NOVOS PASSOS PARA A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NA REGIÃO DO CONTESTADO, EM SANTA CATARINA

Nilson Thomé (*)

 

 

O Território Contestado[1] é uma ampla área do Terceiro Planalto Sul-Brasileiro que, no passado, era disputada pelos Estados do Paraná e de Santa Catarina. Ele foi dividido praticamente ao meio, em 1917, para solução à Questão de Limites. Em seu interior, há uma área menor, localizada no Centro-Oeste do Estado de Santa Catarina, denominada de Região do Contestado[2], formada pelas atuais microrregiões do Planalto Norte, do Contestado, do Meio-Oeste, do Alto Vale do Rio do Peixe, e partes das microrregiões do Alto Uruguai, da Serrana e do Alto Irani que, no conjunto, somam trinta mil quilômetros quadrados e onde o número de habitantes alcança a 800 mil.

 

A Região do Contestado tem sua configuração geográfica e sua história compartilhadas por cerca de 60 municípios, na peculiaridade de possuírem praticamente os mesmos registros históricos das pioneiras frentes de ocupação humana, desde os vestígios das primitivas civilizações, a memória das nações indígenas, as entradas dos bandeirantes paulistas, dos curitibano-paranaenses e dos gaúchos rio-grandenses, passando pelos acontecimentos da Guerra do Contestado[3] e da Questão de Limites entre os Estados do Paraná e Santa Catarina, que disputaram suas fronteiras de 1853 a 1917. Os municípios compartilham, também, outros fenômenos regionais, como os efeitos da introdução do capitalismo internacional, o domínio político concentrado em poucos coronéis, as questões fundiárias, o processo de colonização por imigrantes, os movimentos revolucionários da República Velha no Sul do País e o advento da industrialização. A história regional é comum a todo o Contestado e, olhada hoje, estende-se do povoamento às principais características de desenvolvimento social, cultural, político e econômico de cada município que constitui esta parte de Santa Catarina.

 

Sem que as pessoas residentes na Região do Contestado fossem consultadas, por disposição do ato político do “Acordo de Limites”, patrocinado pela União, no ano de 1917, o Paraná entregou a Santa Catarina a maior parte das terras contestadas. Santa Catarina incorporou o espaço, as populações e os bens nele construídos. De repente, como que levadas por um sopro, milhares de paranaenses passaram a ser catarinenses. Municípios até então do Paraná foram extintos e desmembrados, enquanto que, na mesma área, Santa Catarina criou outros municípios. Rapidamente, desenharam-se novos mapas no interior do Brasil Meridional.

 

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(*) Historiador, Diretor do Museu do Contestado, de Caçador (SC). Professor de História do Contestado e de História de Santa Catarina na Universidade do Contestado - UnC. Técnico em Magistério, Licenciado em História, Especialista em História do Brasil, Mestre em Educação e Doutorando em Educação na Faculdade de Educação da UNICAMP.  E-mail: nilson@conection.com.br.

 

Na amplitude de todo o Território Contestado, até julho de 1917, o Estado de Santa Catarina compreendia apenas as áreas integrantes dos municípios de Lages, Curitibanos, Campos Novos e Canoinhas, que constituíam o habitat do Homem do Contestado Primitivo[4]. A partir do momento em que foi homologado o Acordo de Limites[5] entre os dois Estados, Santa Catarina incorporou inteiramente as áreas dos municípios paranaenses de Itaiópolis, de Timbó e de Três Barras, mais aproximadamente a metade do Município de União da Vitória, onde criou o Município de Porto União e, também, cerca da metade do Município de Rio Negro, onde estabeleceu o Município de Mafra. Ainda, absorveu boa parte do Sul dos municípios de Palmas e de Clevelândia, onde criou, respectivamente, os municípios de Cruzeiro e Chapecó. Depois de 1917, abrigando o Homem do Contestado Contemporâneo[6], novos municípios foram criados em 1934, como os de Caçador e Concórdia, mais Videira, em 1944, e, os outros, somente após 1948. Mesmo depois da anexação a Santa Catarina, devido às distâncias, à falta de comunicações e à pouca integração entre os povos do Planalto (na Serra-Acima) e do Litoral (na Serra-Abaixo), a região permaneceu ainda por muitos anos pouco relacionando-se com a Capital do Estado.

