O IMPACTO DA INDUSTRIALIZAÇÃO NO SISTEMA ESCOLAR DE MUNICÍPIOS AGRÁRIOS - A EXPERIÊNCIA DE PAULÍNIA: PARA ALÉM DO “LER, ESCREVER E CONTAR” 

 

Meire Terezinha Muller Soares

Coordenado do GT  da Universidade São Marcos – Paulínia

Mestranda em Educação pela FE da UNICAMP

 

         Paulínia tem se caracterizado, ao longo do tempo, como de vocação agrícola, com enorme predomínio das atividades primárias e da população rural . A vida é simples e pacata. Os divertimentos preferidos são os não comercializados, como a pesca, as rodas de conversas nos bares, a freqüência às cerimônias litúrgicas e procissões (...)  No entanto, o impacto presente sobre o crescimento de Paulínia, provém do programa da PETROBRÁS...” [1]

 

 

O presente trabalho é um estudo sobre o impacto que os processos de industrialização e consolidação do capitalismo industrial acarretam não só à economia, à  cultura e ao sistema ocupacional de municípios agrários, mas principalmente às relações sociais do entorno. Tomando como paradigma a cidade de Paulínia, que passou de agrária a industrial em curto período de tempo, a análise da inter-relação entre as escolas, as indústrias e a sociedade é a especificidade de meu estudo. Embora o projeto que o norteia seja mais amplo, este trabalho abordará o processo inicial de implantação do sistema escolar (início do século XX) até a chegada da refinaria da PETROBRÁS - década de 70, em plena crise mundial do petróleo, fazendo as necessárias pontes com fatos históricos e políticos (nacionais e locais) que considero significativos e imprescindíveis para localizar o meu objeto de estudo.

No levantamento de fontes, privilegiei a busca em arquivos-mortos de instituições de ensino, acervos públicos e particulares, além do Museu e Biblioteca Municipal de Paulínia. Em gavetas esquecidas, armários empoeirados, quartinhos escuros e cômodas repletas, encontram-se documentos sigilosa e displicentemente guardados, quase sempre sem identificação ou data: fotos, cadernos escolares, diplomas, recortes de jornal, provas, discursos proferidos por ocasião de formatura, livros de termo de visitas, etc. Assim, fragmentada e dispersa, recuperam-se pistas da história da educação pública de Paulínia. Sendo, na maioria, registros administrativos, essa documentação serve de ponto de partida para nosso estudo, revelando-nos aspectos importantes do processo de implantação das unidades escolares, da origem dos alunos, das características do corpo docente e discente, evasão, repetência, mapas de movimento anual, oferta e demanda, pois podem ser...

 

“ ... considerados documentos ‘quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação sobre o comportamento humano’ (Phillips, 1974, p.87). Estes incluem desde leis e regulamentos, normas, pareceres, cartas, memorandos, diários pessoais, autobiografias, jornais, revistas, discursos, roteiros de programas de rádio e televisão, até livros, estatística e arquivos escolares” (Lüdke e André, 1996, p.38).

 

Para essa investigação, foi necessária uma reconstrução histórica do próprio município, uma vez que, tendo sido bairro de Campinas até meados da década de 60, a cidade não possuía cartórios anteriores a esse período. Além disso, a rara documentação escrita existente, guardada no sótão de uma capela, havia sido queimada numa faxina, como material velho e sem valor. Através da busca de fontes primárias em poder de particulares, constatei que, como a maioria dos municípios do interior paulista, o local onde hoje se acha Paulínia era uma fazenda e remonta à época colonial, quando o governo português doava sesmarias a particulares. Em 1773, quando Barreto Leme recebeu de Morgado Mateus o título de “Fundador, Administrador e Diretor” de Campinas, Paulínia “era um sertão inculto, com flora e fauna exuberantes” (BRITO, 1972, p.24). Em 1885, quando o movimento republicano tomava impulso entre os fazendeiros do café, o Comendador Francisco de Paula Camargo comprou a Fazenda São Bento, enorme propriedade de terra, para produzir café, cujas primeiras mudas seu avô materno, homônimo, havia trazido do Rio de Janeiro para Campinas em 1817 (MAZIERO & SOARES, 1999, p. 33).

