MOACYR PRIMITIVO E A INSTRUÇÃO PÚBLICA: IMPÉRIO E REPÚBLICA
Lourdes Margareth Calvi[1]
Analete Regina Schelbauer[2]
Introdução
As últimas décadas do
Império e as primeiras da República no Brasil, são marcadas por um movimento
intenso de debates e iniciativas no âmbito da instrução pública. Esse
movimento, fruto da campanha universal em prol da difusão da educação popular
que concretiza, em vários países a intervenção do Estado na educação, a criação
da escola primária de ensino obrigatório para as classes populares e a
organização dos Sistemas Nacionais de Ensino, é que objetivamos captar através
dos escritos de Primitivo Moacyr sobre a instrução pública. Uma vez inserido
nesse movimento, o Brasil participa intensamente desse debate através de
congressos, exposições e dos inúmeros projetos de reformas da instrução pública
apresentados às Assembléias Legislativas das Províncias, à Câmara dos Deputados
e ao Congresso Nacional. O número de livros publicados, associado ao fato da
obra de Primitivo Moacyr apresentar
diversos documentos importantes para a compreensão da instrução pública no
período, dentre eles, pareceres, projetos de reforma, leis, planos, sugestões e
informações, faz com que a obra desse autor seja extremamente valiosa para os
historiadores da educação brasileira. Este fato nos levou ao estudo da obra e
do autor, com o objetivo de demonstrar os subsídios oferecidos por Primitivo
Moacyr para a história da educação no Brasil. Para tanto, faremos uma breve
exposição didática de sua obra. A idéia é mostrar o conteúdo e, sobretudo a
forma como ele relata os acontecimentos relacionados à instrução pública no
período citado e as fontes arroladas.
O reconhecimento de
primitivo Moacyr como um autor importante para a história da educação
brasileira não minimizou a dificuldade na compilação de dados biográficos
suficientes que nos permitissem conhecê-lo para além de sua obra. Os dados
obtidos sobre o autor nos dizem que nasceu em 1868 (69?) na Bahia e faleceu no
Rio de Janeiro em 1942. Foi professor primário em Lençóis (BA) e formou-se em
Direito pela Faculdade do Rio de janeiro. Como advogado, ingressou na
Secretaria da Câmara dos Deputados, foi redator de debates parlamentares; um
dos responsáveis pela edição dos Documentos Parlamentares[3].
Foi procurador da saúde pública no governo de Rodrigues Alves, prestando
serviços a Osvaldo Cruz, defendendo o saneamento urbano que lhe fora confiado.
Realizou extensas pesquisas sobre a história da educação pública no Brasil.
(Calvi, 1999)
A obra de Primitivo
Moacyr, considerada clássica para a bibliografia da educação brasileira, é
composta por 8 volumes publicados dentro da Série Brasiliana, de 1936 a 1942,
dirigida por Fernando de Azevedo: A
instrução e o Império; a Instrução e
as Províncias; a Instrução Pública no
Estado de São Paulo e 9 volumes sobre a Instrução
e a República, publicados pelo INEP, de 1941 a 1944. (Calvi, 1999).
A pesquisadora Maria Inês Sucupira Stamatto (1992), faz referência
a três historiadores da educação brasileira, Fernando de Azevedo, Pires de
Almeida e Primitivo Moacyr, como sendo autores clássicos para o estudo de
história da educação brasileira. Para a autora, a obra de Primitivo Moacyr é
considerada clássica porque oferece “...elementos
muito interessantes sobre a história da educação brasileira. Assim, o autor
colocou por ordem cronológica todos os acontecimentos que pode encontrar sobre
a instrução no Brasil se apoiando especialmente sobre a documentação oficial” (1992:
07)
Construímos também alguns conhecimentos sobre o autor e sua obra
por meio de autores consagrados pela historiografia da educação brasileira,
como Afrânio Peixoto e Anísio Teixeira. Ao prefaciar o primeiro volume da
trilogia A Instrução e o Império,
Afrânio Peixoto relata como Primitivo Moacyr escreve e a importância de sua
obra:
A razão é que no Brasil não se pesquisa. Todos tiramos de nós a
substância de nossos escritos. A história nessas condições é repetição, é
comentário, e fantasia interpretativa. Não quis fazer assim a Sr. PRIMITIVO
MOACYR, e sobre a educação nacional, investigou, nos arquivos, nas bibliotecas,
nos relatórios de governo e, de tudo fez um livro objetivo, sem comentário, nem
conclusões. Portanto obra rara que vai produzir gerações de historiadores (...)
