UNIVERSIDADE EM DEBATE HOJE

Sebastião Rodrigues Gonçalves[1]

                     

               É impossível pensar universidade hoje, sem voltar às suas origens, seus fundamentos, princípios e fins. Na sua origem, a Universidade foi um espaço privilegiado da formação de elites dirigentes, da política econômica e social. Esse espaço, foi planejado, organizado e viabilizado pela própria elite, ainda na Sociedade Feudal. O conhecimento, estava centralizado sob o monopólio da Igreja Católica, organizado pela Teologia. O fim último, era preparar pessoas, cujo compromisso era a manutenção da ordem. Delas, surgiram alguns nomes conhecidos como: Santo Agostinho, São Thomás de Aquino, Santos Anselmo e outros menos conhecido como: Pedro Abelardo, Guilherme de Ockan, Duns Scotus, além de outros que não influenciaram na literatura posterior. Esse mesmo modelo de Universidade produziu também, os pensadores que questionaram e que discordaram do modelo de conhecimento monopolizado pela Teologia, que ao mesmo tempo sustentava essa ordem moral, política e econômica. Assim, surgiu a moderna Universidade da Sociedade Burguesa, que se modifica conforme os “ventos” da economia capitalista.

               Mas, onde está a origem histórica da Universidade? No Séc. III a II a.C. Para alguns pensadores, a biblioteca de Alexandria foi um espaço com características de UNIVERSIDADE, porque, além de armazenar os conhecimentos, já produzidos e sistematizados historicamente, também produzia  novos conhecimentos, para serem socializados, como foi o caso de Erastótenes, “o famoso bibliotecário de Alexandria, a quem se deve a primeira medição científica da circunferência da Terra. Seu método, bastante simples, baseia-se na diferença de ângulos que as diferenças de raios solares formam em duas localidades diferentes: Alexandria e uma cidade mais ao sul, Siene.”[2]. Apenas [3]nesta partícula de conhecimento, nos é apresentado uma noção de Astronomia, Geografia, geometria,  matemática, além da própria linguagem que nos comunica esse conhecimento produzido.

                 Porque podemos imaginar todas essas áreas do conhecimento? O fato de ter o sol como referência na sua relação com o Planeta Terra, exigiu um conhecimento de Astronomia e da Geografia; o movimento, que naquele momento aparentava ser, apenas do astro sol, em relação com o Planeta Terra, exigiu uma reflexão sobre a geometria, a física e a matemática, que forneceu as bases para o cálculo, estabelecendo a base da relatividade da distância entre a cidade de Alexandria e a cidade de Siene; usando um poço que havia na cidade de Alexandria para se ter a noção do meio-dia naquela cidade e nesse mesmo momento observando a hora em Siene; mas, ao mesmo tempo observando o ângulo da sombra, podendo dessa forma medir a distância entre uma cidade e outra, para saber o tempo percorrido nesse espaço e dessa forma estabelecer a média da velocidade, subtraindo da totalidade de hora, encontrando então a proporcionalidade do tempo e espaço. Podendo então concluir-se que: em X (diferença do fuso horário de Alexandria a Siene). tempo o sol percorre um espaço Y (distância de Alexandria à Siene), logo em 24 horas o espaço percorrido deve ser então, Z (circunferência da terra). Dessa, forma basta apenas fazer o cálculo.  

               Outros pensadores entendem que o ensino superior teve início na Antigüidade Clássica – pelos gregos e romanos, além do considerável conhecimento produzidos pelos árabes – no “ Ocidente, principalmente na Grécia e em Roma, já dispunha de escolas tidas como de alto nível, para formar especialistas de classificação refinada em medicina, filosofia retórica e direito[4]. Esse modelo de instituição de ensino, foi para alguns educadores, a primeira forma de Universidade, porque era uma organização voltada, não somente para o ensino, mas também para a investigação, para a produção de novos conhecimentos. Ao mesmo tempo, aqueles educadores estavam preocupados também com os meios para socializar os resultados de suas investigações. Porém, esse modelo de organização estava centralizado, apenas numa pessoa; “Cada mestre conduzia a sua escola, fazia escola. Tinha-se, pois nesses tempos, uma comunidade de discípulos gravitando em torno de um mestre, de uma cabeça de escola.[5] Esse modelo de educação encerrou-se com as invasões bárbaras, sendo retomada pela igreja católica no Séc. XI.

