O PÚBLICO E O PRIVADO NA  HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL

 Celi Corrêa Neres

 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

 Universidade Para o Desenvolvimento do Estado e Região do Pantanal

 

 

 

Ao analisar a história da educação especial,  observamos que  a preocupação em oferecer atendimento educacional ao PNE  revela o interesse em investir no seu potencial para o  trabalho e torná-lo produtivo. Somente a partir dessa condição, o PNE passa a ser mais um entre aqueles que necessitam de diretrizes que lhes assegurem a igualdade de direitos preconizados para todos os homens: “direito à educação, trabalho e assistência.”

Segundo Jannuzzi (1985), as políticas sociais de atendimento aos PNEs são criadas na medida em que na sociedade, foram considerados capazes de integrar a força de trabalho, de forma direta ou indireta, ou seja, pela liberação daqueles que se ocupavam em assisti-los.

Dentre as primeiras tentativas oficiais de atendimento ao PNE no Brasil, tem-se a criação do Instituto Imperial dos Meninos Cegos, em 1824, e a do Instituto dos Surdos-mudos, em 1856. Essas duas medidas isoladas retrataram, de certa forma, uma iniciativa pouco expressiva com relação à educação do PNE mas ainda assim, respondendo a algumas necessidades, uma vez que o modelo econômico predominante era agrário-exportador. “A educação popular e muito menos a dos portadores de deficiência não era motivo de preocupação, em uma sociedade ainda pouco urbanizada apoiada no setor rural” (Jannuzzi 1985: 23).

Até o fim do Império foram criadas somente duas instituições para atendimento aos deficientes mentais, provavelmente para atender os casos mais graves. Apesar da despreocupação com a educação especial, nesse período, os dois institutos que atendiam aos cegos e aos surdos, já traziam a ênfase na preparação para o trabalho, uma vez que contavam com oficinas para aprendizagem de ofícios, como as oficinas de tipografia e encadernação para meninos cegos e de tricô para as meninas, além das oficinas de sapataria, encadernação, pautação e douração para meninos surdos.

No início da República, ocorreu o fortalecimento da produção industrial no Brasil. Em 1910, contávamos com 3.424 indústrias e 159.600 operários Januzzi (1985). Nessa época, iniciavam-se os conflitos entre a burguesia industrial e a classe trabalhadora. De um lado, uma grande massa de operários pauperizados, em condições miseráveis de vida, causadas pelo achatamento dos salários, e de outro, a burguesia industrial em busca da riqueza. A luta entre a burguesia industrial e trabalhadores resultou na produção de medidas sociais na tentativa de atenuar as tensões na sociedade. As escolas são criadas neste sentido, na condição de ocupar o tempo livre das crianças, que foram também alvo das políticas sociais.

A divisão do trabalho imposta pelo emprego da máquina na indústria, que resulta na objetivação e simplificação do trabalho, permitiu o uso da força  de trabalho de mulheres e crianças na produção. Segundo Fausto (1978), de 1898 até 1907, ocorreu um êxodo rural com a crise cafeeira que, juntamente com o fluxo migratório, contribuíram para a urbanização das cidades e para o crescimento industrial. A mão-de-obra disponível à indústria era composta em grande parte pelo emprego de mulheres e crianças:

A presença da mão-de-obra de mulheres e crianças na produção contribuía para ampliar a oferta de trabalhadores e para o achatamento dos salários. A baixa remuneração, a ausência de Leis trabalhistas e as difíceis condições de vida dos trabalhadores, resultavam em constantes confrontos entre os operários e industriais.

Tais confrontos traduziram-se em inúmeras reivindicações trabalhistas, entre elas, a regulamentação do trabalho infantil, que foi assinada em 1927. (Alves ,1998)

A partir de então, com a regulamentação do trabalho para menores, as crianças que antes eram trabalhadores da fábrica, passam a freqüentar as escolas. Sua escolaridade ganha obrigatoriedade e a bandeira em favor da educação é levantada.

