PLURALIDADE CULTURAL E FORMAÇÃO DE
PROFESSORES : UMA PROPOSTA CRÍTICA
Tania Mara Tavares Silva
Centro Unisal / Fae Unicamp
Introdução
O texto se
constitui basicamente de algumas notas e reflexões que foram sendo elaboradas
com base no tema que será objeto de minha tese de doutorado, cuja temática
envolverá o campo da análise da cultura e a tendência mais recente na educação
de valorizar a pluralidade cultural como tópico fundamental nos conteúdos
escolares através das propostas contidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs)
É louvável que
tenhamos como tema importante nos Parâmetros Curriculares propostos pelo Estado
no final da década de 90 o tema da Pluralidade Cultural. Como se trata de
documento norteador dos conteúdos a serem ministrados aos alunos do Ensino
Fundamental é possível supor que o tema tem sido (ou deveria ser) abordado em
sala de aula. Sabemos que nem sempre é desta forma que os fatos ocorrem dado
que as mudanças principalmente no âmbito da educação são lentas e é bem possível
que o resultado das propostas contidas nos textos destes documentos ainda
demorem muito para serem implantadas de forma efetiva. Além disso, tem sido
colocado por alguns educadores que a própria estrutura da escola baseada em
livros didáticos impede a possibilidade de se efetivar as propostas colocadas
nos PCNs. 1
Porém, meu
interesse neste texto não será o de debater ou escrutinar a forma como os
Parâmetros estão sendo (ou não) veiculados em sala de aula , mas sim o de
tentar realizar uma análise (ainda que muito incipiente) da forma como a
Pluralidade Cultural foi abordada nestes textos. Meu propósito será o de tentar
criticar alguns pontos principalmente os que se referem à análise da nação
brasileira como plural no que se refere à cultura ou culturas.Também quero ter
a ousadia de afirmar que a maneira como é tratada a imigração européia acaba
por negar a sua pluralidade. Além disso, também é possível colocar que o
conceito de cultura utilizado (a substituição da idéia de raça por etnia)
apresenta alguns reducionismos. Assim, embora não devamos deixar de reconhecer
méritos e avanços nas reflexões produzidas nos Parâmetros, acredito que ainda
estamos longe de dar um tratamento adequado a questão da alteridade no âmbito
escolar.
Inicialmente vou
apresentar em linhas gerais o conteúdo dos Parâmetros no que se refere à
temática que quero abordar para, posteriormente, tentar problematizar alguns
pontos específicos.
A Pluralidade como Tema Transversal
Nos PCNs
consultados o tema Pluralidade Cultural é colocado como sub tema do volume
"Temas Transversais" nos Parâmetros dedicados aos professores de 5ª a
8ª séries e nos destinados aos professores de 1ª a 4ª séries pode ser
encontrado no volume 10 apresentado de forma conjunta com o tema Orientação
Sexual. A comparação entre as duas propostas mostra que embora sejam diferentes
no que se refere à complexidade da linguagem e dos exercícios propostos,os
textos são muito similares sendo possível, inclusive, encontrar frases ou
parágrafos inteiros reproduzidos literalmente em ambos os textos. Como as
abordagens são muito próximas escolhi como base para análise o texto dos
Parâmetros destinados aos professores de 5ª a 8ª séries.
O enfoque dado ao
tema da pluralidade cultural é marcado pela necessidade de se combater, no
interior da educação (e da escola primordialmente) o preconceito em relação ao
diferente. Não se trata, afirma o texto, de combater o diferente mas de
promover a possibilidade de que exista uma convivência entre as diferenças
sejam elas de origem cultural, sócio-econômica ou física como é o caso dos
indivíduos portadores de "necessidades especiais", conceito agora
utilizado para definir os deficientes físicos ou mentais.