               No período intermediário, entre a Antigüidade Clássica e as novas formas de organização de ensino, que deu origem à Escolástica, a transmissão de conhecimentos e formação de ideologias foi mantido pela Patrística (conhecimento transmitido pelos padres). Dessa forma a Igreja Católica manteve a hegemonia e monopólio do conhecimento e da cultura, por mais de um milênio. Porém, o período antes da consolidação do cristianismo foi marcado por conflitos entre os seguidores da doutrina cristã e os defensores do Império Romano. A doutrina cristã não estava preocupada com a comprovação de seus argumentos, a preocupação era apenas com a estrutura lógica do discurso, baseado na fé para aumentar o número de seguidores e assim tornar legítima a doutrina cristã.

 

DA PATRÍSTICA À ESCOLÁSTICA

 

Antes mesmo da existência da Igreja Católica, como instituição oficial do Império Romano, o ensino já era na autoridade dos padres. Consiste na irrefutabilidade do argumento da autoridade; não exigia provas sobre o que se falava, uma vez que todo o conhecimento estava “centrado na pessoa” – emissor do discurso -, que usa da estrutura lógica da retórica, aparentemente sem contradição. Não exigindo comprovação, bastou então um método eficiente de persuasão, para difundir a idéia em todo o Ocidente, até o movimento ficar tão formal, equiparando-se em quantidade e qualidade, tal e qual aos discursos dos defensores do poder central. Quando o culto ao cristianismo passou a ser permitido, a Igreja Católica passou a ser religião oficial do Império. Portanto, a Patrística não foi uma invenção da Igreja Católica, ela apenas se apropriou dos métodos “de contestação” para garantir sua hegemonia diante de uma sociedade de conflitos na época. Foi Santo Agostinho, o pensador da Igreja católica, quem se apropriou desse método. Ele o sistematizou e adotou como instrumento oficial  da Igreja Católica. Os primeiros cristãos que utilizaram-se da retórica, foram: São Justino, São Clemente de Alexandria e Orígenes.

                  No começo, tal como se encontrava o Novo Testamento, era uma doutrina aparentemente simples, constituídas por algumas regras de conduta moral e pela crença na salvação através do sacrifício de Cristo. Não tinha nenhuma fundamentação filosófica, isto é, não se apresentava como um conjunto de idéias produzidas e sistematizadas pela razão em um todo lógico. Era uma razão revelada e não uma filosofia. Mas era também uma religião que servia como instrumento de contestação da ordem imperial vigente e que vivia em permanente conflito com os senhores romanos. Po isso desenvolveu instrumentos de defesa para sobreviver. As armas foram buscadas no campo do próprio adversário: os filósofos gregos e seus continuadores na época helenistica e romana. Esse esforço de conciliação das verdades reveladas com idéias filosóficas empreendido pelos primeiros pensadores cristãos, padres da Igreja, produziu a chamada filosofia Patrística, que chegou a formular sistemas completas de filosofia cristã.[6]

               Nesse período da história, a educação, controlada pela Patrística, não produziu conhecimento científico. O que houve, foi um controle rígido da forma de pensamento e perseguição àqueles que ousavam discordar dos métodos oficiais, da Igreja Católica. “Em 313, o Imperador Constantino publicou o edito de Milão legalizando o cristianismo”[7]. A partir da conversão ao cristianismo, a Igreja Católica passou a ser a instituição oficial do Império, a responsável pela elaboração de todo o sistema de ensino e pelo controle de todas as escolas e Universidades.

               A Igreja católica foi então “a responsável pela unificação do ensino superior em um só órgão, a “universidade”. Isto ocorre como resultante de todo um esforço da Igreja no sentido de fundamentar a sua ação política e religiosa enquanto preparava seus quadros, o clero especificamente.”[8] A partir desse momento da história, tudo ficou centralizado na igreja,  sob o domínio da religião. Se alguém queria falar sobre o mundo físico ou até mesmo sobre a política, isto só era possível com a licença do clero. Toda a “verdade” sobre o mundo estava limitado ao entendimento teológico. Se alguém não acreditava no evangelho, considerado fonte de toda a sabedoria, não teria autoridade para atuar em qualquer instituição representante oficial do sistema de ensinamento. Então, a universidade, de certa forma, foi a responsável pela universalização da ideologia, não para investigar e produzir conhecimento científico.            