Na metade do século XIX, Campinas tornara-se um centro urbano abastecedor de toda a região, destacando-se das demais cidades pelo crescimento econômico, político e cultural, em que a cafeicultura representava a principal atividade econômica. Além da São Bento, outras propriedades, todas pertencentes a grandes latifundiários que residiam na área urbana campineira, eram: a Morro Alto (de José Guatemozin Nogueira) São Francisco (dos irmãos: Severo, Austero, Salustiano e Elisiário Penteado), a Santa Genebra (do Barão Geraldo de Rezende), e a Fazenda do Funil – a maior de todas, em terras onde hoje está a cidade de Cosmópolis (dos irmãos Sidrack, Artur e José Paulino Nogueira. A partir de 1880, houve um intenso movimento entre os “barões do café” campineiros, visando a construção de uma estrada de ferro que viesse facilitar o escoamento da produção agrícola das fazendas, enormemente prejudicado pela presença dos rios Atibaia e Jaguari, que dificultavam sobremaneira a comercialização dos produtos[2].

Com a Proclamação da República em 1889, os latifundiários, que já representavam a elite econômica, constituíram-se na parte ativa da elite política nacional, podendo assim consolidar ainda mais seus interesses[3] Em 1892, José Paulino Nogueira (filiado ao Partido Republicano Paulista - PRP), então Presidente da Câmara Municipal de Campinas[4], numa tentativa de atender ao pedido de oligarcas (alguns eleitos vereadores pelo mesmo PRP), autorizou a municipalidade a contrair, com outorga de garantia de juros, um empréstimo de quatrocentos contos de réis para a construção da Estrada de Ferro Carril Agrícola Funilense, unindo Campinas à Fazenda do Funil (que compraria alguns anos mais tarde, da Cia. Sul Brasileira de Colonização, cujo diretor era o Barão Geraldo de Rezende). Iniciam-se, nessa mesma década, diferentes projetos de imigração[5] visando substituir a mão de obra escrava, recém-liberta, por trabalhadores vindos da Europa, onde o capitalismo industrial havia criado uma grande massa de desempregados que buscavam, na América, a superação dos graves problemas sociais e econômicos. Imigrantes, na maioria italianos, chegaram a Paulínia para trabalhar nas fazendas a partir de 1887, sendo que a imigração e a inauguração da Estrada de Ferro (em 1899) estabeleceram uma nova dinâmica econômica e social na vila então conhecida como “São Bento”, mesclando aos costumes dos habitantes das fazendas novos hábitos, músicas, cultura e religião.

A classe trabalhadora do povoado, na última década do século XIX, era composta por colonos, negros agregados e pequenos proprietários – homens livres  que haviam conseguido comprar parte das fazendas onde trabalhavam.

Em 18 de setembro de 1899 foi inaugurado o trecho carroçável da Cia. Carril Agrícola Funilense, ligando Campinas à Fazenda do Funil, além de várias estações ao longo do percurso, a maioria delas recebendo nomes de diretores e membros da própria Companhia: "Barão Geraldo", "José Paulino Nogueira", "João Aranha", "José Guatemozin Nogueira" e "Artur Nogueira", dentre outras. Obviamente, os bairros onde estavam essas estações foram sendo conhecidos pelos mesmos nomes, perpetuando em alguns municípios, a memória da elite política e econômica que, apesar do destaque que a posição social lhes conferia, não mantinham nenhum vínculo com as localidades que batizaram[6].

Nesse mesmo ano, surgiu a primeira iniciativa educacional do município, com documentos que atestam a presença de duas escolas na vila: uma, da sra. Maria das Dores Leal de Queiroz e outra de dona Aurélia Seixas, ambas pagas. Esse tipo de escolas era muito comum nas décadas finais do século XIX, como atestam FARIA FILHO e VIDAL, 2000: p.21,

 

“(...) tem-se indícios de que a rede de escolarização doméstica, ou seja, do ensino e da aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo, mas sobretudo daquela primeira, atendia a um número de pessoas bem superior à rede pública estatal. Essas escolas, às vezes chamadas de ‘particulares’, outras vezes de ‘domésticas’, ao que tudo indica, superavam em número, até bem avançado o século XIX, àquelas escolas cujos professores mantinham um vínculo direto com o Estado.”

