ASPECTOS HISTORIOGRÁFICOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA NO PERÍODO
COLONIAL
Anselmo Alencar Colares/UFPA
A presença da
disciplina História da Educação, no currículo dos cursos de Pedagogia, remonta
a criação destes, em 1939, mas a reflexão historiográfica é mais recente. As
discussões nesse âmbito, praticamente, só ganharam corpo a partir da
complexificação da pesquisa educacional no Brasil, ensejando a criação e
ampliação de cursos de pós-graduação, assim como da organização de associações
e instituições de pesquisa em educação, tais como a ANPED – Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-Graduação, no interior da qual foi criado, em 1986, o GT de
História da Educação. Nesse mesmo ano, também foi criado o Grupo de Estudos e
Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”, aglutinando um grupo de
doutorandos em Filosofia e História da Educação da UNICAMP, orientados pelo
Prof. Dr. Dermeval Saviani. Mais recentemente houve a criação da SBHE –
Sociedade Brasileira de História da Educação, durante a 22ª Reunião Anual da
ANPED, realizada em Caxambú-MG, em setembro de 1999.
Apesar do curto
espaço de tempo em que esta área de estudos foi organizada, já podemos contar
com uma considerável e diversificada produção acadêmica acerca da história da
educação no Brasil. Cresce também o número de trabalhos que buscam aprofundar o
debate sobre a própria produção historiográfica, abordando a problemática
teórico-metodológica que fundamenta a pesquisa e a escrita na área de História
da Educação, o que tem contribuído sobremaneira para ampliar a compreensão do
fenômeno educativo.
No processo de
elaboração de minha tese de doutorado “Colonização, catequese e educação no
Grão-Pará”, procurei entender a catequese e a educação na complexidade da
organização social do Grão-Pará colonial, considerando as interfaces com o
processo mais amplo de transformações, o de desenvolvimento do capitalismo.
Como nos ensina Prado Jr. (2000, p.19-20),
[...] No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional,
a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais
completa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela,
destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito
do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de
que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais,
tanto no econômico como no social, da formação e evolução históricas dos
trópicos americanos.
Evidentemente nem
todos os que escreveram a nossa história apontam e muito menos ainda explicam
esse entrelaçamento. Alguns se limitaram a relatos, registros. Mesmo assim,
constituem importantes fontes de pesquisa. Antonio Vieira (1608-1697), João
Felipe Bettendorf (1625-1698) e Antônio Ladislau Monteiro Baena (1782-1850), entre
outros, nos transmitiram informações indispensáveis para o acompanhamento
cronológico da história daquela região, inclusive pelo fato de terem sido
testemunhas oculares dos acontecimentos descritos.
Antônio Baena foi
autor de monumental obra que abrange o período de 1615 a 1823, contudo, ele
próprio reconheceu os limites teóricos e metodológicos de sua produção:
[...] Todos os meus apontamentos por mim conservados estavaõ no
risco de sofrerem descaminho: para evitar este sucedimento dei-me ao penoso
trabalho de reuni-los em um volume copiando-os indiscriminadamente; isto he,
sem alguma ligaçaõ systematica [...]
[...] Dei-lhe o titulo de Compendio das Eras da Província do
Pará porque naõ tinha achado abastança de documentos defraudados de alguns
papeis por clandestina curiosidade: e sobretudo porque eu me apercebia que naõ
girava na órbita de um Joaõ de Barros e de um Eduardo Gibbon para ser
Historiador como elles taõ recomendáveis pela elegante e nítida forma, que
deraõ aõs seus escriptos, pelo rastreamento exacto, pelas reflexões, e pelos
delicados alcances esparsos no tecido dos acontecimentos. (BAENA, 1969, p.
15-16)
Além de Baena,
outros autores se dedicaram a tarefa de mostrar como se deu o desenvolvimento
histórico do Grão-Pará como, por exemplo, Ernesto Cruz, Vicente Salles e Arthur
Cezar Ferreira Reis. Mas ainda é reduzido o número de publicações destinadas à
história do Grão-Pará colonial, mesmo se consideradas as mais recentes.
