A EDUCAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO CAPITALISMO: A
SEGREGAÇÃO DOS ELEMENTOS PERTURBADORES DA ORDEM BURGUESA
Alfredo Roberto de Carvalho
Nos últimos anos, a proposta de
inclusão social das pessoas com deficiência, nascida da própria luta daqueles que possuem graves dificuldades físicas,
ou sensoriais e ou cognitivas, vem provocando um acirrado debate entre os
defensores da mesma e aqueles que, por diversas razões, a toma enquanto algo
inrealisavel ou no mínimo muito distante da atual realidade social. Em relação
a educação, esta discussão tem
envolvido educadores pertencentes às mais diferentes correntes e tendências
pedagógicas e o debate de tal proposição não vem sendo feito com o rigor
teórico que o tema exige. A grande maioria, por desconhecer quais são as
necessidades específicas destas pessoas, qual o percentual da população que tem
algum tipo de deficiência e, fundamentalmente, a principal razão que as levam a
serem excluídas, ignoram-nas ou tomam-nas enquanto seres perturbadores da ordem
pré-estabelecida.
Antes de adentrar na discussão sobre
a educação da pessoa com deficiência na sociedade burguesa, apresentam-se
algumas considerações a respeito de quais têm sido as necessidades educativas
que se impõem a partir do desenvolvimento das relações capitalista de produção.
A implantação do capitalismo, que
resultou do desenvolvimento das contradições existentes no interior da
sociedade feudal, provocou profundas transformações econômicas, políticas e
sociais, as quais vão se consistir em características deste período histórico.
Rompeu-se com o modo de produção feudal e com as corporações de ofícios e
estabeleceu-se uma nova forma de propriedade onde o trabalho assalariado
transformou-se no motor do processo produtivo e na principal fonte produtora de
riquezas. Inicialmente ocorreu o advento das manufaturas, onde o trabalhador
passou a executar apenas atividades simples e rotineiras. Por último, devido à
crescente intervenção da ciência como força produtiva, passou-se ao sistema da
fábrica e da indústria e o homem passou a ser um simples acessório da máquina.
Tais transformações, que
representaram o fim do feudalismo e o surgimento do modo de produção
capitalista, fizeram com que aos poucos os tradicionais costumes medievais
fossem perdendo força e, em seu lugar, nascesse a cultura da sociedade moderna.
Para tanto, os novos donos do poder retiraram de cena a nobreza e o clero.
Os
burgueses compraram as suas terras; a pólvora derrubou os seus castelos. Os
navios apontavam agora as rotas de um continente remoto, mais inacessível do
que as princesas de Trípoli, que só
poderia ser conquistado mediante a indústria e o comércio (PONCE, 1992, p.
112).
Esse processo de transformação das
relações de produção, que deslocou massas inteiras da população não somente das
oficinas artesanais para as fábricas, mas, também dos campos para a cidade,
colocou novas necessidades sociais, dentre elas, a de uma educação formal que
fosse capaz de dar conta das exigências impostas pelo novo período histórico.
Este fato rompe com os tradicionais processos educativos existentes nas
sociedades classistas que o antecederam, em especial, o escravismo e o
feudalismo. Nesses modos de produção, os membros da classe detentora do poder
tinham uma educação diferenciada, que era o ensino escolar formal. Por sua vez,
aqueles que pertenciam às classes exploradas eram educados no próprio processo
produtivo, ou seja: "o povo se educava no próprio processo de trabalho.
Era o aprender fazendo. Aprendia lidando com a realidade, aprendia agindo sobre
a matéria, transformando-a" (SAVIANI, 1994, p. 153).
Desde cedo as novas classes sociais
do capitalismo colocaram-se em luta por uma educação que fosse capaz de
instruí-los, em conformidade com as exigências do novo tempo que estava
surgindo. "Esta será, apesar de suas contradições, uma característica
comum aos povos que se rebelaram contra a Igreja de Roma. Justamente dele
surgirá (...) a iniciativa mais avançada de novos modelos de instrução popular
e moderna" (MANACORDA, 1997, p. 194).
Destacaram-se, nas reivindicações por
uma educação voltada para os interesses da nova ordem social, os movimentos
reformadores e heréticos. Estas exigências, que eram transmitidas ao imaginário
das camadas populares enquanto uma necessidade religiosa, na verdade assentavam-se
em princípios econômicos e políticos, pois:
se
a necessidade de ler as Sagradas Escrituras e a capacidade de cada um
interpretar a palavra divina nelas contida está na base desta nova exigência da
cultura popular, é porém o desenvolvimento das capacidades produtivas e a
participação das massas na vida política que exigem este processo
(MANACORDA,1997, p. 198).
Com as mudanças políticas ocorridas
na sociedade burguesa, onde as relações entre os homens se desnaturalizam e
passam a ser regidas por leis "construídas" a partir de um
"contrato social", surge a necessidade de instrumentalizar o povo
para esta nova forma de relação entre os seres humanos. Este acontecimento
contribuiu para que a nova classe dominante vislumbrasse na extensão da educação
formal até os setores populares, o instrumento capaz de oportunizar ao conjunto
da população os conhecimentos e valores, que possam ser "úteis" à
nova ordem social.
