NOVOS
PASSOS PARA A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NA REGIÃO DO CONTESTADO, EM
SANTA CATARINA
Nilson Thomé (*)
O Território Contestado[1]
é uma ampla área do Terceiro Planalto Sul-Brasileiro que, no passado, era
disputada pelos Estados do Paraná e de Santa Catarina. Ele foi dividido
praticamente ao meio, em 1917, para solução à Questão de Limites. Em seu
interior, há uma área menor, localizada no Centro-Oeste do Estado de Santa
Catarina, denominada de Região do Contestado[2],
formada pelas atuais microrregiões do Planalto Norte, do Contestado, do
Meio-Oeste, do Alto Vale do Rio do Peixe, e partes das microrregiões do Alto
Uruguai, da Serrana e do Alto Irani que, no conjunto, somam trinta mil
quilômetros quadrados e onde o número de habitantes alcança a 800 mil.
A Região do Contestado tem sua configuração geográfica e sua
história compartilhadas por cerca de 60 municípios, na peculiaridade de
possuírem praticamente os mesmos registros históricos das pioneiras frentes de
ocupação humana, desde os vestígios das primitivas civilizações, a memória das
nações indígenas, as entradas dos bandeirantes paulistas, dos
curitibano-paranaenses e dos gaúchos rio-grandenses, passando pelos
acontecimentos da Guerra do Contestado[3]
e da Questão de Limites entre os Estados do Paraná e Santa Catarina, que
disputaram suas fronteiras de 1853 a 1917. Os municípios compartilham, também,
outros fenômenos regionais, como os efeitos da introdução do capitalismo
internacional, o domínio político concentrado em poucos coronéis, as questões
fundiárias, o processo de colonização por imigrantes, os movimentos
revolucionários da República Velha no Sul do País e o advento da
industrialização. A história regional é comum a todo o Contestado e, olhada
hoje, estende-se do povoamento às principais características de desenvolvimento
social, cultural, político e econômico de cada município que constitui esta
parte de Santa Catarina.
Sem que as pessoas residentes na Região do Contestado fossem
consultadas, por disposição do ato político do “Acordo de Limites”, patrocinado
pela União, no ano de 1917, o Paraná entregou a Santa Catarina a maior parte
das terras contestadas. Santa Catarina incorporou o espaço, as populações e os
bens nele construídos. De repente, como que levadas por um sopro, milhares de
paranaenses passaram a ser catarinenses. Municípios até então do Paraná foram
extintos e desmembrados, enquanto que, na mesma área, Santa Catarina criou
outros municípios. Rapidamente, desenharam-se novos mapas no interior do Brasil
Meridional.
__________________
(*) Historiador, Diretor
do Museu do Contestado, de Caçador (SC). Professor de História do Contestado e
de História de Santa Catarina na Universidade do Contestado - UnC. Técnico em
Magistério, Licenciado em História, Especialista em História do Brasil, Mestre
em Educação e Doutorando em Educação na Faculdade de Educação da UNICAMP. E-mail: nilson@conection.com.br.
Na amplitude de todo o Território Contestado, até julho de 1917,
o Estado de Santa Catarina compreendia apenas as áreas integrantes dos
municípios de Lages, Curitibanos, Campos Novos e Canoinhas, que constituíam o habitat do Homem do Contestado Primitivo[4].
A partir do momento em que foi homologado o Acordo de Limites[5]
entre os dois Estados, Santa Catarina incorporou inteiramente as áreas dos
municípios paranaenses de Itaiópolis, de Timbó e de Três Barras, mais
aproximadamente a metade do Município de União da Vitória, onde criou o
Município de Porto União e, também, cerca da metade do Município de Rio Negro,
onde estabeleceu o Município de Mafra. Ainda, absorveu boa parte do Sul dos
municípios de Palmas e de Clevelândia, onde criou, respectivamente, os
municípios de Cruzeiro e Chapecó. Depois de 1917, abrigando o Homem do
Contestado Contemporâneo[6],
novos municípios foram criados em 1934, como os de Caçador e Concórdia, mais
Videira, em 1944, e, os outros, somente após 1948. Mesmo depois da anexação a
Santa Catarina, devido às distâncias, à falta de comunicações e à pouca
integração entre os povos do Planalto (na Serra-Acima) e do Litoral (na
Serra-Abaixo), a região permaneceu ainda por muitos anos pouco relacionando-se
com a Capital do Estado.
