MOACYR PRIMITIVO E A INSTRUÇÃO PÚBLICA: IMPÉRIO E REPÚBLICA

 

Lourdes Margareth Calvi[1]

Analete Regina Schelbauer[2]

 

Introdução

 

As últimas décadas do Império e as primeiras da República no Brasil, são marcadas por um movimento intenso de debates e iniciativas no âmbito da instrução pública. Esse movimento, fruto da campanha universal em prol da difusão da educação popular que concretiza, em vários países a intervenção do Estado na educação, a criação da escola primária de ensino obrigatório para as classes populares e a organização dos Sistemas Nacionais de Ensino, é que objetivamos captar através dos escritos de Primitivo Moacyr sobre a instrução pública. Uma vez inserido nesse movimento, o Brasil participa intensamente desse debate através de congressos, exposições e dos inúmeros projetos de reformas da instrução pública apresentados às Assembléias Legislativas das Províncias, à Câmara dos Deputados e ao Congresso Nacional. O número de livros publicados, associado ao fato da obra  de Primitivo Moacyr apresentar diversos documentos importantes para a compreensão da instrução pública no período, dentre eles, pareceres, projetos de reforma, leis, planos, sugestões e informações, faz com que a obra desse autor seja extremamente valiosa para os historiadores da educação brasileira. Este fato nos levou ao estudo da obra e do autor, com o objetivo de demonstrar os subsídios oferecidos por Primitivo Moacyr para a história da educação no Brasil. Para tanto, faremos uma breve exposição didática de sua obra. A idéia é mostrar o conteúdo e, sobretudo a forma como ele relata os acontecimentos relacionados à instrução pública no período citado e as fontes arroladas.

 

O autor e sua obra

 

O reconhecimento de primitivo Moacyr como um autor importante para a história da educação brasileira não minimizou a dificuldade na compilação de dados biográficos suficientes que nos permitissem conhecê-lo para além de sua obra. Os dados obtidos sobre o autor nos dizem que nasceu em 1868 (69?) na Bahia e faleceu no Rio de Janeiro em 1942. Foi professor primário em Lençóis (BA) e formou-se em Direito pela Faculdade do Rio de janeiro. Como advogado, ingressou na Secretaria da Câmara dos Deputados, foi redator de debates parlamentares; um dos responsáveis pela edição dos Documentos Parlamentares[3]. Foi procurador da saúde pública no governo de Rodrigues Alves, prestando serviços a Osvaldo Cruz, defendendo o saneamento urbano que lhe fora confiado. Realizou extensas pesquisas sobre a história da educação pública no Brasil. (Calvi, 1999)

A obra de Primitivo Moacyr, considerada clássica para a bibliografia da educação brasileira, é composta por 8 volumes publicados dentro da Série Brasiliana, de 1936 a 1942, dirigida por Fernando de Azevedo: A instrução e o Império; a Instrução e as Províncias; a Instrução Pública no Estado de São Paulo e 9 volumes sobre a Instrução e a República, publicados pelo INEP, de 1941 a 1944. (Calvi, 1999).

A pesquisadora Maria Inês Sucupira Stamatto (1992), faz referência a três historiadores da educação brasileira, Fernando de Azevedo, Pires de Almeida e Primitivo Moacyr, como sendo autores clássicos para o estudo de história da educação brasileira. Para a autora, a obra de Primitivo Moacyr é considerada clássica porque oferece “...elementos muito interessantes sobre a história da educação brasileira. Assim, o autor colocou por ordem cronológica todos os acontecimentos que pode encontrar sobre a instrução no Brasil se apoiando especialmente sobre a documentação oficial” (1992: 07)

Construímos também alguns conhecimentos sobre o autor e sua obra por meio de autores consagrados pela historiografia da educação brasileira, como Afrânio Peixoto e Anísio Teixeira. Ao prefaciar o primeiro volume da trilogia A Instrução e o Império, Afrânio Peixoto relata como Primitivo Moacyr escreve e a importância de sua obra:

                       

A razão é que no Brasil não se pesquisa. Todos tiramos de nós a substância de nossos escritos. A história nessas condições é repetição, é comentário, e fantasia interpretativa. Não quis fazer assim a Sr. PRIMITIVO MOACYR, e sobre a educação nacional, investigou, nos arquivos, nas bibliotecas, nos relatórios de governo e, de tudo fez um livro objetivo, sem comentário, nem conclusões. Portanto obra rara que vai produzir gerações de historiadores (...) Ela já está aqui, neste livro novo, original, prestante, e, às vezes, melancólico, sobre iniciativas, a seqüência de nossas idéias, a descontinuidade de nossas ações... O Brasil é principalmente Brasil, em educação... (1936: 03).