               Os conflitos da época, que de um lado representavam os interesses políticos e de outro os interesses religiosos, nada mais eram do que a representação do significado prático da vida e da organização políticas do momento, resultados da forma organização de produção, que se explicitavam na disputa pelo  poder. Quando a organização política de um estado não é centralizada, as disputas quase não aparecem, desde que haja instituições responsáveis para dirimir as divergências, mas no caso do poder centralizado no Estado Teológico, os conflitos aparecem de imediato. Segundo MINOGUE, “Ó triunfo político desta vontade pode ser datado de 379 (...), quando por decreto imperial, o imperador Teodósio  fixou a igualdade de crença para os cristãos” [9]. Essa nova forma de organização das instituições produtoras de conhecimento, passou a ser tutelada pela Teologia, mas ao mesmo tempo passou a ser garantida pelo poder político coercitivo do novo estado que buscava legitimidade tanto no evangelho como nos fundamentos das teorias políticas. A universidade, foi então o espaço privilegiado que o poder central necessitava para produzir novas “cabeças”, comprometidas com o universo que despontava no horizonte do cristianismo.

               Assim, essa nova forma de organização de ensino, centralizou suas atividades na formação de valores e a doutrina do cristianismo, difundiu a idéia que o fim último a ser alcançado seria a vida eterna – o céu – a disciplina seria o meio eficiente para atingir tal fim. Porém, somente a alma atingiria esse ponto. Entretanto, a disciplina do corpo em vida seria a causa eficiente para a alma atingir o céu ou inferno. Essa tese, presente ainda hoje em muitas mentes, não é nada mais do que a negação da vida e a veneração da morte. Pois, a ilusão de uma felicidade eterna, não para o corpo mas, para a alma, deixou muitos indivíduos no estado de paranóia,  esquecendo a própria existência, condicionando o corpo às necessidades da salvação da alma, esquecendo, que a existência humana é o produto do próprio trabalho, a Igreja Católica institui-se como a legítima representante de Deus na terra, como instituição mediadora e disciplinadora das normas de vida. Da mesma forma enquanto a Igreja Católica manteve hegemonia, os tribunais foram controlado pelo clero.               

              Observamos nessa época, por um lado, o forte clima religioso, determinado pela igreja católica, que, naquelas circunstâncias, gerava o dogmatismo,  a imposição de verdades, tão a gosto de ambientes autoritários ainda em nossos dias; as universidades não ficaram ileso dos ambientes. Por outro lado, é nesse tempo que nasce e se cultiva nas escolas  universitárias, o hábito de discussões abertas, dos debates públicos, das disputas como elementos integrantes do currículo e especificidade de certas disciplinas. É claro que tais debates sempre aconteciam sobre a vigilância do professor que, além de moderador, garantia a ortodoxia das idéias e eventuais conclusões.[10]

               O poder da igreja católica, que era centralizado só permitia o debate, mas não podia passar disso. A hegemonia no controle do conhecimento só foi superado com os conflitos na época do renascimento. A reprodução da ideologia religiosa não suportou as disputas econômicas. “O conceito de Universidade torna-se, então,  inconsistente com a realidade. Podemos dizer mesmo que a universidade existente não acompanha o espírito difundido pela renascença e pela reforma.[11] Esse é o momento que inicia-se uma crise aguda na sociedade, e a universidade não acompanha o turbilhão de fatos ocorridos, embora muitos agentes das transformações tenham passado pelas universidades, como foi o caso de Nicolau Maquiavel, Leonardo Davincci, Martinho Lutero e outros responsáveis por esse movimento.

              Esse é o momento em que a escolástica entra em crise, pois não basta mais ensinar, é preciso se provar, que o que se ensina é verdade. E, mais que isso, a disputa entre o Estado Teológico e os interesses políticos, retomam a separação entre a crença, a filosofia e o conhecimento científico, o clero perde o monopólio sobre a filosofia e ciência. A filosofia não é mais objeto de manipulação da escolástica; é método de reflexão sobre a crise e os conflitos da sociedade. Na pratica, o que ocorreu foram várias guerras que grande parte dos historiadores chamam de “guerras religiosa”, mas o pano de fundo era a disputa pelo poder econômico e as mudanças que vinham ocorrendo no sistema de produção. O movimento, que culminou na  Reforma Religiosa, no final do Séc. XV, início do Séc. XVI, foi a expressão da crise do sistema de produção, que refletiu nas universidades. Enquanto instituição teológica, a Igreja mantinha sua hegemonia e um poder centralizado, mas começava a perder o controle dentro das universidades. Pois, de um lado havia os conservadores da Igreja Católica que reagiam às mudanças e de outro lado os Protestantes que sustentavam a idéia de uma nova forma de organização da sociedade, que fosse possível um Estado organizado sem a tutela da religião.