Quanto à história da
educação no Brasil colonial, pode-se afirmar que se trata de um período ainda
pouco pesquisado e que continua a merecer estudos mais aprofundados. Ao
realizar a “revisão bibliográfica”, tive a oportunidade não só de reler algumas
obras, como também de ler outras pela primeira vez, conforme a elas era “apresentado”
pelos autores dos chamados compêndios ou manuais[i]
mais difundidos na área.
Livros de caráter
mais geral tratam da educação no Brasil de forma bastante sintética e
praticamente não fazem referência a regiões específicas, como o Grão-Pará.
Vejamos dois exemplos ilustrativos: História geral da pedagogia (título
original: Historia general de la pedagogia), e História da educação.
Este último dedica 18 das 304 páginas para tratar dos “quadros da história do
processo educativo no Brasil”; destas, apenas 3 para falar do período colonial,
no qual destaca a Companhia de Jesus e considera que seus colégios eram
destinados à formação de uma elite letrada, ao passo que os seminários se
destinavam à formação de futuros sacerdotes membros da Companhia. Considera que
a expulsão dos jesuítas provocou o desmantelamento do processo educativo,
contudo “O objetivo do ensino continuou a ser a formação
religiosa-humanista, seguindo os métodos utilizados pelos mestres-jesuítas”
(GILES, 1987, p. 286).
Em História geral
da pedagogia o tomo II traz um apêndice sobre o Brasil elaborado por Célio
de Cunha, com 12 páginas dedicadas ao período colonial, enfatizando que os
jesuítas, por 210 anos (1549-1759), “foram os únicos responsáveis pela nossa
educação” (LARROYO, 1974, p. 883).
Entre os jesuítas
fundadores que construíram a base da educação brasileira, destaca os padres
Nóbrega, Aspilcueta Navarro, Anchieta e também Luís Figueira, autor da Arte
de gramática latina da língua brasileira (1621), com a qual “muito
contribuiu para a evolução e o aprimoramento do idioma”. O referido padre “percorreu
todo o Maranhão e o Amazonas, com sua obra catequética e pedagógica”, sendo
morto pelos indígenas na ilha de Marajó, em julho de 1643. Considera a obra
jesuítica como “marco fundamental da nossa civilização”. A grandiosidade
do trabalho educacional dos jesuítas é medida pela evolução de uma modesta
Escola de Letras fundada em 1549 na Bahia, para, além das escolas de primeiras
letras, mais de uma dezena de colégios, quando de sua expulsão. Procura mostrar
o “caos que dominou a educação no Brasil” após a expulsão dos jesuítas e
faz uma rápida incursão sobre a reforma educacional empreendida pelo Marquês de
Pombal, questionando: “se após haver tudo destruído, como poderia edificar
um novo mundo, sem recursos e com as mesmas estruturas antigas?” (LARROYO,
1974, p. 885-893).
Dos livros que
mesclam a história da educação geral com a do Brasil, vejamos dois casos
ilustrativos: História da educação e Filosofia e história da educação.
No primeiro, sua autora, Maria Lúcia de Arruda Aranha, dedica ao período
colonial alguns trechos da Unidade IV, subdividida em três partes. O Brasil
aparece ao final de cada uma das divisões sempre com a preocupação por parte da
autora em estabelecer as conexões entre o contexto local e o geral, por
considerar que: “A história do Brasil Colônia não pode ser desvinculada da
história européia, já que a colonização deve ser compreendida como a
necessidade de expansão comercial da burguesia enriquecida com a Revolução
Comercial” (ARANHA, 1989, p. 117).
Depois de expor
sucintamente o contexto geral da época da chegada dos portugueses ao Brasil,
considera que a educação não era meta prioritária para o colonizador, no
entanto, as metrópoles européias enviavam religiosos para desenvolver trabalho
missionário e pedagógico nas suas colônias, tendo como principal finalidade
converter os índios e impedir que os colonos se desviassem da fé católica.