A questão da
diferença ou do tratamento dado a ela tem como um dos principais propósitos
consolidar a denominada escola "inclusiva", isto é, aquela que é
capaz de incluir no seu interior, diferentes de naturezas múltiplas.Também está
explícito no texto que a escola tem um papel primordial na transformação da
sociedade brasileira em uma sociedade
justa e igualitária dado o reconhecimento que a nossa sociedade é marcada por
desigualdades socioeconômicas profundas. De forma conjunta a estas propostas
aponta-se o reconhecimento da diferença como uma maneira de promover o respeito
à dignidade humana. Além disso, é também enunciada a idéia da identidade
nacional como construção histórica permanente e como a sociedade brasileira tem
como traço fundamental à diversidade cultural esta deve ser reconhecida e
vivida tendo a Ética como base das relações sociais e interpessoais.
Ainda segundo o
texto, como já dito acima, a escola seria o espaço por excelência do ensino
desta nova forma de se viver ao lado do outro. Vale a pena citar na íntegra o
texto direcionado aos professores de 5ª e 8ª séries que aborda esta questão:
Reconhecer essa complexidade que
envolve a problemática social, cultural e etílica é o primeiro passo. A escola
tem um papel fundamental a desempenhar nesse processo. Em primeiro lugar,
porque é o espaço em que se pode dar a
convivência entre estudantes de diferentes origens , com costumes e dogmas
religiosos diferentes daqueles que cada um conhece, com visões de mundo
diversas daquela que compartilha em família. Nesse contexto, ao analisar os
fatos e as relações entre eles. a presença do passado no presente, no que se
refere às diversas fontes de que se alimenta a identidade- ou as identidades,
seria melhor dizer - é imprescindível esse recurso ao Outro (sic), a
valorização da alteridade como elemento constitutivo do Eu (sic), com a qual
experimentamos melhor quem somos e quem podemos ser. Em segundo, porque é um
dos lugares onde são ensinadas as regras do espaço público para o convívio
democrático com a diferença. Em terceiro lugar, porque a escola apresenta à
criança conhecimentos sistematizados sobre o país e o mundo, e aí a realidade
de um país como o Brasil fornece subsídios para debates e discussões em torno
de questões sociais.
A criança na escola convive com a
diversidade e poderá aprender com ela. Singularidades presentes nas
características de cultura, de etnias, de regiões, de famílias, são de fato
percebida com mais clareza quando colocadas junto a outras.( PCNs, 1998:123,
grifos meus)
Esta longa citação
demonstra o caminho a partir do qual pretende-se discutir a diversidade nos
PCNs. Não se trata apenas do diverso no sentido da etnia ou da cultura , mas
também no que se refere às micros diferenças, ou seja, as que se dão na
organização da família ou entre indivíduos. Ainda segundo o texto,trata-se de
instrumentalizar a escola para tratar questões que "vem sendo indevidamente respondidas pelo senso comum, quando não
ignoradas por um silencioso “constrangimento”( PCNs, op.cit: 123).
Acredito que
apenas estas considerações dariam margem para inúmeras reflexões. Por exemplo,
parece haver uma pretensão de se acreditar que na escola não se encontram
idéias do senso comum ou, mais do que isso, não se reconhece que o senso comum
ou as representações nele construídas são também parte integrante da cultura
escolar. Assim, embora a definição de cultura seja colocada no texto como
construção cotidiana no interior do grupo social (cf. PCNs,1998:21) o senso
comum , que é no meu entender parte integrante da cultura escolar está sendo
abordado como se estivesse fora do ambiente da escola. É claro que o sentido de
senso comum está dado aí como algo que deve ser ultrapassado para que se atinja
a consciência crítica, ou como afirmou Savianni (1989) há algum tempo trata-se
de efetuar a crítica a concepção dominante levando-se em conta o "núcleo
válido do senso comum". Porém, é preciso lembrar que esta idéia tem o
alicerce de uma concepção teórica e que a ausência desta referência pode dar
margem a dúvidas prejudicando a compreensão do conceito pelos professores que
vão se valer dos textos.