Santa Catarina não assumiu por inteiro os acontecimentos que
envolveram a população da parte paranaense do Contestado até 1917. A
historiografia catarinense, muito política, descritiva e oficial, periodizada
por gestões governamentais, representada por seus mais notáveis historiadores[7],
contempla a História do Contestado-Catarinense[8]
e incorpora as histórias do território anexado só a partir do que considera
como a “conquista do Oeste”, salvo raríssimas exceções. Isso ocorre, no nosso
entendimento, pela falta de critérios[9].
Já a historiografia paranaense, em especial a contemporânea, deixando de lado
os fatos passados nas terras perdidas, tem-se preocupado apenas com os
acontecimentos do interior das suas atuais fronteiras. Diante das omissões às
ocorrências relacionadas especificamente à História do Contestado Paranaense[10]
até 1917, esta parte do conhecimento ficou na orfandade, em prejuízo à construção
da História do Contestado.
Em 1974, com a criação do Museu Histórico e Antropológico da
Região do Contestado, pensou-se que a
sociedade regional teria mais fácil acesso à gama de informações e ao
conhecimento que aqui já se vinha acumulando ano após ano e iria valorizar
sobremaneira o seu próprio passado, até então praticamente desconhecido pelos
novos habitantes do Centro-Oeste Catarinense, encontrando (ou reencontrando)
sua identidade. Com a criação da disciplina de história regional, denominada “História
do Contestado”, em 1992, na Universidade do Contestado, pretendeu-se provocar
questionamentos sobre o passado, induzindo as novas gerações à reflexão radical
e crítica, pois, só a partir da apreensão do acervo histórico, da busca de
respostas para as problemáticas levantadas e do novo chamamento às
contradições, a sociedade poderia entender melhor a situação presente, vindo a
assumir seu papel de agente continuador de uma História em permanente
construção.
Uma das dificuldades – que se mantém até a atualidade –
encontradas para estruturar-se devidamente uma “nova” História do Contestado
diz respeito ao fato de a ocupação humana na região ter ocorrido a partir do
Norte, com paulistas e paranaenses, e do Sul, com rio-grandenses, assim, não do
Leste, onde estavam os catarinenses. Desta forma, objetivando contribuir para a
construção de uma História “para o” Contestado, os pesquisadores necessitam
recorrer às fontes primárias arquivadas no Paraná, em São Paulo, no Rio de
janeiro e no Rio Grande do Sul, indo muito além das buscas em Santa Catarina.
Não bastassem as dificuldades para a construção da disciplina
“História do Contestado”, temos ainda que, nos cursos superiores de Pedagogia,
presente em todos os Campi das
universidade da região, são oferecidas as disciplinas “História da Educação” e
“História da Educação Brasileira”, sem que, em nenhuma delas seja abordada a
regionalização desta História[11],
pela rara bibliografia, pelo pouco saber dos professores sobre a “História da
Educação Catarinense” e, também, à vista do desconhecimento da “História da
Educação no Contestado”. É óbvio que, sem estar o conhecimento disponibilizado
e apreendido, não há o que ser transmitido.