No momento em que a criança ou jovem trabalhador encontra-se desocupado, temos a necessidade da escola. A expansão escolar sofre impulso. Surgem as campanhas nacionalistas e com elas as reformas educacionais. Revela-se o entusiasmo pela educação. O “otimismo pedagógico” se faz presente nas propostas educacionais, através do ideário escolanovista que penetra nas escolas, incrementando técnicas e métodos de ensino.

E esse movimento incorporou a educação geral e também a do PNE. Temos, juntamente com a expansão da educação geral, o crescimento da educação especial. A representante do movimento da Escola Nova no Brasil na área da educação Especial, foi a Pedagoga Helena Antipoff:

Essa pedagoga fundou, em 1932, a Sociedade Pestalozzi em Minas Gerais, na Fazenda do Rosário. Com experiência de educação rural, criou atividades ocupacionais ligadas à horticultura, jardinagem e outras tarefas rurais. Nas décadas de 20 e 30, pôde-se perceber a ampliação nos serviços de atendimento especial em alguns Estados.

Além da criação da Sociedade Pestalozzi (1932), temos a fundação da APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, em 1954, no Rio de Janeiro. Estas organizações não governamentais vão se estendendo e ampliando seus atendimentos, criando escolas e instituições especializadas, ao mesmo tempo em que crescia no serviço público a abertura de classes especiais.

Essas iniciativas  das instituições não governamentais apresentam, na história da educação especial, a presença da iniciativa privada tanto na organização do atendimento como no financiamento de parte das despesas com a educação especial.

Outro dado que confirma a expansão do setor privado na  educação especial foi apresentado por Mazzotta (1996). Segundo ele, na primeira metade do século XX, até 1950, havia no Brasil cerca de 54 estabelecimentos de ensino regular que atendiam o PNE em classes especiais e 11 (onze) instituições especializadas  que prestavam atendimento aos deficientes mentais, físicos, visuais e auditivos. Os 54 estabelecimentos, com serviços especiais agregados ao ensino regular, eram mantidos pelo Estado. As 11 instituições particulares eram também subvencionadas pelo poder público. Tais serviços foram criados nos Estados de Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo.

A ampliação dos serviços especiais veio atender à necessidade de assistir o PNE nas áreas de saúde, educação e garantir ocupação. Engajada na expansão da escola regular, a educação especial passa a oferecer atendimento ao PNE com o mesmo objetivo que cumpre do ensino comum: ocupar o tempo livre das crianças e liberar a família para o trabalho. O Estado é o responsável pelo financiamento desses serviços, em sua maioria de caráter público. Ao lado do setor público, temos a criação de instituições particulares especializadas, de caráter filantrópico, que também recebem auxílio financeiro do Estado, no que se refere à cedência de pessoal e repasse de verbas, além de doações, serviços voluntários e organização de eventos beneficentes.

Segundo Jannuzzi (1990), há uma certa ambigüidade na definição de políticas no âmbito da educação especial, ora pende para o público, ora para o privado. Esta oscilação entre o público e o privado, presente nas primeiras iniciativas de atendimento especial ao PNE, apresenta uma tendência crescente. As parcerias do Estado com organismos particulares são, hoje, responsáveis pela manutenção de grande parte dos serviços de assistência e educação de crianças, adolescentes e PNEs.

Além de criar e subsidiar instituições e serviços especializados em alguns Estados, o governo Federal passam a promover, a partir de 1957, campanhas isoladas para alocação de recursos financeiros específicos para projetos voltados para o atendimento do PNE. A primeira a ser organizada foi a Campanha para Educação do Surdo Brasileiro – CESB, em 1957, seguida da Campanha Nacional de Educação e Reabilitação dos Deficientes da Visão, em 1958 e da Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais em 1960. O objetivo geral dessas campanhas era buscar recursos para promover a educação, treinamento e assistência educacional às crianças PNEs, através da cooperação técnica e financeira, em todo território Nacional, entre entidades públicas e privadas que se ocupavam do atendimento das crianças deficientes.