Ela já está aqui, neste livro novo, original, prestante, e, às vezes,
melancólico, sobre iniciativas, a seqüência de nossas idéias, a descontinuidade
de nossas ações... O Brasil é principalmente Brasil, em educação... (1936: 03).
No livro Breviário da Bahia (1980),
Afrânio Peixoto faz referência a sua amizade com Primitivo Moacyr,
qualificando-o como educador sem educandos e revela a essência da obra de
Primitivo em poucas palavras: “...a obra
de Primitivo Moacyr é um exame de consciência, que instrui, edifica e...
decepciona. É também um ato de fé porque revela que não nos faltaram idéias;
talvez apareçam um dia os realizadores” (1980: 246).
O prefácio do terceiro volume da trilogia esteve sob a
responsabilidade de Anísio Teixeira que não poupou elogios a Primitivo Moacyr e
sua obra: “o seu trabalho, no Brasil, é
um primeiro passo para o estudo intelectual da educação nacional. Com os seus
volumes estamos a sentir ao vivo como nunca faltaram idéias...” (1937: 04).
Anísio Teixeira registra, nesse prefácio, a forma peculiar que
Primitivo escolheu para expor as propostas de melhorias para a educação
brasileira: “...somos assim, esgalhados e
frondosos em idéias, pêcos e estéreis, em frutos. O seu grande serviço está
sendo o de nos mostrar isso e não apenas nos dizer isto (1937: 04).
O trabalho com a obra de Primitivo Moacyr também nos levou a
construção de algumas impressões sobre o estilo e as contribuições do autor.
Nos estudos realizados não encontramos comentários ou qualquer outra forma
explícita em que o autor pudesse estar expondo suas idéias a respeito do
assunto abordado, mas pudemos constatar que o mesmo faz uso de grifos,
destacando no texto algumas palavras ou frases para chamar a atenção do leitor
para determinadas afirmações que ele considerava relevante. Outra observação
recai sobre o segundo volume da trilogia anteriormente citada, quando ao final
de cada reforma apresentada ele relata o encaminhamento que esta obteve no
Parlamento. Mais uma vez não pudemos contar com sua opinião, mas as reticências
por ele utilizadas dizem muito: ...não
constam do Anais da Câmara dos Deputados o andamento posterior do projeto...
ou ...o projeto ficou entregue a anonimidade dos arquivos..., dentre
outras expressões.
Nas últimas décadas
do século XIX, o debate acerca da escola pública no Brasil, girou em torno de
questões como: intervenção do Estado na educação nacional, obrigatoriedade,
laicidade e liberdade de ensino, precária formação e escassez de professores,
inspeção deficitária, falta de prédios próprios e adequados para as escolas,
ausência de uma unidade nacional de instrução pública, falta de verbas
destinadas à educação, programas e métodos de ensino. A obra de Primitivo
Moacyr torna-se importante para a compreensão desse debate porque o autor
expõe, através de excertos dos relatórios de Ministros do Império, das
propostas de reformas, dos planos e sugestões para a instrução pública, as
idéias que fecundavam essas discussões no Parlamento Brasileiro. Neste sentido,
o nosso objetivo é apresentar estas propostas e iniciativas de melhorias na
instrução primária brasileira, de 1869 a 1889, tomando como referência o
segundo volume da trilogia A Instrução e
o Império. Neste livro, Primitivo Moacyr expõe excertos dos relatórios dos
Ministros do Império e dos projetos de reforma para a instrução pública que
foram elaborados e oferecidos à Assembléia Geral Legislativa, os debates
ocorridos, os pareceres da comissão de instrução e o encaminhamento dado aos
projetos nesse período. Ainda nesse volume, Primitivo aduz os planos, sugestões
e informações sobre a instrução pública, bem como o programa e os pareceres das
teses enviadas à mesa coordenadora do I Congresso de Instrução Pública e o
plano para a unidade da instrução elaborado por Ernesto Ferreira França.