No ano de 2002, lançamos a lume o livro “Primeira História da
Educação Escolar no Contestado”, mostrando-a como parte integrante de um
projeto-de-vida, expresso em um conjunto de amplos estudos em ciências humanas
e sociais, pelos quais estamos construindo a “nova” História do Contestado a
partir de pesquisas sobre temas regionais, trabalho que iniciamos em Caçador em
1974 e que, desde então, desenvolvemos com persistência, envolvendo todos os
municípios da região. O corpo do trabalho conteve partes da nossa dissertação
de Mestrado em Educação na UnC, em 2001, mais uma versão ampliada da “revisão
da literatura” ou “estado da arte” do projeto de pesquisa para doutoramento na
UNICAMP, adicionado de uma coletânea de textos de História que produzimos
recentemente. Como levantamento preliminar, de fontes e de informações, o
trabalho reflete até onde chegou o nosso conhecimento sobre o tema, no momento
em que iniciamos a investigação propriamente dita, para alcançar as metas e
atingir os objetivos propostos. Daí porque os capítulos deste livro foram
apenas “notas” para a História da Educação Escolar no Contestado e, não, a
História desenvolvida.
Para melhor desempenho em estudos e pesquisas, constantemente
buscamos aprimoramento, como fizemos na graduação em História (1991), na
Especialização em História do Brasil (1993) e no Mestrado em Educação (2001).
Vale ressaltar que, como resultado do nosso labor, já publicamos diversas
outras obras – livros, livretes, ensaios e artigos – sobre a História Regional
do Contestado, enfocando os seus aspectos sociais, políticos, culturais e
econômicos.
No primeiro semestre de 2002, iniciamos nossas participação no
Programa de Pós-Graduação em Educação na Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas – UNICAMP, mantendo, para a pesquisa no doutoramento, a
proposta apresentada quando da seleção, no segundo semestre de 2001,
oportunidade na qual escolhemos o tema “História da Educação na Região do
Contestado, em Santa Catarina”.
Iniciamos nosso estudo na abordagem de
aspectos educacionais ainda nos anos finais do Império, considerando a
importante Reforma do Ensino de 1881 na Província de Santa Catarina[12]
e a realidade da Instrução Pública no Paraná nos anos imediatamente anteriores
à Proclamação da República. Seguimos aí, aproximadamente, o mesmo tempo
histórico eleito para o trabalho de dissertação de Mestrado em Educação, que
concluímos em fevereiro de 2001, no Programa de Pós-Graduação do Campus de
Caçador da Universidade do Contestado, em convênio com a UNICAMP, com a
temática da “Política no Contestado”, quando traçamos um paralelo entre a evolução
dos fenômenos político-eleitorais, político-partidários e a instrução pública
na Região do Contestado.
A partir da República Velha, abordamos o período entre a
Revolução de 1930 e a entrada do Estado Novo, em 1937. Entretanto, tendo acesso
a significativo número de fontes, antes de nos lançarmos à pesquisa programada
especificamente para o doutorado, resolvemos alongar mais o tempo histórico
eleito para nossos estudos prévios, estendendo o período até o Golpe de Estado
de 1964, somando à República Velha[13]
a República Populista[14],
com o que acrescentamos episódios do Estado Novo e também acontecimentos de
1935, quando se procedeu ampla Reorganização do Ensino Catarinense[15],
época em que observamos terem acontecido mudanças políticas, sociais,
econômicas e culturais – bem radicais – no Estado, assim também em relação à
Educação, que alcançaram o ano de 1946, quando da redemocratização do País.
Optamos por estudar também aspectos da “nacionalização do ensino”, quando da II
Guerra Mundial, e dos antecedentes à adoção da Escola Nova em Santa Catarina,
concretizada tardiamente em 1944.
Há muito interesse em se conhecer o processamento da evolução da
Educação na Região do Contestado, assunto pouco contemplado na História da
Educação Catarinense. Alguns municípios do Contestado possuem informações sobre
seus respectivos passados, mas os fenômenos sociais, culturais, políticos e
econômicos que os interligam pouco foram estudados cientificamente, seja caso a
caso no nível municipal, seja no âmbito regional. Nesta perspectiva, mesmo
encontrando referências sobre a evolução do ensino nos municípios, observamos
que ainda não se fez nenhuma análise crítica sobre a História Educacional
específica da Região do Contestado, que é a área de abrangência da Universidade
do Contestado - UnC e da Universidade do Oeste Catarinense - UNOESC.
