O GOVERNO VARGAS E O EQUILÍBRIO ENTRE
A PEDAGOGIA TRADICIONAL
E A PEDAGOGIA NOVA
Azilde L. Andreotti
Como texto introdutório sobre a educação na Era Vargas, trago algumas informações sobre o modelo
pedagógico da escola nova, no período, através
de escritos de Lourenço Filho e suas iniciativas em escolas
primárias particulares. Os novos métodos de ensino,
inicialmente, limitaram-se a um público restrito, tanto
pelas iniciativas em escolas particulares, quanto pela manutenção
de escolas pela Igreja católica, espaço, na época,
da educação tradicional.
Desde as primeiras
décadas do século XX, os rumos da educação
do país estiveram na pauta de discussão de vários
setores organizados da sociedade. A fundação da
Associação Brasileira de Educação,
em 1924, com a função de promover debates em torno
da questão educacional; a influência da Escola Nova
e seus defensores, movimento que se empenhou em dar novos rumos à educação,
questionando o tradicionalismo pedagógico, e os embates
da Igreja no seu confronto com o estabelecimento de novos modelos
para a educação tornam evidente a diversidade de
interesses que abrangia a educação escolarizada.
A criação
do Ministério dos Negócios da Educação
e Saúde Pública em 1930; a Constituição
de 1934 estabelecendo a necessidade de um Plano Nacional de Educação,
como também a gratuidade e obrigatoriedade do ensino elementar,
e as Reformas Educacionais nos anos de 1930 e 40 demonstram que,
nessas décadas, houve mudanças formais e substanciais
na educação escolar do país.
Essas questões
não podem ser destacadas do processo de desenvolvimento
do modelo industrial, como também da demanda por educação.
A década de 1930 é reconhecida como
o marco referencial da modernidade na história do Brasil,
modernidade entendida como o processo de industrialização
e urbanização, contemplada por inúmeros
estudos que destacam esse período pelas
mudanças que inaugurou e os movimentos políticos
que protagonizou: a Revolução de outubro de
1930, a
Revolução Constitucionalista de 1932 e o Estado Novo, em 1937. As análises
se valem de diferentes conceitos, abordagens e suportes
teórico-metodológicos, para investigar os processos
que culminaram nesses acontecimentos e sobre quais forças
políticas e interesses predominaram nas alterações
ocorridas no país, em um momento de definições
sobre como encaminhar o desenvolvimento capitalista industrial.
Em
uma abordagem geral, a Revolução de 1930 foi fruto
da crise econômica do setor agro-exportador do café agravada
com a quebra da bolsa de Nova York em 1929, e dos embates de
segmentos sociais que não se consideravam referenciados
no processo político da Primeira República, marcados
por sucessivas eleições pactuadas entre os setores
agrários. O golpe de Estado em 1937, que instalou o Estado
Novo, foi justificado pela necessidade de se manter a ordem institucional
contra os regionalismos, herança do período anterior;
contra as divergências entre os grupos dominantes: setores
agrários e burguesia industrial e contra as manifestações
das forças de oposição, como por exemplo,
a Intentona Comunista em 1935.
Esse período intensificou as mudanças
nas relações entre Estado e sociedade, fortalecendo
a centralização do poder e facilitando a criação
de um Estado forte, que predominou até meados dos anos
de 1940.
A
recente modernização capitalista no Brasil, nos
anos de 1930, trouxe a expansão de novas
camadas sociais e abriu possibilidades de mobilidade social na
estrutura de classes da sociedade brasileira, com a ampliação do mercado de trabalho e do mercado
consumidor.
Nesse
contexto de expansão das forças produtivas, a educação
escolar foi considerada um instrumento fundamental de inserção
social, tanto por educadores, quanto para uma ampla parcela da
população que almejava uma colocação
nesse processo. Às aspirações republicanas
sobre a educação como propulsora do progresso,
soma-se a sua função de
instrumento para a reconstrução nacional e a promoção
social.
Acompanham esse quadro, as discussões em torno dos modelos educacionais. Do ponto de vista do ideário, o liberalismo
se consubstanciou na Primeira República no país
e se fez presente nas políticas educacionais, tomando
lugar, paulatinamente, da ideologia educacional católica.
O discurso pedagógico liberal se expressou na escola nova, movimento de renovação escolar que se
desenvolveu em vários países e chegou ao Brasil
na década de 1920, fruto das mudanças inerentes
ao processo de desenvolvimento capitalista, com seus novos valores,
necessitando, segundo seus defensores, de
uma renovação da escola.
Quanto aos métodos de ensino, a pedagogia tradicional predominou
até o fim do século XIX, enfatizando a atuação
do professor. Como ensinar é uma
das diretrizes dessa concepção pedagógica.
