A história do sujeito sócio-econômico usuário do ensino público de Cosmópolis - SP.

 

Prof. Dr. Luiz Bezerra Neto[1]

Fabiana de Moura[2]

 

"A geração que ignorar a história condena-se a repetir os erros da história."

 

(Allport-1968).

Neste trabalho, discute-se a formação da cidade de Cosmópolis e seus moradores, bem como os usuários do serviço público de educação fornecidos naquele município. Para tanto, devemos considerar como marco histórico, a data de 04 de janeiro de 1896, quando José Paulino Nogueira então presidente da Câmara de Campinas, promulgou a Lei nº 47 que concedia à Companhia Carril Agrícola Funilense, um empréstimo que lhe permitia construir uma ferrovia que partia de Campinas e viria até as margens do Rio Jaguari, em direção a Fazenda Funil, onde 1898 tornar-se-ia um dos proprietários de uma Usina Açucareira.

De acordo com o site oficial Prefeitura Municipal de Paulínia, em

“...1892 - José Paulino Nogueira é investido na presidência da Câmara Municipal de Campinas (cargo que equivaleria hoje ao de prefeito) autorizando o município a contrair empréstimos para a construção da Cia. Carril Agrícola Funilense...”

Na página da internet do município de Cosmópolis, podemos verificar que,

“...José Paulino Nogueira, presidente da Câmara Municipal de Campinas, de 1892 a 1895, teve um trabalho muito importante nisso. Graças ao seu trabalho, em 4 de janeiro de 1896, foi promulgada a Lei nº 47. Por meio dela, concedia-se um vantajoso empréstimo à Companhia Carril Agrícola Funilense, para a construção de uma ferrovia que partindo da cidade de Campinas iria até a margem do rio Jaguary, em direção ao bairro do Funil.” (http://www.cosmopolis.sp.gov.br)

Nessa mesma perspectiva, Danúzio Gil Bernadino da Silva afirma o importante papel desempenhado pela “Usina Ester, empresa surgida do sonho de homens empreendedores em março de 1898...” (Silva, 1998, pág 01).

O Jornal “O Estado de São Paulo”, na sua edição de 16 de janeiro de 1898 noticiava: “foi hoje experimentada a ponte metálica no Rio Jaguary, na estrada de ferro funilense, passando perfeitamente a locomotiva e os vagões. A ponte mede 45 metros de comprimento (...) No seu gênero é um trabalho importante”. Até hoje, esta ponte é utilizada na Usina Ester, após a desativação da linha férrea somente como passagem de automóveis.

Foi a partir desse ocorrido, que a cidade Cosmópolis- SP começou sua formação, pois na década de 1890 o estado de São Paulo vivia um momento fervoroso com a libertação dos escravos, afinal um estado que era engrandecido por sua grande produção agrícola agora não tinha mais a mão de obra escrava. Foi assim, que em busca de mão de obra, o país abriu suas portas para imigrantes que vinham em busca de fortuna, e São Paulo, sendo um dos estados mais desenvolvidos dessa época acabou recebendo grande parte desses imigrantes.

Na região de Campinas-SP, localizava-se a fazenda Funil, para a qual o governo do estado pedia há tempos um núcleo de colonização. Graças ao processo de imigração do país, a então fazenda Funil foi povoada por imigrantes primeiramente suíços e logo em seguida por italianos, espanhóis, portugueses, alemães... Os que vinham buscar fortuna, vinham também com uma bagagem de exigências dos países europeus, entre as quais a de que, os núcleos de colonização deveriam estar próximos de ferrovias, de grandes centros urbanos e também deveriam ter uma área reservada para formação de centros urbanos próprios que depois formariam as vilas e, em conseqüência, a cidade. (VIANA, 1998)

Assim, a concessão dada à Companhia Carril Agrícola Funilense não beneficiou apenas o transporte da produção da Usina Ester, mas também a formação do núcleo Campos Salles uma vez que na concessão dada à Companhia Funilense o governo solicitava que esta adquirisse terras nas proximidades de suas linhas férreas e as cedesse ao governo. Desta forma o governo ganhou as terras, e conseguiu cumprir as exigências dos governantes europeus para imigração.Também desenvolveu as terras próximas ao Núcleo Campos Salles com a formação de outros núcleos de colonização. Estes núcleos formados aos redores do Núcleo Campos Salles foram os geradores de cidades como Paulínia, Conchal, Artur Nogueira, etc...