Sendo uma parte da Região do Contestado formada por terras que
antes de 1917 pertenciam ao Paraná, à vista da incorporação deste novo espaço
geográfico, o que começou a se efetivar em fins deste ano, para entender os
primórdios da educação escolar no interior da Região do Contestado, além de
saber sobre a educação catarinense, precisamos conhecer como ela era naquele
Estado, ao menos até 1917, uma vez que, recebendo as terras, com sua gente, sua cultura e suas instituições,
recebeu também sua História. Entretanto, a historiografia catarinense ainda não
incorporou totalmente os fatos anteriores a 1917 das áreas que pertenciam ao
Paraná, estes que, historicamente, interessam diretamente à História do Contestado.
Especificamente com relação à Educação Escolar nos municípios da
Região do Contestado, não há na bibliografia, nem catarinense e nem paranaense,
nenhum registro de como aconteceu a transmissão da Instrução, de um Município
para outro, ou mesmo, de um Estado para outro. Como ficaram, por exemplo, as
escolas públicas, as subvencionadas e as particulares? os registros escolares
dos alunos? a vida profissional dos professores? os sistemas de inspeção? as
mudanças nas pedagogias? e quais eram os métodos de ensino?
Se os municípios da
região, com sedes urbanas inexpressivas, localizadas em vastos territórios
inexplorados e com a demografia mal distribuída, não se beneficiavam dos
investimentos em Educação até por volta de 1930, pode-se atribuir isso à falta
de interesse da própria população? ou aos governos, que não se preocupavam com
a instrução das primeiras letras, alegando falta de recursos à Educação, pois
priorizavam outros desempenhos para o aparelho do Estado? A disputa pelo
Território Contestado fez com que nenhum Estado litigante se preocupasse
efetivamente com assistência, somente devido ao reduzido número de habitantes
na área? Por que a sociedade civil não era organizada, permitindo passivamente
à aristocracia dominante, representada por uma minoria detentora do poder
político, o usufruto das vantagens da Educação em detrimento da fragilidade da
maioria dominada?
Quanto às escolas classificadas como “particulares”, instaladas
nos núcleos de colonização alemã, italiana, polonesa e ucraniana na Região do
Contestado, que existiam em grande número, algumas delas mantidas pelas igrejas
ou pelos próprios usuários, outras subvencionadas pelos municípios e, mesmo
pelo Estado, seus registros não constam nos arquivos oficiais, tanto do Paraná
como de Santa Catarina. Perguntamos: onde estavam instaladas as unidades
escolares confessionais? como elas funcionavam? quem de fato as mantinham? qual
o papel da Igreja Católica e da Igreja Lutherana na instrução? como e o que se
ensinava aos alunos?
Se grande parte da população imigrante foi alfabetizada na sua
respectiva língua-mãe, em escolas fora do amparo e do controle da Instrução
Pública, será verdade que as preocupações com a nacionalização, manifestadas
desde o final do Império, existiam de fato nos dois Estados, onde a imigração
européia era intensa, antes de ela ser decretada a nível federal?
A História da Educação Escolar na Região do Contestado ainda
está por ser construída. A deficiência em pesquisas sobre os sistemas de ensino
na História do Contestado é reflexo do atraso educacional vivido pela nossa
gente, ao longo do tempo, no decorrer do Século XX. As poucas histórias
conhecidas são as locais, ou municipais, e, mesmo elas, surgidas por fontes
pouco esclarecedoras, revelam-se incompletas.
Entendemos que a Educação no Contestado era relegada a último
plano pelos governos estadual e municipais e que foi usada, sistematicamente,
para servir à classe dominante no Contestado. Trata-se de um enfoque diferente
e importantíssimo para a compreensão do lento ritmo da evolução do ensino na
região, ritmo este ditado pelas oligarquias, para as quais era mister manter a
grande maioria popular, a dominada, na ignorância e, assim, completamente
afastada do poder político.
A partir dos textos
que inserimos neste livro, elaboramos o projeto de pesquisa sobre a História da Educação no Contestado, ele
que vem norteando nossas atividades no Programa de Pós-Graduação da Faculdade
de Educação, da Universidade Estadual de Campinas.