A referência legal à educação especial, de âmbito nacional, apresenta-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB n.º 4024/61, que no capítulo III, reservou dois artigos, 88 e 89, para a educação do portador de deficiência:

“Art. 88 – A educação de excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de ensino, a fim de integrá-lo na comunidade;

Art. 89 – Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais, receberá dos poderes políticos tratamento especial mediante bolsas de estudos, empréstimos e subvenções” (Brasil, 1961)

 

A pretensão do Estado era de enquadrar o PNE nos serviços de educação comum, enquanto se propunha a auxiliar, com repasse de verbas, a iniciativa privada. O Estado passou a formalizar a educação do PNE, no plano  nacional, com a LDB,  mas não garantiu a especificidade do atendimento, já que o discurso era o de promover a integração.

A parceria entre o público e o privado na educação, presente na LDB 4024/61, representou compromisso de duas tendências expressas no anteprojeto da referida Lei: de um lado a defesa do ensino particular e de outro a do ensino público.[1]

Os PNEs foram também contemplados na LDB 5692/71, no cap. 1, artigo 9º, com a previsão de atendimento especial de acordo com normas fixadas pelos conselhos de educação. A atuação dos conselhos seria no sentido de regulamentar os serviços implantados nos estados.

Por ocasião desta concessão legal, dada pela nova LDB, defendia-se a educação do PNE, no bojo das políticas que privilegiavam a segurança nacional para o desenvolvimento, trazidas pelo regime militar após 64.

A defesa da educação geral e do PNE cresce cada vez mais e os serviços de atendimento especial sofrem uma ampliação significativa na década de 70, sempre sob o argumento da educação como fator que contribui para o aumento da produtividade, como alavanca do progresso e do desenvolvimento do país. Essa tendência, presente nas primeiras iniciativas oficiais, com a criação de oficinas no interior das instituições, chega aos anos 70 com a implantação de várias propostas de preparação para o trabalho nas instituições especializadas. Tais propostas passam a ser vistas como a principal via de integração do PNE à sociedade.

A expansão do atendimento educacional pode ser entendida na medida em que, na década de 70, houve crescimento da produção industrial, com a adoção do modelo de desenvolvimento baseado na internacionalização da economia, o que possibilitou investimentos maciços de capital estrangeiro e a formação de imensos conglomerados econômicos, ocasionando crescente concentração de renda, processos desenfreados de urbanização e o surgimento de enormes bolsões de miséria nos centros urbanos. A pauperização da classe trabalhadora, trazida pelo achatamento dos salários, além da grande massa de trabalhadores desempregados, contribuiu para essa miséria.

Com o salário baixo, o trabalhador se vê obrigado a prolongar  sua jornada, a fazer horas extras. Com isto, o assalariado reduz as vagas disponíveis, já diminuídas pelo emprego da tecnologia na produção. Há um aumento do desemprego.  Esse modelo de desenvolvimento econômico, “não evitou que 2,7% da mão-de-obra estivesse desempregada no final de 1973 e que ocorresse a proliferação do subemprego (lavadores e guardadores de carros, vendedores ambulantes, biscateiros, etc.) que atingiu 18,3% da população economicamente ativa na mesma época”. (Bueno, 1993:322)

Diante disso, a expansão educacional vem atender e assistir os trabalhadores e seus filhos que não têm lugar na produção. A instituição escolar teria a função de prevenir a delinqüência e proteger as crianças para os riscos da rua: vadiagem, mendicância e outros. Assim, no Brasil, o cuidado do poder  público com a parcela das crianças das camadas subalternas que estava nas ruas, aliou desde cedo a assistência à educação para o trabalho, no sentido de ocupá-las em atividades educacionais.

Em 1971, a Lei 5692 faz referência ao ensino especial, conforme já estabelecido na LDB 4024/61, sempre sob a recomendação do engajamento ao ensino regular ou à educação geral.