A função da educação, enquanto
instrumento de preparação das pessoas para o exercício das atividades
políticas, é explicitada por um intelectual do século XVI:
antes
de tudo uma cidade bem ordenada precisa de escolas, onde as crianças, que são o
viveiro da cidade, sejam instruídas: engana-se gravemente, de fato, quem pensa
que sem instrução possa adquirir-se uma sólida virtude e ninguém é
suficientemente idôneo para governar as cidades sem o conhecimento daquelas
letras que contêm o critério do governo de todas as cidades (MELANCHTON apud
MANACORDA, 1997, p. 198).
Como já apontado, a necessidade de se
estabelecer e expandir uma nova educação, além das motivações políticas também
se deu por razões técnicas, impostas pelo desenvolvimento do processo
produtivo. Quando o antigo artesão foi arrancado de sua corporação e
introduzido na fábrica, que tem na ciência moderna uma de suas maiores forças
produtivas, também se viu expropriado de seu pequeno conhecimento. Com o avanço
do capitalismo para praticamente todo os cantos do mundo, surge a necessidade
de expandir a indústria, o que ocorre mediante o desenvolvimento da ciência e
da tecnologia. Tal acontecimento levou à substituição cada vez mais rápida dos
instrumentos e dos processos produtivos e, com isto, impo-se a necessidade de
trabalhadores razoavelmente instruídos, capazes de acompanhar o dinamismo dos
novos empreendimentos.
Diante da exigência imposta pelo
próprio processo de desenvolvimento das relações de produção capitalista,
filantropos,
utopistas e até os próprios industriais são obrigados, pela realidade, a se
colocarem o problema da instrução das massas operárias para atender às novas
necessidades da moderna produção de fábrica: em outros termos, o problema das
relações instrução-trabalho ou da instrução técnico-profissional, que será um
tema dominante da pedagogia moderna (MANACORDA, 1997, p. 272).
É sobre esse conjunto de
transformações e necessidades que a burguesia industrial propõe, nos países
capitalistas centrais, a generalização da educação escolar. Mas além dos
determinantes técnicos e políticos, que condicionaram tal acontecimento,
pode-se agregar aos mesmos uma forte razão de cunho ideológico assentada nos
princípios liberais da individualidade, da liberdade, da propriedade, da
igualdade e da democracia, os quais foram formulados pela burguesia com a
finalidade de combater as idéias feudais que naturalizavam as desigualdades
sociais e justificar a nova estrutura de classe surgida com o capitalismo. Para
os capitalistas, a nova ordem social é justa, pois permite a mobilidade social,
fato este que ocorre a partir dos méritos presentes em cada indivíduo.
Com a finalidade de oportunizar a
todos as mesmas condições para o desenvolvimento de seus méritos, a sociedade
burguesa propõe um instrumento que seja capaz de estar ao alcance de todas as
pessoas. Trata-se da constituição de uma educação pública, gratuita e de
qualidade, a qual deverá desenvolver as
potencialidades que estão presentes em cada um. Se com a escolarização, a
pessoa não ascender socialmente, a responsabilidade não poderá ser atribuída a
forma de organização do modo de produção capitalista mas, sim, ao próprio
indivíduo que não foi capaz de aproveitar as oportunidades que a sociedade lhe
ofereceu. Com isto, "as
implicações educacionais da nova doutrina, portanto, ultrapassavam o âmbito das
exigências do desenvolvimento técnico-científico, sustentando a própria
legitimidade das novas instituições econômicas e sociais" (XAVIER, 1990,
p. 61).
Com a ação destes três determinante (técnico, político e
ideológico), principalmente nos países
do capitalismo central, a educação formal foi estendida ao conjunto de toda a
sociedade e a mesma se tornou o
principal instrumento de transmissão do saber produzido e acumulado ao longo da
história da humanidade.
Após estas considerações a respeito
das necessidades educativas impostas pelo desenvolvimento do modo de produção
capitalista, cabe verificar qual o tipo de educação que vem sendo
disponibilizado para as pessoas com deficiência, bem como, os objetivos que a
mesma busca atingir. Segundo Silveira Bueno (1993),
muito
pouco tem sido escrito sobre a história da educação especial e o material
bibliográfico disponível a apresenta como decorrência da evolução das
civilizações, iniciando com a morte dos anormais na pré-história e culminando
com o esforço para integração do excepcional na época contemporânea (p. 55).
Ainda conforme este mesmo autor,
essas
interpretações sobre o percurso histórico dos excepcionais e da educação
especial reproduzem, por um lado, o cientificismo neutro que separa tanto os
primeiros quanto a segunda da construção histórica da humanidade, na medida em
que a excepcionalidade é vista como uma característica estritamente individual,
diferente da espécie, enquanto que a educação especial se confina ao esforço da
moderna sociedade democrática de integração desses 'sujeitos intrinsecamente
diferentes' ao meio social. Por outro lado, é fragmentada e descontextualizada,
na medida em que não os correlacionam nem com o desenvolvimento da educação em
geral, muito menos com as transformações sociais, políticas e econômicas por
que passaram as diversas formações sociais. Em decorrência, na medida em que
não partem das condições concretas de vida e das formas com que os homens se
organizam para produzir sua vida material, passam a considerar a 'sociedade
moderna', independentemente das formas de sua organização social, como o
período em que se está realizando a redenção dos excepcionais (SILVEIRA
BUENO,1993, p. 56).
