Dante Moreira Leite e a Crítica à Ideologia do
Caráter Nacional Brasileiro*
Aléxia Pádua
Franco, João Carlos da Silva e Maria Cristina Pina**
“O
homem não tem natureza, tem apenas história”
(Evaldo Cabral de Mello)
Dante Moreira Leite (1927-1976), formado em filosofia pela USP e
professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho nesta mesma
instituição, realizou pesquisas, cujo tema central foi a questão das
diferenças, dos preconceitos e estereótipos disseminados pela cultural letrada.
Suas investigações voltadas mais para a área da psicologia têm caráter
interdisciplinar ao dialogar com a antropologia e sociologia em busca de uma
abordagem cultural e social para questões psicológicas e individuais, e com a
literatura, procurando interligar razão e sensibilidade.
O livro “O caráter nacional brasileiro: história de uma
ideologia” é resultado de sua tese de doutorado defendida em 1954, na Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da USP, e reescrita em 1968 para publicação.
Nele é feita uma discussão sobre a ideologia do caráter nacional brasileiro, a
partir do percurso histórico das idéias produzidas sobre o Brasil pela cultura
letrada desde a chegada dos portugueses no século XVI até meados do século XX.
Assim, Dante Moreira Leite elabora uma análise crítica dos estereótipos e
ideologias presentes nos escritos clássicos sobre o Brasil, de Pero Vaz de
Caminha até autores contemporâneos seus, com a intenção de mapear as raízes e
características desse caráter nacional e suas implicações. Antes, porém, na
primeira parte do livro, o autor discute as diferentes formulações do caráter
nacional de um país elaboradas pela cultura letrada européia (França, Alemanha)
e norte-americana, a qual influenciou os escritos sobre o Brasil.
Através destas análises, Dante Moreira Leite demonstra as
contradições e a fragilidade das formulações sobre o caráter nacional que
apresentam os aspectos psicológicos de um povo sem relacioná-los com fatores
econômicos, políticos e sociais que neles interferem. Denuncia, também, a
tentativa de generalizar características particulares de um grupo ou classe de
uma época/local específicos, como se fossem de toda uma nação e a criação de
preconceitos ao estrangeiro que justifica a continuidade do desprezo e
dominação de uma classe ou povo sobre outro. Em suma, Leite procura mostrar
como as formulações do caráter nacional são pseudocientíficas e constituem
ideologias conservadoras ou burguesas que deformam a realidade no intuito de
fortalecer e manter o status quo.
Segundo Bosi (1983, p. XXIV), as reflexões de Dante Moreira
Leite fazem-nos pensar se há um “caráter nacional, ou apenas formas históricas
e mutáveis de aculturação diferentes para cada classe social ou para cada grupo
etário?”. Na sua luta contra o racismo, contra os nacionalismos de direita
ainda remanescentes da II Guerra Mundial e contra as justificativas de
dominação de um povo sobre outro próprias do imperialismo, Leite defende a
segunda alternativa, apoiando-se na psicanálise de Freud e no marxismo.
Em Marx, Leite identifica-se com a preocupação com os aspectos
sócio-econômicos que interferem nos traços psicológicos e culturais de um povo
e com a abordagem que visa estudar mais o caráter de classe do que de nação, ou
seja, que enfoca as lutas de classe dentro de uma sociedade e não a questão da
homogeneidade nacional. Por outro lado,
em Freud, o autor encontra o pressuposto de que, para além das pretensas
personalidades nacionais, há um gênero humano geral, uma unidade biopsíquica
criada na tensão entre o desejo (id) e a censura deste pelas instituições
sociais (superego).
Antes de fazer as análises críticas mais específicas sobre as
formulações do caráter nacional brasileiro, e até para norteá-las, Dante
Moreira Leite faz uma contextualização da origem do sentimento nacionalista na
história européia, observando suas diferenças e semelhanças com outros
sentimentos como a xenofobia e xenofilia, etnocentrismo e racismo que também
envolvem a relação entre conhecidos e interferem na relação do conhecido com o
estranho.
Inicialmente, ele observa como os contatos entre o conhecido e o
estranho geram sentimentos ambivalentes. A reação ao estranho pode envolver
tanto o medo, desconfiança, preconceito, rejeição (xenofobia) quanto à
curiosidade, desejo de descobrir e conquistar. A reação ao conhecido pode ser
de prazer, conforto, harmonia ou tédio, desinteresse, desprezo (xenofilia).
Além disso, tais
contatos que existem deste a Grécia Antiga e são cada vez mais freqüentes entre
diferentes culturas (fenômeno que Leite denomina de cosmopolitismo) podem ser
construtivos, quando muitas civilizações desenvolvem-se após o contato com
outros costumes, estimuladas pela diversidade e antagonismo, ou destrutivos,
quando um grupo destrói a cultura do outro como os europeus fizeram com os indígenas.
Outro conceito trabalhado por Dante Moreira Leite é o de
etnocentrismo que representa o costume de colocarmos o grupo a que fazemos
parte como o centro de tudo, superior aos outros. Apresenta a posição de Summer
que o liga aos sentimentos de patriotismo no qual as massas opõem-se a
universalidade, auto-afirmam-se enquanto grupo, e de chauvinismo que é o
patriotismo com violência, desencadeando no autoritarismo. Leite discorda de
Summer, pois para ele não há uma ligação natural entre etnocentrismo e
patriotismo (sentimento nacionalista): enquanto o segundo é em relação a um
país que não tem costumes homogêneos, o primeiro ocorre em grupos menores, com
costumes homogêneos. Além disso, para Leite, o sentimento nacionalista não é
espontâneo das massas, mas sim imposto pelos grupos dominantes.