 

De acordo com um diário[7], guardado cuidadosamente por descendentes dos Seixas, a escola foi criada quando a família se mudou para a Vila de José Paulino em 1899, fugindo do grande surto de febre amarela que assolava Campinas bem como para trabalhar na Estrada de Ferro recém-inaugurada. A mãe, não querendo interromper os estudos dos filhos, passou a dar-lhes aulas, mesmo não sendo professora formada. Percebendo a falta de qualquer iniciativa pública, sentiu a necessidade de alfabetizar as inúmeras crianças dos moradores das fazendas, filhos dos colonos, lavradores, comerciantes e ferroviários (que também haviam chegado com a estrada de ferro). Apesar de não haver nenhum documento onde conste a etnia dos alunos, é possível perceber, nas três fotos existentes da escola, a presença de 15 crianças negras num grupo de 31, o que indica a apropriação da escola por esse grupo social. Pelas fotos, ainda, é possível perceber que as classes eram mistas, estando os meninos e as meninas em fileiras separadas.

A Escola dos Seixas, como era conhecida, não era seriada e tinha um programa voltado aos conhecimentos empíricos necessários à continuidade das relações de trabalho, tanto no lar, quanto nas fazendas. Além dos “rudimentos de gramática, história-pátria e aritmética” (MAZIERO e SOARES, 1999: p. 130), aos meninos eram ensinadas noções de medição de terras, desvio de cursos d’água para monjolos e moinhos, cubicagem de madeira e de areia; as meninas aprendiam corte e costura, bordados, culinária, puericultura e higiene.[8]

Em 1912, o Anuário do Ensino do Estado de São Paulo, informa que Campinas tinha 1849 alunos matriculados em escolas públicas e 3838 nas particulares. Algumas escolas particulares campineiras eram grandes, mantendo inclusive internatos, com curso primário, secundário e profissional (como as escolas alemãs e italianas) e outras, menores, mantidas pelos próprios professores que nelas lecionavam, com uma ou duas classes apenas, nos mesmos moldes das escolas isoladas (como a Escola dos Seixas).

Ainda em 1912, juntam-se à escola particular da família Seixas, as professoras Ambrosina Ferreira Garcia de Andrade e Maria Luísa Salles – ambas filhas de fazendeiros locais – e a professora Maria Luíza Guerra Sidanez, carioca, negra, casada com um espanhol e proveniente de família operária, o que constitui uma exceção na realidade da época. Não há documentos comprobatórios sobre o ano em que essa professora se estabeleceu na vila, mas as evidências levam a crer que ela tenha se mudado justamente para ser professora naquela escola. Em 1916, documentos do Museu Municipal de Paulínia atestam que a referida professora foi nomeada, pelo Governo do Estado, adida de uma Escola Isolada, na seção “São Bento”, o que seria a primeira evidência da ação estatal na implantação de escolas no futuro município de Paulínia, confirmando que ...

 

“Se, durante o século XIX, predominara no quadro educacional da cidade a oferta de escolas de iniciativa particular, o século XX viu florescer a participação significativa do poder público em relação à educação popular, especialmente com a criação de escolas isoladas e grupos escolares” (NASCIMENTO, 1999: p. 106)

 

Esse “florescimento” do interesse das elites com relação à educação pública deve-se, evidentemente, à mentalidade liberal, amplamente divulgada durante o movimento que culminou com a República.

No início da Primeira República, a expansão do ensino público fundamental era um princípio liberal que deveria ser levado a cabo de forma universal, sem distinção de classe, etnia, nacionalidade ou crença. A educação é vista, no liberalismo, como pré-requisito ao desenvolvimento econômico (desenvolvendo as “habilidades” dos cidadãos, preparando-os para o mercado de trabalho, gerando forças de produção e, portanto, riqueza) e como elemento indispensável à estabilidade democrática. Este amplo sentido democrático, no entanto, nunca se concretizou, atrelando-se o termo “educação popular” a um tipo de educação destinada às classes trabalhadoras, que não viam sentido na educação escolar. Sob este ponto de vista mais prático, o estado republicano fez uma clara distinção entre ensino secundário e superior (destinado às elites) e o ensino primário e profissional (destinados à população em geral, mas mais especificamente àquelas camadas mais pobres da sociedade)[9].