A educação especial é também contemplada no Plano Setorial de Educação e Cultura 1972/74. Este incorporou, através do projeto prioritário n.º 35, a educação especial no rol das prioridades do País. Este projeto deu origem em 1973, ao CENESP – Centro Nacional de Educação Especial, primeiro órgão federal, ligado diretamente à Secretaria Geral do Ministério da Educação e Cultura – MEC. Até então, a educação especial contava com ações desenvolvidas pelo Ministério da Educação e Cultura, no âmbito da educação geral. Segundo Jannuzzi(1992), por ocasião da criação do CENESP, utilizava-se o argumento de que para cada dólar dispensado em educação especial, havia a possibilidade de um lucro de 40 dólares, pois que liberava para o trabalho não só o “excepcional”, o PNE, mas a família que cuidava dele. (Jannuzzi,1992:63)

Assim, o CENESP, criado com a responsabilidade de planejar e promover o desenvolvimento de programas de prevenção,  educação e assistência do PNE, passa a elaborar planos nacionais, visando a expansão e melhoria dos serviços de educação especial no Brasil. Entre eles citamos o plano de ação para o triênio 77/79, que elegeu como meta prioritária a organização e o desenvolvimento de serviços especializados de estimulação precoce de educandos com problemas de aprendizagem.

A ampliação dos serviços educacionais, neste período, contou com apoio financeiro previsto para construção e adaptação das instituições de ensino regular e para criação de serviços estaduais de educação especial. Grande parte dos recursos liberados atendiam também às entidades e instituições particulares. Estas foram beneficiadas com 58,70% dos recursos, contra 14,5% destinados aos sistemas estaduais de ensino. Outros 27% foram utilizados para capacitação de recursos humanos, reformulação de currículos, serviços de estimulação precoce e atendimento a crianças com problemas de aprendizagem. Tais recursos (96%) eram provenientes do tesouro (ordinário não vinculado e da quota-parte do salário educação) e 4% dos convênios com órgãos federais. Com relação à capacitação de técnicos e docentes, o setor público estadual contou com 40% da verba estimada, enquanto que as instituições privadas contavam com 60% dos recursos. (Mazzotta,  1996)

Isto significou priorizar as instituições privadas, as ONG’S, que atendem, na sua maioria, parte da população com casos mais graves de “deficiência”. Estas, não só são pioneiras no atendimento especial, como também, são as que ainda hoje atuam, de forma majoritária.

Em 1986, o CENESP foi transformado na Secretaria de Educação Especial – SEESP. A educação especial torna-se novamente estrutura básica do MEC e mantém basicamente a mesma prioridade do CENESP: ampliação de oportunidades educacionais ao PNE.

Com a criação do SEESP, ganha força o movimento de integração do PNE no sistema regular de ensino, iniciado na década de 70 e já referendado pela LDB 4024/61. Esse movimento teve reflexos na produção da literatura sobre educação especial que, segundo Mazzota  (1996), passou a ser o instrumento de retórica nos discursos e documentos oficiais, [EPON1] além de ser tema central dos planos estaduais, dos seminários e encontros da área.

Essa tendência vai ao encontro da proposta da democratização do ensino, da escola universal e gratuita para todos. A colocação do PNE no ensino regular passa a ser meta principal da educação especial. Podemos perceber que o movimento da integração ganha força no interior da educação especial, refletindo o papel da escola de assistir a todos os excedentes, sejam esses PNEs ou não. A defesa da integração pode ser entendida como um esforço maior de reafirmar a necessidade de que a escola abrace a todos: alunos comuns e especiais.

Em 1990, a SEESP foi extinta e a educação especial voltou a fazer parte da Secretaria Nacional de Ensino Básico – SENEB, através do Departamento de Educação Supletiva e Especial – DESE. Somente em 1992 reapareceu a SEESP, nos mesmos termos em que foi criada em 1986.