Ao longo deste trabalho busca-se
mostrar que é preciso compreender o tratamento dispensado às pessoas com deficiência
na sua relação com o modo de produção da vida social. Da mesma forma, a
discussão a respeito da educação das pessoas com deficiência não deve ser feita
a partir
daquilo
que os homens dizem, imaginam ou representam, e tampouco dos homens pensados,
imaginados e representados para, a partir daí, chegar aos homens em carne e
osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida
real, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos
desse processo de vida (MARX e ENGELS, 1986, p. 37).
Ao consultar-se a historiografia a
respeito das pessoas com deficiência, pode-se
encontrar muitos autores que se dedicaram a pesquisa da história da
educação especial, com a finalidade de compreender como que a mesma vem se
desenvolvendo ao longo da sua existência. Ao comentar estes estudos, Silveira
Bueno (1993), afirma que
a
maior parte dos escritos que, de alguma forma, se dedica à história da educação
especial, considera o século XVI como a época em que se iniciou a educação dos
deficientes, através da educação da criança surda. Antes disso, segundo esses
autores, os deficientes eram encaminhados aos asilos, onde permaneciam
segregados e sem atenção, ou então, viviam como mendigos, sobrevivendo às
custas da caridade pública. Esse período é considerado como uma época de
precursores, por se restringir somente à criança surda, por não se desenvolver
através da instituição escola (como ocorrerá à partir do século XVIII) e por
envolver um número reduzido de deficientes (p. 58).
A maioria dos historiadores, que se
ativeram a pesquisar a história da educação das pessoas com deficiência,
afirmam que no século XVI, alguns educadores já se preocupavam com a educação
daqueles que pertenciam a tal segmento social, mais especificamente dos surdos.
Segundo estes autores, neste século
Cardan
inventou um código para ensinar os surdos a ler e escrever, à semelhança do
futuro código de escrita e leitura Braille para os cegos que surgiria apenas no
século XIX. Foi Cardan quem influenciou as idéias do monge beneditino espanhol
Pedro Ponce de Léon (1520 a 1584), muito dedicado à educação dos deficientes
auditivos e que nunca escreveu sobre seu método de trabalho (SILVA, 1986, p.
227).
Segundo a maioria dos pesquisadores,
a educação de pessoas com deficiência teve início na Espanha, ainda na primeira
metade do século XVI. Conforme os mesmos, o trabalho educativo junto a este
segmento social, foi iniciado com surdos pertencentes às elites da sociedade.
É
atribuído ao monge beneditino Pedro Ponce o papel de iniciador da educação
especial, através de seu trabalho com crianças surdas, iniciado em 1541, na
Espanha, tendo educado uma dezena de surdos-mudos, filhos todos eles de grandes
personagens da corte espanhola, morrendo em 1549 (QUIRÓS e GUELER apud SILVEIRA
BUENO, 1993, p. 58).
Ainda no século XVI, outras pessoas
procuraram contribuir para o desenvolvimento de um método que fosse capaz de
garantir o ensino as pessoas surdas. Dentre estas, encontra-se o médico francês
Laurent Joubert (1529 a 1582), o qual afirmava que
a
habilidade existia em toda e qualquer criança, mesmo nas nascidas surdas ou que
mais tarde viriam se tornar surdas. O mestre dessas crianças deveria agir com
paciência e cuidado, pois da mesma forma como uma criança aprende uma língua
estrangeira poderá aprender a se comunicar em seu próprio ambiente se ela for
surda. Devia o mestre começar por palavras simples e pequenas, reforçando
sempre as expressões faciais. E acrescentava sua enfática opinião: a criança
com deficiência auditiva aprenderia a falar mesmo sem se ouvir, desde que
ensinada com paciência (MULLETT apud SILVA, 1986, p.228).
Ainda segundo este mesmo autor (p.
242-243), no século XVII podem ser destacados como grandes expoentes na
educação de pessoas surdas, os nomes do espanhol Juan Pablo Bonet e do inglês
John Bulwer. O primeiro defendia que a melhor idade para que uma criança surda
pudesse ser ensinada a falar, era entre os seis e oito anos e, ainda, afirmava
que havia basicamente duas causas que levavam uma pessoa a não se expressar
oralmente: a mais importante era a surdez; a outra podia ser
algum eventual defeito na língua. O
último propunha que as pessoas, com um olhar observador, podiam entender o que
lhes é dito oralmente pela observação dos movimentos dos lábios e, desta forma,
buscando provar que uma criança nascida surda pode ser ensinada a ouvir o som
das palavras com seu olhar e de aprender a falar sua língua.