Tomar a
desigualdade social e o preconceito no sentido de combatê-los deve levar em
conta, como afirma Vygotsky “que a obra criadora constitui um processo
histórico consecutivo onde cada nova forma se apóia nas precedentes"
(Vygotsky, apud Kramer, 1998: 88). Ou seja, a luta contra o preconceito e a
desigualdade no interior da escola deve partir da idéia que o professor também
partilha das idéias do senso comum.2
Entender que o
professor é também agente e produtor do que se quer combater não significa que
devemos eximir a escola de ser um espaço importante para a transformação que
ser quer atingir porém devemos levar em conta em um primeiro momento o trabalho
deve ser realizado de forma mais efetiva com
este professor.Ou seja, não acredito que apenas o texto dos PCNs, sem um
trabalho contínuo de formação continuada, possa modificar os conteúdos
escolares.
Também
é possível salientar que há uma espécie de exagero na definição da escola como
espaço por excelência do "encontro das diferenças" pois não podemos
esquecer que no caso brasileiro os iguais (mesma camada social) tendem a
freqüentar o mesmo ambiente escolar. Portanto se trabalhar a diferença é um
dado fundamental também o é a construção do coletivo, da história comum que é
também um dos focos fundamentai do estudo da cultura.
Um outro ponto
abordado no tema pluralidade cultural é a crítica a visão difundida que no
Brasil não existe preconceito racial. O propósito é difundir a idéia que a
democracia racial no Brasil é um mito que deve ser combatido escrutinando as
várias formas pelas quais o preconceito aflora. Como está se pensando a escola
como espaço da convivência da pluralidade (o que, repito, pode ser um equivoco)
este seria um espaço privilegiado para fazer nascer indivíduos que enxergando a
existência do preconceito podem combatê-lo. De forma complementar coloca-se a
necessidade de se debater também a concepção de que vivemos em uma cultura
uniforme que escamoteia as diferentes contribuições culturais advindas não só
de índios e africanos, mas também dos imigrantes de origens diferenciadas.
Neste sentido lê-se no texto:
Convivem hoje no território nacional
cerca de 210 etnias indígenas, cada uma com uma identidade própria e
representando riquíssima diversidade sociocultural, junto a uma imensa
população formada pelos descendentes de povos africanos e um grupo numeroso de
imigrantes e descendentes de vários continentes, com diferentes tradições
culturais e religiosas. A dificuldade para categorizar os grupos que vieram
para o Brasil e formaram sua população é indicativo da diversidade, seja o
recorte continental, ou regional, nacional, religioso, cultural, lingüístico,
racial/étnico. Portugueses, espanhóis,ingleses, franceses, italianos,
poloneses, húngaros, lituanos,egípcios, sírios, libaneses, armênios, indianos,
japoneses, chineses, coreanos, ciganos, latino-americanos, católicos,
evangélicos, batistas, budistas, judeus, muçulmanos, tradições africanas,
situam-se entre outras inumeráveis categorias de identificação. Além disso, um
mesmo indivíduo pode vincular-se a diferentes grupos ao mesmo tempo,
reportando-se cada um deles com igual sentido de pertinência. (PCNs, 1998:125)
Creio que este pequeno resumo já é suficiente para podermos agora
tentar realizar uma análise crítica sobre a maneira como a pluralidade cultural
foi enfocada nos PCNs sem , repito, retirar o mérito de podermos ver enunciado
e trabalhado como conteúdo fundamental o respeito à diversidade cultural. Neste
sentido, é dada a sua importância que acredito ser possível colocar algumas ressalvas
a forma como este tema foi apresentado aos professores.
