Schaff, p.128)

 

O Hipercriticismo de Paul Veyne   

            De acordo com a obra As escolas metódicas, de Guy Bourdé e Hervé Martin (1983), a respeito da história Paul Veyne vai afirmar ser a história um saber decepcionante, que ensina coisas que seriam banais como a nossa vida se não fossem diferentes. (p.203). O conhecimento histórico é idiográfico, isto é, trata do particular por oposição às ciências nomográficas que estabelecem leis gerais como as da física ou da economia. A história trata de acontecimentos verdadeiros, afetados culturalmente. Na sua opinião, é a exigência do romanesco que incita o historiador a querer manter a ilusão de reconstituir integralmente o passado. Continuando, Veyne vai se referir ao conhecimento histórico, dizendo: ser esse conhecimento mutilado e lacunar que tenta vendar as suas fraquezas. (p.203) Em várias passagens Veyne manifestará o sentimento de perda documental que afeta o historiador  dos períodos antigos. Embora ele admita que os documentos fornecem respostas que o historiador busca, Veyne coloca em dúvida quanto a autenticidade desses documentos, assim como coloca em dúvida o poder de interpretação dos historiadores, que, dentro de sua ótica, deixa-se valer das lacunas vazias apresentadas nos relatos históricos, apresentando uma leitura substutiva como forma de interpretação desse vazio. Com respeito a arbitrariedade do historiador, ele vai afirmar que o historiador tem plena liberdade de selecionar o material histórico, o tema e o tempo que o mesmo tem para investigar. Ou seja, cada um determina de acordo com sua vontade o itinerário que pretende realizar no campo dos acontecimentos, assim como decide valorizar esse ou aquele fato, colocar detalhes ou extinguí-lo, descrever determinados fatos ou simplesmente narrar. Essa liberdade e autonomia que o historiador tem sobre o seu trabalho leva Veyne a considerar a história uma atividade intelectual que se manifesta através das formas literárias e serve para fins de simples curiosidade.

Ainda, critica a veracidade dos fatos históricos e o papel do historiador, afirmando que, esse ao promover a seleção da maioria dos fatos históricos contemplam mais as questões políticas de um determinado período do que propriamente os fatos sociais:

 assim como a história não é contada pelo historiador num mesmo ritmo,  e sim é escrito, com desigualdade de ritmo, que são paralelas à desigual conservação do passado, ora o historiador dedica dez página para o relato de um dia, ora duas páginas para dez anos. (p.203)

 

Portanto, o leitor tem que confiar na capacidade narrativa e interpretativa do historiador.

..Quando se pronunciam as palavras classe social, o que em si é inocente, desperta-se no leitor a idéia de que esta classe devia ter uma política de classe, o que não é verdadeiro para todas as épocas; quando se pronunciam simplesmente as palavras 'a família romana", o leitor é induzido a pensar que essa família era a família eterna, isto é, a nossa, ao passo que com os seus escravos, os seus clientes, os seus libertos, os seus favoritos, o seu concubinato e a prática de abandonar os recém-nascidos (sobretudo meninas), ela era tão diferente como a família islâmica ou a família chinesa. (Veyne, 1976:131).

 

                Veyne a conclui que a história é um conhecimento de campo indeterminado, que se sujeita a uma única regra: que tudo o que ai se encontra tenha realmente tido lugar (Bourdé e Martin, p.203), ou seja, faz parte do acontecido e do vivido pelo homem.

            Qual seria então o papel do historiador? Compreender e narrar em vez de conceitualizar. A explicação em história não consiste em atribuir um fato ao seu princípio, e sim, em edificar um relato claro e documentado. Uma multiplicidade de fatores intervém na história: as causas materiais, a liberdade, os fins a serem atingidos. Para Veyne toda interpretação histórica nunca é se não parcial. Sendo a história feita por seres concretos que fazem o que querem, portanto, a história não tem método, se não for aquele que nos permita compreender o mundo que vivemos. Daí ele proclamar que os grandes historiadores não têm idéias. Ele não considera a história um saber científico.