Por último, Dante Moreira Leite examina as diferenças e
semelhanças entre o racismo e o nacionalismo. Enquanto o primeiro justifica a
desigualdade por questões biológicas, naturais e existe dentro de uma nação para
justificar divisão de classes/castas, o segundo justifica hierarquias entre
nações e tem um conteúdo histórico, cultural e político. No entanto, o racismo
aproxima-se do nacionalismo, quando é utilizado para justificar o domínio de um
povo sobre outro, como ocorreu no expansionismo colonial. O darwinismo social
que argumenta cientificamente que a evolução da humanidade dá-se pela dominação
e até destruição das raças menos capazes por raças superiores, foi inclusive
utilizado no final do século XIX e início do XX, para mascarar a contradição
entre imperialismo e interesses democráticos e liberais.
Após conceituar todos estes sentimentos, Leite contextualiza a
origem do sentimento nacionalista, o qual originou-se de diferentes formas,
conforme país e época, fortalecendo-se a partir de fins do século XVIII, com
consolidação dos Estados Nacionais (estados modernos). Em Portugal, antes do
século XVIII, já existia um nacionalismo não-dominante, o qual pode ser
observado em Os Lusíadas (1572) de Camões, quando este comparava Portugal com
outras terras. Na França, este sentimento surge com a Revolução Francesa, em
1789, ao defender um governo escolhido pelo povo e não de origem divina. Em
várias outras regiões do continente europeu, como a Alemanha, o nacionalismo
desenvolveu-se a partir das Guerras Napoleônicas, no início do século XIX,
quando a invasão dos exércitos de Napoleão Bonaparte (imperialismo francês)
estimulava o sentimento nacionalista nas regiões invadidas. Na América, o
nacionalismo começa a se desenvolver com os movimentos de emancipação das
colônias via importação das idéias liberais/nacionalistas da Europa. Aí são
construídos mitos e símbolos como bandeira, hino, heróis nacionais, datas
cívicas, para fortalecer o sentimento nacionalista[1].
Segundo Leite, na história do sentimento nacionalista, houve o
desenvolvimento tanto do nacionalismo doentio e expansionista que destrói
outros povos como o nazismo, quanto do nacionalismo saudável, reivindicatório
que se defende do imperialismo de outros povos, como o nacionalismo
sul-americano.
No geral, a origem do nacionalismo entre um povo caracteriza-se
pela exaltação das suas qualidades, que para terem sua grandeza afirmada são
comparadas com outros povos que são colocados como inferiores. Tal sentimento
nasce nas classes mais ilustradas e é imposto pelos grupos dominantes às outras
classes, através da educação, dos meios de comunicação. Um exemplo disto no
Brasil é a Reforma Capanema para o ensino secundário que vigorou de 1942 a 1961
(época do nacional-desenvolvimentismo no Brasil) e que contem um artigo que
defende que “o ensino secundário se destina à preparação dos homens que deverão
assumir responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação (...), portadores
das concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas...”;
e outro que ressalta o “...cuidado especial na Educação Moral e Cívica
de seus alunos, buscando neles formar, como base do patriotismo, a
compreensão da continuidade histórica do povo brasileiro, de seus problemas
e desígnios, de sua missão em meio aos povos...” (grifo nosso).
Assim, o nacionalismo pode se entendido, em suas origens, como
uma ideologia burguesa que pretende unir o povo, acabar com privilégios da
nobreza e do clero, para beneficiar o comércio e urbanização. Isto é, o
nacionalismo cria a união nacional e esta fortalece a união econômica.
Além de o sentimento nacionalista ter sido influenciado pela
Revolução Francesa (pensamento iluminista contra poder divino do rei e a favor
de governo eleito pelo povo, sintetizado por Condorcet), a forma atual de
caráter nacional decorre do romantismo alemão que tem Herder como um de seus
representantes.
O iluminismo francês representa a origem política do
nacionalismo. Valoriza a razão e acredita na evolução linear do espírito
humano, em cujo processo todos os homens e nações têm igual contribuição.
Assim, defende que as artificiais diferenças entre as nações devem ser
eliminadas. Não há a preocupação em exaltar as particularidades nacionais, pois
no século XVIII, a França era forte e hegemônica, não precisando provar sua
unidade, pois já era bem conhecida pela Europa.
Já o romantismo alemão significa a origem estética do
nacionalismo. Valoriza o sentimento e a intuição e acredita que cada povo/nação
tem uma peculiaridade histórica, um desenvolvimento autônomo. Assim, acentua as
peculiaridades individuais, regionais e nacionais, procurando fortalecer a
língua nacional e ressaltando a cultura e tradição popular. No entanto, não há
o interesse em colocar uma nação como superior a outra, ao contrário da
explicação racista de caráter nacional que se desenvolve mais tarde, no final
do século XIX e início do XX. A necessidade de destacar o valor das
peculiaridades da nação tinha relação com o fato da Alemanha, ao contrário da França,
estar fragmentada, precisando criar um espírito nacional e provar a unidade
alemã.