A pesquisa prende-se
a uma tentativa de construir a História
da Educação no Contestado, sem descuidar da sua vinculação a outros
fenômenos – sociais, políticos, econômicos e culturais – e variáveis que
contribuem para sua compreensão e que consideramos de fundamental importância
para entendermos o processo educacional catarinense, paranaense e regional, uma
vez que, nesta História, durante a primeira parte do período em estudo, a
Educação serviu às oligarquias dos dois Estados como instrumento de dominação
e, na segunda parte, às oligarquias catarinenses.
Considerando a nossa
atividade profissional, dedicada integral e exclusivamente à Educação e à
História, marcada pela permanente busca por aperfeiçoamento, integrando Grupo
de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil – HISTEDBR”,
da UNICAMP, estamos desenvolvendo este trabalho dentro da linha “Estudos
Temáticos e História Regional de Educação”, entendendo que, com o aprimoramento
no Doutorado, melhor levaremos adiante nossa missão, dedicando-nos com afinco
ao estudo da evolução histórica da educação regional, assim contribuindo mais
para o crescimento da Universidade do Contestado, para a construção da História
da Educação no Contestado e para a reconstrução da História da Educação
Catarinense.
Com esta pesquisa,
objetivamos estudar a evolução histórica da Educação da Região do Contestado a
contar do Império, durante a Primeira República e a Segunda República – a
coronelista e a populista – até por volta da década de 1970, passando pelo
período da Redemocratização e da Revolução de 1964, a partir de fontes
originais, analisando as contradições entre as classes dominantes e dominadas,
entre os interesses das oligarquias e as necessidades da população, e entre o
uso do ensino para fins políticos e a busca da instrução para a inclusão e a
ascensão social.
Mais
especificamente, pretendemos investigar os registros históricos de
alfabetização e escolarização do Estado do Paraná, relacionados ao Contestado
Paranaense, bem como os dos municípios paranaenses da região, caso a caso, até
o ano de 1917; transplantar para a História de Santa Catarina as informações
sobre a Instrução Pública e a Educação praticada nas escolas confessionais dos
núcleos coloniais, nas subvencionadas e nas particulares, atinentes ao
território obtido do Paraná em 1917. Objetivamos, ainda, estudar os aspectos
evolutivos da Educação no Estado de Santa Catarina durante a República e as
contradições existentes na Região do Contestado entre a minoria dominante e a
maioria dominada, durante o coronelismo, o populismo e o neocoronelismo, e,
associar os fatos relacionados à Instrução, oficial e comunitária, e às
políticas educacionais adotadas pelos respectivos governos, com as evidências
concretas encontradas no dia-a-dia do passado das escolas públicas, subvencionadas
e particulares.
Por se tratar de uma
pesquisa exploratória, nossa atividade prioriza as fontes primárias,
principalmente as que, em Curitiba, estão depositadas e catalogadas no Arquivo
Público do Paraná[16], na
Biblioteca Estadual do Paraná e na Biblioteca do Instituto Histórico e
Geográfico do Paraná. Estas fontes são as constituições estaduais, leis,
decretos, regulamentos e orçamentos anuais do Governo do Estado, os “relatórios
anuais”, dos Presidentes do Estado, dos Secretários do Interior, Justiça e
Instrução Pública, dos Diretores Gerais da Instrução Pública e dos Inspetores
Gerais da Instrução Pública, compreendendo também seus “ofícios” e, ainda, os
“relatórios” específicos das inspeções às escolas.
Em Florianópolis, da
mesma forma, estão as fontes primárias disponíveis no Arquivo Público do Estado
de Santa Catarina, na Seção de Obras Raras da Biblioteca Pública do Estado, na
Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e na
Biblioteca da Universidade Federal de Santa Catarina. Destacamos as
constituições do Estado, as leis, decretos-leis, decretos, regulamentos,
orçamentos anuais, mais as “mensagens” dos Governadores do Estado, as “falas”
dos Presidentes do Congresso Legislativo Estadual, os “planos de educação”, os
“relatórios” da Secretaria da Justiça, Educação e Saúde, os “programas de
ensino”, enfim, tudo o que se refere à Instrução Pública.
