REFORMAS EDUCACIONAIS: mudanças e
continuidades
Diogenes Nielsen Júnior
Em seu célebre Parecer, datado de
1883, a respeito da Reforma do Ensino Primário, Rui Barbosa num discurso
explicitamente liberal, expressou a urgente necessidade de uma reforma radical
do ensino público. Nele, denunciou a decadência do sistema educacional, a falta
de espírito pedagógico, a automação do ensino, a ignorância popular que
ameaçava a liberdade da nação. Numa de suas justificativas apontau: “Uma
reforma radical do ensino público é a primeira de todas as necessidades da
pátria. Num país onde o ensino não existe, quem disser que é conservador em
matéria de ensino, volteia as costas ao futuro, e desposa os interesses da
ignorância”.
A partir de 1890, com a Proclamação da
República e a necessidade de criação de um sistema nacional de ensino, o Brasil
experimentou uma seqüência de reformas no seu sistema educacional.
Objetivando traçar o ciclo da história das
Reformas da Instrução Pública no Brasil, da Proclamação da República à década
de 1920, Marta Maria Chagas de Carvalho, professora do Programa de
Pós-Graduação em Educação da USP e PUC de São Paulo, apresentoa o artigo
“Reformas da Instrução Pública”. Este capítulo compõe a coletânea “500 anos de
Educação no Brasil”, organizada por Eliane Marta Teixeira Lopes, Luciano Mendes
Faria Filho e Cynthia Greive Veiga. Publicada pela Autêntica Editora,
juntamente com a Prefeitura de Belo Horizonte, em 2000, reúne 24 trabalhos sobre a história da educação no Brasil, do período
colonial às discussões atuais sobre políticas educacionais.
Dividido em quatro
partes, o artigo de Carvalho segue o seguinte encadeamento: “Modelo Escolar
Paulista e Analfabetismo”; “Crise Oligárquica, Entusiasmo pela Educação e
Reforma da Escola”; “A Arma Perigosa do Alfabeto e o Poder Civilizador da
Escola” e “A Escola Única como Escola do Trabalho”.
Na primeira parte,
traz a Proclamação da República como marco histórico de remodelação da Escola
Pública, principalmente a escola paulista, eleita como modelo do progresso e
organizada como sistema modelo sob dois aspectos: na lógica que presidiu sua
institucionalização e na força exemplar que passou a ter nas iniciativas de
remodelação escolar de outros Estados.
A Reforma Caetano
de Campos trouxe estes objetivos. O aprender era centrado na visibilidade e na
imitabilidade das práticas pedagógicas. Os procedimentos de vigilância
produziram a uniformização necessária à institucionalização do sistema de
ensino. Assim, a Escola Modelo foi constituída como instituição nuclear da
Reforma, tendo como ingredientes: mestres formados no estrangeiro, moderno
material escolar importado, prédio apropriado e criação de bons moldes de
ensino.
Em 1920 este
modelo entrou em crise, resultado de mutações nos paradigmas do conhecimento,
determinadas pelas motivações políticas, sociais e econômicas, confluindo para
o chamado “entusiasmo pela educação”. Nesta nova lógica, o analfabetismo foi
alçado ao estatuto de marca da inaptidão do país para o progresso. Erradica-lo
seria a nova prioridade da reforma educacional.
Neste sentido foi implantado em São
Paulo a Reforma Sampaio Dória, concebida nos moldes spencerianos de uma
educação intelectual, moral e física. Em nome da erradicação do analfabetismo,
a Reforma reduziu a escolaridade primária obrigatória de quatro para dois anos.
O método de ensino foi o da “intuição analítica”, pela capacidade de “fazer
conhecer”, desenvolver a capacidade de conhecer, pelo contato da inteligência
com a natureza e pelo exercício das faculdades perceptivas.
Carvalho finaliza a primeira parte do
artigo citando três autores para caracterizar a Reforma Sampaio Dória:
Hilsdorf, no qual viu na Reforma um duplo movimento de rotação em direção às
novas fontes da cultura pedagógica; Antunha, acentuando a importância da
Reforma pela agitação de idéias que provocou e pelo impacto que causou no
desenvolvimento da história da educação paulista; e finalmente Nagle,
observando ser uma das Reformas mais incompreendidas por que passou o ensino da
década de 1920.
Na seqüência a autora trata
principalmente da crise da oligarquia e do entusiasmo pela educação. Inicia
citando o “entusiasmo pela educação”, termo utilizado por Jorge Nagle, como
resultante do desdobramento da mobilização que os setores intelectuais articularam
em torno da propaganda da educação e de iniciativas de reformas educacionais
nos estados.
A plataforma política sintetizada no
lema “representação e justiça” foi, sobretudo, demanda de uma nova elite urbana
interessada em estruturar mecanismos de controle das populações pobres no
espaço da cidade. Agora o lema não seria mais a luta contra o analfabetismo e
sim reformulação da Instrução Pública para configurar a estratégia política que
gradativamente abandonou a matriz liberal da Reforma Sampaio Dória.