 

No livro Breviário da Bahia (1980), Afrânio Peixoto faz referência a sua amizade com Primitivo Moacyr, qualificando-o como educador sem educandos e revela a essência da obra de Primitivo em poucas palavras: “...a obra de Primitivo Moacyr é um exame de consciência, que instrui, edifica e... decepciona. É também um ato de fé porque revela que não nos faltaram idéias; talvez apareçam um dia os realizadores” (1980: 246).

O prefácio do terceiro volume da trilogia esteve sob a responsabilidade de Anísio Teixeira que não poupou elogios a Primitivo Moacyr e sua obra: “o seu trabalho, no Brasil, é um primeiro passo para o estudo intelectual da educação nacional. Com os seus volumes estamos a sentir ao vivo como nunca faltaram idéias...” (1937: 04).

Anísio Teixeira registra, nesse prefácio, a forma peculiar que Primitivo escolheu para expor as propostas de melhorias para a educação brasileira: “...somos assim, esgalhados e frondosos em idéias, pêcos e estéreis, em frutos. O seu grande serviço está sendo o de nos mostrar isso e não apenas nos dizer isto (1937: 04).

O trabalho com a obra de Primitivo Moacyr também nos levou a construção de algumas impressões sobre o estilo e as contribuições do autor. Nos estudos realizados não encontramos comentários ou qualquer outra forma explícita em que o autor pudesse estar expondo suas idéias a respeito do assunto abordado, mas pudemos constatar que o mesmo faz uso de grifos, destacando no texto algumas palavras ou frases para chamar a atenção do leitor para determinadas afirmações que ele considerava relevante. Outra observação recai sobre o segundo volume da trilogia anteriormente citada, quando ao final de cada reforma apresentada ele relata o encaminhamento que esta obteve no Parlamento. Mais uma vez não pudemos contar com sua opinião, mas as reticências por ele utilizadas dizem muito: ...não constam do Anais da Câmara dos Deputados o andamento posterior do projeto... ou ...o projeto ficou entregue a  anonimidade dos arquivos..., dentre outras expressões.

 

A instrução pública primária em foco

 

Nas últimas décadas do século XIX, o debate acerca da escola pública no Brasil, girou em torno de questões como: intervenção do Estado na educação nacional, obrigatoriedade, laicidade e liberdade de ensino, precária formação e escassez de professores, inspeção deficitária, falta de prédios próprios e adequados para as escolas, ausência de uma unidade nacional de instrução pública, falta de verbas destinadas à educação, programas e métodos de ensino. A obra de Primitivo Moacyr torna-se importante para a compreensão desse debate porque o autor expõe, através de excertos dos relatórios de Ministros do Império, das propostas de reformas, dos planos e sugestões para a instrução pública, as idéias que fecundavam essas discussões no Parlamento Brasileiro. Neste sentido, o nosso objetivo é apresentar estas propostas e iniciativas de melhorias na instrução primária brasileira, de 1869 a 1889, tomando como referência o segundo volume da trilogia A Instrução e o Império. Neste livro, Primitivo Moacyr expõe excertos dos relatórios dos Ministros do Império e dos projetos de reforma para a instrução pública que foram elaborados e oferecidos à Assembléia Geral Legislativa, os debates ocorridos, os pareceres da comissão de instrução e o encaminhamento dado aos projetos nesse período. Ainda nesse volume, Primitivo aduz os planos, sugestões e informações sobre a instrução pública, bem como o programa e os pareceres das teses enviadas à mesa coordenadora do I Congresso de Instrução Pública e o plano para a unidade da instrução elaborado por Ernesto Ferreira França.

