PAULINO DE SOUZA: A INSTRUÇÃO PÚBLICA COMO ELEMENTO MORALIZADOR

 

Lourdes Margareth Calvi[i]

Maria Cristina Gomes Machado[ii]

 

         Este texto apresenta o discurso oficial em prol da instrução pública para as classes populares, contido no rRelatório do ministro do Império Paulino José Soares de Souza, de maio de 1870, e o pProjeto de rReforma para a instrução pública oferecido à Aassembléia Geral Legislativa em 6 de agosto desse mesmo ano. Para compreender as questões educacionais, considera-se fundamental investigar o momento econômico, político e social que o país atravessava nesste período, quando a escola foi pensada como responsável pela formação do trabalhador e do cidadão, consubstanciando as mudanças no regime de trabalho e no regime político. Esse período pode ser caracterizado pela existência de um amplo debate em torno da necessidade de organização da escola pública, entretanto, com poucas realizações.

         O discurso oficial acerca da instrução pública brasileira no século XIX encontra-se nos rRelatórios dos mMinistros do Império e na Fala do Trono, onde havia o pedido formal do Imperador para cuidar da instrução do povo. No governo iImperial não havia uma pasta exclusiva para a educação, por isso a instrução pública era tratada pelo Ministério do Império, juntamente com os vários negócios públicos, como: administração do Estado, das províncias e do Município da Corte; eleições; naturalizações; estatística; registro civil; casamento por ato civil; associações e estabelecimento científicos, literários e artísticos; iInstitutos de meninos cegos e surdos-mudos; negócios eclesiásticos; saúde e socorros públicos; estabelecimentos de caridade; secretaria de Estado; montepio dos servidores e créditos e orçamentos.

         Para demonstrar o discurso oficial em prol da instrução pública, analisamos o relatório do ministro do Império Paulino de Souza de 1870, com o intuito de expor como estava organizada a instrução pública no período e a concepção desse mMinistro acerca da instrução do povo. Nesse relatório, eram enfatizadas várias questões da época que exigiam reformas urgentes para garantir o desenvolvimento do país e a estabilidade política da Monarquia.

 

1- Idéias gerais acerca do século da iInstrução pPública

O discurso oficial desse mMinistro possibilita-nos investigar em que posição estava localizada a instrução pública do povo na ordem de prioridades que se colocava para o Brasil. Estas prioridades eram estabelecidas na luta pela modernização da sociedade, na busca  de entrar no mundo capitalista civilizado, nos moldes da Europa e dos Estados Unidos.

 Num aspecto mais amplo, a instrução pública estava inserida entre questões de ordem política, econômica e social. Questões estas não só de caráter nacional, como mas também internacional, já que o século XIX tornou-se conhecido como o “Século da Instrução Pública”. Esste século foi marcado por profundas transformações na sociedade burguesa. A reorganização do capital determinou mudanças na forma de trabalho e na organização da sociedade. Tais mudanças acabaram por atribuir à instrução elementar um papel fundamental, colocando-a como responsável pelo desenvolvimento social. À escola foi designada a missão de contribuir com para a unidade nacional, através da unificação da língua e preparo do eleitor cidadão e do cidadão trabalhador (Machado, 1999).

         O desdobramento do desenvolvimento industrial, que imprimiu nesse século a marca da miséria na classe trabalhadora dos países capitalistas, foi a forte pressão do operariado. Os movimentos revolucionários na França em 1848 e a Comuna de Paris de 1871 são expressões dessa força. A pressão exercida pelos trabalhadores desempregados, nos países desenvolvidos industrialmente, apontava para uma transformação social. Era preciso conter esse contingente de descontentes, fazendo concessões, como o sufrágio universal, já que requeriam a participação nas decisões de governo.

         Ao se conceder o direito de voto, tornou-se necessário educar o cidadão eleitor. O Estado foi incumbido desta tarefa; portanto, a c campanha européia em favor da instrução popular, que aconteceu a partir de meados do século XIX, e que culminou com a criação da escola pública primária, gratuita, laica e obrigatória, e com a organização dos sistemas nacionais de ensino, teve seus desdobramentos nas novas repúblicas da América Latina. No Brasil esse debate teve como cenário as lutas travadas no Parlamento na transição do trabalho escravo para o livre e no questionamento do regime político, como conseqüência do movimento geral da sociedade burguesa.