 

Santa Catarina não assumiu por inteiro os acontecimentos que envolveram a população da parte paranaense do Contestado até 1917. A historiografia catarinense, muito política, descritiva e oficial, periodizada por gestões governamentais, representada por seus mais notáveis historiadores[7], contempla a História do Contestado-Catarinense[8] e incorpora as histórias do território anexado só a partir do que considera como a “conquista do Oeste”, salvo raríssimas exceções. Isso ocorre, no nosso entendimento, pela falta de critérios[9]. Já a historiografia paranaense, em especial a contemporânea, deixando de lado os fatos passados nas terras perdidas, tem-se preocupado apenas com os acontecimentos do interior das suas atuais fronteiras. Diante das omissões às ocorrências relacionadas especificamente à História do Contestado Paranaense[10] até 1917, esta parte do conhecimento ficou na orfandade, em prejuízo à construção da História do Contestado.

 

Em 1974, com a criação do Museu Histórico e Antropológico da Região do Contestado,  pensou-se que a sociedade regional teria mais fácil acesso à gama de informações e ao conhecimento que aqui já se vinha acumulando ano após ano e iria valorizar sobremaneira o seu próprio passado, até então praticamente desconhecido pelos novos habitantes do Centro-Oeste Catarinense, encontrando (ou reencontrando) sua identidade. Com a criação da disciplina de história regional, denominada “História do Contestado”, em 1992, na Universidade do Contestado, pretendeu-se provocar questionamentos sobre o passado, induzindo as novas gerações à reflexão radical e crítica, pois, só a partir da apreensão do acervo histórico, da busca de respostas para as problemáticas levantadas e do novo chamamento às contradições, a sociedade poderia entender melhor a situação presente, vindo a assumir seu papel de agente continuador de uma História em permanente construção.

 

Uma das dificuldades – que se mantém até a atualidade – encontradas para estruturar-se devidamente uma “nova” História do Contestado diz respeito ao fato de a ocupação humana na região ter ocorrido a partir do Norte, com paulistas e paranaenses, e do Sul, com rio-grandenses, assim, não do Leste, onde estavam os catarinenses. Desta forma, objetivando contribuir para a construção de uma História “para o” Contestado, os pesquisadores necessitam recorrer às fontes primárias arquivadas no Paraná, em São Paulo, no Rio de janeiro e no Rio Grande do Sul, indo muito além das buscas em Santa Catarina.

 

Não bastassem as dificuldades para a construção da disciplina “História do Contestado”, temos ainda que, nos cursos superiores de Pedagogia, presente em todos os Campi das universidade da região, são oferecidas as disciplinas “História da Educação” e “História da Educação Brasileira”, sem que, em nenhuma delas seja abordada a regionalização desta História[11], pela rara bibliografia, pelo pouco saber dos professores sobre a “História da Educação Catarinense” e, também, à vista do desconhecimento da “História da Educação no Contestado”. É óbvio que, sem estar o conhecimento disponibilizado e apreendido, não há o que ser transmitido.