No Rio Grande do
Sul, encontramos preciosos bens documentais no arquivo da Escola Superior de
Teologia, ligada à Igreja Lutherana, que dizem respeito às escolas alemãs,
implantadas nas colônias do Oeste Catarinense após 1917, constando
principalmente de “relatórios” das visitas dos pastores.
Igualmente,
priorizamos a busca às fontes primárias junto às Prefeituras Municipais de União
da Vitória, Rio Negro e Palmas (no Paraná, até 1917) e de Lages, Curitibanos,
Campos Novos e Canoinhas (de Santa Catarina), mais de Joaçaba (ex-Cruzeiro),
Mafra e Porto União pós 1917 e, de Caçador e Concórdia, pós-1934, de ante-mão
esclarecendo que somente Campos Novos tem Arquivo Público Municipal organizado,
enquanto que a documentação dos demais municípios está juntada aos arquivos
gerais das prefeituras, chamadas de “arquivos-mortos”.
Em alguns dos
estabelecimentos de ensino mais tradicionais da região também encontramos
valiosas fontes primárias, representadas por livros de registros internos e de
atas, e pastas de documentos e de ofícios recebidos e expedidos.
Além das bibliotecas
e arquivos mencionados, nossa pesquisa vale-se da produção de mestres e
doutores, dos programas de pós-graduação em Educação de algumas universidades,
principalmente da UNICAMP, UNESP, USP, UFPR, PUC, UFRGS e UFSC, onde existem
trabalhos que abordam os antigos sistemas educacionais do Paraná e de Santa
Catarina, que são de grande utilidade para consultas. Também, diversas são as
obras de histórias municipais, específicas, produzidas por autores da região,
que mencionam aspectos “do Contestado”, assim se constituindo em valiosas
fontes, ainda que secundárias. Praticamente todas estas publicações, umas mais,
outras menos, fazem menções a acontecimentos educacionais envolvendo a Região
do Contestado, razão pela qual contribuem para a compreensão da realidade
regional. Só recentemente, com a implantação da Universidade do Contestado –
UnC e da Universidade do Oeste Catarinense – UNOESC[17],
é que as pesquisas sobre a temática “Contestado” vêm tomando impulso.
Outra natureza de
fontes, que entendemos importante, é a imprensa regional. Existiam, no período
que enfocamos, jornais em todas as cidades do Contestado. Uns eram de
circulação semanal, outros, quinzenal ou mensal. Seus exemplares, quase todos
depositados nas respectivas bibliotecas públicas municipais, revelam
informações – notícias e comentários – sobre a Educação Escolar, inclusive pelo
fato de que, antigamente, professor era “autoridade” importante nas
comunidades.
Se observarmos que
História é a ciência que estuda o presente e o passado do homem, dos grupos
sociais e das sociedades humanas, buscando e localizando seus feitos no tempo e
no espaço, interpretando os acontecimentos da vida, dos povos e das idéias que
contribuíram e contribuem significativamente para as transformações sociais e a
evolução das civilizações, então, também entenderemos que não é missão da nossa
pesquisa em História da Educação no
Contestado simplesmente narrar o passado. Cabe ao trabalho, sim, entre
outras competências, exercitar a dialética, pesquisar as mudanças, questionar,
problematizar, analisar e interpretar nossa sociedade dentro de um conjunto
mais amplo, levando-nos à descoberta de um papel a exercer nos dias de hoje no
contexto social, inclusive proporcionando meios para que adotemos uma posição
mais crítica em face da realidade.
Como a pesquisa é
exploratória, utilizamos a crítica externa para indagar os objetos, como por
exemplo, a natureza dos documentos, isto é, se realmente são de determinadas
autorias ou procedências; por ela, poderemos julgar a autenticidade e verificar
se os autores tomaram conhecimento de forma direta ou indireta daquilo que
escreveram. A hermenêutica (crítica interna) visa à atribuição do valor
objetivo de cada documento, pois ela se processa sobre os aspectos internos da
fonte histórica sobre seu conteúdo, avaliando e julgando sua autenticidade[18].