Em 1918, segundo o Anuário do Ensino do Estado de São Paulo, Campinas possuía 84 escolas isoladas (sendo 56 distritais), com 2626 alunos matriculados. A Escola dos Seixas deixa de funcionar nesse ano, quando o mesmo Anuário informa que havia em Campinas 28 escolas particulares, sendo 09 na área rural. Em 1921, com a expansão dos Grupos escolares[10] são criadas as Escolas Reunidas de José Paulino, curiosamente instalada na mesma casa onde havia funcionado a Escola dos Seixas. Protótipo dos Grupos Escolares, as Escolas Reunidas (em número de 23 em Campinas, no ano de 1923) apresentavam menores custos ao Estado. Os professores recém-formados, segundo NASCIMENTO (1999 p.45) deveriam começar a lecionar numa dessas escolas de bairros para, depois, serem “promovidos” aos Grupos Escolares. Em 11 de junho de 1925, com o decreto nº 3858, a obrigatoriedade dos cursos primários nos Grupos Escolares passa a ser de quatro anos, porém, nas Escolas Reunidas esse tempo é estabelecido em três anos (conforme o que já acontecia nas Isoladas) ressaltando as diferenças entre situar-se em bairros ou no centro da cidade, evidenciando as desigualdades entre as unidades escolares: Grupos Escolares com prédios próprios (cujas plantas lembravam palacetes) para a elite e Escolas Reunidas ou Isoladas (em prédios precários) para a massa.

Em 17 de maio de 1924, a professora das Escolas Reunidas de José Paulino, Maria Luiza Guerra Sidanez solicita sua nomeação para reger uma nova classe a ser criada, a pedido dos moradores da “Chave de João Aranha”[11] onde um recenseamento havia indicado um número elevado de crianças sem escolaridade. Este procedimento era não apenas comum, mas uma exigência do poder estadual que consultava a edilidade local para saber do interesse (ou não) em disponibilizar verbas para a locação de prédios para tal funcionamento. Conforme NASCIMENTO (1999)...

 

“Apesar da clareza com que os novos donos do poder viam os benefícios que os resultados da educação popular podiam proporcionar ao país e aos seus cidadãos em particular, o que se pode observar é que, na esmagadora maioria dos casos, a criação de uma escola dependia de interferências políticas intensas e inúmeras solicitações. Quando estas eram atendidas, nota-se que predominavam os interesses políticos em detrimento daqueles ligados à distribuição racional geográfica para que fosse alcançada uma oferta equilibrada do ensino no Estado.” (NASCIMENTO, 1999 p.58).

 

Provavelmente por não representar nenhum interesse político, o pedido da professora não foi atendido, mesmo com a apresentação da lista nominal das crianças.

Nas “Escolas Reunidas” a média de permanência das crianças era de dois anos, ocorrendo a evasão quando do aprendizado da leitura, da escrita e das quatro operações matemáticas. Através dos diários de classe da Profa. Maria Luiza[12], percebe-se a semelhança com o tipo de procedimentos metodológicos de várias escolas atuais: o Estado emprestava livros de Leitura, Alfabetização e Matemática, usualmente os de Abílio César Borges, o Barão de Macaúbas que, conhecido em todo o território nacional, não deixou de sê-lo na vila de José Paulino. Os livros, sem fronteiras culturais ou geográficas, promoviam “a igualdade entre os desiguais” sendo os mesmos em todo o território nacional:

 

" Um grosso volume escuro, cartonagem severa. Nas folhas delgadas, incontáveis, as letras fervilhavam, miúdas, e as ilustrações avultavam num papel brilhante como rasto de lesma ou catarro seco. Principiei a leitura de má vontade. (...) Esses dois contos me intrigaram com o Barão de Macaúbas. Examinei-lhe o retrato e assaltaram-me presságios funestos. Um tipo de barbas espessas, como as do mestre rural visto anos atrás. Carrancudo, cabeludo. E perverso. Perverso com a mosca inocente e perverso com os leitores. (...) Temi o Barão de Macaúbas, considerei-o um sábio enorme, confundi a ciência dele com o enigma apresentado no catecismo”. (RAMOS, 1969, p. 139 - 142.)

 

Nos primeiros anos da década de 30 as Escolas Reunidas têm o nome alterado para “Grupo Escolar de José Paulino” numa tentativa de sanar ou diminuir – mascarar ou maquiar – a desigualdade, já que os Grupos Escolares gozavam de melhor “status” e condições. Mesmo assim, a escolaridade continua tendo uma média de dois anos. Em 17/03/1932, homenageando um médico campineiro (que, a exemplo dos demais patronos, não mantinha nenhum vínculo com o local) a escola passa a se chamar Grupo Escolar Dr.Francisco de Araújo Mascarenhas, ainda nas mesmas instalações das Escolas Reunidas.