 

No ano de 2002, lançamos a lume o livro “Primeira História da Educação Escolar no Contestado”, mostrando-a como parte integrante de um projeto-de-vida, expresso em um conjunto de amplos estudos em ciências humanas e sociais, pelos quais estamos construindo a “nova” História do Contestado a partir de pesquisas sobre temas regionais, trabalho que iniciamos em Caçador em 1974 e que, desde então, desenvolvemos com persistência, envolvendo todos os municípios da região. O corpo do trabalho conteve partes da nossa dissertação de Mestrado em Educação na UnC, em 2001, mais uma versão ampliada da “revisão da literatura” ou “estado da arte” do projeto de pesquisa para doutoramento na UNICAMP, adicionado de uma coletânea de textos de História que produzimos recentemente. Como levantamento preliminar, de fontes e de informações, o trabalho reflete até onde chegou o nosso conhecimento sobre o tema, no momento em que iniciamos a investigação propriamente dita, para alcançar as metas e atingir os objetivos propostos. Daí porque os capítulos deste livro foram apenas “notas” para a História da Educação Escolar no Contestado e, não, a História desenvolvida.

 

Para melhor desempenho em estudos e pesquisas, constantemente buscamos aprimoramento, como fizemos na graduação em História (1991), na Especialização em História do Brasil (1993) e no Mestrado em Educação (2001). Vale ressaltar que, como resultado do nosso labor, já publicamos diversas outras obras – livros, livretes, ensaios e artigos – sobre a História Regional do Contestado, enfocando os seus aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos.

 

No primeiro semestre de 2002, iniciamos nossas participação no Programa de Pós-Graduação em Educação na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, mantendo, para a pesquisa no doutoramento, a proposta apresentada quando da seleção, no segundo semestre de 2001, oportunidade na qual escolhemos o tema “História da Educação na Região do Contestado, em Santa Catarina”.

 

Iniciamos nosso estudo na abordagem de aspectos educacionais ainda nos anos finais do Império, considerando a importante Reforma do Ensino de 1881 na Província de Santa Catarina[12] e a realidade da Instrução Pública no Paraná nos anos imediatamente anteriores à Proclamação da República. Seguimos aí, aproximadamente, o mesmo tempo histórico eleito para o trabalho de dissertação de Mestrado em Educação, que concluímos em fevereiro de 2001, no Programa de Pós-Graduação do Campus de Caçador da Universidade do Contestado, em convênio com a UNICAMP, com a temática da “Política no Contestado”, quando traçamos um paralelo entre a evolução dos fenômenos político-eleitorais, político-partidários e a instrução pública na Região do Contestado.

 

A partir da República Velha, abordamos o período entre a Revolução de 1930 e a entrada do Estado Novo, em 1937. Entretanto, tendo acesso a significativo número de fontes, antes de nos lançarmos à pesquisa programada especificamente para o doutorado, resolvemos alongar mais o tempo histórico eleito para nossos estudos prévios, estendendo o período até o Golpe de Estado de 1964, somando à República Velha[13] a República Populista[14], com o que acrescentamos episódios do Estado Novo e também acontecimentos de 1935, quando se procedeu ampla Reorganização do Ensino Catarinense[15], época em que observamos terem acontecido mudanças políticas, sociais, econômicas e culturais – bem radicais – no Estado, assim também em relação à Educação, que alcançaram o ano de 1946, quando da redemocratização do País. Optamos por estudar também aspectos da “nacionalização do ensino”, quando da II Guerra Mundial, e dos antecedentes à adoção da Escola Nova em Santa Catarina, concretizada tardiamente em 1944.

 

Há muito interesse em se conhecer o processamento da evolução da Educação na Região do Contestado, assunto pouco contemplado na História da Educação Catarinense. Alguns municípios do Contestado possuem informações sobre seus respectivos passados, mas os fenômenos sociais, culturais, políticos e econômicos que os interligam pouco foram estudados cientificamente, seja caso a caso no nível municipal, seja no âmbito regional. Nesta perspectiva, mesmo encontrando referências sobre a evolução do ensino nos municípios, observamos que ainda não se fez nenhuma análise crítica sobre a História Educacional específica da Região do Contestado, que é a área de abrangência da Universidade do Contestado - UnC e da Universidade do Oeste Catarinense - UNOESC.