A pedagogia nova toma corpo a partir das primeiras décadas
do século XX, mudando o foco e centralizando o processo
de aprendizado no aluno.
Como aprender é
o seu eixo principal, fundamentando-se nos aspectos psicológicos
do processo de aquisição de conhecimentos.
Escola ativa ou escola da iniciativa foram
termos usados, na época, para designar esse movimento
de renovação educacional, o aprender
a aprender, na definição atual. No dizer da
Escola Nova, o processo de aquisição do conhecimento,
diferentemente da escola tradicional, surge da ação
da criança.
Os anos de 1930 foram férteis em relação à nova
educação. As propostas sobre educação
do Manifesto dos Pioneiros, publicado em 1932, foram defendidas
por educadores que ocuparam cargos na administração
pública e que implementaram diretrizes educacionais, respaldados
por essa visão de educação.
Contrastando com a educação tradicional, as novas tendências
pedagógicas visavam proporcionar espaços mais descontraídos,
opondo-se como investigação livre, à educação
ensinada. Os novos métodos de ensino visavam à auto-educação
e a aprendizagem surgia de um processo ativo.
Sobre
a Escola Ativa, Lourenço
Filho, um de seus precursores no país, afirma:
[...] aprende-se observando, pesquisando, perguntando, trabalhando, construíndo,
pensando e resolvendo situações problemáticas
apresentadas, quer em relação a um ambiente
de coisas, de objetos e ações práticas,
quer em situações de sentido social e moral,
reais ou simbólicos. (LOURENÇO FILHO, 1978,
p. 151),
Em
São Paulo
, segundo o autor, as escolas pioneiras na aplicação
dos novos métodos de aprendizagem foram a Escola Experimental
Rio Branco, a Escola Modelo, anexa à
escola Normal da Praça da República, hoje Instituto
Caetano de Campos e a Escola Americana, atual Instituto Mackenzie,
primeiramente nos cursos primários. (LOURENÇO FILHO,
1978, p. 175-176).
Na sua exposição sobre a Escola
Nova, esse educador relata uma experiência com alunos
do curso primário na Escola Experimental Rio Branco,
sobre a técnica
dos projetos, como procedimento didático, desenvolvida
por John Dewey, que prima pela participação do
aluno, o que promove sua motivação e a aprendizagem
com objetivos definidos. Ainda
sobre sua experiência na Escola Rio Branco, Lourenço
Filho indica que o projeto implica ensino globalizado [...] e o papel do mestre como conselheiro discreto, (que) encaminha, estimula,
sugere. (LOURENÇO FILHO, 1978, p.199, 210).
O processo de implantação da educação renovada
em São Paulo
ocorreu, nos anos de 1930 e 40, nos cursos primários de
escolas particulares, indicando que a criança das camadas
médias da população foi o público,
inicialmente, atingido
por esse modelo de educação.
Dados estatísticos nos indicam que o acesso à educação
primária nos anos de 1930 e 40, mesmo com a ampliação
na oferta de vagas nas escolas primárias e frente à demanda
por educação nos centros urbanos, não atingiu
a maioria da população infantil. (SPOSITO, 1984,
p. 32-34).
Saviani sobre a propagação da pedagogia da nova escola nos indica que,
[...] a “Escola
Nova” organizou-se basicamente na forma de escolas
experimentais ou como núcleos raros, muito bem equipados
e circunscritos a pequenos grupos de elite. No entanto, o
ideário escolanovista, tendo sido amplamente difundido,
penetrou nas cabeças dos educadores acabando por gerar
conseqüências também nas amplas redes escolares
oficiais organizadas na forma tradicional. Cumpre assinalar
que tais conseqüências foram mais negativas que
positivas uma vez que, provocando o afrouxamento da disciplina
e a despreocupação com a transmissão
de conhecimentos, acabou por rebaixar o nível do ensino
destinado às camadas populares as quais muito freqüentemente
têm na escola o único meio de acesso ao conhecimento.
Em contrapartida, a “Escola Nova” aprimorou a
qualidade do ensino destinado às elites. (SAVIANI,
1985, p. 14).
A Era Vargas foi palco das primeiras
investidas dos novos métodos de ensino, preconizando a
centralidade na criança e na sua iniciativa no processo
de aquisição do conhecimento. Mesmo que inicialmente
restrito, porque atendendo a uma camada da população,
esse ensino renovado se sedimentou, atingindo amplos setores
educacionais, incitando uma discussão sobre os princípios
norteadores de seu método de ensino, que nem sempre atende
as necessidades de parte da população escolar.
Bibliografia
LOURENÇO FILHO, M. B. Introdução ao estudo da Escola
Nova. São Paulo, Melhoramentos, 1978.
SPOSITO, M. O povo vai à escola. São
Paulo, Loyola, 1984.
SAVIANI, D.Escola
e Democracia. São Paulo, Cortez, 1985.