Primitivo Moacyr apresenta em capítulos, os cinco projetos de
reforma, aduzidos no período de 1869 a 1889. Uma característica marcante na
forma de exposição desse autor é a de introduzir, antes de cada reforma,
excertos dos relatórios dos ministros. Pelos relatórios, o leitor vai tendo um
panorama do estado da instrução pública no Brasil. Assim o autor apresenta a Reforma Paulino de Souza de 1870,
expondo excertos dos relatórios desse Ministro do Império referentes aos anos
de 1869 e 1870. Nestes relatórios, Paulino de Souza afirma que as condições da
instrução primária não satisfazem as necessidades sociais. São poucas as
escolas e as que existem não obtêm bons resultados por falta de professores.
Atesta que a inspeção escolar é deficitária e propõe que sejam criados os
cargos de inspetores de distritos remunerados. Denuncia que as escolas estão
alojadas em casas arrendadas pelo governo, sem acomodações apropriadas.
Apresenta os dados sobre o número de escolas e de alunos que as freqüentam,
advertindo à Assembléia sobre a necessidade de providenciar para que os pais
mandem os filhos à escola, reafirmando que antes, o governo deve criar novas
escolas onde forem necessárias. Sobre os gastos com a instrução pública
primária e secundária no Município da Corte e nas Províncias, o Ministro
salienta que o investimento na instrução pública é pequeno em relação às
necessidades. O Projeto de Reforma oferecido por Paulino de Souza à Assembléia
Legislativa em 06 de agosto de 1870 é exposto na íntegra por Primitivo Moacyr
que, finaliza essa exposição com o seguinte comentário: “No ano seguinte, 1871, retirando-se do poder o ministro Paulino de
Souza, o projeto toma, segundo a praxe parlamentar, rumo do arquivo, sem as
honras de um debate...” (1937: 131).
Seguindo o mesmo critério utilizado na apresentação da reforma
Paulino de Souza, Primitivo Moacyr, também transcreve excertos dos relatórios
de 1871 e 1872, do Ministro do Império João Alfredo nos quais aborda questões
referentes à obrigatoriedade e liberdade de ensino, construção de escolas,
formação de professores através da criação de escolas normais, inspeção de
ensino e subvenção às escolas primárias particulares, antes de apresentar o
projeto de reforma. A Reforma João
Alfredo de 1874 que, objetivava reorganizar o ensino primário e secundário
no Município da Corte e autorizava o governo a promover e auxiliar a instrução
pública nas Províncias. Essa reforma é transcrita por Primitivo Moacyr que
conclui com informações sobre o andamento do projeto na Assembléia em 1875: “projetos e emendas voltaram à comissão de
instrução para interpor parecer. Não consta dos ‘anais’ da Câmara dos deputados
o andamento posterior do projeto João Alfredo que um mês depois deixara o
poder...” (1937: 168).
A Reforma Leôncio de
Carvalho de 1879, também é precedida da exposição de excertos do relatório
de 1878 desse Ministro do Império. Nesse relatório, Carlos Leôncio de Carvalho
expõe as medidas que o país deve tomar para o desenvolvimento da instrução
pública. As medidas consistem em tornar livre o ensino, elevar o magistério à
altura de um sacerdócio, reorganizar as escolas normais existentes e criar
outras nas províncias, estabelecer as Conferências Pedagógicas, bibliotecas e
museus pedagógicos. Ao tratar exclusivamente da instrução pública primária, o
Ministro Leôncio de Carvalho também aponta algumas medidas que podem melhorar o
ensino público primário e a propagação da instrução entre o povo. Em primeiro
lugar, destaca a instrução obrigatória, alegando que a instrução do povo
importa, na realidade, uma economia. Aquilo que o Estado despende com a
educação, poupa em asilos, hospitais e cadeias. Defende a liberdade de
consciência, portanto a instrução religiosa não será obrigatória para os não
católicos. Apresenta também a proposta de criação de escolas ambulantes como
uma medida para difundir a instrução primária. Tais escolas consistem em
professores ambulantes que vão de povoado em povoado, ensinando o essencial:
ler, escrever e contar. Além dessa
medida das escolas ambulantes, o ministro também propõe a criação de cursos de
ensino primário para os adultos analfabetos, construção de casas apropriadas
para escolas públicas e reorganização da inspeção escolar. Leôncio de Carvalho
contempla todas estas melhorias para a instrução no Decreto nº 7.247 de 19 de
abril de 1879 que reformou o ensino primário e secundário no Município da Corte
e o superior em todo o Império.