Todas essas mudanças na organização da educação especial provocaram certa descontinuidade nas propostas de atendimento aos PNEs. A mudança das secretarias no plano nacional reflete nos serviços organizados nos Estados que, para atender as recomendações oficiais, criam e substituem ações e projetos já implantados, ampliando a defasagem do atendimento, frente à crescente demanda. Temos até aqui vários direitos legais e oficiais expressos na legislação, nos planos e nas políticas de atendimento. Porém, tais direitos nem sempre se transformaram em ações, se considerarmos o número pouco expressivo de atendimento.

Segundo Jannuzzi (1997:198), em 1974, no Brasil, 99.431 alunos foram atendidos nos serviços especializados. Até o ano de 1987, tínhamos 159.325 em atendimento. Isto significa que no período de 1974 – 1987 (13 anos), o número de PNEs atendidos aumentou em apenas 60.061 alunos, ou seja, aproximadamente 60%. Considerando que o MEC trabalha com a hipótese de que 10% da população do Brasil possui alguma deficiência e que, em 1997, essa população somava 49.7 milhões, estavam sendo atendidos apenas 3% dos PNEs. Nesse período, o setor público também é apontado como responsável pelos serviços oferecidos, seja na criação de programas ou no subsídio às entidades particulares – as ONGs.

Em 1988, é promulgada a nova Constituição Brasileira que traz vários artigos relacionados à educação do PNE e, também em relação à prevenção, trabalho, proibição de discriminação, saúde e assistência pública, condições de acesso a logradouros públicos e veículos de transporte coletivo adequados.

Com relação à educação, no art. 208, inciso III, “a constituição prevê o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” Brasil (1988). Atribui ao Estado o atendimento educacional, ao mesmo tempo em que não descarta a contribuição de entidades privadas. No artigo 227, a educação aparece como um  dos direitos da criança e do adolescente. No parágrafo 1º desse artigo, está definido que o Estado contará com a participação de entidades não-governamentais na promoção de assistência integral à criança e ao adolescente PNE.

Com esta definição, o Estado pode compartilhar com as organizações não governamentais a tarefa de oferecer educação ao PNE.

Ainda acerca da elaboração de mais Leis, vamos ter sempre exposta a necessidade de escolarização e atendimento ao PNE. Temos ainda em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que traz alguns artigos sobre os PNEs; a previsão de atendimento educacional ao PNE no Plano Decenal de Educação Para Todos (1993-2003); em 1994, é formulada a Política Nacional de Educação Especial; no mesmo ano temos a Declaração de Salamanca e Linha de Ação Sobre Necessidades Educativas Especiais (documento elaborado na conferência mundial sobre necessidades educativas especiais), por fim, em 1996, temos a educação especial contemplada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB – Lei n.º 9394/96, de 20 de dezembro de 1996.

O Plano Decenal de Educação Para Todos verificamos, mais um apelo à garantia de igualdade e acesso à educação ao PNE: “É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo” . (Brasil ,1993)

O Brasil, por ocasião do Plano Decenal de Educação Para Todos, contava com um quadro educacional difícil: de cada 1000 crianças que ingressavam na 1º série, apenas 45 concluíam o ensino fundamental em oito anos e sem repetência; da população de 15 anos e mais, 18,3% eram analfabetos. Na faixa etária dos 7 aos 14 anos, cerca de 3,5 milhões de crianças ainda permaneciam sem oportunidades de atendimento educacional. Em um quadro social de desigualdades, onde 10% dos mais ricos concentram mais da metade da renda nacional, onde vivem abaixo da linha da pobreza 39,2 milhões de pessoas, como se pode assegurar direitos à saúde e educação de crianças, adolescentes normais e PNEs?

Os próprios mentores do Plano Decenal de Educação Para Todos admitem a impotência das Leis e do Estado para atender seus jovens e crianças que necessitam de assistência: “Pressões demográficas impõem um ônus por demais pesado à capacidade dos sistemas Educacionais e impedem reformas e melhorias necessárias...”. (Brasil, 1993)

Diante da grande demanda de desassistidos, o Estado admite a impossibilidade de atender à todos e convoca toda a sociedade, os colaboradores internacionais, as instituições financeiras, para unir esforços em prol da educação, no sentido de ampliar a capacidade de atendimento educacional.