A partir de 1942, Paulínia vinha aumentando a arrecadação de impostos para Campinas devido à implantação, no local, de uma unidade da Rhódia. Essa empresa, pioneira na cidade, alterou consideravelmente a economia de toda a região, por produzir álcool etílico durante o período da Segunda Grande Guerra. Devido aos altos impostos que recolhia e  atendendo a um movimento popular, a vila de "José Paulino" foi elevada a Distrito, com o nome de PAULINIA, em 1944, através do Decreto-lei 14334.

Em 1948, pela primeira vez, é eleito um vereador residente no Distrito[13], sendo sua primeira indicação a construção de um prédio próprio para o Grupo Escolar. Em 1951, solicita que seu pedido seja enviado ao Governo Estadual, justificando que “há no Distrito 240 crianças matriculadas no Grupo Escolar, em local inadequado, em prédio que coloca em risco sua integridade física”. Numa população total de 6.000 indivíduos, 240 crianças representam menos de 5% dos habitantes inseridos no sistema educacional. Levando-se em conta que a área central do Distrito contava com 402 habitantes (levantamento populacional de 1950), os dados nos levam a concluir que os habitantes da zona rural eram minoria na escola localizada na área urbana do distrito. O prédio, onde funcionava a escola, era alugado pelo Estado, pelo valor de Cr$ 1.500,00[14] e, segundo reportagens da época, não apresentava as mínimas condições para abrigar os alunos. Tanto que, em 1956 o vereador encaminha novo pedido, desta vez acompanhado de um relatório descrevendo a situação deplorável em que se encontrava o prédio, que já havia sido interditado duas vezes e em 1957 começa uma pressão popular, com artigos sendo publicados em nome dos paulinenses, reforçando pedidos para construção de um prédio escolar próprio. No dia 21 de agosto, num artigo intitulado “Paulínia, a esquecida” Mário Erbolaro diz:

 

“A reforma do prédio do Grupo “Francisco de Araújo Mascarenhas” está sendo executada em regime ‘tartarugófilo’ pois apenas um pedreiro, sem qualquer orientação superior, vai removendo tijolos daqui para lá, auxiliado por um funcionário do estabelecimento de ensino, improvisado nas funções de servente. Quem duvidar do que escrevemos, que percorra os anais da Câmara Municipal de Campinas...[...]o apêlo (sic) comovente que alguém deverá ouvir. E esse alguém só pode ser o Govêrno (sic) do Estado que, no entanto, parece continuar alheio a tudo e indiferente a todos. Hoje as autoridades executivas pouco pensam em atacar de frente os problemas, ainda que êles (sic) reclamem soluções fáceis e de rotina. O mal que contagia os responsáveis pelas coisas públicas evita que êles (sic) sintam o que representa uma escola fechada (...) Viagens, discursos, banquete e homenagens constituem o passatempo dos que deveriam auscultar o povo para lhe oferecer obras concretas e não promessas vãs...” (DIÁRIO DO POVO, 21/07/57)

 

Em 1960, com a proximidade das eleições, a população mobiliza-se, intensificando o pedido e fazendo publicar no jornal DIÁRIO DO POVO um artigo chamado “Paulínia, até quando estaremos abandonados?” no qual o autor, sr. Hélio Malavazzi enaltece as empresas paulinenses que fazem “a riqueza de Campinas” e aborda os principais problemas dos moradores: fornecimento de energia elétrica e água, ruas sem asfalto, a falta de um posto policial e “...o grupo escolar é um casarão que, de pôsto (sic) policial, que tanta falta nos faz, foi adaptado há quarenta anos”. Diante da pressão popular, a Câmara Municipal de Campinas autoriza a compra um terreno de 5463 metros e compromete-se a construir o prédio.

Conforme o Jornal Infantil de 1960, “o prédio terá oito salas de aula (...) Ressaltamos os esforços de nosso ilustre vereador, o sr. Amerígio Piva e do sr. Prof. Armando dos Santos, DD. Delegado de Ensino, no sentido de dotar esta localidade de um prédio à altura de seu progresso.” (MAZIERO e SOARES, 1999. P. 94).