Finaliza a segunda parte comentando a respeito da nova proposta
ajustando os “homens às novas condições e valores da vida”, ou seja, aos
intentos políticos dos governos estaduais, que capitalizavam politicamente o apelo
modernizador da intensa mobilização cívica em torno da regeneração nacional
pela educação.
A terceira parte do artigo, traz a
Reforma Lourenço Filho. Convidado em 1922, a pedido do governo do Ceará
empreendeu a Reforma do sistema de ensino cearense. Sua estratégia de reforma
promoveu uma mudança da mentalidade do professor. Nela a escola não mais devia
limitar-se a ensinar a ler, escrever e contar. Mudou o currículo da Escola
Normal, no qual a Pedagogia se articularia aos avanços da Psicologia
Experimental.
Lourenço Filho apregoava que a campanha
de regeneração nacional esbarrava na mentalidade das elites brasileiras e que,
por isso, o problema da educação nacional era, antes de tudo, um problema de
educação de elites. A voz de Lourenço Filho ecoou nos centros urbanos do sudeste do país, onde a campanha de
propaganda da “causa educacional” estava sendo articulada pela Associação
Brasileira de Educação. Em sua campanha não coube ao analfabetismo a culpa do
atraso, do desgoverno e dos muitos males; foram mais nocivas, culpáveis e
condenáveis as elites mal preparadas.
Em Minas Gerais, a remodelação da escola foi intento central da
Reforma Francisco Campos, na qual retomou a questão do analfabetismo. Esta
remodelação implicou em fazer a escola incorporar aos seus processos e métodos,
os processos e métodos da vida, ampliando o campo das atividades infantis e
fazendo do trabalho um fim educativo.
Em Pernambuco, a Reforma Carneiro
Leão também reconfigurou o papel atribuído à escola, fazendo desta a oficina
social e do educador o colaborador autêntico da sociedade em marcha. Introduziu
a disciplina Sociologia Educacional que, segundo o reformador contribuiria para
o progresso e a reforma sociais, reativando o “entusiasmo pela educação”.
Na última parte do artigo, a autora
trata da Escola Única como Escola do Trabalho. Apresenta a revisão das
finalidades sociais da escola e de seu potencial transformador e conformador
que vinha sendo empreendido pelos educadores brasileiros a partir dos múltiplos
contatos que mantinham com o estrangeiro. Na implantação política desta nova
escola, as proposições da Escola Nova foram consideradas mais eficientes de que
podia ser a reforma de Sampaio Dória.
Aparece no cenário das reformas da
Instrução Pública, em 1926, a convite do Governo da Bahia, a Reforma Anísio
Teixeira. Na sua reforma foi preciso superar a solução paulista para o problema
da educação popular expressas nas medidas da Reforma Sampaio Dória. O problema
do ensino da Bahia foi o de todo o país, que se traduziu num dilema: “ensino
primário incompleto para todos, ou ensino integral para alguns”.
O lema escolanovista “educar para a
vida” ganhou um significado peculiar para Anísio Teixeira, pois seria a
adaptação da escola ao meio. Fortemente influenciado pela democracia
norte-americana se entusiasmou pela escola pública, onde pobres e ricos eram
vistos sentados nos mesmos bancos e onde o trabalho manual e o trabalho
intelectual eram igualmente dignos e indissociáveis. Passou a postular “a
cultura e o trabalho unificados em todos os graus da educação nacional”.
Nestes mesmos moldes seguiu a reforma
Fernando de Azevedo, no Distrito Federal, a “escola única” como ”escola do
trabalho”, redefinindo os programas da escola primária e tomando medidas de
reformulação e integração do ensino técnico-profissional.
Finaliza o artigo citando o confinamento político imposto a
Fernando de Azevedo por sua explícita vinculação à facção oligárquica paulista
inimiga de Vargas. Aponta sua reforma como marco divisor, antecipadora e subsidiária do Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova e considera a Reforma Fernando de Azevedo como fecho do ciclo da história das reformas
da Instrução Pública no Brasil.
A leitura deste artigo não indica um posicionamento crítico a
respeito da educação, nem considera a escola como palco de luta de classes, nem
tampouco, menciona o caráter dualista da educação brasileira tão evidente numa
leitura dialética da história da educação. Apresenta uma trajetória histórica
interna do ponto de vista do ideário liberal, no qual a educação resolveria
todos os problemas e males sociais, políticos e econômicos do Brasil, tendo no
molde americano o modelo a ser seguido - aquele que Rui Barbosa já mencionava
em 1883.
Bibliografia
CARVALHO, M. M. C de. Reformas da Instrução Pública. In: LOPES,
E. M. T; FARIA FILHO, L. M de; VEIGA, C. G. (org). 500 Anos de Educação no
Brasil. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. (Coleção Historial, 6).