Além das referências ao trabalho de
preceptores de crianças surdas na Espanha e na Inglaterra, existem também
relatos sobre a atuação de outros profissionais em diversos países, tais como:
"na Itália (Francesco Lana Terzi), na França (Lucas e Rousset), na Holanda
(Johan Conrad Amman) e na Alemanha (Wilhelm Kerger), todos ainda no século XVII
ou início do XVIII" (QUIRÓS e GUELER apud SILVEIRA BUENO, 1993, p. 58-59).
Apesar dos relatos acima irem ao
encontro daqueles que afirmam que a educação das pessoas surdas foi iniciada
nos século XVI, existem outros que apontam que tais procedimentos já ocorriam
em períodos anteriores. Dentre estes,
cabe destacar:
Rodolfo
Agrícola (...), ainda no século XV, declarou (...) haver visto um surdo que
havia aprendido a ler e escrever, apesar de estar privado da audição desde seus
primeiros anos de vida e que, por conseqüência, era também mudo (...) Rabelais
no século XV, que incluiu em uma de suas obras (O terceiro livro de fatos e
ditos heróicos de Pantagruel) um personagem surdo que podia entender o que lhe
falavam, através da leitura dos lábios (...) e de Bartolo, que, ainda no século
XIV, deixou registrado o fato (...) de que um surdo poderia ter leitura de
lábios (QUIRÓS e GUELER apud SILVEIRA BUENO, 1993, p. 60).
Diante destes últimos relatos talvez
possa ser mais prudente afirmar que o processo de educação de pessoas surdas
seja anterior ao século XVI. Porém, mais importante do que datar o seu inicio é
perceber o seu caráter classista, pois,
na
Espanha a quase totalidade das crianças surdas educadas por preceptores
pertencia à nobreza, já na Inglaterra e na Holanda, esse atendimento se
estendia a negociantes abastados que já possuíam um certo poder, mesmo que
somente econômico, embora o poder político permanecesse nas mãos da nobreza
(SILVEIRA BUENO, 1993, p. 59).
A educação de pessoas cegas também
não é um acontecimento que teve início apenas no século XVIII. Existem algumas
informações que dão conta de que já nos primeiros tempos da sociedade burguesa,
alguns cegos foram educados e, mesmo apesar dos poucos recursos
didático-pedagógicos, alcançaram um bom nível de aprendizagem. Esta educação,
assim como aquela oferecida a surdos, também era um "privilégio"
daqueles cegos que pertenciam as classes dominante, pois,
a
par daqueles milhares de cegos infortunados, pertencentes ao povo miúdo, que
viviam à própria sorte ou internados em asilos, alguns poucos, nesse mesmo
período, conseguiram se destacar, não porque tivessem recebido atendimento
especializado, mas porque a limitação imposta por sua deficiência não impedia
nem o contato social, nem a aprendizagem de conhecimentos, com exceção da
escrita, porque ambos poderiam se basear exclusivamente na linguagem oral. É
claro que pertenciam às elites, mas não podem ser considerados como dependentes
ou desassistidos" (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 61).
Como fatos comprobatórios a respeito
da educação de cegos pertencente as elites dominantes nos primeiros séculos do
modo de produção capitalista, podem ser relatados o nome de algumas pessoas,
que ganharam destaque nos escritos de historiadores que buscaram compreender a
vida daqueles que possuíam algum tipo de deficiência ao longo do período.
Dentre estas, podem ser destacadas:
Antonio de Cabezón, compositor cego que viveu na Espanha ainda no começo do
século XVI, que foi
um
dos maiores e mais conceituados compositores de música para órgão da Espanha,
Cabezón nasceu em Castrillo de
Matajudíos no dia 30 de março de 1500 e morreu em Madri no ano de 1566. Cego
desde a primeira infância, conseguiu a custo superar todas as dificuldades que se
lhe interpunham e em 1521 conseguiu iniciar seus estudos em Palencia. Alguns
anos após, já com 26 anos de idade, foi designado organista e clavicordista da
Rainha Isabel da Espanha, tal a sua competência na execução da música sacra
nesses dois instrumentos (SILVA, 1986, p. 232).
Também são reconhecidas enquanto
pessoas cegas que ganharam grande destaque ao longo do período, os nomes de
Nicholas
Saunderson, no século XVII, se destacou como matemático, chegando a lecionar
algum tempo em Cambridge; Jacob de Netra, no mesmo século, elaborou sistema de
letras em relevo que, ao final de sua vida, se constituiu em pequena
biblioteca; Maria Thereza von Paradis, no século XVIII, tornou-se concertista
famosa (FRENCH apud SILVEIRA BUENO, 1993, p. 61).
Um dos casos mais ilustrativo é o do
escocês John Metcalf, o qual viveu durante o século XVI e ficou cego ainda
criança, com sete anos de idade. Sobre ele foi escrito que
sempre
foi muito hábil e de quando em quando as pessoas desconfiavam que não era cego
devido à sua extrema facilidade em se movimentar, cavalgar e em nadar. Sua
genialidade levou-o a dedicar muito de seu tempo à construção de pontes e de
estradas. Foi conhecido nos meios oficiais ingleses como 'Blind Jack'. Sua
competência comprovada na remodelação de estradas em péssimas condições e na construção
de pontes tornou-o uma figura imortal na história das estradas em todo o mundo
(SILVA, 1986, p. 251).