Desigualdade
e Diferença
Como vimos o texto
chama a atenção para as diversas origens das correntes migratórias européias e asiáticas dentre
outras. No entanto, uma olhada mais atenta ao texto nos fez perceber que a
análise continua circunscrita a confirmação de que nossa origem está restrita a
brancos; negros e índios ou seja, não se dá a mesma ênfase as diferenças
culturais que também existem entre os denominados brancos. Por exemplo, toda a
questão da sobreposição desigualdade /diferença continua a ser descrita tendo
por base os povos indígenas e africanos. É claro que não devemos negar que
foram estes grupos que mais sofreram e ainda sofrem uma discriminação mais
exacerbada, mas e quando se trata de imigrantes de origem Européia? Será que a
cor da pele os beneficiou fazendo com que não sofressem nenhum tipo de
preconceito? Vejamos alguns exemplos da forma como a imigração é enfocada nos
PCNs na parte em que propõe a maneira como os conteúdos devem ser trabalhados
nas diversas disciplinas.
Em primeiro lugar,
o professor é chamado a relembrar (ou aprender) as contribuições das várias
ciências que tratam o tema. Por ex., conhecimentos jurídicos,
antropológicos,históricos e geográficos dentre outros serão necessários para
que o tema possa ser bem enfocado pelo professor. Após estas informações,
apresentadas de forma muito resumida, são colocados os blocos dos conteúdos
selecionados para desenvolver nos alunos capacidades para viver a pluralidade
cultural brasileira de forma mais justa contribuindo para a construção de uma
democracia verdadeira.
Os conteúdos são
subdivididos nos seguintes itens: Pluralidade Cultural e a Vida dos
Adolescentes no Brasil; Pluralidade Cultural na Formação do Brasil ; O Ser
Humano como Agente Social e Produtor de Cultura e, finalmente, Direitos
Humanos, Direitos de Cidadania e Pluralidade. Em cada um dos itens encontramos
as temáticas e a forma como elas devem ser enfocadas. Por exemplo, no primeiro
item encontramos como temáticas a família, a relação das culturas com o tempo,
o espaço, a educação e a vida comunitária. No segundo são propostas como
temáticas a importância dos conhecimentos históricos e demográficos para a
compreensão da formação da sociedade brasileira. A cultura entendida como
produção material, costumes, relação com a natureza é o enfoque do terceiro
item. Por fim, no último item a questão da cidadania e o seu fortalecimento são
enfocados do ponto de vista jurídico (a importância de se ter conhecimentos das
leis) e da transformação social.
Como se vê o leque
de possibilidades não é pequeno. Chama a atenção não só a gama de conteúdos,
mas também a complexidade das temáticas abordadas. E embora não seja objetivo
deste texto criticar a proposta dos PCNs no sentido mais amplo não posso me
abster de comentar que provavelmente o professor encontrará dificuldades para
implementá-la e além disso, o que
considero mais complicado se implementada pode criar a ilusão que a partir os
debates e exercícios propostos podem realmente transformar a sociedade
brasileira. Quem dera isso fosse viável.
Creio que este é
um dos pontos nodais a ser criticado no que se refere aos PCNs. A maneira como
a questão da diversidade cultural encobre a questão da desigualdade na medida
em que desaparece com o conceito de classe. Ou seja, é como se num "passe
de mágica" as classes sociais deixassem de existir recobertas pela
roupagem da cultura e que a aprendizagem da diversidade (ou da convivência com)
fosse suficiente para a construção de uma sociedade democrática e justa.
É Darcy Ribeiro
que nos chama a atenção para a impossibilidade de trabalharmos o conceito de
cultura apartado do conceito de classe. Tomando como base que a escravidão foi
o alicerce a partir do qual se construiu a nação brasileira e que isto faz toda
a diferença na maneira como vivemos hoje as nossas relações sociais escreve
este autor:
A estratificação social separa e
opõe, assim, os brasileiros ricos e remediados dos pobres e todos eles dos
miseráveis, mais do que corresponde habitualmente esses antagonismos. Nesse
plano as relações de classes chegam a ser tão infranqueáveis que obliteram toda
a comunicação propriamente humana entre a massa do povo e a minoria
privilegiada, que a vê e a ignora, a trata e a maltrata, a explora e a deplora,
como se essa fosse uma conduta natural. A façanha que representou o processo de
fusão racial e cultural é negada, desse modo no nível aparentemente fluido das
relações sociais, opondo à unidade de um denominador cultural comum, com que se
identifica um povo de 160 milhões de habitantes, a dilaceração desse mesmo povo
de 160 milhões de habitantes, a dilaceração desse mesmo povo por uma
estratificação classista de nítido colorido racial e do tipo mais cruamente
desigualitário que se possa conceber.