Todavia, destaca outros fatores que ampliavam a importância da atividade
missionária no processo de colonização.
[...] a questão não é simplesmente religiosa. Numa época de
absolutismo, a Igreja, submetida ao poder real, é instrumento importante para
ajudar na garantia da unidade política, através da uniformização da fé e da
consciência. Portanto, a atividade missionária facilitará sobremaneira a
dominação metropolitana. Nessas circunstâncias, a educação na colônia assume
papel de agente colonizador. (ARANHA, 1989, p. 118).
Na segunda obra em
destaque, os autores Claudino Piletti e Nelson Piletti afirmam, na
apresentação, que o atributo do livro, particularizando-o dos demais que tratam
do mesmo assunto, é a ênfase à educação brasileira, merecedora de cerca de um
terço de suas páginas. Todavia, o período colonial aparece em um pequeno capítulo,
o de número 17 (páginas 164 a 175) destacando tão somente a atuação dos
jesuítas e enaltecendo suas ações. Vejamos alguns trechos da obra.
[...] com seu
trabalho missionário, procurando salvar almas, abriam caminho à penetração dos
colonizadores; com seu trabalho educativo, ao mesmo tempo em que ensinavam as
primeiras letras e a Gramática latina, ensinavam a doutrina católica e os
costumes europeus.
[...]
Os jesuítas logo compreenderam que não seria possível converter
os índios à fé católica sem, ao mesmo tempo, ensinar-lhes a leitura e a
escrita. Por isso, ao lado da catequese, organizavam nas aldeias escolas de ler
e escrever, nas quais também se transmitiam o idioma e os costumes de Portugal.
[...]
Os jesuítas responsabilizaram-se pela
educação dos filhos dos senhores de engenho, dos colonos, dos índios e dos
escravos. A todos procuravam transformar em filhos da Companhia de Jesus e da
Igreja, exercendo grande influência em todas as camadas da população. (PILETTI e PILETTI, 1986, p. 166-167).
Quanto a livros
destinados mais especificamente a educação no Brasil, vejamos algumas
considerações a respeito de: História da educação no Brasil, de Otaíza
de Oliveira Romanelli, História da educação brasileira: a organização
escolar, de Maria Luíza Santos Ribeiro e História da educação: a escola
no Brasil, produção conjunta de Maria Elizabete Xavier, Maria Luisa Ribeiro
e Olinda Maria Noronha.
O primeiro, embora
dedicado ao período 1930-1973, traz, no capítulo 2, uma espécie de
retrospectiva, na qual apresenta em 7 páginas o período colonial, chamando a
atenção para a importação “de formas de pensamento e idéias dominantes na
cultura medieval européia [...] através da obra dos jesuítas”,
favorecida pela família patriarcal e pela classe dominante, desejosa de hábitos
aristocráticos de vida. Mas era apenas “a um limitado grupo de pessoas
pertencentes à classe dominante que estava destinada a educação escolarizada”
(ROMANELLI, 1980, p. 33). Aos demais, a ação educativa se dava através da
catequese.
[...] A catequese assegurou
a conversão da população indígena e foi levada a cabo mediante criação de
escolas elementares para os “curumins” e de núcleos missionários no interior
das nações indígenas. A educação que se dava aos curumins estendia-se aos
filhos dos colonos, o que garantia a evangelização destes [...]
Assim, os padres
acabaram ministrando, em princípio, educação elementar para a população índia e
branca (salvo as mulheres), educação média para os homens da classe dominante,
parte da qual continuou nos colégios preparando-se para o ingresso na classe
sacerdotal, e educação superior religiosa só para esta última. A parte da
população escolar que não seguia a carreira eclesiástica encaminhava-se para a
Europa, a fim de completar os estudos, principalmente na Universidade de
Coimbra, de onde deviam voltar os letrados.