         Como ocorreu esse desdobramento em sociedades com relações de produção tão diferentes? Na Europa, a industrialização, nesse período, já havia criado o excedente de mercadorias e de desempregados; no Brasil havia a falta de braços para a lavoura e a indústria ainda era incipiente. Na EuropaNo Velho Continente, a grande preocupação dos governos consistia em como escoar esse contingente de pessoas e mercadorias; no Brasil, estes braços eram necessários, justamente porque esstes países exerciam uma pressão muito grande para que a escravidão aqui fosse abolida. A escola pública como a conhecemos hoje, nasce na Europa, nesse contexto. O seu desdobramento se dá em sociedades onde as relações de produção capitalista ainda não estão plenamente instauradas, porque esse sistema, ao estabelecer relações entre as nações através do mercado, cria necessidades universais.

PortantoDestarte, partimos do pressuposto de que, ao se caracterizar por relações internacionais de troca e integrar o mercado mundial, o capital produz fenômenos universais e, com isso, acaba internacionalizando certas necessidades e discursos, como o da educação para o povo. Sendo assim, o aumento da concorrência, a partir da industrialização no século XIX, obriga os países não industrializados a estabelecerem as mesmas relações de produção que regem o capital em seu estágio mais avançado, para acompanhar o movimento do comércio mundial. O crescimento internacional do comércio influenciou a economia de países onde o capitalismo estava em desenvolvimento, e tais condições foram favoráveis ao Brasil. Neste país, na década de 1850, a produção de café continuava a crescer e já era o primeiro produto nas exportações. As cotações internacionais do café, que estavam estagnadas desde 1822, passaram a ter alta depois de 1850. Os navios a vapor no Atlântico Sul deram um novo impulso ao comércio de longas distâncias, proporcionando relações comerciais entre o Brasil, a Europa e os Estados Unidos. O aumento das exportações de café exigia que fossem remodelados os portos e fosse criada uma rede de transporte para facilitar o escoamento dos produtos, desencadeando o processo de modernização da sociedade brasileira.

As transformações econômicas, que vinham ocorrendo desde a década de 1850, tomaram um crescente impulso a partir da década de 1870. Este período se revela importante, tendo a contribuição de vários acontecimentos, como para isso o fim da Guerra do Paraguai, iniciada em 1864, o Manifesto Republicano e a Lei do Ventre Livre. Os processos de urbanização e industrialização foram acelerados e,  devido à expansão da rede ferroviária e à imigração, cresceu o movimento emancipacionista, acirrando assim, a crise no regime monárquico.; Ccresceu também o ideal republicano, inflando o embate entre as forças políticas do país.

 No final da década de 1870, com a orientação do movimento emancipacionista, tendendo para o abolicionismo, cresceu a organização dos produtores agrícolas. Esta organização foi uma iniciativa de particulares, através de diversos clubes da lavoura e do comércio que se formavam em todo o país;, mas também teve a iniciativa do Estado, que, ao promover o Congresso Agrícola de 1878, no Rio de Janeiro, convocou a participarem como delegados, produtores agrícolas dos municípios das pProvíncias de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo.

 

2- O discurso de Paulino de Souza no relatório ministerial de 1870 e na Reforma para a instrução pública.

Na luta que os homens desse período travaram para modernizar a sociedade brasileira, as reformas, que se faziam necessárias para possibilitar o desenvolvimento do país, segundo as ordens capitalistas, encontravam obstáculos. Isto é possível porque o capital, ao mesmo tempo em que estabelece relações universais, também assume características específicas em cada país. É a partir desta relação, entre as manifestações singulares e universais do capital, que podemos entender os discursos oficiais nos rRelatórios ministeriais ligados às manifestações européias quanto à proposta educacional e ao fato de esta proposta ser defendida para atender a problemas diferentes.