Paulo de Almeida Nogueira sócio da Usina Ester deixou em seu diário um registro importante daquela época:

“... José Paulino promoveu uma ação direta e pessoal no caso, o empreendimento que no início parecia inseguro, acabou lhe proporcionando consideráveis lucros e ao mesmo tempo rasgou outra região de magníficas possibilidades para economia de São Paulo. É onde se fundou o antigo arraial, hoje mudado na beleza desse milagre industrial que é Cosmópolis, Cidade de grande futuro”. (Revista Usina Ester 100 anos de história)

Com grandes investimentos e enorme potencial, o desenvolvimento das terras da Fazenda Funil, faziam-se mais rendáveis do que nunca. “Campinas... mil oitocentos e noventa e seis... Fim do século dezenove... O século vinte batia às portas... A Câmara municipal de Campinas oficializava projeto, visando à formação de uma colônia SUIÇA, para desenvolver a agricultura em toda a região da futura Cosmópolis...”. (Fozzati, 2001). Era o início do processo de imigração européia, que em 1890 trouxe ao Brasil pessoas de diversas nacionalidades. De acordo com Fozzati (2001) durante o projeto da colônia Suíça foi enviada uma comissão com a função de estabelecer condições de imigração e colonização, e um ano após a vinda desta comissão já vieram as primeiras famílias suíças para a região, porém, por problemas climáticos e de adaptação estas não permaneceram por muito tempo na região. Algumas retornaram para a Suíça, outras procuraram o sul do Brasil. Assim outros imigrantes adentraram as terras da Fazenda do Funil, tais como os italianos, alemães, espanhóis, portugueses, etc...

Na verdade, o núcleo foi estabelecido em terras particulares compradas pelo Governo, e alargado com a aquisição, ainda em março daquele ano, de uma fazenda anexa, Fazenda Pombal, situada à margem da Estrada de Ferro Paulista, e com terras adicionais pertencentes à antiga Fazenda Velha.

A Fazenda Funil tem sua origem arraigada ao processo vivido pelo estado com a imigração européia. Com a expansão do café a imigração européia foi incentivada em todo o Brasil. O estado de São Paulo, se não bastasse ser o maior produtor de café do país, também contou com uma ação do governo estadual e da iniciativa privada para a criação de vários núcleos de colonização, nos quais os imigrantes podiam contar com as diversas qualidades do solo paulista. Acabaram assim, por absorver a maior parte deste contingente populacional. Foi nesse grande crescimento do contingente populacional do estado e também da criação dos núcleos de colonização que nasce a cidade de Cosmópolis-SP.

Após a criação do burgo, com um pequeno aglomerado de casas, começava, já no início do Século XX, a adquirir contornos de Vila, a Vila de Cosmópolis, que deu origem ao distrito em 1906, com a Lei Estadual nº 1024, de 27 de novembro que criou o distrito de Cosmópolis. Somente em 30 de novembro de 1944, quando tinha cerca de sete mil habitantes, a Lei 14334 registrou o Município de Cosmópolis. Pela grande diversidade de povos, lhe havia sido dado ainda enquanto vila o nome de Cosmópolis (Cosmo= Universo + polis= Cidade-estado). A então cidade de Cosmópolis, já caminhava a longos passos em busca do progresso, já possuía a central da única estação ferroviária de toda região, produzia seus próprios alimentos, favorecendo assim o crescimento. Os grandes investimentos deram a cidade de Cosmópolis um grande impulso e esta, desenvolvia-se mais a cada dia. Os que não trabalhavam na Usina, investiam na agricultura em suas próprias terras, assim cidade crescia em graça e formosura.

Com grande empenho o comércio local desenvolvia-se. A Usina apoiava o desenvolvimento investindo no lazer de seus funcionários. Com o desenvolvimento sócio-econômico, logo as necessidades aumentaram e outros ideais surgiam para Cosmópolis.

Segundo Fozzati (2002) é dessa forma que começa a surgir necessidade do desenvolvimento cultural, afinal a vila não poderia ser apenas centro de trabalho, era preciso pensar nos filhos e assim pensar na educação destes. Algumas crianças moravam na Usina, outras nos sítios, outras nas proximidades do Comércio; algumas eram filhas de empregados da Usina Ester, outras eram filhas dos sitiantes, outras filhas dos comerciantes, mas havia também os filhos dos proprietários da Usina; e foram todos estes que motivaram o surgimento da primeira escola do município.

A primeira escola fundada foi à escola Alemã, em 18 de agosto de 1898 por imigrantes suíços, alemães e austríacos. Estes com o intuito de manter sua cultura acabaram por fundar uma instituição na qual somente seus descendentes poderiam estudar (Andretto, 2002). A escola alemã foi uma instituição que auxiliou grandemente os imigrantes a adaptarem-se no Brasil, uma vez que ela não somente difundia a língua alemã, mas também a portuguesa, assim também como ensinava matemática, geografia, história, canto e ginástica, em cursos de quatro anos. Porém em 1950, a Escola recebeu ordens de paralisar o ensino por causa da Segunda Guerra Mundial. Hoje  resta apenas um dos salões da escola,  tomado por vândalos e sem previsão de tomada da prefeitura municipal para reparos e preservação.