 

Sendo uma parte da Região do Contestado formada por terras que antes de 1917 pertenciam ao Paraná, à vista da incorporação deste novo espaço geográfico, o que começou a se efetivar em fins deste ano, para entender os primórdios da educação escolar no interior da Região do Contestado, além de saber sobre a educação catarinense, precisamos conhecer como ela era naquele Estado, ao menos até 1917, uma vez que, recebendo as terras, com  sua gente, sua cultura e suas instituições, recebeu também sua História. Entretanto, a historiografia catarinense ainda não incorporou totalmente os fatos anteriores a 1917 das áreas que pertenciam ao Paraná, estes que, historicamente, interessam diretamente à História do Contestado.

 

Especificamente com relação à Educação Escolar nos municípios da Região do Contestado, não há na bibliografia, nem catarinense e nem paranaense, nenhum registro de como aconteceu a transmissão da Instrução, de um Município para outro, ou mesmo, de um Estado para outro. Como ficaram, por exemplo, as escolas públicas, as subvencionadas e as particulares? os registros escolares dos alunos? a vida profissional dos professores? os sistemas de inspeção? as mudanças nas pedagogias? e quais eram os métodos de ensino?

 

Se os municípios da região, com sedes urbanas inexpressivas, localizadas em vastos territórios inexplorados e com a demografia mal distribuída, não se beneficiavam dos investimentos em Educação até por volta de 1930, pode-se atribuir isso à falta de interesse da própria população? ou aos governos, que não se preocupavam com a instrução das primeiras letras, alegando falta de recursos à Educação, pois priorizavam outros desempenhos para o aparelho do Estado? A disputa pelo Território Contestado fez com que nenhum Estado litigante se preocupasse efetivamente com assistência, somente devido ao reduzido número de habitantes na área? Por que a sociedade civil não era organizada, permitindo passivamente à aristocracia dominante, representada por uma minoria detentora do poder político, o usufruto das vantagens da Educação em detrimento da fragilidade da maioria dominada?

 

Quanto às escolas classificadas como “particulares”, instaladas nos núcleos de colonização alemã, italiana, polonesa e ucraniana na Região do Contestado, que existiam em grande número, algumas delas mantidas pelas igrejas ou pelos próprios usuários, outras subvencionadas pelos municípios e, mesmo pelo Estado, seus registros não constam nos arquivos oficiais, tanto do Paraná como de Santa Catarina. Perguntamos: onde estavam instaladas as unidades escolares confessionais? como elas funcionavam? quem de fato as mantinham? qual o papel da Igreja Católica e da Igreja Lutherana na instrução? como e o que se ensinava aos alunos?

 

Se grande parte da população imigrante foi alfabetizada na sua respectiva língua-mãe, em escolas fora do amparo e do controle da Instrução Pública, será verdade que as preocupações com a nacionalização, manifestadas desde o final do Império, existiam de fato nos dois Estados, onde a imigração européia era intensa, antes de ela ser decretada a nível federal?

 

A História da Educação Escolar na Região do Contestado ainda está por ser construída. A deficiência em pesquisas sobre os sistemas de ensino na História do Contestado é reflexo do atraso educacional vivido pela nossa gente, ao longo do tempo, no decorrer do Século XX. As poucas histórias conhecidas são as locais, ou municipais, e, mesmo elas, surgidas por fontes pouco esclarecedoras, revelam-se incompletas.

 

Entendemos que a Educação no Contestado era relegada a último plano pelos governos estadual e municipais e que foi usada, sistematicamente, para servir à classe dominante no Contestado. Trata-se de um enfoque diferente e importantíssimo para a compreensão do lento ritmo da evolução do ensino na região, ritmo este ditado pelas oligarquias, para as quais era mister manter a grande maioria popular, a dominada, na ignorância e, assim, completamente afastada do poder político.

 

A partir dos textos que inserimos neste livro, elaboramos o projeto de pesquisa sobre a História da Educação no Contestado, ele que vem norteando nossas atividades no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, da Universidade Estadual de Campinas.