Entendemos que o conhecimento primário de um fato histórico é
obtido através da sua decomposição, levando-se sempre em conta que nenhum fato
é isolado, que ele não existe por si mesmo, mas faz parte de um desencadeamento
de outros problemas, de uma sucessão de situações e de circunstâncias. As
interpretações e a compreensão das suas conexões exigem apurações sintéticas,
como, por exemplo, o trabalho de erudição, que é o estudo minucioso das fontes,
incluindo qualquer tipo de documento confiável. Por isso, valorizamos ao máximo
as boas fontes históricas, capazes de atender a necessidade da decomposição dos
fatos.
Promovemos nosso estudo de forma a manter permanentemente em
evidência os problemas regionais, sem esquecer, entretanto, os perigos que
espreitam o regionalismo exacerbado e sem perder de vista que esta História
Regional da Educação não se sustentará isoladamente no cenário geográfico ou no
tempo histórico, pois estará sempre inserida num contexto maior, que precisa
ser compreendido pelas mudanças que nele ocorreram. Compete aí, então, um forte
apelo também à reflexão histórico-filosófica, para darmos ao questionamento um
sentido vital, como uma exigência que se impõe para desencadear estudos e
decisões. Explica-nos Agostinho José Soares [19],
que a reflexão filosófica precisa ser crítica, isto é, precisa da criticidade,
precisa empenhar-se em analisar, com critérios, atenta e minuciosamente, os
objetos estudados.
Querendo compreender a realidade histórica da Educação no
Contestado em toda a complexidade do seu dinamismo, captando-a também pelo
pensar, promovemos a análise e a síntese dos determinantes estruturais da
História através da contradição. Em
partes deste estudo, como aprendemos com Cury[20],
a utilização desta categoria leva-nos a outras duas, a da totalidade e a da mediação.
Então, buscamos construir uma História pela codificação e decodificação das fontes,
reinterpretando as velhas e inserindo novas, apropriando-nos dos determinantes
estruturais do maior número possível de fatos históricos referentes à Educação
no Contestado, através das categorias da contradição, da totalidade e da
mediação. Será interessante a compreensão da evolução histórica da Educação no
Contestado pela interdisciplinaridade com a Filosofia. Sem conhecer
profundamente as raízes, as origens ou os fundamentos dos fatos históricos,
ficaria comprometida na base a missão de investigar, analisar, criticar,
interpretar e descrever acontecimentos. Por isso, trabalhando com fatos, muitas
e muitas vezes, mais interessante que saber o
que, quem, como, onde e quando, é mais importante refletir sobre o porquê dos acontecimentos.
[1] É toda a área geográfica no
tempo presente integrante das regiões Sul e Sudoeste do Estado do Paraná e do
Norte e Oeste do Estado de Santa Catarina, objeto da “Questão de Limites”,
tendo por fronteiras: ao Norte, os rios Negro e Iguaçu; ao Sul,
os rios Canoas e Uruguai; a
Leste, ora a Serra Geral, ora o Rio
Canoinhas, o Rio Timbó, o Rio do Peixe ou o Rio Marombas; e a Oeste, a
Argentina.
[2] Área geográfica localizada
dentro do Território Contestado, hoje
no Centro-Oeste do Estado de Santa Catarina, habitada pelo Homem do Contestado, onde ocorreu a Guerra do Contestado, limitada: ao Norte, pelos rios Negro e parte
do Iguaçu; ao Sul, pelos rios Canoas e parte do Uruguai; a Leste, pela Serra Geral; e a Oeste, pela Serra da
Taquara Verde e pelo Vale do Rio do Peixe.
[3] Conflito que aconteceu
entre 1913 e 1916, envolvendo, de um lado, a população sertaneja (cabocla) e,
do outro, forças militares e civis. A História considera que foi um destacado
evento histórico, resultante da revolta da população regional à ordem vigente,
ou seja, uma insurreição da população cabocla.