            

CRISE DA ESCOLÁSTICA/ORIGEM DO PENSAMENTO MODERNO

             

              A velha universidade não dava mais respostas às crises econômicas pois não estava preocupada com a produção do conhecimento científico, “a verdade não é particularmente importante, porque a religião não lida com verdade, mas com questão muito diferente de ‘verdade redentora’. É aqui, particularmente, que o cristianismo é um guia enganador para estas questões”[12]. Sendo o novo estado, uma nova forma de organização econômica, era também necessário que o próprio estado organizasse as novas universidades, organizando inclusive a forma de financiamento para as novas pesquisas. 

             A nova forma de organização da produção conhecimento científico, estava amparada nas mudanças empreendidas pelos mercadores nos primeiros momentos do capitalismo comercial. Isso provocou uma disputa pela hegemonia política e também pelo controle do poder ideológica da sociedade. Afinal de conta, os novos agentes sociais, precisavam de uma nova forma de organização que garantisse a liberdade para o exercício  de suas atividades, para garantir o lucro até então proibido pela Igreja Católica. Pelo pensamento tradicional, o lucro era tratado como egoísmo, sendo então considerado usura – pecado -  enquanto o pensamento moderno, tratou o egoísmo como algo inerente à própria natureza humana; portanto, como algo impossível de ser diferente. Portanto, no argumento  dos novos liberais, tudo o que é natural no ser humano, quando se muda é agressão à própria natureza humana. Esse é um exemplo de referencial teórico, que marca as divergências entre o pensamento mantido pela Clero tradicional e uma nova crença que surge para dar amparo ao novo universo de investigação científica.

            Mas sejam quais forem as qualificações, existem sérias razões para pensar que há, na natureza das coisas, um conflito fundamental entre religião, de um lado, e a busca da verdade de outro. A opinião comum encara a religião como hostil à ciência, e para a filosofia e a literatura poderia aplicar-se algo semelhante. Nessas circunstâncias, embora esta visão se ampare em uma série de equívocos, não é inteiramente falsa. E caso seja verdadeiro que em qualquer sentido deve haver conflito entre a religião e as universidades, então poderá parecer-nos estar diante de algo próximo a um paradoxo: embora a religião inspire a busca da verdade, ela também a constrange, e a liberdade acadêmica se torna uma pretensão reivindicada contra a religião[13]

              As transformações na ordem econômica, que movimentou o novo pensamento do homem moderno refletiu de forma direta e indireta nas universidades. A princípio, não se pode afirmar que os homens de negócios, (comerciantes e mercadores) exigiam alguma coisa das universidades, mas o que se sabe, é que muitos deles passaram pelas universidades e não viam muitos significados nos conteúdos tradicionais ensinados, tais como: o latim, o grego e outras línguas, que serviam apenas como instrumentos de dominação. O que os pensadores buscavam, era conhecimentos que fossem úteis para a vida prática, então, as universidades tinham que ser pragmáticas, porque a verdade sobre a natureza não interessa à religião. Nesse momento, segundo MINOGUE: “ O mundo moderno vive, largamente, à sombra de sua rejeição de um escolasticismo mecânico – um espírito, não o menos poderoso, entre aqueles que haviam, meramente,  aprendido tudo, escolasticamente, de livros de professores.”[14]