 

A pesquisa prende-se a uma tentativa de construir a História da Educação no Contestado, sem descuidar da sua vinculação a outros fenômenos – sociais, políticos, econômicos e culturais – e variáveis que contribuem para sua compreensão e que consideramos de fundamental importância para entendermos o processo educacional catarinense, paranaense e regional, uma vez que, nesta História, durante a primeira parte do período em estudo, a Educação serviu às oligarquias dos dois Estados como instrumento de dominação e, na segunda parte, às oligarquias catarinenses.

 

Considerando a nossa atividade profissional, dedicada integral e exclusivamente à Educação e à História, marcada pela permanente busca por aperfeiçoamento, integrando Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil – HISTEDBR”, da UNICAMP, estamos desenvolvendo este trabalho dentro da linha “Estudos Temáticos e História Regional de Educação”, entendendo que, com o aprimoramento no Doutorado, melhor levaremos adiante nossa missão, dedicando-nos com afinco ao estudo da evolução histórica da educação regional, assim contribuindo mais para o crescimento da Universidade do Contestado, para a construção da História da Educação no Contestado e para a reconstrução da História da Educação Catarinense.

 

Com esta pesquisa, objetivamos estudar a evolução histórica da Educação da Região do Contestado a contar do Império, durante a Primeira República e a Segunda República – a coronelista e a populista – até por volta da década de 1970, passando pelo período da Redemocratização e da Revolução de 1964, a partir de fontes originais, analisando as contradições entre as classes dominantes e dominadas, entre os interesses das oligarquias e as necessidades da população, e entre o uso do ensino para fins políticos e a busca da instrução para a inclusão e a ascensão social.

 

Mais especificamente, pretendemos investigar os registros históricos de alfabetização e escolarização do Estado do Paraná, relacionados ao Contestado Paranaense, bem como os dos municípios paranaenses da região, caso a caso, até o ano de 1917; transplantar para a História de Santa Catarina as informações sobre a Instrução Pública e a Educação praticada nas escolas confessionais dos núcleos coloniais, nas subvencionadas e nas particulares, atinentes ao território obtido do Paraná em 1917. Objetivamos, ainda, estudar os aspectos evolutivos da Educação no Estado de Santa Catarina durante a República e as contradições existentes na Região do Contestado entre a minoria dominante e a maioria dominada, durante o coronelismo, o populismo e o neocoronelismo, e, associar os fatos relacionados à Instrução, oficial e comunitária, e às políticas educacionais adotadas pelos respectivos governos, com as evidências concretas encontradas no dia-a-dia do passado das escolas públicas, subvencionadas e particulares.

 

Por se tratar de uma pesquisa exploratória, nossa atividade prioriza as fontes primárias, principalmente as que, em Curitiba, estão depositadas e catalogadas no Arquivo Público do Paraná[16], na Biblioteca Estadual do Paraná e na Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. Estas fontes são as constituições estaduais, leis, decretos, regulamentos e orçamentos anuais do Governo do Estado, os “relatórios anuais”, dos Presidentes do Estado, dos Secretários do Interior, Justiça e Instrução Pública, dos Diretores Gerais da Instrução Pública e dos Inspetores Gerais da Instrução Pública, compreendendo também seus “ofícios” e, ainda, os “relatórios” específicos das inspeções às escolas.

 

Em Florianópolis, da mesma forma, estão as fontes primárias disponíveis no Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, na Seção de Obras Raras da Biblioteca Pública do Estado, na Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e na Biblioteca da Universidade Federal de Santa Catarina. Destacamos as constituições do Estado, as leis, decretos-leis, decretos, regulamentos, orçamentos anuais, mais as “mensagens” dos Governadores do Estado, as “falas” dos Presidentes do Congresso Legislativo Estadual, os “planos de educação”, os “relatórios” da Secretaria da Justiça, Educação e Saúde, os “programas de ensino”, enfim, tudo o que se refere à Instrução Pública.