Porém, o prédio do Grupo Escolar seria construído e inaugurado apenas em 1962, quando do início do movimento emancipatório que levou a Câmara de Campinas a ações que pudessem satisfazer os moradores, numa clara tentativa de postergar o momento da cisão política que se fortalecia a partir de um movimento popular denominado “Amigos de Paulínia”. Mas o desejo de se constituir em município autônomo já havia contagiado os moradores que, no plebiscito realizado em 1963, decidiram – com 94% dos votos - pela emancipação política do Distrito. Em 28 de fevereiro de 1964, pouco antes do golpe militar que mudou a história política do país, o Diário Oficial do Estado de São Paulo publicou a Lei 8092, criando o município de Paulínia. As eleições de 1965 elegeram o primeiro prefeito José Lozano Araújo (do PSP- Partido Social Progressista - e fundador dos “Amigos de Paulínia”) um funcionário aposentado da Assembléia Legislativa do Estado. No ano de sua posse, os planos de progresso e expansão, incluíram negociações para a instalação, no município, de uma refinaria de petróleo da PETROBRÁS. A tendência à modernização, forjada desde meados dos anos 50 com a criação do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), refletia as palavras de Hélio Jaguaribe (citado por XAVIER et ali) que afirmava que as camadas populares deveriam ser levadas a acreditar, através de propaganda ideológica, que o processo de desenvolvimento econômico era fator preponderante na elevação do nível de vida. Assim, de um lado a industrialização era considerada “o móvel do desenvolvimento”[15] sendo a educação priorizada como referencial no projeto de desenvolvimento econômico, padronizando a mão-de-obra composta por pessoas vindas do campo e despreparadas para o trabalho na indústria.

No período de 65/66 as reformas institucionais (fiscais e financeiras) e a política de arrocho salarial, concentrando mais a distribuição de renda, causaram efeitos favoráveis à economia, expandindo o setor de bens de consumo durável. Esse período ficou conhecido como  “milagre econômico brasileiro” . Nesse cenário político de desenvolvimento acelerado, aliado à decisão da Petrobrás de refinar e distribuir derivados de petróleo ao invés de investir na pesquisa e extração, surge a necessidade de construção de grandes refinarias que pudessem concretizar esse objetivo. A escolha do local para a construção da maior refinaria da América Latina, evidentemente com todas as implicações políticas que possa representar, recaiu sobre Paulínia.  Foram feitos acertos e negociações diretas com o General Artur Candal Fonseca, presidente da Petrobrás à época. A Prefeitura de Paulínia fez a doação à Petrobrás de um terreno de 350 alqueires, comprados da Rhódia por Ncr$ 1.366.642,20 para a instalação da  REPLAN, gerando vários questionamentos populares.

Em 1968, por um Decreto-Lei presidencial, o município de Paulínia passa a ser considerado “área de segurança nacional”, com todas as implicações que isso representa. Um ano depois, o número de habitantes do lugar deu um salto de 4.413 em janeiro para 12.297 em dezembro, sendo a população operária formada por 1900 trabalhadores, dos quais apenas 400 residiam no município[16]

A REPLAN foi inaugurada em 12 de maio de 1972, com a presença do Presidente da República General Emílio Garrastazu Médici acompanhado de uma comitiva oficial, todos representantes do governo militar daquele período.

Enquanto isso, o Grupo Escolar continuava diplomando crianças após as quatro séries do “curso primário” que, na maioria, paravam seus estudos. Aqueles que quisessem continuar, cursando o  “Ginasial”, deveriam passar por uma prova seletiva, aplicada pela Secretaria Estadual de Educação: o “exame de admissão”. No caso de Paulínia, mesmo os aprovados na “admissão” teriam dificuldades, porque teriam que ir a outras cidades, uma vez que ali não havia esse nível de ensino. Apesar de existir uma lei, desde 1963[17] autorizando a instalação do Ginasial, nada de concreto havia sido feito para que isso se concretizasse. Em 1968, sob forte pressão popular, começam a funcionar três salas (uma primeira e duas segundas séries do curso Ginasial) na parte inferior da recém-construída prefeitura municipal. Naquele ano, realizado às pressas, o exame de admissão, selecionou apenas 47 crianças, das 107 inscritas (MAZIERO E SOARES, 1999:p.167). Em 1969 o Ginásio ganhou prédio próprio, mas a continuidade em nível “Colegial” apenas se concretizaria um ano após a chegada da Petrobrás, em 1973. Na inauguração do “Colégio Estadual de Paulínia” esteve presente o então governador Laudo Natel, numa demonstração da importância que, subitamente, o município ganhou.

A industrialização mudou substancialmente a realidade educacional do município: de 1899 a 1969 (mais de um século, portanto), a mesma e única escola funcionou em Paulínia, ocupando um velho prédio alugado. Com a chegada da industrialização, porém, atendendo a pressupostos políticos que estavam presentes desde a implantação da Petrobrás, uma nova escola se instala, voltada agora à preparação de operários que pudessem trabalhar na grande empreitada da produção de petróleo e seus derivados, firmando o modelo capitalista que se instaurara no país. Uma nova escola a cada dois anos é então implantada, num crescendo próprio e peculiar ao sistema capitalista.