O espantoso é que os brasileiros,
orgulhosos de sua tão proclamada, como falsa "democracia racial"
raramente percebem os profundos abismos que aqui separam os estratos sociais. O
mais grave é que esse abismo não conduz a conflitos tendentes a transpô-lo,
porque se cristalizam num modus vivendi
que aparta os ricos dos pobres, como se fossem castas e guetos" (Ribeiro,
1995: 24).
Como demonstra
este autor, a opressão vivida e construída historicamente criou mais do que a
dificuldade de se lidar com a diferença. Ela produziu opressões que estão
arraigadas na sociedade e que não são vividas apenas no espaço escolar. Será
que apenas colocando a noção de diferença é dado suficiente para a
transformação proposta pelos Parâmetros? A se julgar o que coloca Ribeiro
(op.cit) o caminho é mais árduo. A mistura, a convivência entre os diferentes
descrita pelos PCNs está longe de ser uma realidade na sociedade brasileira e,
como já coloquei, também não é vivida na escola. Uma olhada rápida para a
organização urbana já seria suficiente para que pudéssemos concordar com as
palavras deste autor. Além disso, será que o trabalho feito na escola sem
alteração de sua estrutura que faz que este conteúdo seja mais um conhecimento
que deve ser memorizado para ser devolvido na avaliação pode alterar o fosso
existente entre classes e etnias?
Em um texto
interessante Silva (1996) criticando a proposta construtivista coloca que um
dos grandes engodos apresentados por esta teoria é que ela advoga poder
construir na escola relações mais democráticas . Por isso, continua, crianças
que fossem educadas nesta perspectiva seriam mais críticas e tenderiam a não
aceitar relações autoritárias. O problema afirma é que se pressupõe ser
possível construir e sedimentar um fenômeno que é político através de relações
interpessoais.
Portanto, para que
o proposto contido nos Parâmetros possa ser consolidado é preciso complexificar
a maneira como a questão da pluralidade cultural deva ser tratada. Será
necessário que a sociedade brasileira seja desnudada de forma menos simplista.
E, apenas para finalizar gostaria de tocar em um ponto que apenas enunciei.
Colocada da forma como está a questão da pluralidade cultural ainda incide em
um outro "pecado", isto é, o de negar a diversidade no interior das
etnias. Seria necessário que se fizesse nos textos dos PCNs um esforço maior
para elucidar a questão da imigração européia como história e no presente. Como
mostra Von Simson (1997) os imigrantes (e sua descrição refere-se aos
imigrantes do norte da Alemanha) também tiveram sua parcela de opressão na
história brasileira. E o que ocorreu não foi apenas por uma questão cultural.
Só este dado parece confirmar que a questão da cultura deve ser tratada
levando-se em conta questões econômicas que, como afirmou Ribeiro (op.cit) fez
da elite brasileira um grupo que tentou manter a ordem apelando par a violência
de forma permanente. No texto dos PCNs oprimidos foram apenas os indígenas e
negros ou no máximo os imigrantes italianos.
E o que dizer das
novas formas de viver dos imigrantes que tentam agora recuperar sua cultura que
ao longo da história brasileira teve que ser mascarada? Como tratará a escola
com o paradoxo de respeitar a diferença e construir a igualdade democrática com
base em leis que devem ser iguais para todos? Um bom exemplo do que estou
colocando é a questão das cotas na universidade. Como respeitar a cultura do
diferente se ela fere as leis nacionais? Como irão agir futuros adultos
brasileiros que tenham tido na escola conteúdos que dizem da importância de se
respeitar a diferença, mas que não são submetidos a questões deste tipo? Eis
uma questão difícil de se responder, mas que deve ser colocada para que não nos
acomodemos diante das ilusões que a meu ver estão presentes nos PCNs.