Antes de adiantar no tempo esta
pesquisa e adentrar na época da revolução industrial, faz-se necessário tecer
algumas considerações sobre a situação das pessoas com deficiência mental.
Segundo Silveira Bueno (1993, p. 62) a
maioria dos escritos a respeito do assunto apontam que, nos séculos XVI
e XVII, esses deficientes eram encaminhados aos asilos, já que não se
estabelecia qualquer diferença entre eles e os loucos. Segundo este mesmo
autor,
essa
afirmação é parcialmente correta por duas razões: em primeiro lugar, grande
parte dos deficientes mentais não eram detectados, na medida em que a realidade
social não exigia níveis de atuação individual que tornasse necessária a sua
determinação. Assim, somente aqueles hoje considerados como os mais graves é
que deveriam ser incluídos no rol da loucura (p. 62).
Porém, a internação nos hospícios e
asilos não pode ser entendida enquanto uma ação praticada apenas com os loucos
e aqueles que possuíam deficiência mental. Para lá também eram levadas pessoas pobres que fossem
cegas, surdas, possuidores de graves limitações físicas e outros considerados
enquanto elementos perturbadores da ordem vigente. "O que ocorreu, na
verdade, foi o isolamento daqueles que interferiam e atrapalhavam o
desenvolvimento da nova forma de organização social, baseada na homogeneização
e na racionalização" (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 63)
Ao findar a discussão a respeito do
processo de educação das pessoas com deficiência, nos séculos XVI e XVII,
pode-se afirmar que o mesmo representou
o
início do movimento contraditório de participação-exclusão que caracteriza todo
o desenvolvimento da sociedade capitalista, que se baseia na homogeneização
para a produtividade e que perpassará toda a história da educação especial
(SILVEIRA BUENO, 1993, p. 63).
O período subsequente é marcado pela
institucionalização da educação especial, com a criação das primeiras escolas
públicas destinadas ao atendimento de pessoas com deficiência. Este fato vai se
dar na França, na segunda metade do século XVIII, em plena agitação liberal por
mudanças políticas. A primeira, no ano de 1760, foi o Instituto Nacional de
Surdos Mudos e, logo em seguida, em 1784, era criado o Instituto dos Jovens
Cegos, que inicialmente tiveram a direção, respectivamente, do Abade L'Epée e
de Valentim Hauy. Após alguns anos,
enquanto
a escola de L'Epée adquiriu o estatuto de Instituto Nacional, a de Haüy se
transformou escancaradamente em asilo com trabalho obrigatório (...). [No
entanto] esse privilégio era apenas aparente. Embora a escola de surdos não se
transformasse abertamente em asilo, não se pode esquecer que ela também era um
internato. A diferença residia no fato do surdo poder controlar o ambiente,
possibilitando sua saída da instituição para o trabalho (SILVEIRA BUENO, 1993,
p. 69).
Foi no instituto de cegos de Paris
que um jovem de 15 anos desprovido da visão desenvolveu um sistema de pontos em
relevo, o qual deu um grande impulso no processo de escolarização daqueles que
necessitam desenvolver a leitura por meio do tato. O seu criador foi Louis
Braille, em 1824, o qual passou, a partir de então, a dedicar boa parte de seu
tempo tentando fazer com que seu sistema fosse aceito pela instituição da qual
fazia parte. "O sistema braille só foi reconhecido oficialmente pelo
Instituto como o ideal na substituição da linguagem escrita, em 1854, isto é,
dois anos após a morte de seu criador" (FRENCH apud SILVEIRA BUENO, 1993,
p. 74). Segundo este mesmo autor,
Louis
Braille nasceu em Coupvrai, em 1809, filho de um seleiro. Ficou cego por um
ferimento com uma sovela, quando brincava na oficina de seu pai, aos três anos
de idade; a infecção pelo ferimento logo se alastrou para o outro olho. Apesar
da cegueira, Braille foi aceito na escola de sua cidade, destacando-se como
aluno dedicado e inteligente, onde permaneceu até os dez anos, quando a escola foi fechada por
divergências entre o pároco e o mestre-escola. Como não tinha possibilidades de
se deslocar para a cidade vizinha, como fizeram muitos de seus colegas, Braille
foi encaminhado para o Instituto dos Jovens Cegos, onde se destacou também como
estudante e, depois, como professor, além de seus dotes como pianista e
organista (FRENCH apud SILVEIRA BUENO, 1993, p. 73).
A partir da consolidação destas
instituições de ensino na França, a grande maioria dos países acabaram adotando
tais procedimentos. No Brasil, segundo Silva (1986, p. 285-287), ainda na
segunda metade do século XIX, foram criados o Imperial Instituto dos Meninos
Cegos, atualmente Instituto Benjamim Constant e o Instituto dos Surdos-Mudos,
hoje conhecido como o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).