A obra de catequese,
que, em princípio, constituía o objetivo principal da presença da Companhia de
Jesus no Brasil, acabou gradativamente cedendo lugar, em importância, à
educação da elite. E foi com essa característica que ela se firmou durante o
período em que estiveram presentes no Brasil os seus membros e também com essa
mesma característica que ela sobreviveu à própria expulsão dos Jesuítas,
ocorrida no século XVIII. Dela estava excluído o povo e foi graças a ela que o
Brasil se “tornou, por muito tempo, um país da Europa”, com os olhos voltados
para fora, impregnado de uma cultura intelectual transplantada, alienada e
alienante. Foi ela, a educação dada pelos jesuítas, transformada em educação de
classe, com as características que tão bem distinguiam a aristocracia rural
brasileira, que atravessou todo o período colonial e imperial e atingiu o
período republicano, sem ter sofrido, em suas bases, qualquer modificação
estrutural [...] (Idem, p. 35).
O segundo livro em
apreço, História da educação brasileira: a organização escolar, foi
publicado pela primeira vez em 1978 e inovou a forma de abordagem na nossa
historiografia educacional, fugindo da tradicional divisão política e
procurando tratar o tema de forma global, vinculado ao desenvolvimento da base
material da sociedade brasileira. Trata-se de um verdadeiro best-seller
da área. A autora, consoante os critérios que adotou para efeitos de
periodização, destaca “[...] os instantes de relativa estabilidade dos
diferentes modelos – político, econômico, social – dos instantes de crise mais
intensa e que causaram as substituições dos modelos referidos.” (RIBEIRO,
1993, p. 16). Como marco inicial da educação escolar brasileira, aponta a
chegada dos jesuítas chefiados pelo padre Manoel da Nóbrega e considera que,
entre os anos de 1549 e 1808, a organização escolar deu-se no contexto da
consolidação do modelo agrário-exportador dependente.
O terceiro livro da
série indicada divide-se em duas partes, sendo pertinente para esta análise
apenas a primeira, elaborada por Maria Elizabete Xavier e denominada “A
Sociedade Agroexportadora e a Constituição do Ensino de Elite (1549-1920)” que
coloca como centro de atenção o processo de elitização da educação escolar no Brasil.
Conforme a análise desenvolvida pela autora aquele período
[...] constitui o momento no qual a organização social
brasileira se constrói sobre uma base econômica de exploração agroexportadora,
utilizando-se de relações de trabalho pré-capitalistas, como a escravidão e a
semi-servidão. É quando, em plena Modernidade, a produção de bens se organiza
em bases técnicas rudimentares, de forma extensiva e predatória. (XAVIER, 1994,
p. 26).
Por conseguinte, no
âmbito educacional, foi constituído “[...] de forma sofisticada e
explicitamente seletiva, o ensino Colonial e, posteriormente, os ensinos
Nacional, Imperial e Republicano” (XAVIER, 1994, p. 26-27)
Ao se perguntar
sobre o tipo de cultura que poderia se desenvolver nas condições materiais
daquela época, conclui:
[...] uma que fosse marcada pelo autoritarismo típico da
religião institucionalizada, pelo elitismo de uma estrutura social brutalmente
dividida em extremos intocáveis e pelo caráter contemplativo adequado às
existências ociosas, dos que viviam da produção primária de produtores
compulsórios. (Idem, p. 33)
Mostra que os
Colégios Jesuíticos foram os centros por excelência de formação das elites e
das lideranças da sociedade colonial. Mas que não se tratava de um ensino
alienado, dogmático e acrítico e sim de possibilitar, também na colônia, o
modelo cultural existente na metrópole, consoante com as diferenças em razão da
posição dos indivíduos na sociedade (XAVIER, 1994, p. 46-47).