A Política Nacional de Educação Especial, fundamentada na constituição federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Plano Decenal de Educação Para Todos, prevê um conjunto de medidas de atendimento ao PNE, com objetivo de manter e ampliar os serviços existentes.

Tais medidas prevêem o atendimento educacional especializado no âmbito da educação geral, destacando a ação conjunta dos três níveis governamentais (federal, estadual e municipal). A atuação destes três níveis governamentais é considerada indispensável, através da soma de esforços, para a ampliação dos serviços educacionais especializados. A recomendação de ação conjunta proposta pela SEESP aponta para a  necessidade de ampliação do atendimento ao PNE, admitindo a dificuldade do sistema educacional, sem capacidade para atender a todos.

Para resolver o problema da falta de atendimento, a atual Política Nacional de Educação Especial, referenda a LDB e o Plano Decenal de Educação para todos e reafirma a parceria com as ONG’S que, desde a década de 30, vêm desenvolvendo serviços paralelos à rede oficial de ensino.

A Declaração de Salamanca e Linhas de Ação Sobre Necessidades Educativas Especiais, também faz um apelo às ONG’S e aos organismos internacionais de financiamento, especialmente aos patrocinadores da Conferência Mundial de Educação Para Todos, a UNESCO, UNICEF, OIT, OMS e Banco Mundial, para a união de esforços no sentido atender aos PNEs. Elaborada durante a Conferência Mundial Sobre Necessidades Educativas Especiais, a Declaração de Salamanca teve como objetivo principal defender a proposta de integração do PNE e apoiar os programas de ensino que facilitem a educação de alunos e alunas com necessidades educativas especiais.

A nova LDB n.º 9394/96, no cap. V, art. 58, retoma a defesa da educação especial ligada à rede regular de ensino, como uma modalidade da educação escolar. Reaparece o discurso da oferta da educação especial por parte do Estado, bem como o da participação das ONG’S nos serviços especializados, inclusive para a clientela da educação infantil (de 0 a 6 anos), que não era contemplada nas Leis anteriores.

A parceria que sempre existiu entre o Estado e as ONG’S, no gerenciamento e financiamento da educação especial, é reafirmada na nova LDB. Esta situação expressa a forte tendência que tem assumido a política social (educação, saúde e assistência) nos anos 90, da transferência das obrigações do poder público para organismos privados e filantrópicos da sociedade.

Em nome da solidariedade, do pacto social, o Estado convoca a sociedade para o atendimento das questões sociais. Esta atitude do Estado vai ao encontro da tese de redução dos gastos públicos com as políticas sociais, defendidas pelo “novo modelo econômico” do desenvolvimento intitulado neoliberal.

“Essas políticas atendem em termos gerais às necessidades do capital internacional em rápido processo de globalização, que impõem:

I – Equilíbrio orçamentário, sobretudo mediante a redução dos cofres públicos.

II – abertura comercial, pela redução das tarifas de importação e eliminação das barreiras não tarifárias; (....).(Tommasi 1996:81)

 

Tais políticas de ajuste econômico são defendidas pelo Banco Mundial e condicionam as relações de financiamento aos países endividados. As medidas do ajuste, segundo o Banco Mundial, permitiriam o crescimento econômico, o que possibilitaria o pagamento da dívida externa dos países devedores. Essas medidas que condenam o protecionismo, o excesso de regulação e do intervencionismo por parte do Estado, expressam a própria impossibilidade deste em assumir as políticas sociais, frente à crise vivida por esses países.

Muito mais do que uma imposição do Banco Mundial, o modelo neoliberal, “é uma nova roupagem do discurso burguês, frente à crise do capitalismo que mal disfarça a falência do Estado” Alves (1995:18) em gerenciar o controle dos desabrigados e ociosos, trazidos pela recessão econômica e alto índice de desemprego.