Primitivo Moacyr apresenta em capítulos, os cinco projetos de reforma, aduzidos no período de 1869 a 1889. Uma característica marcante na forma de exposição desse autor é a de introduzir, antes de cada reforma, excertos dos relatórios dos ministros. Pelos relatórios, o leitor vai tendo um panorama do estado da instrução pública no Brasil. Assim o autor apresenta a Reforma Paulino de Souza de 1870, expondo excertos dos relatórios desse Ministro do Império referentes aos anos de 1869 e 1870. Nestes relatórios, Paulino de Souza afirma que as condições da instrução primária não satisfazem as necessidades sociais. São poucas as escolas e as que existem não obtêm bons resultados por falta de professores. Atesta que a inspeção escolar é deficitária e propõe que sejam criados os cargos de inspetores de distritos remunerados. Denuncia que as escolas estão alojadas em casas arrendadas pelo governo, sem acomodações apropriadas. Apresenta os dados sobre o número de escolas e de alunos que as freqüentam, advertindo à Assembléia sobre a necessidade de providenciar para que os pais mandem os filhos à escola, reafirmando que antes, o governo deve criar novas escolas onde forem necessárias. Sobre os gastos com a instrução pública primária e secundária no Município da Corte e nas Províncias, o Ministro salienta que o investimento na instrução pública é pequeno em relação às necessidades. O Projeto de Reforma oferecido por Paulino de Souza à Assembléia Legislativa em 06 de agosto de 1870 é exposto na íntegra por Primitivo Moacyr que, finaliza essa exposição com o seguinte comentário: “No ano seguinte, 1871, retirando-se do poder o ministro Paulino de Souza, o projeto toma, segundo a praxe parlamentar, rumo do arquivo, sem as honras de um debate...” (1937: 131).

Seguindo o mesmo critério utilizado na apresentação da reforma Paulino de Souza, Primitivo Moacyr, também transcreve excertos dos relatórios de 1871 e 1872, do Ministro do Império João Alfredo nos quais aborda questões referentes à obrigatoriedade e liberdade de ensino, construção de escolas, formação de professores através da criação de escolas normais, inspeção de ensino e subvenção às escolas primárias particulares, antes de apresentar o projeto de reforma. A Reforma João Alfredo de 1874 que, objetivava reorganizar o ensino primário e secundário no Município da Corte e autorizava o governo a promover e auxiliar a instrução pública nas Províncias. Essa reforma é transcrita por Primitivo Moacyr que conclui com informações sobre o andamento do projeto na Assembléia em 1875: “projetos e emendas voltaram à comissão de instrução para interpor parecer. Não consta dos ‘anais’ da Câmara dos deputados o andamento posterior do projeto João Alfredo que um mês depois deixara o poder...” (1937: 168).

A Reforma Leôncio de Carvalho de 1879, também é precedida da exposição de excertos do relatório de 1878 desse Ministro do Império. Nesse relatório, Carlos Leôncio de Carvalho expõe as medidas que o país deve tomar para o desenvolvimento da instrução pública. As medidas consistem em tornar livre o ensino, elevar o magistério à altura de um sacerdócio, reorganizar as escolas normais existentes e criar outras nas províncias, estabelecer as Conferências Pedagógicas, bibliotecas e museus pedagógicos. Ao tratar exclusivamente da instrução pública primária, o Ministro Leôncio de Carvalho também aponta algumas medidas que podem melhorar o ensino público primário e a propagação da instrução entre o povo. Em primeiro lugar, destaca a instrução obrigatória, alegando que a instrução do povo importa, na realidade, uma economia. Aquilo que o Estado despende com a educação, poupa em asilos, hospitais e cadeias. Defende a liberdade de consciência, portanto a instrução religiosa não será obrigatória para os não católicos. Apresenta também a proposta de criação de escolas ambulantes como uma medida para difundir a instrução primária. Tais escolas consistem em professores ambulantes que vão de povoado em povoado, ensinando o essencial: ler, escrever e contar.  Além dessa medida das escolas ambulantes, o ministro também propõe a criação de cursos de ensino primário para os adultos analfabetos, construção de casas apropriadas para escolas públicas e reorganização da inspeção escolar. Leôncio de Carvalho contempla todas estas melhorias para a instrução no Decreto nº 7.247 de 19 de abril de 1879 que reformou o ensino primário e secundário no Município da Corte e o superior em todo o Império.