Com um título
sugestivo: Grandezas e misérias do ensino no Brasil, o livro de Maria
José Garcia Werebe, lançado em 1963 e relançado em 1994, com vários acréscimos,
também é uma obra que, a exemplo das anteriormente citadas, apresenta uma visão
panorâmica da nossa história educacional. O capítulo I trata do período colonial
abordando a atividade dos jesuítas, sua expulsão e as conseqüências daí
decorrentes e os acontecimentos relativos à vinda da família real portuguesa
para o Brasil. Também adota como marco inicial da escolarização no Brasil a
chegada dos quatro padres e dois irmãos jesuítas chefiados por Manoel da
Nóbrega[ii],
fazendo a seguinte análise:
E assim se iniciou a educação no Brasil,
respondendo aos interesses políticos da Metrópole e aos objetivos religiosos e
políticos da Companhia de Jesus. A Companhia se propunha, desde suas origens, a
combater o protestantismo, ocupando uma posição proeminente nas lutas que se
travavam na Europa contra a Reforma e o “modernismo” que esta representava. À
Metrópole interessava a catequização dos indígenas que, assim, se tornariam mais
submissos e poderiam mais facilmente aceitar o trabalho que deles exigiam os
colonizadores. (WEREBE, 1994, p. 21).
Em Instrução
pública no Brasil (1500-1889): história e legislação, publicada
originalmente em francês, no ano de 1889, o tradutor da edição consultada,
Antonio Chizzotti, em nota de apresentação, explica que o título e o texto
conservam o termo instrução pública para designar a educação, pois assim
era empregado até por volta dos anos 30 do século XX. O autor, Pires de
Almeida, convicto da possibilidade da transformação da sociedade pela difusão
da instrução, aponta a importância da escola para o progresso intelectual e
moral da nação. Dedicado ao conde D’Eu, o livro visava mostrar o avanço
educacional no país e o empenho do Império brasileiro nessa tarefa, inclusive
comparando com outros Estados, razão pela qual foi escrito em francês, língua
já universalmente conhecida. Para mostrar que os eventuais insucessos deviam-se
à fase precedente, assim se expressa o autor:
O governo colonial do Brasil, ao contrário
dos governos coloniais de outros povos, como o da Espanha, sempre foi hostil ao
desenvolvimento da instrução pública e – salvo raras exceções – sempre reprimiu
a expansão do espírito nacional. Desde os fins do século XVIII, vê-se despontar,
nas instruções do governo metropolitano, o temor da futura independência da
colônia. (ALMEIDA, 2000, p. 37).
Como os jesuítas
foram os principais protagonistas da educação no Brasil colonial, a leitura da
monumental obra escrita pelo padre
Serafim Leite ainda é um dos melhores referenciais para quem busca
informações detalhadas e abrangentes acerca das atividades por eles
desenvolvidas no Brasil. A História da Companhia de Jesus no Brasil é
dividida em dez tomos, dos quais o último corresponde ao índice dos anteriores.
O tomo III trata da catequese, aldeamentos e colonização nas
províncias do Ceará, Maranhão, Pará e Amazonas. Composto por 4 livros, cada um
refere-se a uma província.
O tomo IV retrata diferentes aspectos referentes à colonização e
às Missões do Maranhão e Grão-Pará. Destaca a atuação do Padre Antônio Vieira,
na defesa pela liberdade dos índios e os embates com os colonos do Maranhão e
Grão-Pará. Aborda ainda os aldeamentos e a catequese dos índios, fornecendo um
panorama geral acerca da administração, dos serviços dos padres, governo das
aldeias, e da decisão do Estado português de dividir as aldeias da Amazônia.
Mostra as dificuldades enfrentadas pelos padres e as formas encontradas para a
subsistência nas Missões do Norte.
Este tomo é bem
amplo, sendo descritivo e detalhado, fornecendo um panorama geral das Missões
do Maranhão e Grão-Pará, desde a chegada dos jesuítas até sua expulsão. É
importante ressaltar que Serafim Leite pouco menciona sobre a resistência
indígena à catequese, passando a idéia de que, em relação aos nativos, os
jesuítas não tiveram maiores problemas. Provavelmente, por ser ele próprio um
integrante daquela Ordem, mesmo que de uma outra época, não tenha tido
interesse de explorar aquela questão em profundidade. Por outro lado, são
bastante detalhados os conflitos políticos com os demais colonos.