Hegel concilia estas duas tendências ao dizer que a história
humana tem uma unidade (a manifestação do espírito universal), mas este se
manifesta de forma diversa nas várias nações.
Após desenvolver esta caracterização geral do nacionalismo e
suas origens, Dante Moreira Leite historiciza o processo de (re)formulação do
conceito de caráter nacional baseado em questões raciais e culturais, entre os
séculos XIX e XX, por europeus como franceses e alemães e por norte-americanos,
que desenvolveram idéias que alimentam a cultura intelectual do Brasil.
A partir daí, Leite começa a elaborar uma história literária da
ideologia do caráter nacional brasileiro, ou seja, começa a analisar diferentes
formulações do caráter nacional brasileiro, através de obras literárias que
tenham um conjunto de idéias sobre isto mais sistematizadas, menos acidentais
como as que aparecem em algumas músicas e poemas. Para tanto, o autor divide
estas formulações em quatro fases, destacando o que há de comum na
caracterização nacional feita pelos diferentes autores examinados em cada
época, sem deixar de discutir suas diferenças:
-
FASE COLONIAL (1500-1822) que se refere à
descoberta da terra e ao movimento nativista;
-
ROMANTISMO PÓS-INDEPENDÊNCIA (Brasil
Império, 1822-1880) que trata da independência política e da formação de uma
imagem positiva do Brasil e dos brasileiros, sofrendo influência do
romantismo alemão e sendo marcada pela xenofobia.
-
REALISMO (Brasil República, 1880-1950) que
cria uma imagem pessimista do brasileiro, influenciada pelas teorias racistas e
pela xenofilia.
Esta é a fase que realmente representa a formação da ideologia
do caráter nacional brasileiro, mas para ser entendida, segundo ele, precisa
ser relacionada com períodos anteriores e posteriores a ela.
-
A DÉCADA DE 1950 quando ocorre o
desenvolvimento econômico e a superação do caráter nacional brasileiro, através
de escritos mais preocupados com o caráter técnico-científico e que criticam as
teorias racistas, os determinismos culturais, ressaltando as influências
sócio-econômicas.
Neste texto apresentaremos apenas a análise do autor sobre as
duas primeiras fases e alguns dos representantes da terceira (Sílvio Romero,
Afonso Celso e Euclides da Cunha).
Porém, antes de apresentar suas análises sobre cada uma destas
fases, Dante Moreira Leite discute os referenciais teórico-metodológicos que
utilizou para realizar suas investigações.
No exame das obras literárias que selecionou, combina análises
qualitativas e quantitativas, para evitar tanto o subjetivismo da análise
meramente qualitativa que pode ficar limitada às impressões do pesquisador,
quanto para superar a superficialidade da análise quantitativa. Assim, tabula
os traços psicológicos dos brasileiros em cada autor investigado e depois faz
uma análise de conteúdo, procurando compreender os traços psicológicos que
aparecem em cada autor – as influências que recebeu de outros autores, suas
contradições.
Neste trabalho, Leite baseia-se em procedimentos
recém-introduzidos nas ciências sociais do Brasil, naquele momento, por
intelectuais que procuram desenvolver estudos científicos simpáticos às classes
desprotegidas. Isto é, pretende garantir um estatuto científico dos saberes e seu
uso democrático, ético, igualitário e solidário, ao contrário do que ocorria na
maior parte da cultura letrada predominante até os anos 50, a qual tinha
vínculos estreitos com as classes dominantes. É essa perspectiva que é
criticada por Carlos Guilherme da Mota (1994) ao perceber no discurso de Dante
Moreira Leite uma tentativa de construção de uma análise livre de ideologias,
pois científica, construída por intelectuais formados nos rigores das ciências
sociais desenvolvidas até então. Mota aproxima essa análise da concepção de
Mannheim sobre a missão dos intelectuais desvinculados das classes, ou sem
compromisso com as classes dominantes, portanto mais propícia a um discurso sem
vínculo ideológico. Questiona nesse discurso a tentativa de, através de um aparato
científico, fugir da ideologia, o que classifica como “Ideologia da Superação
da Ideologia”.
Porém, é nesta perspectiva que Dante Moreira Leite procura
construir um saber científico, não dogmático, mas diferenciando a ciência
natural que pretende um conhecimento objetivo, universal, absoluto, portanto
inquestionável, da ciência humana. Nesta, Leite acredita que, ao invés da
neutralidade, há um enraizamento histórico-social da teoria, pois seu objeto é
dinâmico e não estático como o da ciência natural. Segundo Dante Moreira Leite, “o pesquisador objetivo, em certos
domínios das ciências humanas,(...) é uma ficção. (...). Mesmo quando estudamos
acontecimentos humanos já distantes no tempo e no espaço não ficamos neutros.
(...) Se aceitamos estes princípios bem gerais, compreendemos a existência não
só de níveis diferentes de conhecimento nas ciências humanas, mas de
perspectivas diferentes...” ( p. 179).
Enfim, para Leite, as verdades das ciências humanas não podem
ser universais, atemporais. No entanto, não deixam de ser verdades, pois
representam teorias mais corretas para um determinado momento histórico, para
um determinado grupo.