Os pareceres que Rui Barbosa ofereceu à Câmara dos deputados, em setembro de 1882, em nome da comissão de instrução pública, sobre a reforma decretada pelo Ministro Leôncio de Carvalho em abril de 1879, são expostos por Primitivo Moacyr no quinto capítulo, com o título Reforma Rui Barbosa, destacando o ano de 1882 e o subtítulo sumário do parecer.

Primitivo Moacyr informa que, nos pareceres, Rui Barbosa estuda os seguintes temas sobre o ensino primário: estatística e situação do ensino popular; a ação do Estado (Ministério da Instrução Pública); despesas com o ensino público, sua incomparável fecundidade; da obrigação escolar; da escola leiga; liberdade de ensino; métodos e programas escolares; organização pedagógica; jardins de infância; formação do professorado; Museu pedagógico; magistério primário; administração e inspeção; Conselho superior de instrução nacional; Conselhos diretores; construção de prédios escolares; fundo escolar; Conselhos escolares de paróquia; higiene escolar.

Os temas tratados no parecer de Rui Barbosa são sistematicamente apresentados por Primitivo, através de excertos. A forma que ele encontra para informar sobre o destino dado aos pareceres é a seguinte: concluindo a exposição dos excertos do parecer de Rui Barbosa, Primitivo destaca o ano de 1883 e inicia a apresentação do parecer da comissão de instrução pública da Câmara dos deputados, tendo como relator Rui Barbosa, acerca do projeto de Franklin Dória sobre a criação de um Museu Pedagógico Nacional. Nesse parecer, Rui reclama uma atitude da Câmara em relação aos seus projetos que foram enviados.

Primitivo Moacyr relata que na sessão da Câmara dos Deputados, em 17 de setembro de 1882, o deputado maranhense Almeida de Oliveira apresentou um projeto de reforma para a instrução pública em todo o país. A Reforma Almeida de Oliveira reorganiza o ensino público primário inferior e superior e estabelece que o Estado contribuirá com metade das despesas que as Províncias tiverem com o ensino público. Primitivo conclui a explanação sobre esta reforma com a seguinte afirmação: “este projeto não teve andamento na Câmara dos deputados, nem mesmo na comissão de instrução” (Id. Ibid: 442).

Tratando da Reforma Barão de Mamoré, Primitivo informa que o Ministro do Império Barão de Mamoré, nomeou em 1886, uma comissão incumbida de estudar as bases para a reorganização do ensino primário e secundário no Município da Corte e um plano de desenvolvimento da instrução pública nas Províncias para elevação do ensino secundário em todo o Império. De acordo com Primitivo Moacyr, no mês de maio de 1886, a comissão entregava o relatório do estudo realizado a cerca da instrução no país: “...o ensino primário, apesar dos seus esforços que em prol dele hão sido enviados, é quase nulo em seus benefícios efeitos, poucas escolas, freqüência insignificante, mestres mal preparados. Este é o quadro triste e sombrio do ensino entre nós” (Id. Ibid: 444). Esta comissão apresenta as bases para a reorganização da instrução pública considerando essencial a decretação da liberdade e obrigatoriedade do ensino, além da gratuidade já consagrada na Constituição. Mantém também a instrução moral e religiosa que o Decreto de 19 de abril de 1879 de Leôncio de Carvalho havia retirado.

Após a explanação dos excertos do relatório da comissão, Primitivo Moacyr informa que o projeto foi apresentado à Câmara dos deputados em agosto de 1886 e só em julho de 1887 as comissões de instrução e orçamento opinaram sobre esta reforma. Assim se manifesta Primitivo Moacyr sobre a Reforma Barão de Mamoré: “ainda uma vez a Legislatura lança nos seus arquivos uma iniciativa governamental. O próprio executivo não tomou nenhum interesse em resguardá-la”. (Id. Ibid: 471).

No oitavo capítulo desse segundo volume da trilogia, Primitivo Moacyr apresenta, cronologicamente, os planos e sugestões sobre a instrução pública brasileira. Aqui, mais uma vez selecionamos os assuntos referentes ao ensino primário. O plano do Ministro Manoel Dantas de 1882 comunica que as bases para se firmar a instrução pública são os programas de ensino adequados, o pessoal docente formado por escolas normais e a inspeção feita pelo Estado. Em seu plano, o Ministro reforça a idéia de que o ensino oficial deve organizar-se de tal modo que venha a se constituir em um só sistema, em que cada grau de ensino leve a um fim geral e satisfaça as necessidades da sociedade.