Assim, o discurso sobre educação popular no Brasil foi produzido no processo de universalização das relações que regiam o capital no século XIX, mas ao mesmo tempo, destinava-se a atender às necessidades desse país. Nesse contexto, a defesa da educação para todos corresponde à necessidade de adaptar os indivíduos a estas mudanças, universalizando-se assim, o discurso educacional no período.  As fontes primárias desta pesquisa, ou seja, o Relatório Ministerial de 1870 e a Reforma para a instrução pública, possibilitam-nos identificar estas relações no discurso que o mMinistro proferia sobre a educação como uma saída para os problemas brasileiros.

         As propostas educacionais brasileiras desse período não são tratados de educação. São propostas produzidas como exigências para a modernização do país. O autor do relatório citado anteriormente, não é educador, é um político que estava envolvido com a organização do Estado brasileiro e respondia aos anseios de uma classe - a dos grandes proprietários de terras. Os homens desse período, ao se envolverem com os problemas políticos, sociais e econômicos da época, inseriam a educação entre eles. Assim, Paulino José Soares de Souza, do Partido Conservador, que assumiu o Ministério do Império em 16 de julho de 1868, no governo do Visconde de Itaboraí, discorreu longamente sobre a instrução pública em seu rRelatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa em maio de 1870.

         Nesse rRelatório, Paulino de Souza registra a existência de poucas escolas, a necessidade de ampliar as verbas para a instrução pública, a falta de professores e a precariedade na formação dos poucos que se dedicavam ao magistério, a ausência de prédios públicos destinados às escolas e falta de salubridade nas casas alugadas pelo governo para esse fim.

O mMinistro outorgava, à instrução do povo a incumbência de moralizar a sociedade. No tema Instrução Pública, ele faz uma explanação geral, onde registra claramente seu pensamento sobre o assunto. Em seguida, o Ministro apresenta dados e propostas sobre a instrução superior, instrução secundária e instrução primária. Inicia o registro de suas idéias com algumas palavras que são ilustrativas, e refletem a postura do Governo Imperial sobre a instrução. Paulino de Souza faz um alerta à Assembléia Geral, desatacando que o “... regime representativo é a forma de governo característica do século em que vivemos”(1870: 27) e educar o eleitor é fundamental.

         Estas palavras chamam a atenção do Parlamento num período em que outras nações estão desenvolvendo seus sistemas nacionais de ensino[iii] e o modelo de sociedade burguesa é universalizado. Todas as nações devem segui-lo, caso contrário, estarão fadadas ao atraso, ao subdesenvolvimento. Adequar as instituições à nova ordem mundial torna-se a grande luta da sociedade burguesa para se reproduzir. Essa adequação passa pela democratização das instituições. No Brasil, a democratização significava modernizar as relações de produção, acabando com a escravidão e com as tradições que se originaram durante o desenvolvimento colonial e, criando instituições para a promoção e conservação de um novo modelo de relações sociais. Em sintonia com esse ideário, Paulino de Souza atribui à instrução a civilização e o progresso da nação:

 

... a ilustração pública é o grande motor do adiantamento nacional, o estímulo a cujo impulso a direção da sociedade se encaminhará para a realização das mais nobres e elevadas aspirações do patriotismo. Ao passo que desenvolve a instrução pública, a sociedade vê acumularem-se maiores cabedais intelectuais pelo alargamento da compreensão de todas as classes, novos elementos de prosperidade concorrem a bem da afetividade das liberdades políticas, da moralidade, da indústria, de todos os interesses sociais, do bem-estar dos cidadãos” (Id. Ibid: 27).

 

         O autor do rRelatório está convicto de que o progresso exige se instrua o povo., Ssegundo ele, o ensino público nos países mais adiantados tem tomado proporções que, infelizmente, o Brasil está muito longe de atingir. O ministro elogia a organização da instrução pública nos Estados Unidos, e após longas observações feitas à educação norte-americana, conclui afirmando que não é sem interesse que faz a comparação daquele paíseste com o Brasil.