Feitas estas observações
mais gerais quanto aos referenciais teórico-metodológicos que utiliza para
analisar as formulações do caráter nacional brasileiro, Dante Moreira Leite
recorta o período colonial, de Pero Vaz de Caminha até a Independência. Aqui
identifica traços significativos que marcaram e marcam o ‘jeito de ser
brasileiro’, ou melhor, a ‘idéia do que é ser brasileiro’, agrupando os autores
em dois blocos: os cronistas/ensaístas e os poetas. Analisa, brevemente, as
obras de Pero Vaz de Caminha, Gandavo, Gabriel Soares de Souza, Fernão Cardim,
Ambrósio Fernandes Brandão, Frei Vicente de Salvador, Sebastião da Rocha Pita e
as poesias de Bento Teixeira, Manuel Botelho de Oliveira, Manuel de Santa Maria
Itaparica e Gregório de Matos, Frei José de Santa Rita Durão, Cláudio Manoel da
Costa, José Basílio da Gama, Inácio José de Alvarenga Peixoto, Domingos Caldas
Barbosa.
Uma observação inicial que o autor faz é que essas obras, embora
produzidas nos século XVI e XVII, em sua maioria, só foram publicadas e
divulgadas em maior escala no século XIX com o crescimento do acesso ao ensino
e aos livros. Isso significa, segundo ele, que podemos analisar o papel delas
na consolidação de uma idéia de nação tão própria do dezenove brasileiro.
Sem desconsiderar as especificidades das obras, Dante Moreira
Leite destaca alguns aspectos em comum que perpassam a todas: “a admiração pela
natureza tropical, o interesse pela vida do indígena, o desejo de ver o
progresso do país, a crítica ao governo da metrópole e a alguns comportamentos
considerados característicos dos colonos” (p.203). Esses traços vão influenciar
também a produção do romantismo no século XIX que retoma, em graus variados,
principalmente as marcas do nativismo. A poesia vai destacar mais intensamente
esse nativismo, principalmente as produções do século XVIII, mas ele destaca a
presença de Gregório de Matos com uma poesia marcada pela crítica à vida
social, além da celebração da natureza feita pelos nativistas.[2]
No século XIX, pós-independência, as produções literárias vão
marcar o movimento denominado romantismo. No Brasil, segundo o autor, esse
movimento vai adquirir especificidades para além das semelhanças com o
movimento europeu. É o contexto dos movimentos de formação nacional, da
manifestação do nacionalismo e, ao mesmo tempo, do desenvolvimento do
individualismo e da vida familiar, da educação, da expansão do liberalismo
econômico.
Segundo Dante Moreira Leite, no Brasil o romantismo foi marcado,
em linhas gerais, pelo ambiente “de entusiasmo pela vida nacional, de confiança
no futuro do jovem país, de celebração de sua natureza, de elogios à inspiração
de seus jovens poetas” (p. 219). Esta caracterização mostra como é falsa a
ruptura desses escritores com seus antecedentes do período colonial, de quem
mantiveram o sentimento nativista e admiração pela natureza.
Também aqui ele vai analisar poetas e romancistas, identificando
o que há de comum entre eles e, em que medida, produziram elementos do caráter
nacional. Alguns autores são privilegiados na análise: José Bonifácio,
Gonçalves Dias, José de Alencar e Castro Alves. No geral o romantismo
brasileiro é caracterizado pela produção de elementos ideológicos tendo como
base três dimensões: a exaltação da natureza, o indianismo e o idioma nacional.
Esses poetas e escritores foram responsáveis pela produção da
imagem do nacional, recorrendo para isso à junção da natureza ao homem
brasileiro, num movimento de celebração da natureza tropical e do indígena.
Aqui o autor faz uma crítica ao caráter ideológico do indianismo,
principalmente a partir de José de Alencar, cuja obra reunia a opção pelo
mítico e o distante passado construído e não relacionado ao processo de
colonização.
O índio cantado ‘em verso e prosa’ é a encarnação da passado
medieval não vivido pelo Brasil, é o exótico que não ameaça a ordem vigente,
principalmente a escravidão e a situação de miséria por que passavam os
indígenas no século XIX, o índio real. Por isso o autor destaca o caráter
ideológico desse movimento. Outro aspecto que vai compor essa ideologia é a
defesa de uma língua nacional como parte da especificidade nacional brasileira.
Daí, Dante Moreira Leite conclui que coube ao romantismo a produção de símbolos
que marcaram o nacionalismo brasileiro.
Já nos finais do dezenove, alguns poetas românticos vão começar
a tocar na questão da escravidão e sua abolição. No geral esse movimento
desconsidera a questão, não fazendo qualquer referência. Castro Alves é o poeta
que melhor exemplifica essa mudança de atitude com uma produção crítica e
denunciando os maus tratos vividos pelos negros no Brasil.
Essa crítica, segundo Dante M. Leite, vai ser melhor desenvolvida
com a geração que se segue caracterizada como realistas. Esses realistas mudam
no sentido de tratar de questões sociais, de abandonar temas exóticos, míticos.
Para iniciar a caracterização desse movimento, o autor escolhe analisar a obra
de Sílvio Romero que, segundo ele, teve um papel importante ao influenciar
gerações futuras que pensaram o Brasil.[3]
A partir de 1870, percebe-se uma intensificação no
desenvolvimento e divulgação do conhecimento científico, marcado pelas
produções positivistas. No Brasil, é o momento de início efetivo da transição
do trabalho escravo para o trabalho livre, o início do desenvolvimento da
industrialização e a intensificação dos problemas sociais com a urbanização
crescente e a imigração. Nesse contexto vai viver Sílvio Romero.