Os pareceres que Rui Barbosa
ofereceu à Câmara dos deputados, em setembro de 1882, em nome da comissão
de instrução pública, sobre a reforma decretada pelo Ministro Leôncio de
Carvalho em abril de 1879, são expostos por Primitivo Moacyr no quinto
capítulo, com o título Reforma Rui
Barbosa, destacando o ano de 1882 e o subtítulo sumário do parecer.
Primitivo Moacyr informa que, nos pareceres, Rui Barbosa estuda os
seguintes temas sobre o ensino primário: estatística e situação do ensino
popular; a ação do Estado (Ministério da Instrução Pública); despesas com o
ensino público, sua incomparável fecundidade; da obrigação escolar; da escola
leiga; liberdade de ensino; métodos e programas escolares; organização
pedagógica; jardins de infância; formação do professorado; Museu pedagógico;
magistério primário; administração e inspeção; Conselho superior de instrução
nacional; Conselhos diretores; construção de prédios escolares; fundo escolar;
Conselhos escolares de paróquia; higiene escolar.
Os temas tratados no parecer de Rui Barbosa são sistematicamente
apresentados por Primitivo, através de excertos. A forma que ele encontra para
informar sobre o destino dado aos pareceres é a seguinte: concluindo a
exposição dos excertos do parecer de Rui Barbosa, Primitivo destaca o ano de
1883 e inicia a apresentação do parecer da comissão de instrução pública da
Câmara dos deputados, tendo como relator Rui Barbosa, acerca do projeto de
Franklin Dória sobre a criação de um Museu Pedagógico Nacional. Nesse parecer,
Rui reclama uma atitude da Câmara em relação aos seus projetos que foram
enviados.
Primitivo Moacyr relata que na sessão da Câmara dos Deputados, em
17 de setembro de 1882, o deputado maranhense Almeida de Oliveira apresentou um
projeto de reforma para a instrução pública em todo o país. A Reforma Almeida de Oliveira reorganiza
o ensino público primário inferior e superior e estabelece que o Estado
contribuirá com metade das despesas que as Províncias tiverem com o ensino
público. Primitivo conclui a explanação sobre esta reforma com a seguinte
afirmação: “este projeto não teve
andamento na Câmara dos deputados, nem mesmo na comissão de instrução” (Id.
Ibid: 442).
Tratando da Reforma Barão de
Mamoré, Primitivo informa que o Ministro do Império Barão de Mamoré, nomeou
em 1886, uma comissão incumbida de estudar as bases para a reorganização do
ensino primário e secundário no Município da Corte e um plano de
desenvolvimento da instrução pública nas Províncias para elevação do ensino
secundário em todo o Império. De acordo com Primitivo Moacyr, no mês de maio de
1886, a comissão entregava o relatório do estudo realizado a cerca da instrução
no país: “...o ensino primário, apesar
dos seus esforços que em prol dele hão sido enviados, é quase nulo em seus
benefícios efeitos, poucas escolas, freqüência insignificante, mestres mal
preparados. Este é o quadro triste e sombrio do ensino entre nós” (Id.
Ibid: 444). Esta comissão apresenta as bases para a reorganização da instrução
pública considerando essencial a decretação da liberdade e obrigatoriedade do
ensino, além da gratuidade já consagrada na Constituição. Mantém também a
instrução moral e religiosa que o Decreto de 19 de abril de 1879 de Leôncio de
Carvalho havia retirado.
Após a explanação dos excertos do relatório da comissão, Primitivo
Moacyr informa que o projeto foi apresentado à Câmara dos deputados em agosto
de 1886 e só em julho de 1887 as comissões de instrução e orçamento opinaram
sobre esta reforma. Assim se manifesta Primitivo Moacyr sobre a Reforma Barão
de Mamoré: “ainda uma vez a Legislatura
lança nos seus arquivos uma iniciativa governamental. O próprio executivo não tomou
nenhum interesse em resguardá-la”. (Id. Ibid: 471).
No oitavo capítulo desse segundo volume da trilogia, Primitivo
Moacyr apresenta, cronologicamente, os planos e sugestões sobre a instrução
pública brasileira. Aqui, mais uma vez selecionamos os assuntos referentes ao
ensino primário. O plano do Ministro Manoel
Dantas de 1882 comunica que as bases para se firmar a instrução pública são
os programas de ensino adequados, o pessoal docente formado por escolas normais
e a inspeção feita pelo Estado. Em seu plano, o Ministro reforça a idéia de que
o ensino oficial deve organizar-se de tal modo que venha a se constituir em um
só sistema, em que cada grau de ensino leve a um fim geral e satisfaça as
necessidades da sociedade.