Na busca de fontes primárias nas escolas de Paulínia, pude inicialmente constatar que as alterações determinadas pela nova realidade são de natureza diversa, como: incremento e diversificação dos cursos e no número de vagas oferecidas, alterações do programa escolar e da demanda, extinção e inclusão de disciplinas que pudessem favorecer o preparo para o sistema ocupacional, reorganizações curriculares, incremento na divisão do trabalho pedagógico e inclusão de professores da cidade, além de adaptações próprias àquele momento. O impacto dessa industrialização no sistema educacional e na comunidade mais ampla, a necessidade de preparar mão-de-obra que pudesse suprir o novo mercado de trabalho, as adequações por que passa a escola – tanto curriculares quanto administrativas – serão analisados numa etapa futura desta pesquisa.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANUÁRIO DO ENSINO DO ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo: Directoria Geral da Instrucção Pública, 1912 a 1940.

Arquivos da empresa gráfica “Jornal do ACP” 1966/1990

Arquivos da Câmara Municipal de Paulínia (1965/1970)

Arquivos do Museu Municipal de Paulínia

BRITO, Jolumá História da Cidade de Paulínia,[s.e} São Paulo, 1972

cano, Wilson. Desequilíbrios Regionais e concentração industrial no Brasil, 1930-1995. 2ª ed. Campinas, SP: UNICAMP. IE, 1998.

CLEMENTE, A. Economia e Desenvolvimento Regional. São Paulo:  Atlas, 2000

LÜDKE, Menga ANDRÉ, Marli E.D. Pesquisa em Educação: Abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1996

MARTINS, José Pedro Soares. Câmara em foco – os duzentos anos do poder legislativo em Campinas. Campinas, SP: Editora Favaro e Fernandes, 1998.

MAZIERO, Maria das Dores S. e SOARES, Meire Terezinha Muller – Paulínia: dos trilhos da Carril às Chamas do Progresso. Paulínia, SP: Unigráfica, 1999.

NASCIMENTO, Terezinha A.Q.Ribeiro [et al] Memórias da Educação: Campinas, 1850-1960 Campinas, SP: editora da UNICAMP, Centro de Memória, 1999.

NOGUEIRA, Paulo de Almeida. Minha Vida. [s.d.c] 1955

RAPOSO, Isabel Memória, Momentos e Lições 446 anos de Educação em São Paulo. Lemos Editorial e Gráfico Ltda. 2000

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira História da Educação no Brasil Petrópolis:Editora Vozes, 2001

XAVIER, Maria Elisabete, RIBEIRO, Maria Luisa e NORONHA, Olinda Maria História da Educação: A escola no Brasil. São Paulo:FTD, 1994.

 

NOTAS



[1] Artigo “E a PETROBRÁS? Vai bem, obrigado” O ESTADO DE SÃO PAULO, 02/02/1969

[2] Segundo MAZIERO E SOARES, a primeira estrada de ferro do Brasil foi construída em 1854, pelo Barão de Mauá, com 16 quilômetros, ligando o Porto de Mauá, no Rio de Janeiro, à cidade de Raiz da Serra. Em 1909, já havia 18.000 km. de vias férreas em território nacional. São Paulo, em 1910, possuía 5.201 km. servindo principalmente à zona cafeeira. Em Campinas, com a presença de D.Pedro II, foi inaugurada a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, em 1875.

[3] Um dos fundadores do Partido Republicano Paulista – PRP foi Manuel Ferraz de Campos Salles. Participou da “Convenção de Itu” em 1873 e defendia a abolição da escravidão, porém, para não desagradar aos “barões do café”, pregava a indenização, pelo Estado, aos proprietários escravistas.

[4]À época, o cargo de “Presidente da Câmara” correspondia ao de prefeito, criado somente em 1907, pela Lei 1038 (MARTINS, 1998). José Paulino Nogueira foi o primeiro presidente da Câmara Municipal de Campinas do período Republicano, na fase mais crítica da epidemia de febre amarela, em 1889. Já havia sido eleito vereador pelo Partido Republicano Paulista em 1887.