Cosmópolis passou a ter, então, uma instituição escolar, a Escola Alemã para os alemães e suíços, mas ainda necessitava de uma escola que atendesse a todos os filhos de outras pátrias. A necessidade crescia, mas somente em 1 de maio de 1925, após 29 anos do processo de colonização Campos Sales, nascia a primeira instituição pública na então vila e futura cidade de Cosmópolis, com educação para seus filhos.

Segundo Fozzati, (2001, p. 9) “... Para a escola iam os pobres, os mais abastados, os filhos dos patrões, os filhos dos empregados, unidos no mesmo ideal, ligados agora aos primeiros números e primeiras letras...” Assim, nascia a instituição escolar pública de Cosmópolis, com o objetivo de incentivar o desenvolvimento da vila com o aprimoramento sócio-cultural. Chamou-se Grupo Escolar de Cosmópolis. De acordo com o registro dos primeiros alunos que ingressaram nesta instituição escolar, não havia o que fazer com as crianças da vila, os pais apoiaram a construção da escola “O grupo escolar localizava-se no centro da vila, próximo ao comércio,  porém onde não havia muitos moradores . Os habitantes da vila moravam em sua maioria na área da Usina Ester ou próximos a Escola” Alemã (Anklam, 2002).

Outro fator importante a ser considerado era que “A Usina Ester não recrutava funcionários em idade escolar, portanto as crianças e jovens da época ocupavam-se de trabalhos domésticos e brincadeiras nos sítios vizinhos” (Silva, 1998).

Com relação ao acesso à escola, podemos constatar que “Assim que completassem os sete anos as crianças eram matriculadas na escola. Não havia distinção da classe social pertencente, lugar onde moravam. Todos que quisessem estudar iam para salas onde a distinção aparecia apenas entre os sexos, meninos do período matutino, e meninas no vespertino” (Krepski, 2002).

Fozzati (2002), recorda que muitos não tinham condições de vestuário adequado, muitos iam para a escola sem calçados, ou com roupas bem usadas, porém também havia os que iam de “... calça-bermuda azul-marinho, camisa branca, curta gravata preta, sapatos de verniz, também pretos, meias brancas... bolsa preta...”.

Os professores do Grupo Escolar Cosmópolis moravam nas redondezas da vila, eram transportados até a escola em charretes. Um dos primeiros Felício Marmo, pois veio a nossa cidade a trabalho no início do século vinte, quando prestou concurso na Secretaria do Interior, no Palácio do Governo.

De acordo com Felício Marmo

Raríssimas vezes uma escola era posta em concurso e, quando isso acontecia, os exames realizavam-se na Secretaria do interior em uma das dependências do Palácio do governo, no Pátio do Colégio.

Para a 1ª escola de Cosmópolis, inscreveram em fevereiro de 1904, apenas 2 candidatos

Depois de reivindicar durante meses os seus justos direitos, somente lhe foi dado posse do cargo no dia 15 de março de 1905! (Marmo, 1974, pág 5 e 6).

O currículo era composto pelas seguintes disciplinas: Linguagem, Ocupação, Aritmética, Caligrafia, Desenho, Orfeão, Ciências Naturais, História  do Brasil, Geografia, Religião. Também faziam parte da atividades desenvolvidas trabalhos manuais complementares como tricô, bordado e pintura em panos de prato. Os meninos jogavam futebol e bolinhas de gude.

Assim os alunos do Grupo Escolar de Cosmópolis, a primeira instituição pública do município, após os estudos nas quatro séries iniciais os alunos ficavam ociosos até ingressarem no trabalho na Usina Ester, devido à falta de uma instituição na qual pudessem prosseguir seus estudos. Alguns com melhores condições econômicas enviavam seus filhos para municípios vizinhos, mas como o transporte era muito caro, pois necessitava de cavalos, charrete, e funcionário para conduzir o estudante, poucos conseguiam prosseguir os estudos.

Apesar de todos terem acesso à educação, mesmo os menos favorecidos economicamente. Concluiu-se que todos tiveram o direito e condições para a freqüentarem a escola, mesmo aos menos favorecidos economicamente era prestado o ensino público. É verdade e não podemos negar que muitos estudantes da classe dominada, desmotivados pela distância da escola de suas casas... a falta de materiais de estudo mesmo sendo estes fornecidos pela caixa escolar acabava por deixar de freqüentar regularmente a escola. Assim os que evadiam da escola, acabavam sendo designados pelos próprios pais para prestar serviços agrícolas nas lavouras e criações da família.