....o desejo, freqüentemente expresso, de ver a história definir com precisão os conceitos de que se serve, e a afirmação de que esta precisão é a condição básica dos seus progressos futuros, constituem um belo exemplo de falsa metodologia e de rigor inútil.

            Mas o perigo mais traiçoeiro é o das palavras que suscitam no nosso espírito falsas essências e que povoam a História de universais que não existem. (Veyne, 1976:126)

 

Veyne considera a história mas um saber relativo, uma vez que o objeto de seu estudo são os acontecimentos únicos, singulares, individuais, não sujeito as leis gerais. Porém, não vai descartar totalmente a possibilidade dos fatos históricos fornecerem uma explicação científica, porém, não uma cientificidade global. De acordo com Cardoso, para Veyne o historiador poderá no máximo aspirar a atingir certas zonas de cientificidade em meio à caótica totalidade dos acontecimentos históricos! (1984:11). Na expressão de Cardoso, história enquanto O mosaico ciência-caos de Veyne.

 Para Veyne, seria possível fornecer uma explicação científica de certos conjuntos de fatos históricos, porém a cientificidade global estaria vedada pela obrigação que teria o historiador de se interessar por tudo quanto acontece, sem poder, com isso, recortar acontecimentos na medida adequada à explicação. Neste sentido, segundo Cardoso seria o caso de perguntar ao Veyne e a outros historiadores que adotam esse modelo teórico:

...de quem é o decreto que determina para o historiador que 'não tenha  o direito' (ou a 'vocação') de' recortar os acontecimentos na medida adequada à explicação'. De fato, tal 'recorte' é exatamente o que o historiador fazem no dia-a dia do seu trabalho profissional...(p.41)

           

No dizer de Bourdé e Martin, Paul Veyne inaugurou, nos anos 70, uma renovação epistemológica, porém, com base no pensamento dos anos 50. Em sua obra Como se escreve a história (1971), crítico acirrado do fazer histórico, ver o historiador como um narrador, um romancista.

(...)Humanista, faz jus ao indivíduo historiador que vê antes de tudo como um narrador, um romancista do verdadeiro. Céptico, dá provas de uma desconfiança total em relação às pretensões da história de se erguer como ciência e em relação a todas as tentativas de conceptualização new-look, quer sejam de tipo estruturalista ou marxista. Não se proíbe de cair num hipercriticismo bem acompanhado quando afirma sem pestanejar: 'O método da história não fez qualquer progresso desde Heródoto e Tucídides'. (Bourdé e Martin, p.202)

 

Nas palavras de Cardoso, para Paul Veyne a História é:

 

um conjunto de acontecimentos dos quais cada um é um determinado, mas dos quais só alguns são objetos de ciência, e cuja totalidade é um caos que não é mais 'científico' do que o conjunto dos fenômenos físico-químicos que se produzem durante um dado intervalo no interior de um perímetro determinado da superfície terrestre.  (Veyne apud. Ciro, 1984:11)

               

            Quanto ao historicismo, Veyne entende que um dos seus méritos foi talvez, de ter apontado os limites da objetividade histórica.

O mérito do historicismo é talvez o de ter trazido à luz as dificuldades da idéia de História e os limites da objetividade histórica; é ainda mais simples não começar por colocar a idéia de história e admitir que o sublunar* seja o reino do provável. (Veyne, 1976:55).

 

Conforme nota de rodapé do tradutor de seu artigo Tudo é histórico, portanto a história não existe, in Teoria da história

*Em subcapítulo anterior, 'a história Desenrola-se no Sublunar', Veyne refere que, para Aristóteles, o mundo compreendia duas regiões bem distintas: a nossa Terra e o Céu. A região celeste é a do determinismo, da Lei, da Ciência; em contrapartida, no nosso mundo, situado abaixo da Lua, reina o devir, e nele tudo é evento, do qual não pode haver ciência certa. (p.55)

 

Veyne é também um crítico do Marxismo  ... pensemos em Marx e Engels povoando milênios de Pré-História com seu monótono comunismo primitivo. (Veyne, 1976:47)

 

Considerações finais

Enfim, para os presentistas não se deve temer o esgotamento da documentação. Não se deixando encerrar nas rubricas já preparadas dos inventários de arquivos. (Bourdé e Martin, p.200).