O autor constrói uma imagem intrigante e ambígua de Silvio
Romero, caracterizado como um intelectual com limites de formação, porém com
potencialidades impressionantes para pensar o Brasil. Formado em Direito em
Recife, viveu alguns anos no Rio de Janeiro, participou ativamente do seu tempo
– segunda metade do século XIX (1851-1914). Presenciou o avanço da ciência e a
divulgação do evolucionismo de Darwin, que marcou profundamente os autores que
o influenciaram: Rénan, Taine, Max Muller, Scherer, Gobineau, além de Conte,
Buckle, Spencer e o próprio Darwin, entre outros.
Conforme Dante Moreira Leite, esses autores foram lidos por
Romero muitas vezes de forma ambígua e incoerente, o que se justifica pelo
pouco e circunstancial acesso a essas leituras. Além disso, Romero tentou
interpretar o Brasil a luz desses autores, porém buscando uma especificidade.
Sua concepção sustenta-se na determinação dos critérios físicos e biológicos: o
meio e a raça. Aqui está a primeira contradição – explicar a inserção do Brasil
na civilização européia, embora admitindo sua formação a partir de raças
inferiores. Essa concepção leva à interpretação do inevitável domínio da raça
branca, pois sendo superior às outras, naturalmente sobressairia.
Outro aspecto que vai destacar na interpretação de Romero é sua
crítica ao romantismo, aqui também paradoxal. Ao mesmo tempo em que nega o
desenvolvimento autônomo do país, pregado pelos românticos, procura a
característica nacional dos autores brasileiros, seu valor. Faz isso a partir da
valorização de uma cultura mestiça, com predomínio do branco, diferente dos
românticos que escolhem o índio como modelo nacional.
A história do Brasil é explicada por Romero a partir de cinco
fatores: o português, o negro, o índio, o meio físico e a imitação estrangeira.
Não aceita totalmente a determinação do clima para explicar o atraso nacional,
mas muitas vezes admite algumas características do brasileiro como resultantes
dos fatores naturais ou primários. Como fatores secundários nessa explicação apresenta
os étnicos: a formação do Brasil a partir das três raças produziu uma sub-raça
mestiça, original, com o predomínio da raça branca. Defende o processo natural
de branqueamento, com o predomínio da raça superior, embora muitas vezes
defenda a necessidade da imigração européia para evitar a degeneração total.
Essa mistura entre raças, para Romero, atinge também as idéias e
sentimentos. Dante apresenta a análise feita por Sílvio Romero, marcadamente
positivista – o negro estaria na fase teológica, do fetichismo, o índio na
astrolatria, e o português na monoteísta, com resquício do politeísmo. Isso
explica, segundo ele, a falta de unidade nas tradições brasileiras e na nossa
literatura.
Outra dimensão de explicação do Brasil é a econômica. Aqui Dante
identifica outra contradição de Romero. Ao explicar o processo colonial recorre
aos aspectos econômicos, desconsiderando as determinações de clima e raça
levantados em outros momentos. Sua história da literatura acompanha as fases
econômicas brasileiras.
No geral, a crítica feita a Sílvio Romero em O caráter nacional
brasileiro, sustenta-se na constante contradição teórica e pessoal que viveu
este autor desejoso de aplicar as teorias racistas à realidade brasileira,
embora esta mesma realidade negasse essas teorias e, ao mesmo tempo,
esperançoso de igualar o Brasil com as grandes potências mundiais – Inglaterra,
Alemanha, França e Estados Unidos. Assim, de um lado, reforça o caráter
apático, sem iniciativa do brasileiro e critica sua imitação ao estrangeiro, por
outro lado, prega o exemplo a ser seguido dos anglo-germânicos.
Seu nacionalismo é cheio de incongruências, e Dante Moreira
Leite o classifica como um realista pessimista que, ao contrário de Machado de
Assis, não foi capaz de universalizar seu pensamento, permanecendo provinciano.
Afirma ser ele um “revoltado, capaz de bater-se contra valores aceitos, mas
incapaz de buscar valores substitutos, a não ser pela invocação de uma
autoridade intelectual superior, ou de uma raça melhor” (p. 254). Este último
aspecto marcou fortemente sua caracterização psicológica do brasileiro e vai
influenciar gerações posteriores de autores que pensaram o Brasil como Euclides
da Cunha, cuja obra Dante analisará, após examinar os escritos de Afonso Celso
no livro Porque me Ufano do Meu país (1900), o qual apresenta uma visão
otimista e ingênua do Brasil[4],
destoando deste contexto de realismo pessimista.
Afonso Celso defende ser preciso desenvolver, desde a tenra
idade, a educação moral das crianças, construindo um amor à pátria justificado
em sua importância. Assim, voltado apenas para a realidade de sua classe social
mais rica e moradora da região litorânea do Brasil, coloca-se contrário às
posições pessimistas e pejorativas em relação à nacionalidade brasileira. Ser
brasileiro, segundo ele, deve ser motivo de orgulho, pois, apesar das
contradições sociais, nenhum país era constituído de tantas vantagens como o
Brasil, muitas vezes invejado por outras nações. O autor enumera, então, onze
motivos da superioridade do Brasil: “grandeza territorial; beleza; riqueza do
país; variedade e amenidade do clima; ausência de calamidades naturais;
excelência dos elementos que entraram na formação do tipo nacional; nobres
predicados do caráter nacional; o Brasil nunca sofreu humilhações, nunca foi
vencido; procedimento cavalheiresco e digno com os outros povos; as glórias a
colher no Brasil; a história do Brasil” (p. 258).