Serafim Leite tem
sido fonte de consulta obrigatória para os estudiosos da ação educacional dos
jesuítas. Concordando-se com ou discordando-se de seus argumentos, é inegável
que prestou um grande serviço à história da educação brasileira, retratando a
face pedagógica e missionária da Ordem dos jesuítas. Luis Alves de Mattos,
Leonel Franca, Baeta Neves, entre outros, também seguiram esta mesma tendência,
mostrando o que foi e como foi a obra educacional dos primeiros educadores do
Brasil.
No tocante aos
trabalhos mais específicos resultantes de dissertações de mestrado ou teses de
doutoramento, sem detrimento de outros, fazem-se dois destaques, um em cada
gênero mencionado: Colonização e catequese[iii],
de José Maria Paiva, e Origens da educação estatal na América Portuguesa,
de Alberto Damasceno.[iv]
Penetrando no
complexo das relações que entrelaçavam Fé e Império no contexto quinhentista,
Paiva demonstra que a catequização cumpriu um papel colonial, não como aliada
externa, mas como uma força realmente integrada a todo o processo. Na
introdução, faz o seguinte esclarecimento:
Entendemos por catequese toda ação pastoral
da Igreja: a doutrinação propriamente dita, a pastoral litúrgico-devocional, o
comportamento das pessoas e das instituições eclesiásticas. Trata-se, na
verdade, da catequese tal qual se realizou efetivamente e não de uma catequese
teórica, universal, uniformemente transmitida para todos os povos,
indiferentemente. (PAIVA, 1982, p. 13).
O conhecimento do
autor citado, em matéria religiosa, assim como a clareza na exposição fazem com
que a obra seja acessível ao entendimento e descortine o mundo que girava em
torno do orbis chistianus[v].
Damasceno, por sua
vez, dedicou-se a sistematizar e analisar idéias e dados
sobre as origens da educação pública estatal na América portuguesa, partindo da
compreensão de que no governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, no
Estado do Grão-Pará e Maranhão entre os anos de 1751 e 1759, foi dado início a
um amplo processo de transformações que culminaria, dentre outros
acontecimentos, com o surgimento — pela primeira vez na América portuguesa — de
escolas estatais que viriam a substituir o sistema jesuítico de educação
elementar, antes mesmo da reforma do ensino de Carvalho e Melo deflagrada em
1759 em Lisboa. O instrumento legal utilizado para que isso acontecesse foi o
“Diretório” de 1757, objeto central da tese.
Ainda com relação à
bibliografia que utilizei para compreender o tema, destaco a tese de Alex Fiuza
de Mello, defendida na Unicamp e intitulada Marx e a globalização, assim
como uma obra mais recente, sobre a qual explica que realizou
[...] uma releitura cuidadosa de toda a obra de Marx, desde os
chamados textos de juventude até O Capital, e que implicou num resgate e
sistematização de toda uma linha de argumentação que, ainda que de forma
esparsa, ali se encontra presente, e cujo enfoque revela particularmente
instigante e merecedor de notoriedade. Para Marx – é preciso dar relevo! –
capitalismo é também sinônimo de civilização: eis o real sinônimo
heurístico de suas formulações (e de implicações teóricas nada desprezíveis)!
(MELLO, 2001, p. 13).
Embora tenha feito
menção a alguns autores, quero deixar registrado que todas as leituras
empreendidas (cuja listagem completa consta no final do texto) contribuíram
igualmente para a elucidação do tema. Ainda com relação à bibliografia
utilizada nesta tese, ressalto que optei por manter o padrão ortográfico
presente nas obras consultadas, que embora difira do atual, creio que não
compromete a sua leitura e o seu entendimento.
Com exceção dos trabalhos mais específicos, ainda há poucos
estudos acerca dos acontecimentos educacionais relativos ao Grão-Pará.