         Preocupado em apresentar dados para chamar a atenção da Assembléia Legislativa quanto ao número de escolas primárias e secundárias, públicas e particulares no país, quanto àa freqüência dos alunos e ao crédito concedido à instrução pública, na lei do orçamento vigente no Município da Corte e nas vinte províncias, o mMinistro explicita os gastos com esse ramo do serviço público, ressaltando que o país investia pouco. Assim, conclamou o Parlamento  para dar a devida atenção ao ensino público brasileiro, demonstrando qual a sua opinião sobre a necessidade de instruir o povo:

 

Façamos, porém, quanto estiver ao nosso alcance por não sermos os últimos no caminho que vão trilhando as nações cultas. É preciso não olharmos a sacrifícios quando se trata de assunto de tal magnitude. As somas que destinardes ao desenvolvimento da educação popular dentro em breve serão compensadas em diminuição das despesas de repressão, entrarão multiplicadas nos cofres sob diferentes títulos de renda [...] As escolas públicas, consideradas como instrumentos de civilização (sirvo-me de uma frase alheia), obram como grandes forças da natureza primitiva empregadas na elaboração dos elementos que deviam entrar na composição de nosso globo: criam o presente preparando o futuro. Alavanca poderosa para remover muitas causas de atraso político, o ensino público é o primeiro elemento de moralização, abrandando os costumes, confirmando pelo esclarecimento da razão os bons sentimentos que Deus lançou em germe no coração do homem. [...] (Id. Ibid: 30. Grifos nosso).

 

         Paulino de Souza, ao colocar a instrução pública como instrumento de civilização, caminha em sintonia com as novas relações mundiais, que estabelecem ao sentimento moral o dever de moldar os comportamentos necessários à manutenção da ordem. Esta tornou-se uma das necessidades do sistema capitalista monopolista, as quais encontraram na educação o elemento necessário para redefinir seus princípios. Ao postular a obrigatoriedade e gratuidade escolar para todos, passa a atender aos princípios liberais de igualdade de oportunidades, e ao tornáa-la laica, cria um espaço democrático e público, onde a identidade nacional deveria ser desenvolvida. Portanto, a escola ao mesmo tempo atendia aos princípios liberais de igualdade, através de seu conteúdo, e disciplinava moralmente cada indivíduo nos preceitos da democracia burguesa.

         Para Paulino de Souza, a escola pública constitui-se em alavanca poderosa para remover muitas causas de atraso político. O ministro se refere à instrução como elemento de moralização do povo, quando trata da instrução primária. Este Ele destaca esse o papel importante exercido pela educação pública primária;. eEntretanto, mostra-se preocupado também com a necessidade de cuidados com o ensino superior. Assim, ao tratar da Instrução Superior, ele relata já haver manifestado sua preocupação no relatório anterior sobre a necessidade de se criar na Corte, um Conselho Superior para fiscalizar o andamento deste ramo de ensino em todo o Império. Segundo o mMinistro, a criação de um Conselho composto de pessoas ilustradas e notáveis por sua posição e zelo com a instrução pública, além de dar uniformidade e direção, auxiliaria o Ministro do Império na formulação de regulamentos e medidas para o ensino superior. Ele também chama a atenção do Poder Legislativo para a necessidade de se fundar uma uUniversidade na Corte, argumentando que a reunião de diversas ciências, em uma corporação bem- organizada, resultaria em grande impulso ao ensino público.

         De acordo com o Paulino de Sousa, cada ramo da instrução pública exerce grande influência na sociedade, e a Instrução Secundária, segundo ele, é a que mais influi na educação, formando a inteligência e, em grande parte, o caráter dos que a recebem. Para ele, o ensino secundário tem por fim formar e fortalecer o espírito da mocidade, habilitando-aos para os estudos de utilidade prática e para a vida social. A Instrução Secundária nas Províncias, para Paulino de Souza, merece maior cuidado. Na sua opinião, o Ato Adicional não excluiu da Assembléia Geral, o direito de criar e dirigir, nas pProvíncias, estabelecimentos de instrução pública à custa do Estado. Ele informa que, anexas às Faculdades de Direito de São Paulo e do Recife, já existem aulas preparatórias custeadas pelos cofres gerais. O Projeto de Reforma elaborado pelo mMinistro contempla mudanças na oferta do ensino secundário. , Ppara tanto, suprime as aulas de preparatório anexas às faculdades de Direito de São Paulo e do Recife e autoriza o governo a criar externatos, segundo o plano do Imperial Colégio de Pedro II, junto às duas faculdades. O artigo 4º do projeto complementa a idéia da criação de colégios de ensino secundário e torna efetiva a obrigatoriedade da instrução primária:

 

O governo criará estabelecimentos aos que trata o artigo antecedente, podendo anexar-lhes internatos, nas províncias que mantiverem em cada paróquia pelo menos uma escola de instrução primária para cada sexo e nelas tiverem tornado efetiva a obrigação do ensino para a população de 7 a 15 anos de idade, residente dentro do círculo traçado pelo raio de 1 quilômetro medido da sede das paróquias. (In: Barbosa, 1942: 323)

 

         Essa forma de condicionar a criação de colégios secundários, nas pProvíncias que têm a instrução primária como obrigatoriedade, de maneira indireta, estimula os pPresidentes provinciais a disseminarem a instrução pelo país.

         Tratando da Instrução Primária no Município da Corte, o mMinistro comunica que apenas 9.311 alunos freqüentaram em 1869 as escolas públicas e particulares., Cconsidera pouco esse número de alunos e acrescenta ser indispensável que os responsáveis pela educação da infância sejam obrigados a mandar seus filhos, pupilos ou protegidos de um e outro sexos às escolas públicas, quando não os instruírem em estabelecimento particular ou em casa. Ainda quanto à obrigatoriedade do ensino, Paulino de Sousa adverte sobre a responsabilidade do Estado acerca da instrução pública: “Em qualquer sociedade regular, o menor, que a lei declara incapaz de reger-se não pode deixar de ser considerado com direito à educação, e obrigados a ministrá-la aqueles a quem a mesma lei os encarrega. Tem o Estado o dever de tornar efetivo estes direitos [...]”(1870: 38).

Paulino de Souza declara-se partidário do ensino obrigatório e diz que já teria colocado em prática o art. 64 do Decreto n.º 1.033. de fevereiro de 1854, se não lhe faltassem os meios para executá-laisso. Quando fala dos meios, o mMinistro refere-se às verbas para criar, em número suficiente, escolas primárias nos lugares em que haja crianças em idade escolar. Explica que, após o arrolamento que o Governo mandaraou efetuar no Município da Corte, seriaá mais fácil se ter uma idéia, se não exata, ao menos aproximada, de qual parte da população em idade escolar não recebe instrução em cada distrito do Município, ficando o Governo habilitado para criar novas escolas onde for necessário.

De acordo com o mMinistro, não se pode exigir que os pais, tutores ou protetores de menores mandem as crianças às escolas, sem que estas existam em lugares, onde possam ser freqüentadas. Ele também informa à Assembléia que, na proposta de orçamento apresentada aos parlamentares, solicita a estes que habilitem o Governo a fundar e manter até mais de 20 escolas primárias no Município da Corte. Após estarem estabelecidas e situadas as novas escolas, ele tratará de regular a obrigatoriedade do ensino. Elogia a Câmara Municipal da Corte, que propuseraôs ao Governo construir, à custa dos cofres municipais, um edifício apropriado para o ensino primário. Esta é a primeira escola da Corte em casa própria e adequada, e, segundo o Ministroele, essa medida poderiaá encontrar imitadores em todo o Império.

         O autor do relatório informa que abre, na exposição deste, uma nova rubrica, “Instrução pública nas Províncias”, com o objetivo de oferecer à Assembléia, o resultado dos estudos efetuados para avaliar o estado do ensino público em todo o Império. Argumenta que, é com mágoa, que se vê obrigado a confessar que a instrução pública no Brasil se acha em circunstâncias tão pouco lisonjeiras, mas que éseria necessário fazê-lo, para que provenha da Assembléia a deliberação sobre o assunto, mesmo estando a instrução primária e secundária a cargo das províncias, pois a instrução de qualquer classe interessa a toda a sociedade. Para Paulino de Souza, a instrução é a primeira condição de elevação moral e política, elementos muito importantes para uma nação regida por instituições representativas.