O Ministro Leão Veloso também
apresenta um plano em seu relatório de 1883. Este Ministro é favorável à
liberdade de ensino e contra o monopólio do ensino pelo Estado, mas ao mesmo
tempo requer o cumprimento de suas obrigações constitucionais que assegura a
todos a instrução primária gratuita. Afirma que a instrução primária é a base
para o ensino superior, por isso recomenda uma completa reconstrução do ensino
público.
As sugestões do Ministro Antunes
Maciel são de 1884. Nela o Ministro adverte que dois pontos são importantes
e abrangem todos os graus da instrução, são eles a integralidade de ensino e a
escolha dos métodos. Esses pontos deverão ser atacados para que haja progresso
na instrução. Informa ainda que os projetos da comissão de instrução pública da
Câmara dos deputados (Projetos de
Rui Barbosa) contemplam estes dois princípios e que a Assembléia Legislativa
deve aprová-los.
Nas Conferências Pedagógicas
que, segundo Primitivo Moacyr, ocorreram em janeiro de 1873, cerca de 15
professores da Corte dissertaram sobre as seguintes teses: distribuição e tempo
de duração das matérias, escolas mistas, métodos e o meio mais simples para a
compreensão do sistema métrico decimal.
A Exposição Pedagógica realizada
nos meses de julho e agosto de 1883, de acordo com as instruções expedidas pelo
secretário da mesa do Congresso de Instrução, Leôncio de Carvalho, abrangeu:
jardins de infância, escolas primárias, escolas normais, documentos e
publicações. No capítulo nono, Primitivo Moacyr apresenta o programa e os
pareceres das teses do I Congresso de
Instrução Pública de 1883. O
conselheiro Leôncio de Carvalho organizou o plano e o programa desse Congresso
que seria dividido em duas sessões: uma que trataria das questões concernentes
ao ensino primário, secundário e profissional; e outra, referindo-se aos
assuntos do ensino superior. Primitivo Moacyr apresenta os excertos dos
pareceres sobre as teses que foram enviados antecipadamente à Mesa organizadora
do I Congresso de Instrução Pública sobre cada tema do programa. Primitivo
Moacyr em sua exposição sobre os programa e teses não deixa transparecer
qualquer dúvida sobre sua realização, no entanto, o Congresso não se realizou[4]
O Plano para a Unidade da
Instrução é a última proposta de melhoria que Primitivo Moacyr registra
nesse segundo volume da trilogia e refere-se ao plano contido na dissertação
que Ernesto Ferreira França apresentou para o I Congresso de Instrução no Rio
de Janeiro de 1883. Este plano consiste num meio do poder central realizar a
unidade de instrução dentre a variedade dos programas nas Províncias. A
justificativa de França para a intervenção do governo geral no sistema de
educação das províncias está neste excerto que Primitivo Moacyr expõe e
registra seu grifo: “ um
plano de educação uniforme em todas as províncias, que a torne nacional, que dê
caráter e particular fisionomia ao povo brasileiro, é objeto de suma necessidade” (Id. Ibid: 605. Grifo de Primitivo
Moacyr). Com esse grifo Primitivo Moacyr denuncia a ausência de um sistema
nacional de ensino.
As propostas de reforma apresentadas oficialmente à Câmara dos
Deputados, no período de 1869 a 1889, bem como os planos e sugestões para a
instrução pública que foram elaboradas por cidadãos preocupados com a melhoria
e o destino da instrução no país, estão dispostas na obra de Primitivo Moacyr
de tal forma que nos permite apreender que propostas houveram, algumas
aprovadas, não se realizaram, outras nem sequer foram discutidas. Essas
discussões em torno da melhoria da instrução pública e mesmo da necessidade de
criação de um Sistema Nacional de Ensino, apesar de fortemente defendida, não
sem oposição, por parlamentares, ministros e intelectuais da época, não
encontraram apoio por parte do Governo Central. Nas falas do trono, também
expostas por Primitivo Moacyr, pouca ou nenhuma referencia se tem sobre uma
organização geral da instrução pública elementar. No entanto, após a proclamação da República, a corrente de
pensamento dominante irá acirrar o debate em favor da intervenção da União, ora
direta, ora indiretamente, para promover e difundir a instrução primária[5],
mesmo diante do fato da Constituição republicana, de 1891, ter mantido a mesma
organização do ensino que vigorava durante o Império, a descentralização.