Neste sentido,
ele reforça as interpretações nativistas e românticas elaboradas desde a
colônia, exalta personalidades do período monárquico como D. Pedro II e a
Princesa Isabel e enaltece as qualidades do índio, negro e do branco (raças
formadoras de nosso país). Destaca ainda as qualidades do homem brasileiro, que
reforçam a superioridade do Brasil: “sentimento de independência,
hospitalidade, afeição à ordem, paz, melhoramento, paciência e resignação,
doçura, longaminidade e desinteresse, escrúpulo no cumprimento das obrigações
contraídas, caridade, acessibilidade, tolerância (ausência de preconceito),
honradez (pública e particular)” (p. 264). Também levanta alguns aspectos que
considera defeitos do brasileiro (falta de iniciativa, decisão e firmeza), os
quais significam desvios de conduta gerados principalmente pela escravidão, que
a educação tinha a tarefa de corrigir.
Enfim, utilizando o critério da comparação entre o Brasil e os
países europeus - escolhidos pela sua história secular, Afonso Celso sustenta
uma visão otimista do caráter nacional brasileiro, a qual será abalada por
Euclides da Cunha, no livro Os Sertões, de 1902.
O livro de Euclides da Cunha surge a partir de uma reportagem
jornalística da última fase da revolta de Canudos e, ao descrever a revolta e
suas causas, revela uma realidade ainda pouco conhecida do Brasil, uma nova
maneira de interpretar a situação nacional, expressando um realismo muitas
vezes assustador.
Dante Moreira Leite analisa o conteúdo ideológico do livro, o
qual, segundo ele, tenta formular uma filosofia da história brasileira, ao
procurar entender como um doente mental – Antônio Conselheiro, mobilizou
milhares de pessoas que enfrentarem vários sacrifícios, inclusive quatro
expedições do exército nacional. Ao fazer isto, Euclides da Cunha ultrapassa os
limites de uma interpretação política republicanista, contra um movimento de resistência
monarquista, e transforma-se em uma visão social e histórica da realidade
nacional.
Euclides da Cunha, seguindo a tradição de Silvio Romero, tenta
escrever um livro de ciência, partindo do pressuposto de que um país se explica
pelas relações entre raça e meio geográfico.
Assim, Os Sertões descreve de maneira dramática a terra (semideserto no
interior do nordeste brasileiro), o homem (mestiçagem embaralhada de 03 raças –
índio, negro, português) e a luta (embate entre os fanáticos de Canudos e as
tropas do governo).
No entanto, como
duas das raças que formam o povo brasileiro (negros e portugueses) estão fora
de seu habitat, encontra dificuldades para usar coerentemente a teoria
evolucionista de Darwin que o influencia e segundo a qual, baseada em estudos
feitos na Europa, o meio determina a raça.
Surge, então, uma
contradição nas análises de Euclides da Cunha. Se por um lado, conclui que não
temos e nunca teremos uma unidade de raça, por outro acredita podermos, no
futuro, após fortalecermos nossa unidade nacional autônoma, formar uma raça
histórica. Inverte, assim, o pensamento europeu – se lá supunha que foram as
raças que formaram a nação, aqui é a nação que formaria a raça.
Em relação à nossa falta de unidade racial, Euclides discute as
diferenças entre o povo do litoral e do sertão. No litoral temos o paulista que é a mestiçagem entre o índio e o
colono, e o mulato que é o cruzamento do branco com o negro, que vinha
ocorrendo desde Portugal. Ambos, caracterizam-se pela fraqueza, desequilíbrio,
instabilidade, pois, devido ao clima ameno do sul, entraram em contato com
civilizações superiores, às quais tiveram que se adaptar, sem conseguir
acompanhá-las ou absorvê-las. No sertão, temos os jagunços ou sertanejos que,
como descendentes dos paulistas que entraram para o interior do Brasil,
resultam do cruzamento do índio com o colono, mas são mais fortes, aventureiros
e autônomos, pois ficaram isolados pela adversidade do clima do semideserto,
não tendo que se adaptar a civilizações superiores.
Quanto à possibilidade de formação de uma raça nacional
histórica, Euclides da Cunha baseia-se no sertanejo (jagunço) que, em suas
palavras, simboliza a “rocha viva da nacionalidade” e representa uma nova
constituição da raça brasileira, no lugar do mestiço que muitas vezes expressa
fragilidade e instabilidade de comportamento.
Enfim, influenciado por Silvio Romero, Euclides da Cunha é outro
representante do realismo pessimista, mas enquanto o primeiro defende o
branqueamento do povo brasileiro através da imigração, o segundo encontra a
solução para a instabilidade e acomodação do mestiço povo brasileiro, nos
sertanejos e seu isolamento.
Dante Moreira Leite, para revelar o caráter ideológico da teoria
racial de Euclides da Cunha, discute os seus equívocos.