 

No Rio Grande do Sul, encontramos preciosos bens documentais no arquivo da Escola Superior de Teologia, ligada à Igreja Lutherana, que dizem respeito às escolas alemãs, implantadas nas colônias do Oeste Catarinense após 1917, constando principalmente de “relatórios” das visitas dos pastores.

 

Igualmente, priorizamos a busca às fontes primárias junto às Prefeituras Municipais de União da Vitória, Rio Negro e Palmas (no Paraná, até 1917) e de Lages, Curitibanos, Campos Novos e Canoinhas (de Santa Catarina), mais de Joaçaba (ex-Cruzeiro), Mafra e Porto União pós 1917 e, de Caçador e Concórdia, pós-1934, de ante-mão esclarecendo que somente Campos Novos tem Arquivo Público Municipal organizado, enquanto que a documentação dos demais municípios está juntada aos arquivos gerais das prefeituras, chamadas de “arquivos-mortos”.

 

Em alguns dos estabelecimentos de ensino mais tradicionais da região também encontramos valiosas fontes primárias, representadas por livros de registros internos e de atas, e pastas de documentos e de ofícios recebidos e expedidos.

 

Além das bibliotecas e arquivos mencionados, nossa pesquisa vale-se da produção de mestres e doutores, dos programas de pós-graduação em Educação de algumas universidades, principalmente da UNICAMP, UNESP, USP, UFPR, PUC, UFRGS e UFSC, onde existem trabalhos que abordam os antigos sistemas educacionais do Paraná e de Santa Catarina, que são de grande utilidade para consultas. Também, diversas são as obras de histórias municipais, específicas, produzidas por autores da região, que mencionam aspectos “do Contestado”, assim se constituindo em valiosas fontes, ainda que secundárias. Praticamente todas estas publicações, umas mais, outras menos, fazem menções a acontecimentos educacionais envolvendo a Região do Contestado, razão pela qual contribuem para a compreensão da realidade regional. Só recentemente, com a implantação da Universidade do Contestado – UnC e da Universidade do Oeste Catarinense – UNOESC[17], é que as pesquisas sobre a temática “Contestado” vêm tomando impulso.

 

Outra natureza de fontes, que entendemos importante, é a imprensa regional. Existiam, no período que enfocamos, jornais em todas as cidades do Contestado. Uns eram de circulação semanal, outros, quinzenal ou mensal. Seus exemplares, quase todos depositados nas respectivas bibliotecas públicas municipais, revelam informações – notícias e comentários – sobre a Educação Escolar, inclusive pelo fato de que, antigamente, professor era “autoridade” importante nas comunidades.

 

Se observarmos que História é a ciência que estuda o presente e o passado do homem, dos grupos sociais e das sociedades humanas, buscando e localizando seus feitos no tempo e no espaço, interpretando os acontecimentos da vida, dos povos e das idéias que contribuíram e contribuem significativamente para as transformações sociais e a evolução das civilizações, então, também entenderemos que não é missão da nossa pesquisa em História da Educação no Contestado simplesmente narrar o passado. Cabe ao trabalho, sim, entre outras competências, exercitar a dialética, pesquisar as mudanças, questionar, problematizar, analisar e interpretar nossa sociedade dentro de um conjunto mais amplo, levando-nos à descoberta de um papel a exercer nos dias de hoje no contexto social, inclusive proporcionando meios para que adotemos uma posição mais crítica em face da realidade.

 

Como a pesquisa é exploratória, utilizamos a crítica externa para indagar os objetos, como por exemplo, a natureza dos documentos, isto é, se realmente são de determinadas autorias ou procedências; por ela, poderemos julgar a autenticidade e verificar se os autores tomaram conhecimento de forma direta ou indireta daquilo que escreveram. A hermenêutica (crítica interna) visa à atribuição do valor objetivo de cada documento, pois ela se processa sobre os aspectos internos da fonte histórica sobre seu conteúdo, avaliando e julgando sua autenticidade[18].