(Schelbauer, 1998).
Em 1865, com o olhar de um viajante sobre o Brasil, Agassiz fala
que nenhum país tinha mais oradores e nem melhores programas, contudo uma coisa
lhe faltava, a prática desses belos discursos. Mas, muito ainda teria que
acontecer para que a prática daqueles belos discursos sobre a educação
efetivassem uma intervenção da União, em âmbito nacional, sobre a instrução
pública elementar, visando a criação de um Sistema Nacional de Ensino. A
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, data de 1961,
distanciando-se em mais de meio século das discussões iniciais. (Schelbauer,
1998).
Neste sentido a obra de Primitivo Moacyr, ao apresentar os diversos
projetos de reforma, planos de ensino, falas do trono, entre outras discussões
que evidenciam o foco na instrução pública, a partir das últimas décadas do
século XIX, através de um grande trabalho de pesquisa e das fontes arroladas, nos dá elementos para
construção da compreensão do hiato entre as idéias propostas e não realizadas.
AGASSIZ. Viagem ao
Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1880.
ALMEIDA, José R.Pires de. História da instrução pública no Brasil, 1500-1889. Trad.: Antonio
Chizotti. São Paulo: EDUC; Brasília: INEP/MEC, 1989.
AZEVEDO, Fernando de. A
cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. 4. ed.
Brasília: Universidade de Brasília, 1963.
BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Instrucção publica. Rio de Janeiro:
Typ. do Jornal do Commercio, de Rodrigues & C., Volumes 1 a 13, 1918 a 1929
(Documentos Parlamentares).
CALVI, Lourdes Margareth. Primitivo Moacyr: o autor, a obra e as propostas sobre a instrução
elementar nas últimas décadas do Império brasileiro. Maringá: Universidade
Estadual de Maringá, 1999. (Especialização)
COLLICHIO, Therezinha
A Ferreira. Dois eventos
importantes para a história da educação brasileira: a Exposição Pedagógica de
1883 e as Conferências Populares da Freguesia da Glória. São Paulo, 1987. Revista da FEUSP, vol. 13, p. 5-14.
MOACYR, Primitivo. A
instrução e o Império (Subsídios para a
história da educação no Brasil) 1823-1853.
1º vol. São
Paulo: Cia. Editora Nacional, 1936.
(Série Brasiliana, n. 66)
MOACYR, Primitivo. A
instrução e o Império (Subsídios para a
história da educação no Brasil) 1850-1853.
2º vol. São
Paulo: Cia. Editora Nacional, 1937.
(Série Brasiliana, n. 87)
MOACYR, Primitivo. A
instrução e o Império (Subsídios para a
história da educação no Brasil) 1854-1889. 3º vol. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1938. (Série Brasiliana, n. 121)
MOACYR, Primitivo. A instrução e as províncias (1834-1889). Volumes
I a III. São Paulo: Ed. Nacional,
1939-1940.
MOACYR, Primitivo. A
instrução e a República. Volumes 1 a 9. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
INEP, 1941-1944.
MOACYR, Primitivo. A
instrução pública no Estado de São Paulo: primeira década republicana 1890-1900. Volumes I e II. São Paulo:
Ed. Nacional, 1942.
SCHELBAUER, Analete Regina. Idéias que não se realizam. O
debate sobre a educação do povo no Brasil de 1870 a 1914. Maringá: Eduem,
1998.
STAMATTO, Maria Ines S. L’École Primaire Publique au Brezil de l’Independance a la République:
1822/1889. Paris, 1992. Thèse pour le Doctorat. Université de la Sorbonne
Nouvelle III.
[1] Mestre em Educação pela UEM, Professora da Rede Pública de Ensino SEED, e-mail: marcalvi@mailbr.com.br.
[2] Doutoranda em Educação na USP, Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da UEM
[3] Dentro da série Documentos Parlamentares, publicada pelo Jornal do Comércio entre 1918 e 1929, há uma coletânea de documentos relativos à instrução pública no Brasil, entre 1891 e 1928, distribuída em 13 volumes e disponibilizada para consulta no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
[4] Ver Collichio (1987) e Schelbauer (1998).
[5]
Ver os diversos projetos de reformas apresentados por Moacyr Primitivo na série
A Instrução e a República. Ver também
as discussões parlamentares do período republicano na série Documentos Parlamentares. Instrução Pública.