Segundo Silveira Bueno (1993, p. 64), a análise a respeito da educação
especial que começou a ser estabelecida a partir do século XVIII, com a criação
das
primeiras instituições na Europa, vem
sendo feita somente através da perspectiva da extensão das oportunidades
educacionais. Na opinião deste autor,
se o surgimento das primeiras
instituições escolares especializadas correspondeu ao ideal liberal de extensão
das oportunidades educacionais para todos, aspecto sempre presente na educação
especial no mundo moderno, respondeu também ao processo de exclusão do meio social
daqueles que podiam interferir na ordem necessária ao desenvolvimento da nova
forma de organização social (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 64).
Com a criação das instituições de
ensino especializado para cegos e surdos, a sociedade burguesa buscou resolver dois
problemas: retirar estes "desajustados" do convívio social e fazê-los
minimamente produtivos para torná-los úteis ao capitalismo. Desta forma,
"a situação desses dois tipos de deficientes, em verdade, era muito
semelhante: mão-de-obra manual e barata, reunida em instituição, que retirava
os desocupados da rua e os encaminhava para o trabalho obrigatório"
(SILVEIRA BUENO, 1993, p. 69).
A bem da verdade, é importante
salientar que tais procedimentos não atingiam a todas as pessoas cegas ou
surdas, pois enquanto,
aos
cegos e surdos pobres se reservava trabalho manual imbecilizante, um arremedo
de salário quando muito, ou senão um catre e um prato de comida. Os que não
tiveram o infortúnio de nascerem pobres, marca muito mais significativa do que
a surdez e a cegueira, apesar de sofrerem limitações impostas por suas
deficiências, puderam, contudo, usufruir da vida familiar e da riqueza
produzida (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 70).
Neste sentido pode-se afirmar que a
condição de classe social a que pertence a pessoa com deficiência, pode ser
mais significativa na determinação da sua trajetória social do que uma
cegueira, ou uma surdez, ou uma limitação física e ou algum problema cognitivo.
Para demonstrar este caráter classista na determinação da existência das pessoas
com deficiência, é importante comparar a vida de Metcalf (nascido em 1717) e de
Braille (1809-1852), ambos cegos e pertencendo a classes sociais antagônicas.
Metcalf,
sem o concurso de qualquer instituição especializada, cem anos antes tornou-se
comerciante, viajante e projetista de estradas, mantendo vida totalmente
independente. Braille, a quem o mundo reverencia, a ponto de ter, em 1952, seus
restos mortais transferidos de sua cidade natal para o Pantheon de Paris - que
criou, aos quinze anos de idade, sistema substitutivo da escrita até hoje
considerado o mais adequado, que estudou no Collége de France e que obteve
notoriedade junto à elite de sua época por seus dotes artísticos e por
sua inteligência - esse mesmo Braille não conseguiu reunir condições
para se tornar independente do Instituto (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 75).
Ainda no final do século XIX a
prática em relação às pessoas com deficiência mental continuou praticamente a
mesma do inicio do capitalismo, ou seja, a internação em hospícios, embora,
cada vez mais, aqueles que apresentavam condições mínimas também passaram a ser
obrigados a se submeterem às exigências do processo produtivo. Este fato pode
ser observado nas palavras de Chambart, o qual afirmava que:
não
se pode transformar uma criança idiota num homem inteligente (...) mas é
possível, graças a um conjunto de recursos higiênicos e pedagógicos que não
podem ser aplicados senão em estabelecimentos especiais (...) desenvolver o que
resta dos suprimentos cerebrais, transformando um bruto inconveniente,
perigoso, inútil e perturbador em um sujeito decente, inofensivo e capaz de
prestar à sociedade alguns serviços em troca dos cuidados e da proteção que
recebe dela (CHAMBART apud PESSOTTI, 1984, p. 164).
A partir da adoção de tais
procedimentos, além da prática segregativa das pessoas com deficiência mental,
verificado no período medieval, o capitalismo buscou fazer com que estas
ajudassem a aliviar o "pesado fardo social" que as mesmas
representam. Chambart, procura justificar tal procedimento afirmando que
"cumprindo o dever de assistir o idiota, "a sociedade tem o direito
de exigir do idiota (...) que ajude (...) a aliviar a carga que esse lhe
impõe", o que "só se consegue ensinando o idiota a não destruir e a
trabalhar (...)" (CHAMBART apud PESSOTTI, 1984, p. 164).
Ao longo do século vinte, a prática
segregadora dos que não estão ajustados à lógica de funcionamento do
capitalismo, continuou sendo desenvolvida pela educação especial. Agora esta,
além de dar conta daqueles com deficiência físicas, ou sensoriais e ou
cognitivas, estendeu seus tentáculos e abocanhou pessoas com distúrbios
emocionais e de linguagem, as quais passaram a ser a grande maioria de seus
"educandos". Desta forma, a expansão da educação especial, iniciada
no século passado [século XIX], foi assumindo, no decorrer do século XX,
proporções cada vez maiores, que se encaminharam no sentido de sua
institucionalização como sub-sistema significativo dentro do sistema
educacional, na maioria dos países ocidentais. A expansão quantitativa ocorreu,
de fato, nos países capitalistas
centrais. Nestes, o crescimento das matrículas em educação especial sobrepujou
o das matrículas gerais (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 76-77).