O mMinistro reconhece que algumas aAssembléias provinciais têm em grande atraso, em outras têenham regredido, em poucas sejaé sensível o progresso. e, eEm nenhuma é satisfatório o seu estado, peloquanto ao  número de estabelecimentos de ensino, ; pela freqüência e aproveitamento dos alunos,;  vocação para o magistério, zelo e dedicação dos professores,; pelo fervor dos pais em dar aos filhos a educação intelectual, até mesmo pelo quanto ao estado dos prédios escolares. Paulino de Souza comunica que, algumas províncias estão efetuando reformas[iv] na organização do ensino, mas o Ministro critica-as, argumentando que não estaremão cuidando de espalhar o ensino, fiscalizando os que dele se incumbem para que seja distribuído a todos. Deveria haver ardor em promovê-lo e desvelo em atrair alunos às escolas, ensinando o máximo ao maior número possível de alunos.

         Os problemas da instrução pública nas províncias, assinalados pelo mMinistro são muitos. Entre eles consta um número de alunos aprovados e dados como prontos, não correspondente com aà realidade. , uUma das causas é o fato de serem retirados das escolas os alunos antes de concluírem os estudos, porque os pais julgam suficiente apenas saber “soletrar letra redonda” e escrever o nome,s. Outros problemas são a ausência de exames nas escolas mais afastadas, por falta da autoridade que deve realizá-los e a falta de dedicação ou aptidão dos professores, necessárias para tornar proveitoso o ensino aos alunos, dando-o no mais curto espaço de tempo. Os pais se cansam de esperar e se desanimam das vantagens de mandarem os filhos à escola; assim constata que a freqüência na à escola de instrução primária está aquém do esperado. Para o Paulino de Souza, a inspeção escolar é muito importante. Sendo assim, ele registra o quanto se faz necessário esse serviço para a organização da instrução pública no país, de forma que se dissemine o ensino em todo o Império.

O mMinistro lastima-se da falta de professores habilitados em todo o Império,  e cujas causas são as mais variadas. Exige-se muito dos professores e paga-se pouco. Assim, a mocidade que busca habilitar-se no magistério continua pleiteando empregos mais lucrativos, não aceitam o magistério como situação definitiva. Seriando esse um dos motivos pelos quaisl se têm melhores professoras do que professores, devido ao. Pelo fato de as mulheres não poderem servir em empregos públicos e se resignarem com poucos vencimentos, conservam as escolas e cumprem o dever. O magistério, para ele, é um sacerdócio;, ensinar e educar são elementos da missão do professor;, portanto, o professor deve ficar “arredado dos partidos políticos” e a sua remoção não pode ser usada como arma eleitoral.

         O ensino religioso[v] também foi tratado por Paulino de Souza. Segundo ele, este ensino deixa muito a desejar. Nas escolas quase não se dá importância a ele, mas num país cuja religião oficial do Estado é a católica, deve haver mais empenho no ensino religioso: “A parte capital da educação pública deve ser o ensino da doutrina da igreja em cujo seio vivemos. Quanto mais viva brilhar no coração do povo a chama da fé religiosa, mais segura será sua moralidade, maior o respeito às leis, menor a necessidade de repressão. [...]” (1870: 43. Grifos nosso).

         Em algumas pProvíncias, de acordo com Paulino de Souza, os párocos podem intervir neste assunto e o professor é obrigado a ceder-lhe a cadeira, mas muito pouco se tem conseguido. Ele sugere que é preciso estudar as causas pelas quais os alunos não se interessam por esta parte do ensino.

         Ao concluir o tema sobre instrução pública em seu rRelatório, pela primeira vez Paulino José Soares de Sousa se refere ao método[vi] de ensino: “Uuma das mais raras e preciosas qualidades do professor é conhecer o segredo de transmitir o que sabe a inteligência que apenas despontam. O estudo do método é, pois, da maior importância para o ensino” (Id. Ibid:: 48). Paulino de Souza, embora tenha demonstrado grande preocupação com a instrução, apenas refere-se ao método de ensino como importante, sem opinar sobre qual método éseja o mais apropriado para ensinar, e não trata do método em seu projeto de reforma.

         O projeto de reforma para a instrução pública que o ministro do Império Paulino de Souza ofereceu à Assembléia Legislativa em 06 de agosto de 1870 teve, segundo Primitivo Moacyr, esse encaminhamento no Parlamento: “Rretirando-se do poder o ministro Paulino de Souza, o projeto toma, segundo a praxe parlamentar, rumo aos arquivos, sem as honras de um debate...” (1937: 131).