O Ministro Leão Veloso também apresenta um plano em seu relatório de 1883. Este Ministro é favorável à liberdade de ensino e contra o monopólio do ensino pelo Estado, mas ao mesmo tempo requer o cumprimento de suas obrigações constitucionais que assegura a todos a instrução primária gratuita. Afirma que a instrução primária é a base para o ensino superior, por isso recomenda uma completa reconstrução do ensino público.

As sugestões do Ministro Antunes Maciel são de 1884. Nela o Ministro adverte que dois pontos são importantes e abrangem todos os graus da instrução, são eles a integralidade de ensino e a escolha dos métodos. Esses pontos deverão ser atacados para que haja progresso na instrução. Informa ainda que os projetos da comissão de instrução pública da Câmara dos deputados       (Projetos de Rui Barbosa) contemplam estes dois princípios e que a Assembléia Legislativa deve aprová-los.

Nas Conferências Pedagógicas que, segundo Primitivo Moacyr, ocorreram em janeiro de 1873, cerca de 15 professores da Corte dissertaram sobre as seguintes teses: distribuição e tempo de duração das matérias, escolas mistas, métodos e o meio mais simples para a compreensão do sistema métrico decimal.

A Exposição Pedagógica realizada nos meses de julho e agosto de 1883, de acordo com as instruções expedidas pelo secretário da mesa do Congresso de Instrução, Leôncio de Carvalho, abrangeu: jardins de infância, escolas primárias, escolas normais, documentos e publicações. No capítulo nono, Primitivo Moacyr apresenta o programa e os pareceres das teses do I Congresso de Instrução Pública de 1883. O conselheiro Leôncio de Carvalho organizou o plano e o programa desse Congresso que seria dividido em duas sessões: uma que trataria das questões concernentes ao ensino primário, secundário e profissional; e outra, referindo-se aos assuntos do ensino superior. Primitivo Moacyr apresenta os excertos dos pareceres sobre as teses que foram enviados antecipadamente à Mesa organizadora do I Congresso de Instrução Pública sobre cada tema do programa. Primitivo Moacyr em sua exposição sobre os programa e teses não deixa transparecer qualquer dúvida sobre sua realização, no entanto, o Congresso não se realizou[4]

O Plano para a Unidade da Instrução é a última proposta de melhoria que Primitivo Moacyr registra nesse segundo volume da trilogia e refere-se ao plano contido na dissertação que Ernesto Ferreira França apresentou para o I Congresso de Instrução no Rio de Janeiro de 1883. Este plano consiste num meio do poder central realizar a unidade de instrução dentre a variedade dos programas nas Províncias. A justificativa de França para a intervenção do governo geral no sistema de educação das províncias está neste excerto que Primitivo Moacyr expõe e registra seu grifo: “  um plano de educação uniforme em todas as províncias, que a torne nacional, que dê caráter e particular fisionomia ao povo brasileiro, é objeto de suma necessidade” (Id. Ibid: 605. Grifo de Primitivo Moacyr). Com esse grifo Primitivo Moacyr denuncia a ausência de um sistema nacional de ensino.

As propostas de reforma apresentadas oficialmente à Câmara dos Deputados, no período de 1869 a 1889, bem como os planos e sugestões para a instrução pública que foram elaboradas por cidadãos preocupados com a melhoria e o destino da instrução no país, estão dispostas na obra de Primitivo Moacyr de tal forma que nos permite apreender que propostas houveram, algumas aprovadas, não se realizaram, outras nem sequer foram discutidas. Essas discussões em torno da melhoria da instrução pública e mesmo da necessidade de criação de um Sistema Nacional de Ensino, apesar de fortemente defendida, não sem oposição, por parlamentares, ministros e intelectuais da época, não encontraram apoio por parte do Governo Central. Nas falas do trono, também expostas por Primitivo Moacyr, pouca ou nenhuma referencia se tem sobre uma organização geral da instrução pública elementar.  No entanto, após a proclamação da República, a corrente de pensamento dominante irá acirrar o debate em favor da intervenção da União, ora direta, ora indiretamente, para promover e difundir a instrução primária[5], mesmo diante do fato da Constituição republicana, de 1891, ter mantido a mesma organização do ensino que vigorava durante o Império, a descentralização. (Schelbauer, 1998).