O primeiro foi o de basear-se na teoria que defende que o clima
influencia na configuração da raça e, ao mesmo tempo, acreditar que o
sertanejo, descendente do paulista formado no sul, mantém as suas
características primitivas. Como isto é possível, se o clima do sertão, onde
vive o sertanejo, é tão diferente do clima do sul onde surgiu o paulista? Isso
ocorreria mais por questões sociais, que Euclides não comenta, do que questões
biológicas?
O segundo foi analisar o episódio de Canudos segundo o darwinismo
social que argumenta que a evolução humana se dá pelo choque de raças em
diferentes estágios. Isto conduz a idéia apresentada no início de Os sertões,
de que os sertanejos eram raças inferiores que seriam esmagadas pelas raças
superiores (exército nacional). Idéia que se contradiz com sua defesa posterior
de que os sertanejos simbolizariam a “rocha viva da nacionalidade”,
representando a futura raça histórica brasileira. Como os sertanejos seriam a
base de nossa futura raça, se eles estavam fadados a serem destruídos por raças
superiores?
A obra de Euclides da Cunha é um exemplo da literatura
regionalista no pré-modernismo que, apesar de destacar os tipos característicos
de uma região, acaba construindo uma ideologia do caráter nacional brasileiro
ao ver uma região como mais característica do Brasil do que outra - no caso de
Euclides, opõe-se a região litorânea vista como frágil e decadente, à região
sertaneja onde estaria o brasileiro autêntico. Como ele, muitos outros
escritores regionalistas valorizaram a figura do “caipira”, constituindo a
literatura sertaneja – Afonso Arinos (Minas Gerais), Valdomiro Silveira e
Cornélio Pires (São Paulo), João Simões Lopes Neto e Alcides Maia (Rio Grande
do Sul), Hugo de Carvalho Ramos (Goiás), Catulo da Paixão Cearense (Ceará).
Monteiro Lobato surge como uma voz destoante que ao descrever o caipira de São
Paulo, ao invés de celebrá-lo, faz uma crítica severa a ele e ao seu culto,
construindo uma imagem negativa do caipira através do “Jeca Tatu” –
“indiferente aos grandes acontecimentos nacionais, incapaz de trabalho
organizado, incapaz de montar e manter uma habitação decente, incapaz de
sentimento de pátria, mas cheio de crendices e de uma religião inteiramente
deformada, repleta de fatalismo” (p. 280).
Enfim, Dante Moreira Leite, ao observar a fragilidade das
ideologias do caráter nacional brasileiro e os preconceitos por ela
disseminados, como discutido anteriormente, pretende criticar a idéia de que há
um caráter nacional determinado por fatores raciais, culturais ou religiosos
que justifica o subdesenvolvimento do Brasil, como se este fosse naturalmente
inferior a outros povos. Ao invés disso, Leite defende que a dominação de um
país pelo outro é um processo político, econômico e social constituído
historicamente pelos países capitalistas centrais e, por isto, pode ser
modificado.
Neste sentido, ele, segundo Neves e Schmidt, “busca um
conhecimento comprometido com a constituição de uma comunidade humana capaz de
conviver, tolerar e aprender com a diferença” (p. 86), que rompa com os
estereótipos e revele como o espírito humano se exprime de maneira particular e
não uniformemente. No entanto, esta valorização da originalidade das pessoas e
grupos não o leva a defender o isolamento das culturas, o que causa a esterilidade
cultural, o comodismo e monotonia. Para Leite, o desenvolvimento de uma cultura
específica é mais rico, quando esta entra em contato com outras culturas, o
qual raramente é destrutivo e, na maioria das vezes, estimula a curiosidade e
criação. Enfim, sugere a construção de um nacionalismo que não destrua as
peculiaridades internas a nação e que conviva com outros nacionalismos sem
relações hierárquicas ou xenófobas.
Infelizmente, ao contrário deste ideal, no cenário mundial,
desde o fim do século XX, estamos experimentando o acirramento do nacionalismo
destrutivo, quando vivenciamos ataques terroristas, a invasão dos EUA a países
como Iraque, entre outros exemplos.
Ainda hoje, muitos materiais
didáticos recém-publicados divulgam uma visão romântica da nossa identidade
nacional, ao destacar a integração, o encontro pacificado entre diferentes
culturas, através de miscigenações, sincretismos, relações de confiança, sem
considerar os conflitos e confrontos envolvidos nesse processo. Encontramos um
exemplo disto, em uma apostila adotada no programa de “Alfabetização Solidária”
desenvolvido nos anos 90, pelo governo FHC[5].
Para se ensinar a letra P, a apostila sugere trabalhar uma ilustração que
mostra o asiático, o índio, o africano e o português lado a lado, de braços
dados, com o mapa do Brasil ao fundo e o texto intitulado “Povo Brasileiro”:
...Os indígenas que aqui viviam, junto
com os europeus, africanos e asiáticos que imigraram para cá, formaram o
povo brasileiro.
Essa mistura de raças proporciona ao Brasil
uma cultura rica, dinâmica e variada.
A
força dessa nossa gente trabalhadora é que mantém esse país e nos dá a
esperança de um futuro melhor.(grifo nosso)
Este texto e imagem arquitetam o que
Giroux (1993, p. 56-7) denomina de “pluralismo liberal brando”, ao buscar uma
convivência pacífica entre as diferenças, nivelando-as como se todas tivessem o
mesmo valor social, ignorando os conflitos e tensões, gerando uma tolerância
perversa e até legitimando as desigualdades sociais. Cria-se uma sensação coletiva
de familiaridade, abole-se o sentimento de adversidade e desenvolve-se o de
solidariedade, reciprocidade entre todos, que se imaginam fazendo parte de um
mesmo grupo, apesar das suas diferenças.