               A nova forma de organização do estado, estava fundamentada na argumentação da defesa dos interesses privados. Sendo a religião, também considerado assuntos de interesses privado, o estado teológico começa a cair cedendo lugar ao estado político. A religião continua defendendo a tese da salvação, do aprendizado para garantir a salvação. Entre as proibições da Igreja, o lucro era uma das coisas consideradas pecado, por fazer parte do egoísmo, entretanto a sociedade moderna considera o egoísmo coisas da natureza humana, sendo portanto, impossível de se modificado. Ao estado cabe então a tarefa de controlar e legislar sobre os problemas de interesses da vida, levando em consideração, que todas as atividades são movidas pelo egoísmo. Sendo o lucro, o objeto maior, procurado pelos renascentistas, a liberdade defendida por eles, não seria outro coisa senão os meios eficientes para atingir esses fins. Esses interesses são debatidos em todos os setores da sociedade e também nas universidades. Podemos concluir que a partir desse momento surgiram duas concepções de universidade; a primeira, que reagia as mudanças, mas que sustentava os debates; a segunda, fundamentada na teoria da produção das novas investigações e produção de novos conhecimentos. Mesmo reconhecendo os conflitos existentes entre a velha universidade e o novo modelo, que surgiu a partir das reformas, não se pode negar a importância histórica da Escolástica. Pois, todo o acervo de conhecimento antigo, foi armazenado por ela, entretanto ainda não há um reconhecimento sobre o sua função histórica porque não houve uma distinção entre a Igreja católica e a universidade. Pois:            

              Existe uma outra razão óbvia pela qual as origens medievais das universidades não tem merecido grande respeito. Os que não compreendem nem a natureza nem o valor das universidades são inclinados  a tratá-las como usinas tecnológicas; e a importância das universidades será julgada, conseqüentemente, nos termos de sua contribuição para a ciência e, particularmente, para a tecnologia.[15]  

              Na atualidade, o pensamento antigo não foi totalmente superado. O novo estado que surgiu para amparar a vida e direito privado, aproveitou tudo o que era útil para formar o pensamento hegemônico da sociedade liberal. A defesa da liberdade, foi a defesa do direito da ação privada, para acumular riqueza, a nova forma de organização política do estado, era a nova forma de organizar a instituição protetora do capital. Para isso, as universidades precisavam avançar em outras dimensões. A investigação científica foi o novo desafio das universidades. Essa disputa ideológica sobre a função social das universidades durou mais de quatrocentos anos, ou seja, começa no século XIV, com os nominalistas da Inglaterra, os renascentistas da Itália e a organização da universidade de Praga, mudando suas performances com a Revolução Industrial, no século XIX. “É sabido que a primeira universidade Alemã foi fundada em Praga (agregada a Alemanha na época), em 1347, por Carlos IV”.[16]

               Nos primeiros momentos da sociedade moderna, a defesa do novo modelo de universidade estava centralizado apenas na disputa do conceito de conhecimento e ciência. Dessa disputa surgiram as duas derivações de universidade; a primeira que sustentava o pensamento conservador, fundamentado na teologia e a segunda, que tentava a investigar sobre a natureza das coisas, para construir as novas bases do conhecimento para sustentar politicamente o novo estado que estava surgindo. Porém, o novo estado só poderia ser considerado útil, se a estrutura do corpo jurídico desse amparo ao novo modelo de produção. Então, a ciência também não teria nem um significado, caso não contribuísse com o acúmulo da riqueza. Com essa nova concepção, a universidade deveria investigar a natureza, descobrir tudo o que poderia ser útil, para ser transformado em objeto para o comércio, isto é, transformar em mercadoria tendo como fim último o lucro.

             O conhecimento científico deveria ser o suporte para o novo fazer humano, isto é, as novas invenções, amparadas nos novos conhecimentos científicos deveriam produzir também as técnicas, que seriam a base da economia da sociedade moderna. As descobertas científicas, que possibilitaram o desenvolvimento da economia capitalista, impulsionaram também uma nova divisão social no trabalho. Esse novo estado, defendido pelos liberais, pensado para defender interesses privados, trouxe consigo, a partir do século XVIII, a defesa do direito da propriedade intelectual e as técnicas, que são as novas invenções que surgiram a partir do desenvolvimento das ciências que passaram a ser consideradas um outro campo de estudo e investigação, passando a ser chamado então pelo binômio Ciência e tecnologia.

             Já no século XVII, comenta MINOGUE: Hobbes e Bacon “pertenciam a uma geração de homens muito entusiasmados com os avanços tecnológicos. Cada um deles pensava em termos de reino politicamente soberano, que podia ser organizado para produzir e gerar novas descobertas tecnológicas.[17]” Esses pensadores estabeleceram a caricatura do estado capitalista, acreditando ser possível, com a garantia da liberdade, uma organização política onde cada indivíduo pudesse colocar suas potencialidades em favor da investigação científica e da produção. Assim, o Estado de Direito seria a instituição para garantir como propriedade, toda a produção fruto do esforço humano, considerado necessário para garantia a vida. A propriedade deveria ser garantida, na visão dos liberais,  jusnaturalistas, porque o primeiro direito considerado por eles seria a vida. E sendo cada um responsável pela produção da sua existência, a vida seria garantida através da garantia da propriedade privada.   