A penetração do relativismo no Brasil, se deu sobretudo nos anos 80. Década de combate ao marxismo. Essa penetração, aliada a outras correntes de pensamento, veio a desembocar nas produções pós-modernas que povoam hoje as Ciências Sociais, a História, a Educação e, mais especificamente, a História da Educação.

A concepção pós-moderna por não acreditar no caráter científico e racional do conhecimento histórico, abandona o analítico, o estrutural e a explicação em favor da hermenêutica, da micro-história e das interpretações. O pós-modernismo, em sua forma mais radical, chega a negar a existência de uma realidade cognoscível, pois todo conhecimento é visto como uma construção simbólica. Dessa maneira, a verdade nunca seria alcançada, pois a rigor, ela não existe. O que existe são verdades convenientes a determinados grupos sociais.

Concluimos com o pensamento de Cardoso (1997) no referente aos paradigmas adotados no saber científico.

O paradigma ora ameaçado em sua hegemonia ou, segundo os cultores mais radicais da Nova História, já destronado pode ser chamado de 'moderno' ou 'iluminista'. Opôs-se, neste século, durante várias décadas e com bastante sucesso, ao historicismo em suas várias vertentes - incluindo aquelas de Benedetto Croce e R. G. Collingwood - e ao método estritamente hermenêutico ou interpretativo que tal corrente propugna. (p.3 ).

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BOURDÉ, Guy, MARTIN, Hervé. As escolas históricas. S.l: Publicações Europa-América, 1983. (Forum de história).

 

CARDOSO, Ciro Flamarion S. Cardoso. Uma introdução à história. 4ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. (Coleção Primeiros vôos)

 

________História e paradigmas rivais. In. VAINFAS,  Ronaldo e CARDOSO, Ciro Flamarion. (orgs). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997. pp. 1-23

 

LÖWY, Michael.  Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. São Paulo: Cortez, 1985.

 

________. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. Trad. de Juarez Guimarães e Suzanne Felicie Léwy. 5ª ed. rev. São Paulo: Cortez, 1994.

 

SCHAFF, Adam. História e verdade. Trad. Maria Paula Duarte. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. (Ensino superior)

 

VEYNE, Paul. Os conceitos em história. In.SILVA, Maria Beatriz Nizza da (org.). Teoria da história. São Paulo: Editora Cultrix, 1976. pp.120-134.    

 

________. Tudo é histórico, portanto a história não existe. In.SILVA, Maria Beatriz Nizza da (org.). Teoria da história. São Paulo: Editora Cultrix, 1976. pp.45-55.

 

 

 

 

 

 

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Por exemplo, no campo da Sociologia o relativismo abriu o caminho para a sociologia do conhecimento de Karl Mannheim.

[2] Quanto a isso cf. a obra As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento, p.65-78.

[3] Ver apontamentos do Seminário apresentado no dia 14 de julho, onde se discutiu O Positivismo na ciência da História. O Seminário apontou teóricos como: Condorcet e Saint-Simon, Augusto Comte e Émile Durkheim e Leopold Van Ranke, como Positivistas, em suas várias vertentes.

[4] Doutrina que tem como expoente primeiro o americano Charles Sanders Peirce (1839-1914). Sua tese fundamental é que temos de um determinado objeto nada mais é senão a soma das idéias de todos os efeitos imagináveis atribuídos por nós a esse objeto, que possam t                er um efeito prático qualquer. Ciro Flamarion S. Cardos utiliza o conceito como sendo o Pragmatismo a doutrina que afirma ser a verdade de uma proposição uma relação interior à experiência humana, sendo o conhecimento um instrumento a serviço da ação. (1984:122)