[4] Genericamente, é ligado à
população mais antiga da Região do Contestado. Ele é originalmente conhecido
como “caboclo”, pelas sua raiz étnica luso-brasileira e mescla destas com a
índia, a negra e seus descendentes. Habitante do território desde meados do
século passado, tropeiro, peão, ervateiro ou agregado que, à época da Guerra do
Contestado, enfrentou as forças
militares estaduais e do Exército. Predominante no território até 1917,
abrange, também, representantes aculturados das etnias povoadoras da região na
segunda metade do século XIX.
[5] Solução encontrada para
encerrar a disputa pela fronteira interestadual. Acordo assinado pelos
respectivos governadores em 16 de outubro de 1916 sob a chancela da Presidência
da República, homologado pelas assembléias legislativas e aprovado pelo
Congresso Nacional em 3 de agosto de 1917.
[6] É a população original
remanescente da Guerra do Contestado, acrescida da nova população, mais
numerosa, formada por imigrantes europeus e descendentes de imigrantes,
notadamente alemães, italianos, poloneses e ucranianos, que vieram colonizar
este espaço geográfico na primeira metade do século XX, lavrando o solo,
fundando cidades e instalando as primeiras indústrias.
[7] Ver, por exemplo: PIAZZA, Walter Fernandes. Santa Catarina: sua História.
Florianópolis: UFSC/Lunardelli, 1983, e CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina. 2 ed. Florianópolis: Laudes, 1970.
[8] Compreende os municípios
catarinenses existentes até 1917, de Lages, Curitibanos, Campos Novos e
Canoinhas, os municípios criados em 1917, de Mafra, Porto União e Cruzeiro,
mais os municípios criados em 1934, de Caçador e Concórdia.
[9] Na historiografia
catarinense, ainda hoje, verifica-se que o termo “Contestado” é constantemente
vinculado apenas à “Guerra do Contestado”. Na região, entretanto, difere-se a
“História do Contestado” da “História da Guerra do Contestado”, a primeira,
abrangente dos primórdios tempos à atualidade e, a segunda, restrita ao
conflito social de 1913 a 1916.
[10] Compreende os municípios do Estado do Paraná existentes no tempo da Guerra do Contestado, de Rio Negro, Três Barras, Itaiópolis, Timbó, Porto União da Vitória e Palmas que, em 1917, cederam territórios para o Estado de Santa Catarina.
[11] Vistos os ementários das duas disciplinas ministradas no Curso de Pedagogia da UnC, que não contemplam estudos regionais sobre Educação.
[12] Lei nº 898, de 01/04/1880 e Regulamento de 21/02/1881.
[13] Também conhecida como “Primeira República”, no período de 1889 a 1930.
[14] Período do Governo de Getúlio Vargas, de 1930 a 1946.
[15] Conhecida como “Reforma Trindade”, promovida pelo Prof. Luiz Sanchez Bezerra da Trindade
[16] Em 27 de setembro de 1989, um incêndio destruiu mais de 45 mil caixas com documentos do Governo do Paraná, sendo salvas apenas 458, assim perdendo-se, definitivamente, valiosos registros públicos, parte deles que seriam de nosso interesse.
[17][17] A UNOESC foi criada simultaneamente à UnC, em 1990, com campi em Videira, Joaçaba, Xanxerê, Chapecó e São Miguel d’Oeste; em 2002, o Campus de Chapecó foi emancipado, originando a Universidade regional de Chapecó – UNOCHAPECÓ.
[18] Sobre a crítica, ver CARDOSO, Ciro Flamarion, Uma Introdução à História, 1988, pp.55-64.
[19] SOARES, Agostinho
José. Aproximação à Filosofia.
In: Introdução ao Pensamento
Filosófico, 1985, p. 19.
[20] CURY, Carlos Roberto Jamil.
Educação e Contradição: elementos
metodológicos para uma teoria crítica do fenômeno educativo, 1986, p.
27-28.