No entanto, apesar desta permanência
das visões xenófobas ou românticas do caráter nacional, encontramos,
atualmente, na educação escolar, várias propostas que têm princípios
semelhantes aos defendidos por Dante Moreira Leite. Teóricos da pedagogia
crítica como Giroux, Peter McLaren, Tomas Tadeu da Silva têm proposto uma
educação multiculturalista. Acreditam que a escola, apesar de normalmente
basear-se no etnocentrismo cultural, reproduzindo o racismo, o sexismo e as
desigualdades sociais, cumprindo sua tradicional tarefa de homogeneização
social e cultural, pode desenvolver um processo educativo diferente voltado
para as necessidades, interesses e sensibilidades dos grupos subordinados e
marginalizados. Por ser um espaço de interação de homens e mulheres, de
migrantes de diversas regiões, de diferentes faixas etárias, grupos sociais,
raciais, étnicos, religiosos, a escola pode resgatar e estudar criticamente
suas formas heterogêneas de vida, em múltiplos contextos históricos e
culturais, mostrando as relações, sejam de aproximação ou conflito, existentes
entre eles.
Acreditam que, assim, os estudantes
conseguirão apropriar-se ativamente do conhecimento escolar, descobrindo os
sujeitos e vozes sociais que ele destaca ou silencia, desmistificando a sua
neutralidade, questionando a hegemonia da cultura da classe social que controla
os bens materiais e simbólicos da sociedade, explicitando a desigualdade social
e a diversidade cultural presente na escola e na sociedade. Essa comunicação
recíproca entre diferentes, esse contato com o “outro” melhora a compreensão do
“nós”, motivando a autocrítica de toda cultura e grupo social, alargando o
entendimento de “si” e do mundo, propiciando o reconhecimento de que todos,
através de conflitos e contradições, influenciam no processo histórico, na
conservação ou na transformação da sociedade e de que nada é natural e único,
criando-se, desta maneira, perspectivas para se pensar e construir um futuro
diferente, novas identidades culturais em uma sociedade mais justa, democrática
e plural. Porém uma questão permanece - é possível esse ideal dentro dos marcos
do capitalismo?
Portanto, as análises de Dante
Moreira Leite, feitas nos anos 50 e 60, ainda apresentam-se atuais para
conhecermos as várias possibilidades de pensarmos a nossa identidade nacional,
suas implicações políticas, sociais e culturais e, a partir daí,
posicionarmo-nos frente aos diferentes projetos sociais e educacionais que
coexistem na atualidade.
BOSI, Alfredo. Aventuras e
desventuras de uma Ideologia. In: LEITE, Dante Moreira. O Caráter Nacional
Brasileiro. São Paulo: Pioneira, 1983.
_____. Dialética da Colonização. São
Paulo: Companhia das Letras, 1992.
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mestre da psicologia social. Psicologia USP, 2000, v. 11, n.2, p. 15-23.
GIROUX, Henry A. O Pós-Modernismo e a Discussão da Crítica
Educacional. In: SILVA, Tomaz Tadeu A. (Org.). Teoria Educacional Crítica em
Tempos Modernos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. p. 41-69.
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Nacional Brasileiro. 6 ed. São Paulo: Editora da UNESP, 2002.
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Crítico. São Paulo: Cortez, 1997.
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mudança. Nossa História, mar.2004, ano 1, n.5, p. 98.
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NEVES, Tatiana Freitas Sockler. Dante Moreira Leite: ciência psicológica, interdisciplinaridade
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Territórios Contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais.
Petrópolis: Vozes, 1995. p. 184-202.
*Texto produzido em maio de 2004, para o seminário apresentado na disciplina História da Cultura Brasileira e Educação, ministrada pelo Profº. Sérgio E. M. Castanho, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.
** Doutorandos no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.
[1] José Murilo de Carvalho em A formação das almas – o imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, discute como isto ocorre no Brasil republicano.
[2] É bom destacar aqui a crítica feita por Alfredo Bosi (1992) do pensamento de Gregório de Matos, localizando-o enquanto um monarquista que não se conforma com o desenvolvimento da vida mercantil e a perda dos privilégios de sua classe. Bem diferente da visão geral que se divulgou desse poeta, a qual Dante Moreira Leite reproduz em sua obra.
[3] Vários escritores vão ser influenciados pelas idéias de Sílvio Romero. Podemos citar alguns: Euclides da Cunha, Oliveira Viana, Gilberto Freyre.
[4] No curso de Graduação em Filosofia, realizado na Universidade Estadual de São Paulo (USP), Dante Moreira Leite, ao desenvolver uma pesquisa sobre os preconceitos e valores de patriotismo divulgados nas obras didáticas primárias, já havia analisado estas idéias de Afonso Celso que muito influenciaram os livros de Educação Moral e Cívica.
[5] BRASIL, MEC. Programa Educação para a Qualidade do Trabalho. Pré- Livro de Alfabetização, 2ª parte. P. 159-160. Brasília: MEC, 1998.