[5] Outra tentativa de ocupação territorial na região de Paulínia, foi a criação do “Núcleo Colonial Campos Sales”, com venda de lotes, com pagamento a longo prazo, para estrangeiros ou brasileiros. Quando Campos Sales – representante da elite econômica e política nacional, assumiu a presidência da Província de São Paulo em 1896 convenceu-se dos benefícios de tal iniciativa, pois, com a venda dos lotes, poderia justificar a expansão da rede ferroviária (que atenderia aos latifundiários). Escolhido o local (em Campinas, terra natal de Campos Sales) e o nome (sugerido pelo Barão Geraldo de Rezende), foi instalado o núcleo colonial, que recebeu italianos, suíços, alemães e outros estrangeiros. Com a crise causada pela epidemia de febre amarela e o atraso na implantação da via férrea, o núcleo colonial constituiu-se num fracasso como programa de imigração. Mais tarde, transformou-se na cidade de Cosmópolis (cidade do mundo, cidade universal) devido à diversidade de imigrantes que para aí acorreram quando da tentativa de implantação do núcleo colonial. <http://elogica.br.inter.net/crdubeux/historia.html>

[6] Em 1906, um grupo de moradores da Vila de São Bento encaminha uma petição à Câmara Municipal de Campinas solicitando que o local fosse elevado a bairro, com o nome de São Bento, o que foi negado, cf. BRITTO, 1972.

[7] Diário de José Seixas de Queiroz,  escrito entre os anos de 1871 e 1900.

[8] Diário do sr. José de Seixas Queiroz

[9] A política do governo, embora sendo de expansão, convivia com a limitação dos recursos financeiros, o que é revelado na expressão "escolas de fachada", de Freitas Valle, denotando a precariedade das instalações de muitas escolas.Quando Oscar Thompson reassumiu a diretoria geral do ensino em 1917 acreditava que a base de todos os problemas da Nação e do Estado encontrava-se no analfabetismo. Sampaio Dória compartilhava da mesma opinião, e, tentando resolver o problema rapidamente e com pouco custo, propôs um plano que possuía como fundamento: ensinar pouco a muitos (atingindo desta forma maior parte da massa). Ele previa a redução do curso primário para 2 anos - 1º e 2º anos, promoção automática, privilégio da leitura, cálculo, escrita, exercícios físicos, desdobramento da jornada do professor e gratificações pelo número de crianças alfabetizadas. Em 1920, nomeado Diretor Geral, Dória colocou seu plano em prática.

[10] Os Grupos escolares foram criados no Estado de São Paulo, pelo Decreto 248, de 26 de julho de 1894, no quadro geral da Reforma da Instrução Pública, empreendida pelo Governo Republicano, entre 1890-1896. Essa nova modalidade administrativa e pedagógica de ensino, como o nome sugere, “agrupava” num mesmo prédio, várias escolas espalhadas. Os alunos eram reunidos por sexo, idade e adiantamento escolar, sendo cada classe regida por um professor. Sendo uma modalidade da escola primária, os Grupos Escolares simbolizavam a modernidade em educação, trazida pela república, visando realizar a educação popular no Estado de São Paulo, conforme as necessidades apontadas pelo regime republicano. A Reforma de 1920, conhecida como Sampaio Doria, enfatizando a universalização da alfabetização, reduziu a obrigatoriedade do ensino primário para dois anos, com multa aos pais que não tivessem seus filhos na escola.

[11]  “Chave” era o nome dado aos agrupamentos humanos formados ao longo da via férrea. Uma “chave” era um ponto do trem, diferente da estação, onde a parada era maior e os procedimentos mais completos. Nas “chaves” havia apenas troca de funcionários, acesso ou descida de passageiros ou de carga. A “Chave de João Aranha” era a maior da Carril Agrícola Funilense e transformou-se no bairro do mesmo nome. O documento e seu anexo encontram-se no Museu Municipal de Paulínia.

[12] Documentos no Museu Municipal de Paulínia

[13] Amerígio Piva

[14] Levando-se em conta que o salário mínimo na década de 50 era de Cr$ 360,00 (Tabela Macdata jurídica, 2000) o valor do aluguel corresponderia ao equivalente a cinco salários mínimos.

[15] Cf. XAVIER, Maria Elisabete et alli – História da Educação: A escola no Brasil. São Paulo: FTD, 1994

14.Cf. Atas dos arquivos da Câmara Municipal de Paulínia.

[16] Cf. “Jornal do ACP”  de 27/09/1969 – acervo particular de Wellington Mazotti.