Em 1865, com o olhar de um viajante sobre o Brasil, Agassiz fala que nenhum país tinha mais oradores e nem melhores programas, contudo uma coisa lhe faltava, a prática desses belos discursos. Mas, muito ainda teria que acontecer para que a prática daqueles belos discursos sobre a educação efetivassem uma intervenção da União, em âmbito nacional, sobre a instrução pública elementar, visando a criação de um Sistema Nacional de Ensino. A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, data de 1961, distanciando-se em mais de meio século das discussões iniciais. (Schelbauer, 1998).

Neste sentido a obra de Primitivo Moacyr, ao apresentar os diversos projetos de reforma, planos de ensino, falas do trono, entre outras discussões que evidenciam o foco na instrução pública, a partir das últimas décadas do século XIX, através de um grande trabalho de pesquisa e  das fontes arroladas, nos dá elementos para construção da compreensão do hiato entre as idéias propostas e não realizadas.

 

Bibliografia

 

AGASSIZ. Viagem ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1880.

 

ALMEIDA, José R.Pires de. História da instrução pública no Brasil, 1500-1889. Trad.: Antonio Chizotti. São Paulo: EDUC; Brasília: INEP/MEC, 1989.

 

AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. 4. ed. Brasília: Uni­versidade de Brasília, 1963.

 

BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Instrucção publica. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, de Rodrigues & C., Volumes 1 a 13, 1918 a 1929 (Documentos Parlamentares).

 

CALVI, Lourdes Margareth. Primitivo Moacyr: o autor, a obra e as propostas sobre a instrução elementar nas últimas décadas do Império brasileiro. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 1999. (Especialização)

 

COLLICHIO, Therezinha  A Ferreira.  Dois eventos importantes para a história da educação brasileira: a Exposição Pedagógica de 1883 e as Conferências Populares da Freguesia da Glória. São Paulo, 1987. Revista da FEUSP, vol. 13, p. 5-14.

 

MOACYR, Primitivo. A instrução e o Império (Subsídios para  a história da educação no Brasil) 1823-1853.  1º vol. São Paulo: Cia. Editora Nacional,  1936. (Série Brasiliana, n. 66)

 

MOACYR, Primitivo. A instrução e o Império (Subsídios para  a história da educação no Brasil) 1850-1853.  2º vol. São Paulo: Cia. Editora Nacional,  1937. (Série Brasiliana, n. 87)

 

MOACYR, Primitivo. A instrução e o Império (Subsídios para  a história da educação no Brasil) 1854-1889. 3º vol. São Paulo: Cia. Editora Nacional,  1938. (Série Brasiliana, n. 121)

 

MOACYR, Primitivo.  A instrução e as províncias (1834-1889). Volumes I a III. São Paulo: Ed. Nacional, 1939-1940.

 

MOACYR, Primitivo. A instrução e a República. Volumes 1 a 9. Rio de Janeiro: Imprensa Na­cional, INEP, 1941-1944.

 

MOACYR, Primitivo. A instrução pública no Estado de São Paulo: primeira década republicana 1890-1900. Volumes I e II. São Paulo: Ed. Nacional,  1942.

 

SCHELBAUER, Analete Regina. Idéias que  não se realizam. O debate sobre a educação do povo no Brasil de 1870 a 1914. Maringá: Eduem, 1998.

 

STAMATTO, Maria Ines S. L’École Primaire Publique au Brezil de l’Independance a la République: 1822/1889. Paris, 1992. Thèse pour le Doctorat. Université de la Sorbonne Nouvelle III.



[1] Mestre em Educação pela UEM, Professora da Rede Pública de Ensino SEED, e-mail: marcalvi@mailbr.com.br.

[2] Doutoranda em Educação na USP, Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da UEM

[3] Dentro da série Documentos Parlamentares,  publicada pelo Jornal do Comércio entre 1918 e 1929,  há uma coletânea de documentos relativos à instrução pública no Brasil, entre 1891 e 1928, distribuída em 13 volumes e disponibilizada para consulta no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

[4] Ver Collichio (1987) e Schelbauer (1998).

[5] Ver os diversos projetos de reformas apresentados por Moacyr Primitivo na série A Instrução e a República. Ver também as discussões parlamentares do período republicano na série Documentos Parlamentares. Instrução Pública.