A
HEGEMONIA JESUÍTICA (1549-1759)
Sônia
Maria Fonseca
É consensual
afirmar que, nos trinta primeiros anos da colonização
do Brasil, Portugal dedicou-se exclusivamente à exploração
das riquezas sem efetivo projeto de povoamento. Os índios
que ocupavam o território brasileiro, nas palavras de
Pero Magalhães Gandavo,
não
tinham as letras ‘F, nem L, nem R’, não
possuindo ‘Fé, nem Lei, nem Rei’ e vivendo ‘desordenadamente’.
Essa suposição de uma ausência lingüística
e de ‘ordem’ revela, um tanto avant la lettre,
o ideal de colonização trazido pelas autoridades
portuguesas: superar a ‘desordem’, fazendo obedecer
a um Rei, difundindo uma Fé e fixando uma Lei. [...]
( Apud VILLALTA, 2002, p.332).
“Língua,
instrução e livros, nesse quadro, em termos das
expectativas metropolitanas, deveriam desenvolver-se sob a égide
de um Rei, uma Fé e uma Lei”. (VILLALTA, IDEM).
A
vinda dos jesuítas, em 1549, proporcionava assim a expansão
da Fé e do Império, reunindo mercadores e evangelizadores
sob a mesma empresa, tal como Antonio Vieira irá se
referir posteriormente na obra História do Futuro.
Com sua política de instrução – uma
escola, uma igreja –, edificaram templos e colégios
nas mais diversas regiões da colônia, constituindo
um sistema de educação e expandindo sua pedagogia
através do uso do teatro, da música e das danças, “multiplicando
seus recursos para atingir à inteligência das
crianças e encontrar-lhes o caminho do coração”.
(AZEVEDO, 1943, p.290).
Os
jesuítas tiveram grande importância no campo das
artes. A propagação de um estilo jesuítico
nas artes foi tamanha, que pode ser dedicado um capítulo
inteiro aos jesuítas na História da Arte no Brasil. Tal
importância pode ser constatada na Carta que comunicava
a supressão da Companhia, e determinava a abolição
de “cada um dos seos officios, Residências (...)
Costumes e Estilos”, quando das reformas pombalinas que
culminaram com a sua expulsão das terras brasileiras.
Com
o aprendizado das artes e dos mais diferentes ofícios
adquiriram auto-suficiência na fatura dos mais diversos
objetos de uso pessoal e para a lida cotidiana, de pares de
sapatos a embarcações para transportar os padres
e irmãos entre as possessões no Amazonas e ao
longo do litoral da Bahia, Pernambuco, São Paulo, Rio
de Janeiro e Espírito Santo. A produção
das reduções jesuíticas, por exemplo,
tinha caráter notável. Na região
dos Sete Povos das Missões, além das atividades
de agricultura e pecuária, com produção
de excedentes, foram construídas oficinas para fatura
de instrumentos musicais, assim como para imaginária
e adornos usados nos templos. Os indígenas sob a orientação
de mestres jesuítas executavam a talha e a escultura
em madeira e pedra, empregando em profusão elementos
da flora e fauna circunvizinhas aos aldeamentos.
A
adaptação aos costumes locais em respeito à diversidade
das regiões sob domínio jesuítico, para
a eficácia da catequese, era orientação
que constava nas Constituições da Companhia
de Jesus, apresentada por Inácio de Loyola, em 1550,
aos padres e irmãos que estavam em Roma.
De
fato, os jesuítas empreenderam no Brasil uma significativa
obra missionária e evangelizadora, especialmente fazendo
uso de novas metodologias, das quais a educação
escolar foi uma das mais poderosas e eficazes. Em matéria
de educação escolar, os jesuítas souberam
construir a sua hegemonia. Não apenas organizaram uma
ampla ‘rede’ de escolas elementares e colégios,
como o fizeram de modo muito organizado e contando com um projeto
pedagógico uniforme e bem planejado, sendo o Ratio
Studiorum a sua expressão máxima. (SANGENIS,
2004, p.93)
O Ratio
Studiorum ou Plano de Estudos – o método
pedagógico dos jesuítas, publicado em 1599
foi sistematizado a partir das experiências pedagógicas,
que tiveram início no Colégio de Messina, primeiro
colégio aberto na Sicília, em 1548. A par dessa
primeira experiência na Itália a disputa entre
o modus italicus e o modus parisiensis foi
vencida pelo último, com o predomínio do modelo
da Universidade de Paris, por onde passaram muito dos jesuítas,
inclusive o próprio Loyola.