A educação especial brasileira,
nascida no século XX, com a criação dos institutos imperiais para meninos
surdos e cegos, segue basicamente a mesma trajetória ocorrida nos países
desenvolvidos, ou seja:
expansão
da rede de atendimento, absorção de crianças com problemas antes não
incorporadas por ela, diversificação dos serviços oferecidos e organização no
plano nacional como sub-sistema educacional, mas, como sistema capitalista
periférico e devido às suas próprias especificidade econômicas, políticas e
culturais, apresenta um percurso que, embora tenha como base a expansão da
sociedade capitalista, responde a essas peculiaridades (SILVEIRA BUENO, 1993,
p. 21).
Como decorrência destes fatores, a
expansão da educação especial no Brasil não tem sido suficiente para dar conta
de toda a demanda que lhe vem sendo atribuída e muitos daqueles que dela
realmente necessitam permanecem sem condições de ter acesso a mesma.
apesar
de ter se expandido durante todo este século e mais intensamente a partir dos
anos 60, grande parte da população excepcional não é por ela absorvida em razão
do número reduzido de vagas em relação à sua incidência; assim, ao contrário
dos países centrais, onde, pelo menos os deficientes mentais, físicos,
auditivos e visuais têm garantido o acesso a escolaridade, em nosso país
somente uma pequena parcela consegue ingressar na escola (SILVEIRA BUENO, 1993,
p. 21).
No Brasil, assim como nos demais
países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, as políticas educacionais
voltadas às pessoas com deficiência vêm reproduzindo a estrutura classista presente
na sociedade capitalista. Esta reprodução vem se aprofundando devido à falta
de investimentos públicos em recursos
humanos e materiais para a escolarização das mesmas, o que faz com que a grande
maioria dos surdos, dos cegos e daqueles com graves dificuldades físicas e ou
cognitivas, fique sem possibilidade de ter acesso a uma educação de qualidade.
Além
disso, ao lado da rede pública, a rede privada de educação especial assume
papel preponderante na medida em que foi e continua sendo responsável por ampla
parcela do atendimento oferecido, através de entidades
filantrópico-assistenciais, de um lado, e, de outro, através de empresas
prestadoras de serviço de alto nível técnico e elevado custo financeiro. Essa
expansão da rede privada de educação especial traz como conseqüências
principais, por um lado, a manutenção do atendimento dos excepcionais no âmbito
do assistencialismo em oposição ao respeito aos seus direitos como cidadão e,
por outro, a distinção entre o atendimento dos excepcionais dos extratos
superiores (aos quais são garantidos serviços de saúde e de educação
qualificados) e dos oriundos das camadas populares, objeto da caridade pública
(SILVEIRA BUENO, 1993, p. 21-22).
Na discussão a respeito da história
da educação das pessoas com deficiência, pode-se perceber que esta se deu
conforme as necessidades imposta pelo processo de desenvolvimento capitalista.
Também verificou-se que a mesma reproduziu as relações de classe existentes na
sociedade e que a educação especial, que no seu início atendia apenas aqueles
com deficiências sensoriais, ou físicas e ou cognitivas, ao passar a incluir,
enquanto objetos de sua ação, uma grande quantidade de alunos
que podiam estar se beneficiando das
salas de aulas comuns, passou a funcionar enquanto instrumento ideológico, no
sentido de que acaba atribuindo o fracasso escolar a razões intrínsecas ao
próprio educando. Desta forma,
ao
contrário do que afirma a grande maioria dos estudos que se dedicam à história
da educação especial, além da ampliação de oportunidades educacionais às
crianças que possuíam dificuldades pessoais que prejudicavam sua inserção em
processos regulares de ensino, a ampliação da educação especial espelhou muito
mais o seu caráter de avalizadora da escola regular que, por trás da igualdade
de direitos, oculta a função fundamental que tem exercido nas sociedades
capitalistas modernas: o de instrumento de legitimação da seletividade social
(SILVEIRA BUENO, 1993, p. 80).
Nos últimos anos, enquanto resposta
às muitas décadas de lutas dos movimentos de pessoas com deficiência contra as
práticas segregadoras a que estão submetidas, algumas conferências, debatendo o
assunto, propuseram o paradigma de sociedade inclusiva, o qual dentre outros
postulados, preconiza que a educação escolar deste segmento se dê nas
instituições de ensino comum, junto aos demais alunos. Estes postulados
encontram-se contidos em documentos como a Declaração de Salamanca, a qual
enuncia logo no seu primeiro parágrafo:
nós,
os delegados da Conferência Mundial de Educação Especial, representando 88
governos e 25 organizações internacionais em assembléia aqui em Salamanca,
Espanha, entre 7 e 10 de junho de 1994, reafirmamos o nosso compromisso para
com a Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e urgência do providenciamento de educação para as crianças, jovens e
adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de
ensino e reendossamos a Estrutura de Ação em Educação Especial, em que, pelo
espírito de cujas provisões e recomendações governo e organizações sejam
guiados (BRASIL, 1997, p. 9).