                Com as mudanças na produção muda também a forma de organização das universidades. Afinal de conta era preciso instituições de ensino que acompanhassem a nova dinâmica da economia. A solução encontrada para resolver esses conflitos, a partir do  século XVII, foi a “criação de um grande número de Academias de Artes e Ciências, Escolas de Comércio, Seminários, Institutos Técnicos, Politécnicos, etc. Todos estes cuidavam da difusão de conhecimento útil[18]. A utilidade do conhecimento procurado,   a partir da consolidação do Estado capitalista, estava associado à possibilidade da produção de mercadoria e ao acúmulo de riqueza. Mas, as próprias universidades também passaram a ser tratadas como instituições rentáveis, pelo fato de serem elas as responsáveis pelos avanços da ciência e da tecnologia no estado capitalista, que representavam a possibilidade de riqueza. Então, as universidades passaram a ser tratadas também como empresas capazes de geração de lucro e de produção de Capital.

 

 

A UNIVERSIDADE NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL

 

               A sociedade industrial passou tratar as universidades como um braço de sustentação da produção econômica. Assim, os  novos conhecimentos seriam úteis, se estivessem na perspectiva de aumentar a produção. Da mesma forma, as próprias universidades passaram a ser tratadas como instituições lucrativas, ou seja, com o desenvolvimento industrial, um setor da classe burguesa viu a possibilidade de criar universidades/empresas para produzir conhecimentos para serem comercializados. Hoje, com a sociedade capitalista já consolidada, concluí-se que no mínimo temos três  concepção de universidade: As mais antigas, estão preocupadas com formação humana, porque estão enquadradas dentro de um estado teológico, mas que também fazem parte do modelo capitalista, devido aos financiamentos do ensino e da pesquisa; a segunda, é a universidade estatal, conhecida por todos como universidade pública; e por último, as universidades empresas, que estão preocupadas exclusivamente com os resultados imediatos, ou seja, esta última, que é mais uma empresa do que universidade está preocupada se suas atividades estão gerando riquezas. No século XX, no Brasil, o ensino privado tem sido o negócio mais lucrativo, porque não é atividade de risco.

               Os três modelos, acima citados, ambos estão a serviço do capitalismo, uma vez que o próprio estado, que é a instituição superior, não é outra coisa senão o estado da classe dos capitalistas. As primeiras, que se enquadram dentro das universidades confessionais, são instituições privadas do credo a que pertencem, logo o financiamento é feito pelo público que as utiliza. Quem paga, espera uma contrapartida, isto é, espera sair preparado para atuar na sociedade e lá é tratado como cliente, que paga um serviço e espera a qualidade. Ele recebe sim a qualidade mas trás consigo “de brinde” a ideologia do sistema capitalista para reproduzir a sociedade burguesa. As universidades criadas/mantidas pelo estados têm a mesma lógica. A elite burguesa, não conseguia fundar universidades, pela sua ignorância, associada às faltas  de recursos, financeiros ou a escassez de formação humana. Quanto aos recursos financeiros, a elite, principalmente a brasileira, sempre pensou em ganhar sem investir. Por isso, exigia que o estado organizasse as universidades estatais, para acompanhar a lógica da produção da economia capitalista. Com o desenvolvimento do sistema de produção capitalista, surgiram novas demandas, facilitando a criação de universidades empresas, principalmente com a consolidação da Economia Norte Americana, que passaram a financiar instituições de ensino superior, ocupando grande parte do espaço das universidades, trabalhando a pesquisa útil ao mercado capitalista e ao mesmo tempo preparando as pessoas para dar continuidade no sistema de produção do modelo capitalista.