 

Entendemos que o conhecimento primário de um fato histórico é obtido através da sua decomposição, levando-se sempre em conta que nenhum fato é isolado, que ele não existe por si mesmo, mas faz parte de um desencadeamento de outros problemas, de uma sucessão de situações e de circunstâncias. As interpretações e a compreensão das suas conexões exigem apurações sintéticas, como, por exemplo, o trabalho de erudição, que é o estudo minucioso das fontes, incluindo qualquer tipo de documento confiável. Por isso, valorizamos ao máximo as boas fontes históricas, capazes de atender a necessidade da decomposição dos fatos.

 

Promovemos nosso estudo de forma a manter permanentemente em evidência os problemas regionais, sem esquecer, entretanto, os perigos que espreitam o regionalismo exacerbado e sem perder de vista que esta História Regional da Educação não se sustentará isoladamente no cenário geográfico ou no tempo histórico, pois estará sempre inserida num contexto maior, que precisa ser compreendido pelas mudanças que nele ocorreram. Compete aí, então, um forte apelo também à reflexão histórico-filosófica, para darmos ao questionamento um sentido vital, como uma exigência que se impõe para desencadear estudos e decisões. Explica-nos Agostinho José Soares [19], que a reflexão filosófica precisa ser crítica, isto é, precisa da criticidade, precisa empenhar-se em analisar, com critérios, atenta e minuciosamente, os objetos estudados.

 

Querendo compreender a realidade histórica da Educação no Contestado em toda a complexidade do seu dinamismo, captando-a também pelo pensar, promovemos a análise e a síntese dos determinantes estruturais da História através da contradição. Em partes deste estudo, como aprendemos com Cury[20], a utilização desta categoria leva-nos a outras duas, a da totalidade e a da mediação.

 

Então, buscamos construir uma História pela codificação e decodificação das fontes, reinterpretando as velhas e inserindo novas, apropriando-nos dos determinantes estruturais do maior número possível de fatos históricos referentes à Educação no Contestado, através das categorias da contradição, da totalidade e da mediação. Será interessante a compreensão da evolução histórica da Educação no Contestado pela interdisciplinaridade com a Filosofia. Sem conhecer profundamente as raízes, as origens ou os fundamentos dos fatos históricos, ficaria comprometida na base a missão de investigar, analisar, criticar, interpretar e descrever acontecimentos. Por isso, trabalhando com fatos, muitas e muitas vezes, mais interessante que saber o que, quem, como, onde e quando, é mais importante refletir sobre o porquê dos acontecimentos.

 

Notas

 



[1] É toda a área geográfica no tempo presente integrante das regiões Sul e Sudoeste do Estado do Paraná e do Norte e Oeste do Estado de Santa Catarina, objeto da “Questão de Limites”, tendo por fronteiras: ao Norte, os rios Negro e Iguaçu;  ao Sul,  os rios Canoas e Uruguai;  a Leste, ora a Serra Geral,  ora o Rio Canoinhas, o Rio Timbó, o Rio do Peixe ou o Rio Marombas; e a Oeste, a Argentina.

 

[2] Área geográfica localizada dentro do Território Contestado, hoje no Centro-Oeste do Estado de Santa Catarina, habitada pelo Homem do Contestado, onde ocorreu a Guerra do Contestado, limitada: ao Norte, pelos rios Negro e parte do Iguaçu; ao Sul, pelos rios Canoas e parte do Uruguai; a Leste,  pela Serra Geral; e a Oeste, pela Serra da Taquara Verde e pelo Vale do Rio do Peixe.

 

[3] Conflito que aconteceu entre 1913 e 1916, envolvendo, de um lado, a população sertaneja (cabocla) e, do outro, forças militares e civis. A História considera que foi um destacado evento histórico, resultante da revolta da população regional à ordem vigente, ou seja, uma insurreição da população cabocla.