Geralmente, o Brasil é tratado de maneira uniforme. O longo período de
colonização que se estende da chegada dos portugueses até a emancipação
política é analisado, do ponto de vista da história da educação, basicamente em
três momentos: o do predomínio quase absoluto dos jesuítas (1549-1759), o das
reformas pombalinas (após a expulsão dos jesuítas) e o joanino (1808-1822).
Considerando essa realidade, procurei incorporar as contribuições
dos diferentes autores e, ao mesmo tempo, investigar as especificidades que
marcaram os primórdios da educação no Grão-Pará.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, José Ricardo Pires de. História da instrução pública
no Brasil (1500-1889): história e legislação. Tradução Antonio Chizzotti.
São Paulo: EDUC; Brasília: INEP/MEC, 2000.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. 2
ed. São Paulo: Moderna, 1989.
BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Compêndio das eras da
Província do Pará. Belém: Universidade Federal do Pará, 1969. (Coleção
Amazônia, Série José Veríssimo).
DAMASCENO, Alberto. Origens da educação estatal na América
portuguesa. Tese de Doutorado. PUC-SP, São Paulo, 1998.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua
portuguesa. 2 ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
GILES, Thomas Ransom. História da educação. São Paulo: EPU,
1987.
LARROYO, Francisco. História da educação e da pedagogia.
São Paulo: Mestre Jou, 1974. 2 v.
LEITE, Pe. Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil.
Lisboa: Livraria Portugália /Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1943.
10 v.
MELLO, Alex Fiúza
de. Modo de produção mundial e processo
civilizatório: os horizontes históricos do capitalismo em
Marx. Belém: Paka-Tatu, 2001.
PAIVA, José Maria
de. Colonização e catequese. São Paulo: Cortez, 1982.
PILETTI, Nelson;
PILETTI, Claudino. Filosofia e história da educação. 4 ed. São Paulo:
Ática, 1986.
PRADO Jr. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São
Paulo: Brasiliense/ Publifolha, 2000. (Grandes nomes do pensamento brasileiro).
RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da educação brasileira:
a organização escolar. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1993.
ROMANELLI, Otaíza. História da educação no Brasil. 2 ed.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1980.
SANTOS, Ailene Contreiras dos. Estudo documental da atuação
jesuítica e franciscana na educação do Brasil-Colônia (1500-1808). Tese de
Livre Docência. Faculdade de Educação, UFRJ, Rio de Janeiro, 1974.
WEREBE, M. J. Grandezas e misérias do ensino no Brasil:
30 anos depois. São Paulo: Ática, 1994.
XAVIER, M. E. S. P. A sociedade agroexportadora e a constituição
do ensino de elite (1549-1920). In: XAVIER, M. E. S. P.; RIBEIRO, M. L. S.;
NORONHA, O. M. História da educação: a escola no Brasil. São Paulo: FTD,
1994.
[i] O compêndio “livro de texto para escolas” é também sinônimo de manual: “livro que contém noções essenciais acerca de uma ciência, de uma técnica etc.”. Abordam, em forma de síntese, inúmeros temas, ao contrário da monografia, que corresponde a “dissertação ou estudo minucioso que se propõe esgotar determinado tema relativamente restrito” (FERREIRA, 1986, p. 439, 1084 e 1154).
[ii]
Este entendimento é praticamente unânime. Na bibliografia que consultei, apenas
deparei-me com uma exceção. Ailene C. dos Santos, em Tese de Livre Docência
apresentada a UFRJ, tendo como título Estudo documental da atŠ
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HISTORIOGRÁFICOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA NO PERÍODO COLONIAL
Anselmo Alencar Colares/UFPA
A presença da disciplina História da Educação, no currículo dos cursos de Pedagogia, remonta a criação destes, em 1939, mas a reflexão historiográfica é mais recente. As discussões nesse âmbito, praticamente, só ganharam corpo a partir da complexificação da pesquisa educacional no Brasil, ensejando a criação e ampli