No período que vai da década de 1860 até a época da Primeira Guerra Mundial , nos Estados Unidos ocorreram profundas mudanças no ensino universitário, como conseqüência lógica do desenvolvimento iniciado na Alemanha, com relação à pós-graduação e à organização de pesquisa científica. No referente à formação profissional e à graduação, a influência Alemã foi adaptada a uma tradição tipicamente Anglo-americana.[19]

                 A universidade Norte Americana, que adaptou a algumas características do modelo Alemã, tinha como finalidade acompanhar o desenvolvimento econômico; por isso a formação profissional e a especialização. A formação profissional, com caraterísticas de formação geral, na graduação; e a especialização, ao nível de pós-graduação, com a finalidade de preparação de profissionais nas áreas de pesquisa, porém, com a finalidade de preparar as pessoas para o novo modelo econômico que estava surgindo nos EUA. Um exemplo de Universidade, que se adaptou ao modelo econômico Norte Americano, é a Universidade de Harvard , que surgiu como colégio em 1636, em Boston, se expandindo como Universidade para Harvard na década seguinte.

                 Ligada simultaneamente ao Estado , pelo auxílio financeiro, e à Igreja, por constituição de sua organização e ideologia de suas atividades, conseguiu tornar-se independente das duas instituições: em 1823, recebeu o último auxílio financeiro da União e de qualquer outro organismo público até o século XX, tornando-se autônoma financeiramente: a mudança da composição do Conselho de Supervisores, introduzindo leigos já no século XVIII, marcou a primeira libertação do clero e, mais tarde, do seu controle político, afastando-se definitivamente de qualquer influência eclesiástica.[20]

                Assim, a nova concepção de Estado, foi decisiva na forma de organização das Universidades.  Hoje, as universidades brasileiras estão vivendo as crises, como reflexos das crises cíclicas da organização da produção econômica do modelo capitalista. O Brasil, por ser um país de capitalismo periférico, no seu relacionamento com o resto do mundo vive, um dilema, pela tentativa da separar as universidades da forma de organização política e econômica do estado. Hoje, as universidades brasileiras estão mais voltadas aos interesses empresarias. Observa-se, que:

              O capitalismo vem trazer solução ao problema científico do crédito de pesquisa: diretamente, financiando os departamentos de pesquisa nas empresas, onde os imperativos do desempenho e de recomercialização orientam com prioridade os estudos voltados para as “aplicações”: indiretamente, pela criação de fundações de pesquisa privadas, estatais ou mistas, que concede créditos sobre programas a departamentos universitários, laboratórios de pesquisa ou grupos  independentes de pesquisadores, sem esperar do resultado dos seus trabalhos um lucro imediato...”[21]               

                 Sendo este um assunto muito complexo, faz-se necessário um espaço maior de tempo, para aprofundar o assunto, ampliar conhecer novas bibliografias e conhecer mais sobre a concepção das universidades brasileiras, seus desafios e compromissos históricos, diante da dinâmica da organização do sistema capitalista.

        



[1] Professor de filosofia UNIOESTE campus de Foz do Iguaçu

[2] ABRÃO, Bernardette Siqueira (Org). História da filosofia. São Paulo:  Ed Nova cultural Ltda, 1999, p. 78.

 

[4] LUCKESI, cipriano e outros. Fazer Universidade: uma proposta Metodológica, 10ª edição ed. São Paulo: Cortez,  1998,  p. 30.

[5] ibid

[6] PESSANHA, José Américo Motta, vida e Obra de Stº. Agostinho. São Paulo: editora Nova Cultural,  1999, p. 11 e12

[7] ARRUDA, José jobson de A.. História Antiga e Medieval. 16ª edição, são Paulo: Ática,.1993,  p. 274.

[8] LUCKESI, Cipriano. Op. Cit.  p. 30-31. 

[9] MINOGUE, Kenneth R. O conceito de Universidade. Brsília: Tradução de Jorge Eira de Garcia vieira. Editora Universidade de Brasília, 1981. 

[10] LUCKÉSI, ibid

[11] idem p.32

[12] MINOGUE, P 31

[13] Idem, p. 30

[14] Idem, p. 22

[15] idem, p. 23

[16] PROTA, Leonardo. Um Novo Modelo de Universidade. São Paulo: Ed. Convívio, 1987,  p. 66

[17] MINOGUE, Idem p.24

[18] idem p. 25

[19] PROTA, idem p. 94

[20] idem, p. 104

[21] LYOTARD, Jean-François. A Condição Pós-Moderna. 6ª edição, Rio de Janeiro: tradução de Ricardo Corrêa Barbosa, Sindicato Nacional dos Editores de Livros, José Olympio, 2000.