O Conceito de Cultura: Considerações Finais
A título de
conclusão gostaria de colocar de forma sucinta algumas considerações acerca do
tema pluralidade cultural enfocado pelos PCNs no que se refere à contradição
básica enunciada no ponto anterior: a idéia de unicidade e a questão da
diversidade. Segundo FORQUIN
(1993)
No plano da educação, o
reconhecimento do pluralismo em escala societal é gerador de um dilema
característico (...) : é a contradição entre a exigência pluralista e a
exigência unitária , a necessidade de levar em conta a diversidade cultural e a
de manter ou de promover um mínimo de coesão social e cultural a fim de evitar
a pura e simples desintegração (FORQUIN, 1993:138).
Esta questão (ou
contradição) é um dos pontos fundamentais a ser discutido pelos educadores, ou
seja, como pensar a noção de identidade nacional, o universal e o respeito à
diferença em momentos em que este último coloca em xeque valores universais.
Por exemplo, como tratar dogmas de determinadas religiões que muitas vezes
colocam em risco vidas humanas como é o caso da proibição de transfusão de
sangue? E cegando no limite , como respeitar seitas que imputam a seus
seguidores a realização de sacrifícios humanos?
Tratar de forma
superficial estas questões (ou como faz os PCNs não as colocando) reduz o
debate a uma superficialidade que não podemos admitir. Está mais do que na hora
de colocarmos, como historiadores da educação, que questões candentes como essa
não se resolvem modificando-se tão somente conteúdos curriculares.
NOTAS
[1] Como trabalho em um curso de
Pedagogia, muita das alunas tem colocado dificuldades em trabalhar a partir dos
PCNs alegando dificuldades para fugir de uma estrutura (o livro didático) que
sabemos é secular na educação brasileira, que engessa qualquer possibilidade de
mudança.
2 Um bom exemplo vem da minha própria
experiência profissional. No curso de Extensão que ministro cujo tema é A
Relação Família Escola quando solicitei que as alunas (professoras e
coordenadoras da rede pública) definissem família todas, sem exceção, a
definiram nos termos que acreditam ser ideal, isto é, a família nuclear. Por
esse raciocínio colocam como fora do padrão os outros tipos de organização
familiar que, sabemos, sempre fizeram parte da história familiar brasileira.
Além disso, na opinião destas educadoras, as crianças oriundas de famílias não
ideais invariavelmente teriam problemas na escola.
Bibliografia Citada
FORQUIN, Jean- Claude Escola
e Cultura As bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar .
Porto Alegre: Artmed Editora, 1993
KRAMER , Sonia Por Entre As Pedras: Arma e Sonho Na Escola.
São Paulo: Ática,1998
RIBEIRO, Darcy O Povo
Brasileiro A formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Cia das Letras,
1995
SAVIANNI, Dermeval Educação:
Do Senso Comum à Consciência Filosófica. São Paulo: Cortez, 1989 ( 9ª ed.)
SILVA T. Tomaz
"Desconstruindo o Construtivismo" in SILVA T. Tomaz Identidades Terminais. Petropólis:
Vozes,1994
VON SIMSON, Olga R. de Moraes "Reelaborando a tradição em
busca das raizes perdidas- o caso dos teuto-brasileiros do bairro Friburgo em
Campinas (1850-1993) "in Famílias
em São Paulo- Vivências na Diferença. Coleção São Paulo, 1997 Textos CERU-
Série 2 nº 7
___________________________ Imagem e Memória in SAMAIN, Etiénne
(org) O Fotográfico São Paulo:
Hucitec/CNPQ, 1998 pp 21-34