Por trás de um discurso neoliberal do equilíbrio orçamentário, da redução dos gastos públicos, da eliminação do intervencionismo, a atuação do Estado nas políticas sociais tem-se resumido na participação mínima em alguns programas destinados aos setores de extrema pobreza. Ou seja, a proposta é de intervenção mínima do Estado que, com caixa reduzido por ser obrigado a atender outras prioridades, opera no limite de suas possibilidades.



[1] “A questão da escola pública já fôra colocada, com muito vigor, durante a tramitação do anteprojeto da Lei n.º 4024/61. Organizados no interior da campanha da defesa da escola pública, os educadores liberais, juntamente com alguns poucos socialistas, realizaram uma mobilização nacional contra o substitutivo apresentado na época por Carlos Lacerda, cujo conteúdo feria profundamente princípio da publicização do ensino, esposado no projeto original. O texto final correspondeu a uma solução conciliadora – ‘meia vitória’ na expressão de um dos principais líderes da Campanha – Anísio  Teixeira – pois permitia que as verbas públicas fossem carreadas também para as escolas particulares”.  ALVES, Gilberto Luiz. A LDB. e o ensino público, gratuito e de boa qualidade. Rev. Educação Em Questão. Natal – RN. 2/3 1989. p. 45.

 

 

 

 

 

 

 

Bibliografia

 

ALVES, Gilberto Luiz. A LDB e o ensino público gratuito e de boa qualidade. Revista Educação Questão. Natal, RN, v 2/3, n. 2/1, 1987. p. 41-9.

ALVES, Gilberto Luiz.  As funções da escola pública de educação geral sob o imperialismo. Novos Rumos. São Paulo: ano 5, n. 16, 1990. p. 89-112.

ALVES, Gilberto Luiz. A Produção da escola pública contemporânea. Campinas – SP. UNICAMP, 1998. Tese (pós-doutoramento em educação). 203 p.

ALVES, Gilberto Luiz. Quatro teses sobre a produção da escola pública contemporânea. Revista Intermeio. Campo Grande – MS. UFMS. v. 1, n. 2, 1995. p. 6-19.

BRASIL. Lei 4024/61, de 21/04/61. Fixa as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília,1961.

Ministério da Educação e Cultura. Plano Decenal de Educação Para Todos. Brasília. 1993.

BUENO, José, G. S. Educação especial brasileira: integração, segregação do aluno diferente. São Paulo: Educ. 1993. 150 p.

FAUSTO, Bóris. O Brasil Republicano. estrutura e economia. 2º ed. v 2. São Paulo – DIFEL. 1982. 499p.

JANNUZZI, Gilberta. M. A Luta pela educação do deficiente mental no brasil. São Paulo: Cortez, 1985. 123 p.

JANNUZZI, Gilberta. M. As políticas e os espaços para criança excepcional in: FREITAS, Marcos. C. (org). História social da infância no Brasil. São Paulo, Cortez, 1997. p. 183-197.

JANNUZZI, Gilberta. M. Oficina abrigada e a “integração do deficiente mental”. Revista Brasileira de Educação Especial. Rio de Janeiro, v. 1, n. 1: 1992. p. 53-63.

JANNUZZI, Gilberta. M. Política estatal oscilante de educação especial e produção de conhecimento. V Seminário Brasileiro de Pesquisa em educação Especial. UFF. 1996. p. 10-15.

JANNUZZI, Gilberta. M.Políticas sociais públicas de educação especial. Revista Vivência. n. 12: Fundação Catarinense de Educação Especial. 1990. p. 24-25.

MAZZOTTA, Marcos, J. S. A integração virou modismo. Revista Vivência. n. 13: Fundação Catarinense de Educação Especial. 1992. p. 12-16.

TOMMASI, Livia, DE; WARDE, Míriam J.; HADDAD, Sérgio (orgs). O banco mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez. 1996. 279p.