Esta proposta, que vem sendo
implantada em muitos países, é apresentada à sociedade brasileira no momento em
que a educação está sofrendo uma série de reformas, que têm por finalidade
adequá-la ao novo processo de acumulação capitalista, o qual assenta-se na
introdução de novas tecnologias, na minimização do estado e na diminuição dos
direitos adquiridos pelos setores explorados. Essas reformas ocorrem num
momento de aprofundamento das desigualdades sociais e têm por finalidade
ampliar o número de matriculados, articulam-se perfeitamente à ideologia
liberal, pois, conforme a
sua pregação, ao se disponibilizar
educação para todas as pessoas promove-se a equiparação de oportunidades a
todas elas, independentemente de suas condições sociais.
Além deste pressuposto ideológico do liberalismo, a
proposta de educação inclusiva assenta-se em três falsas premissas, as quais
afirmam que
a
sociedade está se tornando cada vez mais inclusiva, adaptando-se às necessidades
especiais de seus cidadãos e descartando as atitudes discriminatórias frente às
diferenças individuais. As pessoas estão ficando mais empoderadas em todos os
setores de atividade não aceitando imposições por parte de outras pessoas. Os
governos, as empresas e as entidades estão procurando trabalhar em parceria
(cooperação, alianças estratégicas) para solucionar os problemas da escassez ou
falta de recursos nas áreas de saúde, reabilitação, biopsicossocial e/ou
profissional, educação escolar, educação profissional, colocação em empregos
competitivos, geração de empregos e trabalho, geração de renda, etc (PARANÁ,
2000).
A falsidade de tais premissas reside
no fato de que na sociedade capitalista aumenta todos os dias o número de
pessoas que estão excluídas do trabalho, do consumo, do lazer, dos serviços
sociais e da cultura. Não é verdade também, que "as pessoas estão ficando
mais empoderadas", pois, embora as informações circulem nos tempos atuais
com mais rapidez, elas não podem garantir poder para os homens por duas razões básicas: a primeira é a de
que a principal fonte de poder reside no controle dos meios de produção e a
segunda está no fato de que as informações que chegam até as pessoas, quase
sempre, não correspondem à verdade e são apenas ideologias a serviço das
classes dominantes. Por fim, também é falsa a premissa de que os governos, as
empresas e as entidades estão procurando trabalhar, em parceria (cooperação,
alianças estratégicas). Na verdade, vive-se no processo social do "Estado
Mínimo", com a tríade do ajuste estrutural, comandado pelos países ricos:
desregulamentação, descentralização e privatização.
Apesar da proposta de educação
inclusiva estar alicerçada nas premissas do neoliberalismo, as discussões sobre
a proposta de educação inclusiva e a luta pela sua concretização, vem se
constituindo num espaço privilegiado para a formulação de novas abordagens que
possam permitir uma melhor compreensão dos verdadeiros problemas que as pessoas
com deficiência vêm enfrentando para sobreviver na sociedade capitalista.
Estas abordagens apontam no sentido
de que as pessoas com deficiência necessitam não somente reivindicar o direito
de estudar na escola comum, mas também, exigirem o acesso ao trabalho e a todos
os bens culturais produzidos pela humanidade, para que, de posse dos mesmos,
possam ir rompendo com as amarras que as tornaram vítimas da filantropia e da
caridade. Para tanto, elas necessitam estar envolvidas nas suas lutas imediatas
e naquelas outras que ocorrem em seu meio circundante. A adoção desse
procedimento, com certeza não irá tirá-los da sua histórica condição de
excluídos sociais. No entanto, pode incluí-los junto àqueles que lutam pela
construção de uma nova sociedade, onde as pessoas não sejam, só pelo fato de
possuir uma deficiência, tomadas enquanto um elemento perturbador da ordem
social e, com isto, obrigadas a uma vida segregada.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Direitos Humanos.
Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
(CORDE). Declaração de Salamanca (UNESCO)
de princípios, política e prática para
as necessidades educativas especiais. Brasília: CORDE, 1997.
MANACORDA, M. A. História da educação: da Antigüidade aos nossos dias. São Paulo:
Cortez, 1997.
MARX, K. e ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: HUCITEC,
1984.
PARANÁ. SECRETARIA DE ESTADO DA
EDUCAÇÃO. Política de educação inclusiva para o estado do Paraná (documento
preliminar). Curitiba/Pr, 2000. (mimeo)
PESSOTTI, I. Deficiência mental: da superstição à ciência. São Paulo: EDUSP /
Queiroz, 1984.
PONCE, A. Educação e luta de classes. São Paulo: Cortez, 1992.
SAVIANI, D. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias.
In: FERRETTI, C. J. Novas tecnologias,
trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994.
SILVA, O. M. A epopéia ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e
de hoje. São Paulo: CEDAS, 1986.
SILVEIRA BUENO, J. G. Educação especial brasileira:
integração/segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC, 1993.
XAVIER, M. E. S. P. Capitalismo e escola no Brasil.
Campinas/SP: Papirus, 1990.