A CONCEPÇÃO DE PODER EM MICHEL FOUCAULT E AS RELAÇÕES DE PODER NA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE#
Paulino
José Orso*
Esta
dissertação trata das relações de poder. Inicialmente, procuramos compreender
como Michel Foucault compreende o poder, ou melhor, para ele não existe o
poder, mas sim relações de poder, que através de seus mecanismos atua como uma
força coagindo, disciplinando e controlando os indivíduos. Para Foucault, na
modernidade, à medida em que foram mudando as relações sócio políticas e
econômicas, também foram sendo produzidas novas relações de poder, mais
adequadas às necessidades do poder dominante. Este processo atinge um tal grau
de eficiência, complexidade/simplicidade que o poder parece adquirir vida
própria, como se prescindisse dos indivíduos. Assim, o poder parece
simplesmente funcionar independente dos indivíduos. Através do aparato
ideológico, burocrático e bélico, o poder se exerce, coagindo e fazendo com que
os indivíduos se submetam, pois, apesar de o poder parecer invisível, adquire
força na medida em que os indivíduos transformam-se numa espécie de correia de
transmissão e de reprodução. De acordo com essa concepção, o poder de uma forma
rude e grosseira, evolui e apresenta-se de forma sofisticada e sutil.
Procuramos
nos servir desta concepção de poder, para poder analisar mais diretamente as
relações de poder exercidas no interior da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – UNIOESTE –, principalmente, entre 1991 e 1995, período este em que
esta instituição sofreu uma série de arbitrariedades.
Depois de
procurar sistematizar a concepção de poder de acordo com a perspectiva de
Michel Foucault, analisamos rapidamente as relações de poder na universidade
brasileira para, finalmente, analisar as relações de poder na Unioeste.
No que
tange às relações de poder exercidas na universidade brasileira, nos valemos de
contribuições de intelectuais como Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro,
Nelson Werneck Sodré, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes e Hélio Jaguaribe.
Estes autores nos ajudam a compreender como foi se formando nossa cultura, que Sodré
denomina de “civilização transplantada” e que Darcy Ribeiro define como
“cultura transplantada”. Buarque de Holanda reforça esta idéia dizendo que “de lá (dos países ibéricos) nos veio a
forma atual de nossa cultura; o resto foi matéria que se sujeitou mal ou bem a
essa forma”.
De acordo
com esta ótica, dos países Ibéricos teríamos herdado o mandonismo, o
personalismo e o aventureirismo. Assim como, “a vontade de mandar e a
disposição de cumprir ordens são-lhes igualmente peculiares”. Da conjugação destas
características, na sociedade brasileira surgem o centralismo, o patriarcalismo
e coronelismo em que “a entidade privada prevalece sempre ... Onde prevalecem
necessariamente as preferências fundadas em laços afetivos, não podia deixar de
marcar nossa sociedade, nossa vida pública... O resultado era predominarem, em
toda a vida social, sentimentos próprios à comunidade doméstica... uma inversão
do público pelo privado”, afirma Sérgio Buarque de Holanda. Nesse mesmo
sentido, Raimundo Faoro ressalta que “apropriando-se dos cargos administrativos
e monopolizando-os, a dominação patrimonial não estabelece distinção entre as
esferas pública e privada, confundindo-as no cotidiano em benefício de seus
interesses pessoais e do seu arbítrio”. Desta forma, diz José Nildo Tavares,
“pela violência ou pelo consenso, através de emboscadas ou dos laços de
compadrio, jogando com a lealdade e a traição, a grandeza dos gestos e a
mesquinhez das ações, o senhor patrimonial impõe uma ordem estável e expande
uma concepção de mundo que sedimenta essa ordem ... em geral estende ao público
os seus interesses privados”.
Assim,
quer seja pelos atos de força escrachados, quer através pelo patrimonialismo
e/ou seu co-irmào o mandonismo, a universidade brasileira tem padecido sobre as
diversas formas de arbitrariedades, ambas nocivas à sua própria função,
contribuindo para o atual estado em que ela se encontra e para a reprodução das
classes privilegiadas.
Com o
golpe de 1964, as tendências centralizadoras e autoritárias se manifestam de
forma mais explícitas. Isto pode-se verificar principalmente na USP, UNB, UFMG
e na UNICAMP, onde “a intervenção realmente foi ... uma catástrofe tão
grande... de um autoritarismo tão baixo ... que realmente levantou desde aquele
pequeno cientista mais concentrado na sua pequena cátedra dentro de seu
minúsculo laboratório até o militante mais exaltado”, diz Jurandir Fernando
Ribeiro Fernandes. José Arthur
Giannotti diz que a universidade se transformou numa “enorme máquina, altamente
sofisticada e complexa, que engole e produz saberes, sábios e sabidos” e
administrar virou sinônimo de “vigiar e punir”, diz Antonio Muniz de Rezende.
A UNIOESTE
está sediada numa região de colonização recente, desbravada por “aventureiros”
vindos do Sul do país, ávidos de conquistas e lucros, que começam submetendo os
nativos e depois estendem sua dominação a todos os que se antepõem. Controlando
a economia, também impõem seu controle sobre o poder político e ideológico.
Assim, as elites regionais sempre procuraram colocá-lo a serviço de seus
interesses. Todas vezes que alguém ousasse desafiá-la tentado viabilizar a
realização de outros projetos, não mais do que imediatamente, apesar de
competirem entre sim, sabiam identificar em seus adversários inimigos maiores,
sendo razão suficiente para deixar momentaneamente de lado suas pequenas
adversidades, para unirem-se e desbancarem aqueles que consideravam seus
“inimigos”. Assim, por exemplo ocorreu, em 1992, quando houve eleições e o
governador Roberto Requião nomeou um interventor. A partir daí, a começar pelo
processo eleitoral, seguiram-se uma série de arbitrariedades e todos os que
ousavam manifestar-se contrários eram pronta e imediatamente perseguidos.
Muitos sofreram inquéritos administrativos abusivos e alguns chegaram a ser
exonerados; outros acabaram pedindo demissão e/ou transferência para outras
instituições. “A arbitrariedade nunca vem só ... com um ato arbitrário,
tornam-se necessárias muitas outras arbitrariedades para sustentar o primeiro”.
Como diz Visconde de Ouro Preto, “na cúpula ‘com a precisão e a rapidez de uma
guilhotina’ executam-se os indisciplinados e os contestantes ‘sem demorado
sofrimento’”.
Ao final
da pesquisa, constatamos que a concepção de poder em Michel Foucaul revelou-se
insuficiente para explicar e compreender as relações de poder exercidas tanto
na universidade brasileira, como na Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
Verificamos que o patrimomialismo e o mandonismo, o uso do poder de forma
grosseira, é a marca do poder, ao menos nesse período.
Ou seja,
os fatos e as relações de poder vividos na Unioeste revelam que não podem ser
compreendidos se forem analisados apenas no âmbito da instituição. Estão
relacionados ao contexto mais amplo, à realidade brasileira, ao atual estágio
de desenvolvimento do modo de produção capitalista e às características típicas
dos grupos e classes dominantes locais.