 

[4] Genericamente, é ligado à população mais antiga da Região do Contestado. Ele é originalmente conhecido como “caboclo”, pelas sua raiz étnica luso-brasileira e mescla destas com a índia, a negra e seus descendentes. Habitante do território desde meados do século passado, tropeiro, peão, ervateiro ou agregado que, à época da Guerra do Contestado, enfrentou as forças militares estaduais e do Exército. Predominante no território até 1917, abrange, também, representantes aculturados das etnias povoadoras da região na segunda metade do século XIX.

 

[5] Solução encontrada para encerrar a disputa pela fronteira interestadual. Acordo assinado pelos respectivos governadores em 16 de outubro de 1916 sob a chancela da Presidência da República, homologado pelas assembléias legislativas e aprovado pelo Congresso Nacional em 3 de agosto de 1917.

 

[6] É a população original remanescente da Guerra do Contestado, acrescida da nova população, mais numerosa, formada por imigrantes europeus e descendentes de imigrantes, notadamente alemães, italianos, poloneses e ucranianos, que vieram colonizar este espaço geográfico na primeira metade do século XX, lavrando o solo, fundando cidades e instalando as primeiras indústrias.

 

[7] Ver, por exemplo: PIAZZA, Walter Fernandes. Santa Catarina: sua História. Florianópolis: UFSC/Lunardelli, 1983, e CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina.  2 ed. Florianópolis: Laudes, 1970.

 

[8] Compreende os municípios catarinenses existentes até 1917, de Lages, Curitibanos, Campos Novos e Canoinhas, os municípios criados em 1917, de Mafra, Porto União e Cruzeiro, mais os municípios criados em 1934, de Caçador e Concórdia.

 

[9] Na historiografia catarinense, ainda hoje, verifica-se que o termo “Contestado” é constantemente vinculado apenas à “Guerra do Contestado”. Na região, entretanto, difere-se a “História do Contestado” da “História da Guerra do Contestado”, a primeira, abrangente dos primórdios tempos à atualidade e, a segunda, restrita ao conflito social de 1913 a 1916.

 

[10] Compreende os municípios do Estado do Paraná existentes no tempo da Guerra do Contestado, de Rio Negro, Três Barras, Itaiópolis, Timbó, Porto União da Vitória e Palmas que, em 1917, cederam territórios para o Estado de Santa Catarina.

 

[11] Vistos os ementários das duas disciplinas ministradas no Curso de Pedagogia da UnC, que não contemplam estudos regionais sobre Educação.

 

[12] Lei nº 898, de 01/04/1880 e Regulamento de 21/02/1881.

 

[13] Também conhecida como “Primeira República”, no período de 1889 a 1930.

 

[14] Período do Governo de Getúlio Vargas, de 1930 a 1946.

 

[15] Conhecida como “Reforma Trindade”, promovida pelo Prof. Luiz Sanchez Bezerra da Trindade

 

[16] Em 27 de setembro de 1989, um incêndio destruiu mais de 45 mil caixas com documentos do Governo do Paraná, sendo salvas apenas 458, assim perdendo-se, definitivamente, valiosos registros públicos, parte deles que seriam de nosso interesse.

 

[17][17] A UNOESC foi criada simultaneamente à UnC, em 1990, com campi em Videira, Joaçaba, Xanxerê, Chapecó e São Miguel d’Oeste; em 2002, o Campus de Chapecó foi emancipado, originando a Universidade regional de Chapecó – UNOCHAPECÓ.

 

[18] Sobre a crítica, ver CARDOSO, Ciro Flamarion, Uma Introdução à História, 1988, pp.55-64.

 

[19] SOARES, Agostinho José.  Aproximação à Filosofia.  In: Introdução ao Pensamento Filosófico, 1985, p. 19.

 

[20] CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e Contradição: elementos metodológicos para uma teoria crítica do fenômeno educativo, 1986, p. 27-28.