Não podemos também deixar de citar o aspecto tradicional da metodologia de ensino, que por si só deixa suas marcas nas vivas lembranças dos alunos da escola pública. O aprendizado era bancário, rigoroso, repressor, mesmo que não considerado por alguns que o relatam com maior qualidade do que o de hoje, onde se aprendia a respeitar, obedecer...

Lembremos de Freire de sua tão enfatizada educação bancária, das vítimas, dos fracassos... Da exclusão social, causada por um ensino excludente, da sociedade dominante direcionando propositalmente o saber da sociedade dominada para a mais completa alienação.

Os entrevistados em grande maioria deixaram claro sua aprovação ao método tradicional e sistema de seriação, admitiram apostar hoje em uma instituição privada para alcançar melhores resultados nos vestibulares. A grande maioria destes encerrou seus estudos naquela 4ª série do Grupo Escolar Cosmópolis, alguns poucos tiveram condições de atingir a 8ª série como já citado em instituições de outros municípios.

As entrevistas e pesquisas realizadas mostraram que os primeiros alunos usuários do ensino público de Cosmópolis – SP foram filhos de empregados da Usina ou de proprietários de pequenos sítios, que viviam para produzir o suficiente para sua sobrevivência, não almejavam grandes propriedades estavam acomodados com sua posição diante da sociedade, pois era a mesma da grande maioria. A classe dominante tinha a mão de obra perfeita, pois estes vinham com sonhos de terras e aqui eram satisfeitos, com o fornecimento de pequenos lotes aos funcionários da Usina Ester. Havia os que na Usina Ester não eram funcionários diretos, porém, estes também uma grande parte também eram funcionários indiretos, pois viviam de vender matéria prima (cana - de - açúcar) para a Usina.

Com este estudo concluiu-se que em Cosmópolis-SP, a escola pública dava o direito aos que tinham idade estipulada de freqüentarem a escola, fornecendo a estes até mesmo os recursos materiais necessários quando o aluno não tivesse condições para o adquirir. Porém, ao mesmo tempo em que estendia os braços para os pertencentes à classe dominada, acabava por os excluir devido à localização da escola. Muitos alunos moravam distante do Grupo Escolar, dificultando ainda mais o acesso nos dias de chuva. Alguns alunos acabaram por ser desestimulados a freqüentarem a escola, a buscarem algo fora das cercas de seus sítios. Alunos estes que ainda teriam que lidar diante dos colegas com a falta de vestimentas, materiais escolares e alimento para o lanche escolar. A escola, na sociedade burguesa, é uma instituição social integrada num sistema que privilegia o poder econômico de classe, um "aparelho ideológico do estado", segundo L. Althusser (1980).

Com certeza tais fatos podem passar despercebidos aos olhos daqueles que tinham que podiam, que não passaram por estas situações. Porém se pensamos uma escola para todos, devemos pensa-la em condições iguais para todos, sem distinção alguma. Devemos pensar em uma escola pública, como instituição democrática e popular.  Não podemos aceitar uma história contínua de evasão e fracasso condenando a população menos favorecida ao descaso, a marginalização, a fome, a doenças e a delinqüência moral e intelectual.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

 

ARRUDA, Flávio D. e BARBOZA, Sidney Marques. A Aranha. Revista Cosmópolis – 78. Editora: Palmeiras – LTDA. São Paulo, Campinas. 1978

FOZZATI, José Honorato. Crônicas/ Itu (SP): Ottoni Editora, 2001.

MARMO, Felício. Memórias de um mestre de escola. São Paulo. 1974.

PREFEITURA MUNICIPAL DE COSMÓPOLIS. História do município. Disponível em: www.cosmopolis.sp.gov.br. Acesso em: 15/09/2002.

SCHNEIDER, Elizer. Progresso e história da educação: uma releitura de Anísio Teixeira e Paul Monroe.Forum Educacional. Rio de Janeiro, v.10, n.3, jul./set. 1986. p.3-15

SILVA. Danúzio Gil Bernadino da Revista Usina Ester 100 anos de história. São Paulo, Editora: Cia Aluminis 1998.

SITE OFICIAL DA PREFEITURA MUNICIPAL DE PAULÍNIA. Disponível em: http://www.paulinia. org.br. Acesso em: 19/ 11/ 2003.

VIANNA R. Caminho para o futuro. (Edição especial). Revista Tempo. São Paulo, Piracicaba. 1998. 

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[1]  Professor de Filosofia e História da Educação do ISCA-FACULDADES

[2] Desenvolveu a pesquisa sobre o sujeito sócio-econômico usuário do ensino público de Cosmópolis - SP., com bolsa do programa de iniciação científica do ISCA-FACULDADES.