Este
código de ensino ou estatuto pedagógico era composto
de um conjunto de regras, que envolvia desde a organização
escolar e orientações pedagógicas até a
observância estrita da doutrina católica. O método
de estudos contido no Ratio compreendia o trinômio
estudar, repetir e disputar, prescrito nas regras do Reitor
do Colégio, e como exercícios escolares havia
a preleção, lição de cor, composição
e desafio, práticas pedagógicas essas que remetem
diretamente à escolástica medieval, configurando-se
como Pedagogia Tradicional, que na sua vertente religiosa,
tornava a educação sinônima de catequese
e evangelização. A educação almejada
pelo Ratio tinha como meta a formação
do homem perfeito, do bom cristão e era centrada em
um currículo de educação literária
e humanista voltada para a elite colonial.
A
concepção pedagógica tradicional se caracteriza
por uma visão essencialista de homem, isto é,
o homem é concebido como constituído por uma
essência humana e imutável. À educação
cumpre moldar a existência particular e real de cada
educando à essência universal e ideal que o define
enquanto ser humano. Para a vertente religiosa, tendo sido
o homem feito por Deus à sua imagem e semelhança,
a essência humana é considerada, pois, criação
divina. Em conseqüência, o homem deve se empenhar
para fazer por merecer a dádiva sobrenatural.
A
expressão mais acabada dessa vertente é dada
pela corrente do tomismo, que consiste numa articulação
entre a filosofia de Aristóteles e a tradição
cristã; tal trabalho de sistematização
foi levado a cabo pelo filósofo e teólogo medieval
Tomás de Aquino [...] E é justamente tomismo
que está na base do Ratio Sudiorum [...] (
SAVIANI, 2004, p. 127)
Ainda
que não tenham sido os jesuítas os primeiros
a pisar a Terra de Santa Cruz – vale lembrar que junto
com Pedro Álvares Cabral vieram os franciscanos. Essa
primazia dos franciscanos, no entanto, não legou à posteridade
o mesmo alcance que tiveram os jesuítas, que durante
duzentos e dez anos, a partir da chegada em 1549 até a
expulsão em 1759, detiveram o monopólio da educação. É certo
que esse monopólio não explica isoladamente a
sanha despótica do Marquês de Pombal contra a
Companhia de Jesus. Tinham os jesuítas domínio
sobre as fronteiras ao norte do Rio Amazonas, e as suas missões
naquela região praticavam o comércio das drogas
do sertão, sendo isentas de contribuição à coroa
portuguesa, e ao Sul dos rios Uruguai e Paraguai, onde havia
resistência ao uso dos indígenas para povoar e
defender o interior e regiões fronteiriças. “A
Companhia de Jesus foi uma das vítimas mais evidentes
dos acontecimentos postos em marcha pelas pretensões
imperiais do governo de Pombal e pelas tentativas de nacionalizar
setores do sistema comercial luso-brasileiro.”(MAXWELL,
1995, p.42)
Em
Portugal, cabia aos jesuítas o direito exclusivo de
ensinar Latim e Filosofia no Colégio de Artes, curso
preparatório obrigatório para ingresso nas faculdades
da Universidade de Coimbra. A Universidade de Évora
era também uma instituição jesuítica.
No Brasil os colégios jesuíticos ofereciam quase
com exclusividade a educação secundária.
Nos domínios de Portugal na Ásia havia sido a
força dominante desde os primórdios da expansão
portuguesa no Oriente, sendo que alguns dos jesuítas
chegaram a ser mortos no cumprimento da ação
evangelizadora. A Companhia de Jesus estava presente desse
modo como fator de empecilho às reformas econômicas
e educacionais de Pombal, o que explica, à primeira
vista, a sua expulsão e proscrição. Quando
da supressão da ordem, em 1773, contavam os inacianos
com 578 colégios e 150 seminários em todo o mundo.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
SANGENIS,
Luiz Fernando Conde. Franciscanos na Educação
Brasileira. In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara. Histórias
e Memórias da Educação no Brasil – Vol.
I – Séculos XVI-XVIII. Petrópolis: Editora
Vozes, 2004. p.93-107.
SAVIANI,
Dermeval. Educação e Colonização:
as idéias pedagógicas no Brasil. In: STEPHANOU,
Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara. Histórias
e Memórias da Educação no Brasil – Vol.
I – Séculos XVI-XVIII. Petrópolis: Editora
Vozes, 2004.p.121-130.
VILLALTA,
Luiz Carlos. O Que se Fala e o Que se Lê: Língua,
Instrução e Leitura. In: História da Vida
Privada No Brasil I: Cotidiano e Vida Privada na América
Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p.331-445.
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