 

REFERÊNCIAS

 

BARBOSA, Rui. Reforma do ensino secundário e superior. Obras completas. Vol. IX, tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1942.

BRASIL. MINISTÉRIO DO IMPÉRIO. Ministro Paulino José Soares de Souza. Relatório do ano de 1869, apresentado à Assembléia Geral Legislativa na 2ª Sessão da 14ª Legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1870.

LEONEL, Zélia. Contribuição à história da escola pública: elementos para a crítica da teoria liberal da educação. Campinas: Faculdade de Educação/ UNICAMP, 1994. (Tese de Doutorado)

MACHADO, Maria Cristina Gomes. O projeto de Rui Barbosa: o papel da educação na modernização da sociedade. Campinas, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, 1999. (Tese de Doutorado)

MOACYR, Primitivo. A Instrução e o Império. (Subsídios para a História da Educação no Brasil) 1850-1887. 2º vol. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937.

SCHELBAUER, Analete Regina. Idéias que não se realizam – o debate sobre a educação do povo no Brasil de 1870 a 1914. Maringá: Eduem, 1998.



[i] Mestre em Educação pela UEM, Professora da Rede Pública de Ensino SEED, e-mail: marcalvi@mailbr.com.br.

[ii] Professora Adjunta do Departamento de Fundamentos da Educação da UEM, e-mail: mcgmachado@uem.br.

[iii] Entre os estudos que investigam a criação dos Sistemas Nacionais de Ensino, estão o de Leonel (1994) e o de  Schelbauer (1998). Leonel, explicita o processo ocorrido para a criação do sistema nacional de ensino na França, relatando os debates ocorridos na Câmara dos Deputados daquele país, quando era definido o papel da escola e o conteúdo a ser veiculado nela. A autora afirma que esses debates continham, o princípio da universalidade da democratização do ensino ocorrido mundialmente no final do século XIX. Schelbauer sistematiza o debate sobre a educação popular na sociedade brasileira em fins do século XIX e início do XX. Essa autora analisa as motivações de ordem pública e privada que, mobilizaram os homens da época, em favor da difusão da educação para todos e da organização de um sistema nacional de educação.  Analisa ainda, e o entendimento das soluções que o movimento contraditório do capital trazia para que aqueles desejos não se realizassem naquele período, vindo a realizar-se meio século depois, em 1961, com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

[iv] De acordo com Paulino de Souza: “as províncias do Amazonas, Pará, Rio Grande do Norte, Bahia, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Goiás reformularam ultimamente a legislação sobre instrução. Nas províncias do Pará, Rio Grande do Norte, Bahia, Rio de janeiro, São Paulo e Santa Catarina o ensino particular foi declarado livre, ficando em algumas unicamente obrigados os fundadores de novas escolas a dar conhecimento da abertura e local de seus estabelecimentos e a remeter os mapas da freqüência dos alunos. Na província do Pará a legislação, ao passo que facultou a liberdade do ensino, tornou-o obrigatório, impondo penas aos remissos na educação intelectual dos filhos” (1870: 41).

[v] A questão do ensino religioso no Brasil será bastante polêmica, ora prevalece seu ensino, ora ele é retirado. A escola pública francesa nascerá laica, após um acirrado debate na Câmara dos Deputados entre católicos e protestantes. Embora em minoria, os protestantes saíram-se vitoriosos com a aprovação da laicização do ensino. Essa vitória se deu, devido ao embate das classes sociais no século XIX que exigia que o “povo” pudesse e devesse freqüentáa-la, independentemente de classe social ou religião. Leonel (1994) dedica um longo capítulo para demonstrar a origem da escola pública laica, gratuita e obrigatória.

[vi]No século XX, a questão do método de ensino será amplamente discutida, principalmente com a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. Entretanto, no final do século XIX, ela recebe cuidados especiais e muitos autores defenderam a adoção do método intuitivo ou lições de coisas. Leôncio de Carvalho recomendará a adoção desse método em seu Relatório de 1878.